Vós sois sal da terra e luz do mundo.
A passagem do Evangelho deste domingo, 5 de fevereiro – Mt 5, 13-14 – é certamente uma das mais conhecidas passagens da Sagrada Escritura. Eu a considero especialmente linda porque, de fato, o mundo nunca mais foi o mesmo desde que Jesus caminhou por entre os homens, anunciando a promessa do seu Reino.
Cristo trouxe-nos sabor às adversidades da vida e aos infortúnios do dia a dia. Tirou o insosso das situações cotidianas, que muitas vezes se sobrepesam em nossas mentes e corpos, trazendo-nos preocupações em excesso, medos, angústias e doenças diversas na alma que se manifestam no corpo.
E que maravilha o salmo de hoje! “Ele não teme receber notícias más; confiando em Deus, seu coração está seguro” (Sl 111, 7). De fato, quando repousamos nos braços do Senhor, nenhum mal tememos.
Quando na primeira viagem após o período de 2 anos de isolamento em decorrência da pandemia de COVID-19, tive uma queda descendo uma duna de areia em Pipa-RN e, sentindo uma ponta do osso da clavícula sob a minha pele, considerei a possibilidade de uma fratura no primeiro dia de viagem, foi o sal de Cristo que trouxe sabor ao meu sofrimento e paz ao meu coração.
Radiografia da clavícula fraturada.
“Ele não teme receber notícias más; confiando em Deus, seu coração está seguro”. Meu coração permaneceu em paz durante as quase 2h até chegar a um hospital, distante cerca de 100 km de onde sofri o acidente. E mesmo após a notícia de que a cirurgia e o regresso precoce para casa seriam minhas melhores opções, permaneci tranquilo.
Exemplos como esse, em que situações de provação testam o nosso equilíbrio, tive várias ao longo de minha breve vida. Não por mérito próprio, mas por Graça, pelo sabor renovado que Cristo dá a tais situações de aridez, pela luz que traz sobre situações de trevas.
Uma das características mais belas que encontro quando medito o Antigo Testamento são as realidades prefiguradas do Novo Testamento. Na leitura de Isaías 58, 7-10, ouvimos as palavras do profeta:
“7Reparte o pão com o faminto, acolhe em casa os pobres e peregrinos. Quando encontrares um nu, cobre-o, e não desprezes a tua carne. 8Então, brilhará tua luz como a aurora e tua saúde há de recuperar-se mais depressa; à frente caminhará tua justiça e a glória do Senhor te seguirá”.
Quando vivemos a Palavra de Deus, o ensinamento de Cristo, o Amor aos irmãos (Cf. Jo 13, 34), somos luz no mundo, como Cristo nos fala no Evangelho (Mt 5, 14). Tal luz dissipa não apenas as trevas na vida do nosso próximo, mas na nossa própria também.
Na Vigília Pascal, celebrada à véspera do Domingo de Páscoa, há um momento em que toda a Igreja fica submersa na escuridão. Cada participante da missa tem nas mãos uma vela, apagada neste primeiro momento. Jesus, entregue como cordeiro ao matadouro, foi morto cruelmente e injustamente na 6ª feira da Paixão e o mundo jaz nas trevas, após a morte do Filho de Deus.
Papa Francisco na Vigília Pascal. Fonte: Vatican News
Na Liturgia do Sábado Santo, o fogo é abençoado e o Círio Pascal, aquela vela grande com 5 pregos encravados na cera, aceso. O sacerdote então pronuncia as palavras: “Eis a luz de Cristo”. E a assembleia responde: “Demos graças a Deus”. Depois, uma vela é acesa no Círio e sua chama é levada para uma segunda vela. O processo se repete. Em poucos minutos, a escuridão que encobria a Igreja se dissipa com a luz que emana das mãos de cada participante da celebração. É, provavelmente, a celebração mais linda de todo o ano litúrgico.
Foto: Equipe Arquidiocesana de Liturgia - Arquidiocese de Passo Fundo - https://www.arquidiocesedepassofundo.com.br/formacao/liturgia/eis-a-luz-de-cristo--o-cirio-pascal
“Vós sois a luz do mundo”.
Inúmeras situações de tempestade ocorrem, e ocorrerão sempre em nossa vida, trazendo ventos fortes que podem apagar a nossa chama. Devemos acender, repetidamente, a nossa chama na luz que vem do Cristo, porque Ele mesmo afirmou:
"Eu sou a luz do mundo; aquele que me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida" (Jo 8, 12).
E iluminados por essa luz que dissipa as trevas que há em nós, poderemos levar sabor a tantos irmãos que já perderam o gosto da vida e que buscam a plenitude da alma se alimentando de cinzas.
Escrevo esse texto em São Paulo, do alto do 15º andar que tem como vista a linda Igreja de Santa Cecília. Foi nela que participei dessa celebração litúrgica que me inspirou a escrever esses pensamentos.
Igreja de Santa Secília, São Paulo, SP. Fonte: https://sanctuaria.art/2016/02/01/igreja-de-santa-cecilia-sao-paulo-sp/
É uma realidade bastante contrastante experimentar o céu em uma Igreja construída na virada do século XIX para o XX e se deparar com a triste realidade do centro de São Paulo, com tantos moradores de rua, pessoas jogadas ao chão, sujas, envoltas em trapos. Enquanto um semelhante dorme em miséria sobre a calçada, dezenas de outras passam indiferentes à sua presença e outras tantas brindam nos bares, fartando-se em seus próprios prazeres.
É difícil não andar pelas ruas temeroso por sua segurança, especialmente quando se cresce em uma cidade com o alto índice de criminalidade que há no Rio de Janeiro. Mas deixar o coração endurecer diante de tais situações é tornar-se cúmplice dos algozes de Nosso Senhor.
A tarefa não é fácil porque temos de lutar bravamente contra nossas más inclinações egoístas. Sem a luz de Cristo, somos apenas trevas. E foi por cada um de nós, miseráveis egoístas, que Cristo se entregou, abrindo mão de bens, fama, fortuna e Glória, para nos resgatar dos grilhões do pecado e nos oferecer a eternidade no Reino de Deus.
Que a luz de Nosso Senhor possa dissipar as trevas de nosso coração e que sejamos capazes de amarmo-nos como Ele nos amou.
Fonte: Padre Paulo Ricardo. https://padrepauloricardo.org/episodios/vos-sois-a-luz-do-mundo-mmxvii