Mostrando itens por marcador: meditação
FC!#281 - Meditações para a Quaresma - Grande fruto que se tira da meditação da Paixão de Jesus Cristo - 5º Domingo da Quaresma - Santo Afonso Maria de Ligório
Abraham, pater vester, exultavit, ut videret diem meum: vidit et gavisus est – “Abraão, vosso pai, desejou ansiosamente ver o meu dia: ele o viu e exultou de gozo” (Jo 8, 56)
Não é sem razão que Abraão e com ele os demais justos do Antigo Testamento desejavam tão ansiosamente ver o dia do Senhor. Sim, porque depois da vinda de Jesus Cristo, é impossível que uma alma crente que medita nas dores e ignomínias que Ele sofreu por nosso amor, não se abrase em amor e não se resolva firmemente a tornar-se santa. Se, pois, queremos progredir no caminho de perfeição, meditemos a miúdo, e especialmente nestes dias, na Paixão do Redentor, e meditando afiguremo-nos que presenciamos os mistérios dolorosos.
I. Não é sem razão que o patriarca Abraão desejou ansiosamente ver o dia do Senhor; e que, tendo tido a ventura de vê-lo por uma revelação divina, ainda que em espírito somente, se alegrou em seu coração, como atesta o Evangelho de hoje. Sim, porque o tempo que se seguiu à vinda de Jesus Cristo, já não é mais tempo de temor, mas tempo de amor: Tempus tuum, tempus amantium.
Na Lei antiga, antes da Encarnação do Verbo, podia o homem, por assim dizer, duvidar se Deus o amava. Depois de O havermos visto, porém, morrendo por nós, exangue e vilipendiado sobre um patíbulo infame, já não podemos duvidar que Ele nos ame com toda a ternura. — Quem poderá jamais compreender, que excesso de amor levou o Filho de Deus a pagar a pena dos nossos pecados? E, todavia, isso é um ponto de fé: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo — “Ele nos amou, lavou-nos em seu sangue”. Ó misericórdia infinita! Ó amor infinito de Deus!
Mas porque é que tantos cristãos olham com indiferença para Jesus Cristo crucificado? Que na Semana Santa assistem à comemoração da morte de Jesus, mas sem algum sentimento de ternura e gratidão, como se não se comemorasse um fato verdadeiro, ou não lhes dissesse respeito?
Não sabem, ou não creem, porventura, o que os santos Evangelhos dizem acerca da Paixão de Jesus Cristo? Com certeza o creem, mas não refletem. Entretanto, é impossível que uma alma crente, que medita nas dores e ignomínias que Jesus Cristo padeceu por nosso amor, não se abrase de amor para com Ele e não tome uma forte resolução de tornar-se santa, a fim de não se mostrar ingrata para com Deus tão amante. Caritas Christi urget nos — “A caridade de Cristo nos constrange”.
II. Meu irmão, se queres sempre crescer em amor para com Deus e progredir na perfeição, medita a miúdo na Paixão de Jesus Cristo, conforme o conselho que te dá São Boaventura: Quotidie mediteris Domini passionem. Especialmente nestes dias, que procedem a comemoração da sua morte dolorosíssima, guiado pelos sagrados Evangelhos, contempla com olhos cristãos tudo que o Salvador sofreu nos principais teatros de seu padecimento; isto é, no horto das oliveiras, na cidade de Jerusalém e no monte Calvário.
Para que tires desta meditação o fruto mais abundante possível, representa-te os sofrimentos de Jesus Cristo tão vivamente, que te pareça veres diante dos olhos o Redentor tão maltratado, e sentires em ti mesmo as chagas que n’Ele abriram as pontas dos espinhos e dos cravos, a amargura do vinagre e fel, o pejo das ignomínias e dos desprezos: Hoc enim sentite in vobis, quod et in Christo Iesu — “Senti em vós o que Jesus Cristo sentiu”. Ao passo que assim meditas, repete muitas vezes com o Apóstolo: Tudo isso o Senhor tem feito e padecido por mim, para me mostrar o seu amor e ganhar o meu: Dilexit me, et tradidit semetipsum pro me — “Ele me amou e se entregou por mim”. E não O amarei?
Sim, amo-Vos; † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas; e porque Vos amo, pesa-me de Vos haver ofendido, e proponho antes morrer do que Vos tornar a ofender. “Vos, ó Senhor onipotente, lançai sobre mim um olhar benigno, para que por vossa proteção seja regido no corpo e defendido na alma”. † Doce Coração de Maria, sêde minha salvação.
FC!#280 - Meditações para a Quaresma - Dor de Maria Santíssima em consentir na morte de Jesus - Santo Afonso Maria de Ligório
Proprio Filio suo non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit illum – “Não poupou a seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos” (Rm 8, 32)
Embora Maria Santíssima já tivesse consentido na morte de Jesus Cristo, desde que aceitou a maternidade divina, quis todavia o Pai Eterno, que ela renovasse o consentimento no tempo da Paixão, afim de que, juntamente com a vida do Filho, fosse também sacrificado o coração da Mãe. Pelos merecimentos deste consentimento tão espontâneo como doloroso, a Santíssima Virgem foi feita Reparadora do gênero humano, e credora de toda a nossa gratidão. Quantos, porém, lhe pagam com a ingratidão mais monstruosa, renovando pelo pecado a paixão do Filho e as dores da Mãe!
I. Ensina Santo Tomás que, conferindo a qualidade de mãe direitos especiais sobre os filhos, parece conveniente que Jesus, inocente e sem culpa própria merecedora de suplício, não fosse destinado à morte de cruz sem que a Santíssima Virgem consentisse e o oferecesse espontaneamente a morrer. Verdade é que Maria já dera o seu consentimento quando foi escolhida para Mãe do Redentor. Quis, porém, o Eterno Pai que ela o renovasse no tempo da Paixão, afim de que, juntamente com o sacrifício da vida do Filho, fosse também sacrificado o coração da Mãe.
A Bem-Aventurada Virgem, ao pensar no Filho amado, que em breve ia perder, tinha os olhos sempre arrasados de lágrimas, e, como ela mesma revelou à Santa Brígida, um suor frio corria-lhe pelo corpo, por causa do temor do doloroso espetáculo que se avizinhava. Eis que, chegando finalmente o dia destinado, veio Jesus e chorando se despediu da Mãe, para ir morrer. Diz Cornélio a Lapide que, para compreendermos a dor que Maria então sentiu, seria mister que compreendêssemos o amor que tal Mãe tinha a tal Filho. Como, porém, poderemos fazer ideia disso?
Ah! os títulos unidos de serva e mãe, de filho e Deus acenderam no coração da Virgem um incêndio composto de mil incêndios, de tal modo que São Guilherme de Paris chega a dizer que Maria amou a Jesus Cristo tanto, que uma pura criatura não seria quase capaz de amá-lo mais: Quantum capere potuit hominis modus. No tempo da Paixão, todo este incêndio de amor se converteu num mar de dor. Pelo que São Bernardino disse: «Todos os sofrimentos do mundo, se fossem ajuntados, não poderiam igualar à dor de Maria». Pobre Mãe! E nós não nos compadeceremos dela?
II. Dizem os santos Padres que a Bem-Aventurada Virgem, pelos merecimentos que adquiriu oferecendo a Deus o grande sacrifício da vida de seu Filho, deve com razão ser chamada: Reparadora do gênero humano; restauradora das nossas misérias, Mãe de todos os fiéis cristãos, nova Eva que nos gerou para a vida, dissemelhante da outra Eva que foi a causa primeira da nossa perdição. ― Por isso o Bem-aventurado Alberto Magno afirma que, assim como somos obrigados a Jesus Cristo pela paixão a que se submeteu por nosso amor, somos obrigados igualmente a Maria pelo martírio que na ocasião da morte do Filho quis sofrer espontaneamente pela nossa salvação.
Infelizmente, porém, quantos cristãos, em vez de se mostrarem agradecidos, pagam à nossa boa Mãe com a mais monstruosa ingratidão!
― Disto exatamente se queixou a mesma Santíssima Virgem com a Bem- aventurada Colleta, franciscana. Aparecendo-lhe um dia e mostrando-lhe Jesus Cristo, todo desfigurado pelas chagas: «Filha», disse-lhe, «eis aí como os pecadores tratam continuamente a meu Filho, renovando-lhe a morte e a mim as dores».
Ó minha bendita Mãe! é assim que os homens respondem ao amor que lhes mostrastes, consentindo em que vosso Jesus morresse pela nossa salvação. Ingratos como são, nem depois de o haverem crucificado, deixam de persegui-lo com os seus pecados, e assim continuam também a afligir-vos, ó grande Rainha dos Mártires. Eu também fui um daqueles infelizes. Ah! minha Mãe dulcíssima, alcançai-me lágrimas para chorar tamanha ingratidão. Pela dor que sentistes, quando vosso Filho se despediu de vós para ir de encontro à morte, obtende-me a graça de contemplar sempre com fruto os mistérios dolorosos da sua Paixão, especialmente nestes dias em que a Igreja faz dela recordação especial. Esta graça eu vo-la peço pelo amor do mesmo Jesus Cristo; de vós a espero.
FC!#278 - Meditações para a Quaresma - Comemoração do preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo - Santo Afonso Maria de Ligório
Redemisti nos, Domine, in sanguine tuo… et fecisti nos Deo nostro regnum – “Remiste-nos, Senhor, em teu sangue, e fizeste-nos reino para Deus” (Ap 5, 9)
O Senhor não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa condenação eterna; quis ainda, no sacramento da penitência, preparar-nos um banho salutar de seu sangue, no qual pudéssemos, à vontade, lavar-nos das manchas do pecado. E nós não O amaremos de todo o coração?… Tomemos o belo hábito de oferecer frequentemente este Sangue preciosíssimo ao Eterno Pai, para obtermos todas as graças de que precisamos.
I. O nosso amantíssimo Redentor não veio ao mundo para outro fim, senão para salvar os pecadores. Por isso não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa eterna condenação; mas com o mesmo sangue quis ainda preparar-nos um banho salutar para nos limparmos das manchas dos nossos pecados: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo— “Ele nos amou e lavou em seu sangue”. — E isso não somente uma vez, senão quantas quisermos; porquanto, prevendo que, depois do Batismo, tornaríamos a manchar-nos pelo pecado, estabeleceu, por meio do sacramento da penitência, que aquele banho durasse até à consumação dos séculos.
Pelo que o Apóstolo nos anima dizendo: Accessistis… ad mediatorem Iesum, et sanguinis aspersionem, melius loquentem quam Abel — “Chegastes… ao mediador Jesus, e à aspersão do sangue, que fala melhor que o de Abel”. Meus irmãos, assim parece dizer-nos, por mais pecadores que sejais, não percais a coragem; pois tendes de tratar, não com um mediador qualquer, mas com Jesus Cristo. Se o sangue dos bodes e dos touros sacrificados tirava aos Hebreus as manchas corporais exteriores, a fim de que pudessem ser admitidos aos ministérios sagrados; quanto mais o sangue de Jesus Cristo, que por amor se ofereceu a pagar por nós, tirará das nossas almas os pecados para podermos servir ao nosso Deus?
Ah! Quanto melhor, conclui São Paulo, o sangue do Redentor implora por nós a divina misericórdia, do que o sangue de Abel bradava por vingança contra Caim! — É o que o Senhor mesmo disse também a Santa Maria Madalena de Pazzi:
“A minha justiça converteu-se em clemência pela vingança tomada no corpo inocente de Jesus Cristo. O sangue deste meu Filho não pede vingança, como o sangue de Abel, mas somente misericórdia e piedade, e à tal voz a minha justiça fica necessariamente aplacada. Este sangue liga-me, por assim dizer, as mãos, de modo que não posso mais movê-las para tomar vingança dos pecados, como antes tomavam.”
II. Como fruto da presente meditação nutramos uma terna devoção ao sangue divino. Cada vez que meditares na Paixão de Jesus Cristo, chega-te a Ele em espírito e pede-Lhe que te purpureie todo com o seu preciosíssimo sangue. No tribunal da penitência, afigura-te ver no Confessor a própria pessoa do Redentor, que na absolvição derrama sobre ti o seu sangue; e quando fores comungar, imagina que chegas teus lábios ao lado sagrado de Jesus. Sobretudo habitua-te a oferecer muitas vezes ao Eterno Pai o sangue preciosíssimo de Jesus Cristo, em satisfação pelos teus pecados, pelas necessidades da santa Igreja, pela conversão dos pecadores e em sufrágio das almas do purgatório.
† “Ó Sangue preciosíssimo de vida eterna, mercê e resgate de todo o universo, bebida e lavacro de nossas almas, que defendeis continuamente a causa dos homens junto ao trono da suprema misericórdia, adoro-vos profundamente, e quisera, quanto me é possível, desagravar-vos de todas as injúrias e desprezos que continuais a receber da parte dos homens, e particularmente daqueles que temerariamente se atrevem a blasfemar contra vós. Quem não bendirá esse Sangue de infinito valor: quem não se sentirá abrasado de amor a Jesus, que o derramou? Que seria de mim, se não fora remido por esse Sangue divino? Quem vos fez correr até à última gota das veias de meu Senhor? Ah! Foi certamente o amor. Ó amor imenso que nos deu este bálsamo tão salutar! Ó bálsamo inestimável, brotado da fonte de um amor imenso! Fazei, ah! Fazei que todos os corações, todas as línguas vos louvem, exaltem e agradeçam agora e sempre, até ao dia da eternidade.”
“E Vós, Eterno Pai, que destinastes para Redentor do mundo vosso Filho unigênito e quisestes ser aplacado pelo seu sangue: suplico-Vos, concedei- me que, enquanto estiver aqui na terra, eu venere solenemente esse preço de nossa salvação, e seja por ele de tal modo livrado de todos os males da vida presente, que mereça gozar eternamente os seus frutos no céu.” Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria Santíssima.
FC!#277 - Meditações para a Quaresma - União da alma com Jesus na Santa Comunhão - Santo Afonso Maria de Ligório
Venite, benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum… Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum – “Vinde, benditos de meu Pai, possui o reino que vos está preparado… apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno” (Mt 25, 34-41)
Jesus tinha-se dado aos homens como mestre, como modelo e como vítima; restava-Lhe somente que se desse como alimento, a fim de fazer-se uma coisa conosco. É o que fez instituindo a santa Eucaristia. Ó dignação de um Deus para com os homens! Mas como é que há tantos homens que não O amam e Lhe respondem com ingratidão!… Se no passado nós também temos sido do número desses ingratos, esforcemo- nos para amá-Lo tanto mais para o futuro.
I. Diz São Diniz, o Areopagita, que o efeito principal do amor é procurar a união com o objeto amado. Exatamente para se unir com as nossas almas foi que Jesus Cristo instituiu a santa Comunhão. Tendo-se dado a nós como mestre, como modelo e como vítima só Lhe restava dar-se a nós como nosso sustento, para fazer-se um só conosco, assim como o sustento se identifica com aquele que o toma. Foi o que fez instituindo este Sacramento de amor.
Jesus Cristo não pode contentar-se com unir-se à nossa natureza humana; com este sacramento quis ainda achar o modo de unir-se a cada um de nós e de ser todo de quem o recebe. A este respeito escreveu São Francisco de Sales:
“Em nenhuma outra ação pode o Salvador ser considerado nem mais terno nem mais amoroso, do que nesta, na qual se aniquila, por assim dizer, e se reduz a manjar, a fim de entrar em nossas almas, e unir-se aos corações dos seus fiéis”.
Numa palavra, porque Jesus nos ama ardentemente, quer unir-se conosco pela Eucaristia, a fim de que nos tornemos uma coisa com Ele, e o seu coração seja um só coração com o nosso. “Voluisti, ut tecum unum cor haberemus”, diz São Lourenço Justiniani: “Quisestes que tivéssemos um só coração convosco”. E primeiro já o dera a entender o próprio Jesus: Qui manducat meam carnem, in me manet et ego in illo — “Quem come a minha carne permanece em mim e Eu nele”. — Assim, na comunhão Jesus une-se com a alma e a alma com Jesus, e esta união não é de mero afeto, mas verdadeira e real. “Como dois pedaços de cera derretidos se misturam”, diz São Cirilo de Alexandria, “assim o que comunga se torna uma coisa com Jesus Cristo. Ó condescendência infinita de um Deus para com os homens! Mas como é então possível que estes não O amem e Lhe respondam com ingratidão?
II. Para nos mantermos sempre em união com Jesus Cristo, aproximemo- nos frequentemente e com as devidas disposições da Mesa Eucarística; e se és diretor de almas, exorta as tuas dirigidas à comunhão frequente. Costumava o Bem-aventurado João de Ávila dizer que os que censuram as pessoas que frequentam a comunhão fazem o papel do demônio, que tem grande ódio a este sacramento, porque dele as almas recebem o fervor para progredirem na perfeição. —Quando comungamos, afiguremo-nos que Jesus Cristo nos diz o que um dia disse à sua querida serva Margarida de Ypres: “Vê, minha filha, a bela união entre nós; pois, ama-me, fiquemos sempre unidos no amor e nunca mais nos separemos”.
Ah, meu Jesus! Eis o que Vos peço e quero sempre pedir-Vos na santa comunhão: Unidos fiquemos sempre, e jamais nos separemos. Sei que não vos separareis de mim, se não for eu o primeiro a me separar de Vós. Ai! Todo o meu medo é que no futuro venha eu a separar-me de Vós pelo pecado, como fiz outrora. Por piedade, não o permitais, ó meu amadíssimo Redentor: Ne permittas me separari a te. Até a morte, estarei sempre exposto a este perigo; ah! Conjuro-Vos, pelos merecimentos de vossa Paixão, deixai-me antes morrer do que cair nesta desgraça. Repito-o e Vos peço a graça de repeti-lo sempre: Não permitais que me separe de Vós! Não permitais que me separe de Vós!
Ó Deus de minha alma, amo-Vos, amo-Vos; quero amar-Vos sempre, e não amar senão a Vós. Protesto à face do céu e da terra, só a Vós quero e nada mais. Jesus meu, escutai-me, eu o repito: só a Vós quero e nada mais. Ó Mãe de misericórdia, Maria, intercedei neste momento por mim; obtende-me a graça de não me separar mais de Jesus, e não amar mais senão a Jesus.
FC!#275 - Meditações para a Quaresma - Sentença dos escolhidos e dos réprobos no Juízo Universal - Santo Afonso Maria de Ligório
Venite, benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum… Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum – “Vinde, benditos de meu Pai, possui o reino que vos está preparado… apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno” (Mt 25, 34-41)
No Juízo final, a fim de que os réprobos sintam mais a grandeza do bem que perderam, será primeiro pronunciada a sentença dos escolhidos. E enquanto estes entrarem triunfantes no paraíso, o divino Juiz se voltará para os réprobos, e amaldiçoando-os, condená-los-á a se afastarem d’Ele para queimarem no fogo eterno. Meu irmão, com a vida que vais levando, qual das duas sentenças julgas que naquele dia será a tua?
I. São Bernardo diz que no Juízo universal Jesus pronunciará primeiramente a sentença dos justos, chamando-os à glória do paraíso, a fim de que os réprobos sintam maior pena à vista do que perderam. Jesus Cristo, pois, voltar-se-á para os escolhidos, e com o semblante cheio de benevolência lhes dirá: Venite, benedicti Patris mei — “Vinde, benditos de meu Pai”. São Francisco de Assis, sabendo por uma revelação que era predestinado à glória, não podia conter a alegria. Qual não será então a alegria dos que ouvirem estas palavras do Juiz: “… Vinde, filhos benditos, entrai no reino que vos espera; não tendes mais nada a sofrer, nada mais a recear; estais salvos, e salvos por toda a eternidade. Abençôo o sangue que por vós derramei, e abençôo as lágrimas que vós derramastes sobre os vossos pecados. Vamos ao paraíso onde juntos permaneceremos eternamente.” A Santíssima Virgem abençoará também os seus dedicados servos e os convidará a acompanhá-la à celeste morada; e assim cantando aleluia! aleluia! Os escolhidos entrarão triunfantes no paraíso, para possuírem, louvarem e amarem eternamente a Deus.
Ao contrário, os réprobos voltados para Jesus Cristo dir-Lhe-ão: Que será feito de nós, desgraçados? — Vós, assim dirá o Juiz eterno, já que haveis recusado e desprezado a minha graça: Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum — “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno”. Discedite: apartai-vos, nunca mais vos quero ver nem ouvir. Maledicti, ide, malditos, ide, já que haveis desprezado a minha bênção. — Mas para onde, Senhor, para onde devem ir estes desgraçados? In ignem, para o inferno, onde devem arder em corpo e alma. Mas, por quantos anos ou por quantos séculos? O que? Anos? Séculos? In ignem aeternum, por toda a eternidade, enquanto Deus for Deus.
Ó pecado maldito, a que triste destino levarás um dia tantas pobres almas, remidas pelo sangue de Jesus Cristo! Ó almas desgraçadas, às quais está reservado um destino tão lastimável. — Dize-me, meu irmão, qual das duas sentenças julgas que será a tua naquele dia. Queres ser um dia abençoado com os escolhidos à tua direita! Deixa então o caminho que te leva a ser maldito com os réprobos à esquerda.
II. Depois da sentença, os réprobos, segundo Santo Efrém, despedir-se-ão dos Anjos, dos Santos, dos parentes e da divina Mãe. E neste instante um vasto abismo se abrirá no meio do vale, e nele cairão juntamente os demônios e os condenados, que sobre si ouvirão fechar essas portas, que, durante toda a eternidade, nunca e nunca se hão de abrir.
Ah, meu Deus e meu Salvador, qual será a sentença que me tocará no último dia? Se neste momento, meu Jesus, me pedísseis contas da minha vida, que outra coisa poderia responder-Vos, senão que mereço mil vezes o inferno? Sim, meu amado Redentor, é verdade que mereço mil vezes o inferno; mas sabei que Vos amo e que Vos amo mais que a mim mesmo. Quanto às ofensas que Vos fiz, estou possuído de tal dor, que antes quisera ter sofrido todos os males que ter-Vos desagradado. Ó Jesus meu, condenais os pecadores obstinados, mas não os que se arrependem e Vos querem amar. Aqui me tendes aos vossos pés com o coração contrito; deixai-me ouvir uma palavra de perdão.
Já mo declarastes pela boca do Profeta: Convertimini ad me, et convertar ad vos — “Convertei-vos a mim, e Eu me converterei a vós”. Tudo abandono, renuncio a todos os gozos, a todos os bens do mundo; converto-me e ligo-me a Vós, Redentor meu amabilíssimo. Ah! Recebei- me em vosso Coração e ali abrasai-me com o vosso santo amor; inflamai- me de tal modo que nunca mais pense em separar-me de Vós. Jesus meu, salvai-me, e que a minha salvação consista em amar-Vos sempre, e louvar para sempre as vossas misericórdias: Misericordias Domini in aeternum cantabo — “Eternamente cantarei as misericórdias do Senhor”.
— Maria, minha esperança, meu refúgio e minha Mãe, ajudai-me e alcançai-me a santa perseverança. Ainda não se perdeu ninguém que recorresse a vós; a vós me recomendo, tende piedade de mim.
FC!#274 - Meditações para a Quaresma - Da nobreza da alma - Santo Afonso Maria de Ligório
Fili, in mansuetudine serva animam tuam, et da illi honorem secundum meritum suum – “Filho, guarda a tua alma na mansidão, e dá-lhe honra segundo o seu merecimento” (Ecle 10, 31)
A nossa alma é, sem dúvida, mais preciosa do que todos os bens do mundo, não só pela sua nobre origem, senão também, e muito mais, pelo preço do seu resgate e pela sublimidade do seu destino. Por isso o demônio estima-a tão alto, que para se apoderar dela não descansa. Ora dize-me: se o inimigo vela sempre para perder a nossa alma, como podemos nós ficar dormindo o sono da tibieza?
I. Devemos considerar bem que o negócio da nossa eterna salvação é um negócio das mais graves consequências, porque se trata da alma, e, tendo- se perdido esta, tudo está perdido. A alma, diz São João Crisóstomo, deve ser tida por nós como mais preciosa que todos os bens do mundo. E, para compreender esta verdade acrescenta São Eleutério, se não nos basta saber que Deus a criou à sua imagem e semelhança, seja-nos ao menos suficiente saber que Jesus Cristo pagou um preço de valor infinito para remir a alma da escravidão do demônio: Si non credis Creatori, interroga Redemptorem — “Se não acreditas no Criador, interroga ao Redentor”.
Assim é: para salvar nossas almas, o próprio Deus sacrificou seu Filho à morte; e o Verbo eterno não duvidou resgata-las a troco de seu sangue. Empti enim estis pretio magno — “Fostes comprados por alto preço”. Pelo que um santo Padre, considerando o preço do resgate humano, chega a dizer: Parece que o homem vale tanto como Deus. — Tinha muita razão São Filipe Neri de tratar pela salvação da alma. Se tem tamanho valor a nossa alma, que bens do mundo poderemos dar em troca, se viermos a perdê-la? Quam dabit homo commutationem pro anima sua?
— “Que dará o homem em troca da sua alma?”
Se houvesse na terra homens mortais e outros imortais, e se os mortais vissem os imortais preocupados com as coisas do mundo, procurando granjear honras, bens e prazeres mundanos, dir-lhes-iam sem dúvida: Quanto sois insensatos! Podeis adquirir bens eternos e pensais nessas coisas miseráveis e passageiras? E é por elas que vos condenais a penas eternas na outra vida? Deixai esses bens terrestres para aqueles que, como nós, tudo vem acabar com a morte. Mas não! Todos somos imortais. Como é então que tantas pessoas perdem a alma em troca das miseráveis satisfações deste mundo?
II. Devemos de hoje em diante empregar toda a diligência na salvação da nossa alma, e por isso devemos fugir das ocasiões perigosas, resistir às tentações e frequentar os sacramentos. Vede, diz Santo Agostinho; o demônio estima tanto uma alma, que para se apoderar dela, não dorme, mas anda continuamente ao redor de nós buscando perdê-la. Ora, se o inimigo vela sempre para a nossa perdição, havemos de ficar dormindo o sono da tibieza? Vigilat hostis, dormis tu?
Ah, meu Deus! De que serviram os longos anos que me haveis dado para adquirir a salvação eterna? Vós, ó Redentor meu, resgatastes a minha alma à custa do vosso sangue e ma destes para trabalhar pela sua salvação, e eu não trabalhei senão para perdê-la, ofendendo-Vos a Vós, que tanto me haveis amado. Agradeço-Vos o tempo que ainda me concedeis para reparar tão grande perda. Perdi a alma e a vossa amável graça!
Senhor, arrependo-me e sinto-o de todo o coração. Ah, perdoai-me, pois que d’oravante estou resolvido a perder todos os bens, incluindo a vida, antes que perder a vossa amizade. Amo-Vos sobre todas as coisas e tenho a firme vontade de Vos amar sempre, ó Bem supremo, digno de todo o amor. Ajudai-me, ó meu Jesus, a fim de que esta resolução não seja semelhante às outras que formei no passado e que foram outras tantas infidelidades. Deixai-me antes morrer do que tornar a ofender-Vos e deixar de Vos amar.
— Ó Maria, esperança minha, salvai-me, obtendo-me a santa perseverança.
FC!#273 - Meditações para a Quaresma - Meios para alcançar o amor de Deus e a santidade - Santo Afonso Maria de Ligório
Desideria occidunt pigrum… qui autem iustus est tribuet, et non cessabit – “Os desejos matam o preguiçoso; porém, o que é justo dará e não cessará” (Pv 21, 25-26)
Quem quiser ser santo não se deve contentar com o desejo, mas deve resolver-se a por depressa mãos à obra, porque o demônio não teme as almas irresolutas. Os meios para chegar a um fim tão sublime, são particularmente dois: a oração, que faz o amor divino entrar no coração, e a mortificação, que dele remove a terra e o torna apto a receber o fogo divino. Ganhemos ânimo; comecemos desde já a empregar estes meios e nós também chegaremos a ser santos.
I. Quem mais ama a Deus é mais santo. Dizia São Francisco Borges que a oração faz entrar o amor divino no coração, ao passo que a mortificação dele remove a terra e fá-lo apto a receber aquele fogo sagrado. Quanto mais espaço a terra ocupa no coração, tanto menos lugar achará ali o santo amor: Sapientia… nec invenitur in terra suaviter viventium — “A sabedoria… não se acha na terra dos que vivem em delícias”. — Por isso é que os Santos sempre procuraram mortificar, o mais possível, o seu amor próprio e os seus sentidos. “Os santos são poucos, mas devemos viver com os poucos, se nos quisermos salvar com os poucos”, escreve São João Clímaco: Vive cum paucis, si vis regnare cum paucis. E São Bernardo diz:
“Quem quer levar vida perfeita, deve levar vida singular: Perfectum non potest esse nisi singulare.”
Para sermos santos, devemos, antes de mais nada, ter o desejo de nos tornarmos santos: desejo e resolução. Alguns sempre desejam, mas nunca começam a por mãos à obra. “De semelhantes almas irresolutas”, dizia Santa Teresa, “o demônio não tem medo. Ao contrário, Deus é amigo das almas generosas.”
É, pois, um engano do demônio, no dizer da mesma seráfica Santa, fazer- nos pensar que há orgulho em se querer tornar santo. Seria orgulho e presunção se metêssemos a nossa confiança em nossas obras ou resoluções; mas não, se esperamos tudo de Deus, que então nos dará a força que nos falta. — Desejemos, portanto, e ardentemente, chegar a um grau sublime de amor divino e digamos com coragem: Omnia possum in eo qui me confortat — “Eu posso tudo naquele que me fortalece”. Se não achamos em nós tão grande desejo, peçamo-lo instantemente a Jesus Cristo, que não deixará de no-lo dar.
II. Devemo-nos, portanto, alentar, tomar uma resolução e começar; lembrando-nos de que, na perfeição cristã, segundo a expressão de São Francisco de Sales, vale muito mais a prática do que a teoria. O que não podemos fazer com as nossas próprias forças, ser-nos-á possível com o auxílio de Deus, que prometeu dar-nos tudo o que Lhe pedíssemos: Quodcumque volueritis, petetis, et fiet vobis.
Ó meu amado Redentor, Vós desejais o meu amor e me mandais que Vos ame de todo o coração. Sim, Jesus meu, quero amar-Vos de todo o meu coração. Não, meu Deus — assim Vos direi, confiado em vossa misericórdia, — não me assustam os pecados que cometi, porque agora detesto-os e abomino-os mais do que qualquer outro mal, e sei que Vos esqueceis das ofensas da alma que se arrepende e Vos ama. Porque Vos ofendi mais do que os outros, quero, com o auxílio que de Vós espero, amar-Vos mais do que os outros.
Senhor meu, Vós me quereis santo, e eu quero tornar-me santo, não tanto para gozar no paraíso, como para Vos agradar. Amo-Vos, bondade infinita! † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, e me consagro todo a Vós, vós sois o meu único bem, o meu único amor. Aceitai-me, ó meu amor, e fazei-me todo vosso, e não permitais que ainda Vos dê desgosto. Fazei com que eu me consuma todo por Vós, assim como Vós Vos consumistes todo por mim. — Ó Maria, ó Esposa mais amável do Espírito Santo, e a mais amada, obtende-me amor e fidelidade. Alcançai-me somente, ó minha Mãe, que eu seja sempre vosso devoto servo; porquanto quem se distingue na devoção para convosco, distingue-se também no amor a vosso divino Filho.
FC!#271 - Meditações para a Quaresma - A multidão faminta e as almas do purgatório - Santo Afonso Maria de Ligório
Unde ememus panes ut manducent hi? – “Onde compraremos pães para que estes comam?” (Jo 6, 5)
A tenra compaixão que moveu o Senhor a multiplicar os pães para dar de comer à multidão que o seguia, deve mover-nos a socorrer as almas do purgatório, que são muito mais numerosas e muito mais famintas de seu alimento espiritual, que é Deus. O meio principal de que devemos usar para lhes levar socorro é a santíssima Eucaristia. Em sufrágio dessas almas, visitemos frequentemente a Jesus sacramentado; aproximemo-nos da mesa da comunhão, e, se não podemos mandar celebrar missas, ouçamos ao menos todas as que as nossas ocupações nos permitam ouvir.
I. Refere o Evangelho que, estando Jesus assentado sobre um monte, levantou os olhos, e viu ao redor de si uma multidão de quase cinco mil pessoas, que O seguiam, porque viam os milagres que fazia sobre os enfermos. Em seguida, sabendo que um moço tinha cinco pães de cevada e dois peixes, tomou-os em suas mãos, e, tendo dado graças, os mandou distribuir à multidão. Não somente houve o bastante para todos se fartarem, mas com os pedaços que sobejaram, os apóstolos encheram doze cestos. Eis aí o grande milagre que Jesus Cristo fez por compaixão de tantos pobres corporalmente.
Ora, é justo, ou para dizer melhor, é necessário que tenhamos compaixão das almas de outra multidão muito mais numerosa e incomparavelmente mais faminta do seu alimento espiritual: devemos compadecer-nos das almas benditas do purgatório. — Pobres almas! São muitas as penas que padecem naquele cárcere de tormentos; porém, acima de tudo aflige-as a privação da dulcíssima presença de Deus, cuja beleza infinita já conhecem. Não há na linguagem humana palavras apropriadas para exprimir qual seja esta pena; mas ainda que possuíssemos as palavras adequadas, faltar-nos- ia a capacidade de compreendê-las, preocupados como estamos com as coisas terrestres. Mas a pena que a privação de Deus traz consigo é bem compreendida pelas pobres almas que a padecem. Por isso levantam a sua voz lamentosa e pedem-nos que lhes saciemos a fome inconcebível de contemplarem quanto antes o objeto de seu amor: Miseremini mei, saltem vos, amici mei, quia manus Domini tetigit me — “Compadecei-vos de mim, ao menos vós, que sois meus amigos, porque a mão do Senhor me feriu”.
II. O milagre da multiplicação dos pães, assim como se conclui do Evangelho, foi feito para provar a presença verdadeira de Jesus na Eucaristia; e mesmo, segundo observavam os doutores, foi uma figura da Mesa eucarística. Eis, pois, o meio eficacíssimo de que, à imitação do Redentor, devemos lançar mão para saciarmos a fome das almas benditas do purgatório. — Visitemos muitas vezes o divino Sacramento, comunguemos com frequência; sobretudo mandemos celebrar em alívio das almas o sacrifício incruento da missa, ou ao menos ouçamos para sufragá-las todas as missas que pudermos. “Cada missa que se celebra”, diz São Jerônimo, “faz sair várias almas do purgatório”. E São Gregório acrescenta: “Quem assiste devotamente à missa, alivia as almas dos fiéis defuntos e contribui para lhes serem perdoados completamente os pecados”.
Pelo que uma pessoa muito devota às almas do purgatório, cada vez que ouvia tocar a entrada para uma missa, afigurava-se ver as almas no meio das chamas e ouvir os seus gritos lastimosos e angustiados. “Então”, assim dizia, “por urgentes que sejam as minhas ocupações, não posso deixar de assistir ao divino sacrifício, nem tenho coragem de lhes dizer: Esperai, porque hoje falta-me o tempo para vos ajudar”. — Façamos do mesmo modo, e fiquemos certos de que aquelas santas prisioneiras saberão mostrar-se agradecidas. Além disso, virá o tempo em que, estando nós também no purgatório, nos medirão a nós com a medida que nós tivermos medido aos outros.
Ó dulcíssimo Jesus, pela compaixão que mostrastes para com as multidões famintas que Vos acompanhavam, tende piedade das almas do purgatório. Volvei também para mim os vosso olhos piedosos, “e fazei, ó Deus todo-poderoso, que na aflição pelas minhas iniquidades, respire com a consolação de vossa graça”. † Doce Coração de Maria, sêde minha salvação.
FC!#270 - Meditações para a Quaresma - Terceira dor de Maria Santíssima – Perda de Jesus no Templo - Santo Afonso Maria de Ligório
Ecce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te – “Eis que teu pai e eu Te andávamos buscando cheios de aflição” (Lc 2, 48)
A dor de Maria pela perda de Jesus foi sem dúvida uma das mais acerbas; porque ela então sofria longe de Jesus, e a humildade fazia-lhe crer que o Filho se tinha apartado dela por causa de alguma negligência sua. Sirva-nos esta dor de conforto nas desolações espirituais; e ensine- nos o modo de buscarmos a Deus, se jamais para nossa desgraça viermos a perdê-Lo por nossa culpa. Lembremo-nos, porém, de que quem quiser achar a Jesus, não O deve buscar entre os prazeres e delícias, mas no pranto, entre as cruzes e mortificações, assim como Maria o procurou.
I. Quem nascer cego, pouco sente a pena de ser privado de ver a luz do dia; mas quem noutro tempo teve a vista e gozou a luz, muita pena sente em se ver dela privado. E assim igualmente as almas infelizes que, cegas pelo lodo desta terra, pouco têm conhecido a Deus, pouco sentem a pena de O não acharem. Ao contrário, quem, iluminado pela luz celeste, foi feito digno de achar no amor a doce presença do supremo Bem, ó Deus! Que tristeza sente em ver-se dela privado.
Vejamos portanto o muito que a Maria, acostumada a gozar continuamente a dulcíssima presença de seu Jesus, devia ser dolorosa a terceira espada que a feriu, quando, havendo-O perdido em Jerusalém, por três dias se viu dele separado. ― Alguns escritores opinam que esta dor não foi somente uma das maiores que teve Maria na sua vida, mas que foi em verdade a maior e mais acerba. E com razão, porque então ela não sofria em companhia de Jesus, como nas outras dores; e porque a sua humildade lhe fazia crer que Jesus se tinha afastado dela por alguma negligência no seu serviço. Por esta razão aqueles três dias lhe foram excessivamente longos e se lhe afiguraram séculos, cheios de amargura e de lágrimas.
Num quem diligit anima mea vidistis? ― “Vistes porventura àquele a quem ama a minha alma?” É assim que a divina Mãe, como a Esposa dos Cantares, andava perguntando por toda a parte. E depois, cansada pela fadiga, mas sem O ter achado, oh, com quanto maior ternura não terá dito o que disse Ruben de seu irmão: Puer non comparet, et ego quo ibo?
― “O menino não aparece, e eu para onde irei?” O meu Jesus não aparece, e eu não sei que mais possa fazer para O achar; mas aonde irei sem o meu tesouro? Ah, meu filho dileto! Cara luz de meus olhos: faze-me saber onde estás, a fim de que eu não ande mais errando e buscando-Te em vão. Numa palavra, afirma Orígenes que pelo amor que esta santa Mãe tinha a seu Filho, padeceu mais nesta perda de Jesus que qualquer outro mártir no tormento que o privou da vida.
II. Esta dor de Maria, em primeiro lugar, deve servir de conforto àquelas almas que estão desoladas e não gozam a doce presença de seu Senhor, gozada em outros tempos. Chorem, sim, mas chorem com paz, como chorou Maria a ausência de seu Filho. Não temam por isso de terem perdido a divina graça, animando-se com o que disse Deus mesmo a Santa Teresa: “Ninguém se perde sem o conhecer; e ninguém fica enganado sem querer ser enganado”. ― Se o Senhor se ausenta dos olhos da alma que o ama, nem por isso se ausenta do coração. Esconde-se muitas vezes para ser por ela buscado com mais desejo e amor. Mas quem quer achar a Jesus, é preciso que o busque, não entre as delícias e os prazeres do mundo, mas entre as cruzes e mortificações, como o buscou Maria: Dolentes quaerebamus te ― “Nós Te andávamos buscando cheios de aflição”.
Além disso, neste mundo não devemos buscar outro bem senão Jesus. Jó não foi, por certo, infeliz quando perdeu tudo o que possuía neste mundo, até descer a um monturo. Porque tinha consigo Deus, também então era feliz. Verdadeiramente infelizes e miseráveis são aquelas almas que perderam a Deus. Se, pois, Maria chorou a ausência do Filho, quanto mais deveriam chorar os pecadores que perderam a divina graça, e aos quais Deus diz: Vos non populus meus, et ego non ero vester ― “Vós não sois meu povo, e eu não serei mais vosso”.
Mas a maior desgraça para aquelas pobres almas, diz Santo Agostinho, é que, se perdem um boi, não deixam de procurá-lo; se perdem uma ovelha, não poupam diligência para achá-la; se perdem um jumento, não têm mais repouso; mas se perdem o sumo Bem, que é Deus, comem, bebem e ficam quietos.
― Ah, Maria, minha Mãe amabilíssima, se por minha desgraça eu também perdi a Jesus pelos meus pecados, rogo-vos, pelos méritos das vossas dores, fazei que eu depressa O vá buscar e O ache, para nunca mais tornar a perdê-Lo em toda a eternidade.
FC!#268 - Meditações para a Quaresma - Comemoração das cinco Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo - Santo Afonso Maria de Ligório
Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris – “Tirareis com alegria águas das fontes do Salvador” (Is 12, 3)
As Chagas de Jesus são aquelas benditas fontes preditas por Isaías, das quais podemos tirar todas as graças, se as pedimos com fé. São fontes de misericórdia, fontes de esperança, e sobretudo fontes de amor; porquanto as suas águas, ao passo que purificam a alma das manchas da culpa, abrasam-na no santo amor. Avizinhemo-nos muitas vezes daquelas fontes do Salvador, para apagar a nossa sede das graças.
I. As Chagas de Jesus Cristo são aquelas benditas fontes preditas por Isaías, das quais podemos tirar todas as graças, se as pedimos com fé: Haurietis aquas in gaudio de fontibus Salvatoris — “Tirareis com alegria água das fontes do Salvador”.
São em primeiro lugar fontes de misericórdia. Jesus Cristo quis que lhe fossem traspassados as mãos, os pés e o lado sacrossanto, a fim de aplacar por nós a divina justiça e ao mesmo tempo abrir-nos um asilo seguro, no qual nos pudéssemos subtrair às setas da ira de Deus.
Por isso, o Senhor mesmo nos anima, dizendo no Cântico dos cânticos: Vem, pomba minha, nas aberturas da pedra; isto é, na interpretação de São Pedro Damião: vem dentro destas minhas chagas, onde acharás todo o bem para tua alma. — Mais expressivas ainda são as palavras de que se serve na profecia de Isaías: Ecce in manibus meis descripsi te — “Eis aí que te gravei em minhas mãos”. Como se dissesse: Minha pobre ovelha, tem ânimo; não vês quanto me custaste? Eu te gravei em minhas mãos, nestas chagas que recebi por teu amor. Elas me solicitam sempre a ajudar-te e defender-te de teus inimigos; tem, pois, amor e confiança em mim.
As Chagas de Jesus são também fontes de esperança; porquanto, como escreve São Paulo, o Senhor quis morrer consumido pelas dores, a fim de merecer o paraíso para todos os pecadores arrependidos e resolvidos a emendar-se: Et consummatus, factus est omnibus obtemperantibus causa salutis — “E pela sua consumação foi feito autor da salvação para todos os que Lhe obedecem”. — Durante uma enfermidade, São Bernardo se viu certa vez transportado perante o tribunal de Deus, onde o demônio o acusava de seus pecados e lhe dizia que não merecia o céu. Respondeu- lhe então o Santo: “É verdade que eu não mereço o paraíso; mas Jesus tem dois direitos para este reino: um por ser Filho verdadeiro de Deus, outro por tê-lo merecido com a sua morte. Contentando-se com o primeiro, cedeu-me o segundo, em virtude do qual peço e espero a glória celeste”. É isto, meu irmão, o que nós também podemos dizer: As Chagas de Jesus Cristo são os nossos merecimentos, a nossa esperança: Vulnera tua merita mea.
II. As Chagas de Jesus Cristo são, em terceiro lugar, fontes de amor; porque as águas que ali brotam, purificam as almas e ao mesmo tempo abrasam-nas daquele santo fogo que o Senhor veio acender sobre a terra nos corações dos homens. Pelo que São Boaventura exclama:
“Ó Chagas que feris os corações mais duros e abrasais as almas mais frias de amor divino.”
São Paulo protestou solenemente de si: Non enim indicavi scire me aliquid inter vos, nisi Iesum Chistum, et hunc crucifixum — “Não entendi saber entre vós coisa alguma senão a Jesus Cristo, e este crucificado”. Não ignorava, de certo, o apóstolo, que Jesus Cristo nascera numa gruta, que passara trinta anos de sua vida numa oficina, que ressuscitara e subira ao céu. Não obstante isso diz que não queria saber senão de Jesus crucificado, porque este mistério o excitava mais a amá-Lo, visto que as sagradas Chagas lhe diziam o amor imenso que Jesus nos teve. — Recorramos, pois, frequentes vezes por meio de uma meditação atenta a estas fontes divinas do Salvador: Omnes sitientes venite ad aquas — “Todos vós os que tendes sede, vinde às águas”.
Eterno Pai, lançai vossos olhos sobre as Chagas de vosso divino Filho: estas Chagas Vos pedem todas as misericórdias para mim; perdoai-me, pois, as ofensas que Vos fiz; apoderai-Vos de meu coração todo, para que não ame, busque, nem deseje coisa alguma fora de Vós. Ó Chagas de meu Redentor, formosas fornalhas de amor, recebei-me e inflamai-me, não com o fogo do inferno que mereço, mas com a santa chama de amor a este Deus que quis morrer por mim, à força de tormentos. — “E Vós, Eterno Pai, que pela paixão de vosso Filho unigênito e pelo sangue que Ele derramou por suas cinco chagas, renovastes a natureza humana, perdida pelo pecado: concedei-me propício que, venerando na terra estas chagas divinas, eu mereça conseguir no céu o fruto do sangue preciosíssimo de Jesus.” — Fazei-o pelo amor do próprio Jesus Cristo e de Maria Santíssima.