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Páscoa não é passagem

É comum no tempo da Páscoa sermos lembrados de que o seu significado tem estreita relação com a palavra hebraica Pessach, "passagem", e sermos levados à reflexão através de belissimos textos que aprofundam e ampliam este significado.

São reflexões ricas em exemplos, que recordam-nos sermos passageiros nessa vida e que, como tal, devemos libertar-nos de nossos apegos para podermos passar de uma margem à outra do rio, de um pensamento a outro, de um estado de consciência a outro. Libertar-se.

São textos muito atraentes e que carregam um simbolismo muito poderoso. Nos ajudam a olhar para dentro de nós mesmos e a procurarmos tudo aquilo que nos aprisiona - pensamentos, crenças, vícios, etc - que nos aprisionam e nos impedem de evoluir.

Afinal, Páscoa também tem a ver com libertação. Devemos libertar-nos das amarras que nos impedem de crescer, de prosperar, de mudar a nossa vida e a do próximo, tirando-nos da condição de escravos e levando-nos à condição de "empoderados".

São reflexões próprias do nosso tempo. Tempo este bastante desafiador, de muitas mazelas, escravidão e com características próprias, reconhecido como pós-modernidade.

Mas não quero me deter às características do tempo da pós-modernidade, e sim nas do tempo da Páscoa. As verdadeiras características.

A começar pela desconstrução da etimologia da palavra hebraica "pessach" que não significa passagem.

Segundo notas da Bíblia Jerusalém, a etimologia da palavra pesach (com um "s" só) é desconhecida. O significado de passagem foi dado na Vulgata, cerca de 500 anos após a morte e Ressurreição de Jesus, por São Jerônimo, para explicar o termo hebraico, mas isso não coloca a palavra "passagem" no centro da celebração da Páscoa.

Páscoa envolve, principalmente, sacrifício (Ex 12, 1-12). Um sacrifício que deveria ser repetido como um rito religioso e para sempre (Ex 12, 14). Rito que, depois de consumado, garantiria ao povo eleito de Deus, não apenas a libertação da escravidão do faraó, mas a libertação da morte do Anjo Exterminador do Senhor, que feriria todos os primogênitos, entre homens e animais, de toda a terra do Egito (Ex 11, 4-8; 12, 29).

Portanto, Páscoa é:

1. o sacrifício de um Cordeiro macho, puro sem defeito (Ex 12, 5);
2. um rito prescrito por Deus e que deveria ser celebrado eternamente (Ex 12, 14), como um memorial, não uma representação simbólica, mas uma atualização (que significa, neste contexto, tornar novamente atual) que torna presente novamente aqueles acontecimentos;
3. libertação da morte (Ex 12, 13);
4. vitória do oprimido sobre o opressor, pela libertação que vem de Deus (Ex 3, 20).

Mais de 1.000 anos depois, na plenitude dos tempos (Gl 4, 4), o povo de Deus aguardava um novo êxodo, um novo Moisés, um novo maná descido do céu para os libertar da submissão do Império Romano.

Eis, então, que Jesus, o Verbo de Deus feito homem, o Rei dos reis, depois de ter realizado incontáveis sinais e prodígios, se reúne com 12 homens miseráveis, cheios de limitações, onde um o negaria, outro o entregaria aos algozes, e a maioria o deixaria só em sua morte brutal, que Ele os considera como amigos muito amados, celebra uma ceia de Páscoa, seguindo o preceito milenar estabelecido por Deus a Moisés. Jesus era judeu e, como tal, seguia as preceitos da Lei (Mt 5, 17).

Esta não seria uma ceia qualquer, mas uma especial, que Jesus aguardou ansiosamente por comer com os seus amigos (Lc 22, 15-16).

Naquela ceia em que se atualizava (lembre-se: tornada novamente atual, presente) a libertação do povo de Deus, não havia um cordeiro, como prescrito pela Páscoa hebraica; Jesus é o próprio Cordeiro macho e imaculado que se ofecere em sacrifício para a libertação da morte; não da morte física, mas da morte espiritual. Ele é o Cordeiro dado em alimento pelo seu povo, o novo maná descido do céu, que deve comer a sua carne e beber o seu sangue, não para evitar a morte do corpo, mas para alcançar a vida eterna (Jo 6, 54-56; 11, 25-26). Jesus deu-se em sacrifício pascal por amor, tendo nos amado até a morte, e morte de cruz, apesar de nossas misérias. "Prova de amor maior não há".

Assim como Deus estabeleceu com ritos próprios uma aliança perpétua com o povo de Deus da Antiga Aliança para se celebrar a Páscoa, assim também o Filho de Deus, que é um só com o Pai (Jo 10, 30) e, portanto, o único capaz de modificar esta aliança, estabelece uma nova (Hb 8-9) com o Novo Povo de Deus, que é a Igreja, com o rito que se inicia na Última Ceia, na 5ª feira Santa, passa pelo derramamento do sangue do Cordeiro na 6ª feira da Paixão e se conclui com a vitória da vida sobre a morte.

Esta é a Nova e Eterna Aliança (Lc 22, 20) que devemos celebrar em memoria (memorial / atualização) de Cristo (Lc 22, 19), assim pedido por Ele mesmo, do mesmo modo que os hebreus celebravam a primeira, tornando novamente presente/real (memorial ou atualização) o sacrifício feito por Cristo em favor de nós, até que Ele volte em sua Glória.

Isso é Páscoa.

Restringir-se a "passagem" é muito pouco para o seu significado real.

Não existe Páscoa sem sacrifício, o sacrifício do Cordeiro, o sacrifício da Cruz.

Não existe Páscoa sem a celebração do Mistério Pascal, atualizado (tornado atual, presente) na mesa do sacrifício.

Não existe Páscoa sem a libertação de tudo aquilo que nos leva a morte (o pecado), que nos afasta de Deus e da Vida Eterna.

Não existe Páscoa sem conversão, sem o firme propósito de tomar nossas cruzes sobre os ombros e as carregarmos como cordeiro manso e humilde, a exemplo de Cristo, com a certeza de que, pelo caminho do sacrifício da cruz, alcançaremos o êxodo, a verdadeira libertação das opressões, e chegaremos à terra prometida, à Jerusalém celeste, à vida eterna.

Isso é Páscoa. Todo o resto é pós-modernidade.

Eugênio Telles

Eugênio Telles

Eugênio Telles é catequista em constante formação, publicitário, empreendedor, podcaster e foi coordenador da Pastoral da Comunicação no Santuário da Divina Misericórdia e no Vicariato Suburbano da ArqRio.

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