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Audiência Geral
Quarta-feira, 03 de Outubro de 2012

Queridos irmãos e irmãs,

Na catequese precedente, comecei a falar de uma das fontes privilegiadas da oração cristã: a sagrada liturgia, que — como afirma o Catecismo da Igreja Católica — é «participação na oração de Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo. Na liturgia, toda a oração cristã encontra a sua fonte e o seu termo» (n. 1.073). Hoje, gostaria que nos interrogássemos: na minha vida, reservo um espaço suficiente à oração e, sobretudo, que lugar ocupa na minha relação com Deus a prece litúrgica, especialmente a Santa Missa, como participação na oração comum do Corpo de Cristo, que é a Igreja?

Ao responder a esta pergunta, devemos recordar antes de tudo que a oração é a relação viva dos filhos de Deus com o seu Pai infinitamente bom, com o seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo (cf. ibid., n. 2.565). Portanto, a vida de oração consiste em estarmos habitualmente na presença de Deus e em termos consciência disto, em vivermos em relação com Deus como vivemos os relacionamentos habituais da nossa vida, com os familiares mais queridos, com os amigos verdadeiros; aliás, é a relação com o Senhor que confere luz a todas as outras nossas relações. Esta comunhão de vida com Deus, Uno e Trino, é possível porque por meio do Baptismo fomos inseridos em Cristo e, com Ele, começamos a ser um só (cf. Rm 6, 5).

Com efeito, só em Cristo podemos dialogar com Deus Pai como filhos; de outra forma, não é possível, mas em comunhão com o Filho podemos dizer, também nós, como Ele disse: «Abbá». Em comunhão com Cristo podemos conhecer Deus como Pai verdadeiro (cf. Mt 11, 27). Por isso, a oração cristã consiste em olhar constantemente e de maneira sempre nova para Cristo, falar com Ele, estar em silêncio com Ele, ouvi-lo, agir e sofrer com Ele. O cristão redescobre a sua identidade autêntica em Cristo, «primogénito entre todas as criaturas», em quem tudo subsiste (cf. Cl 1, 15 ss.). Ao identificar-me com Ele, ao ser um só com Ele, volto a descobrir a minha identidade pessoal, a de verdadeiro filho que olha para Deus como para um Pai cheio de amor.

Mas não esqueçamos: é na Igreja que descobrimos e conhecemos Cristo como Pessoa viva. Ela é o «seu Corpo». Tal corporeidade pode ser compreendida a partir das palavras bíblicas sobre o homem e a mulher: os dois serão uma só carne (cf. Gn 2, 24; Ef 5, 30 ss.; 1 Cor 6, 16 s.). O vínculo inseparável entre Cristo e a Igreja, através da força unificadora do amor, não anula o «tu» e o «eu», mas eleva-os à sua unidade mais profunda. Encontrar a própria identidade em Cristo significa chegar a uma comunhão com Ele, que não me anula, mas eleva-me à dignidade mais excelsa, a de filho de Deus em Cristo: «A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais» (Encíclica Deus caritas est, 17). Rezar significa elevar-se à altura de Deus, mediante uma transformação necessária e gradual do nosso próprio ser.

Assim, participando na liturgia, fazemos nossa a linguagem da mãe Igreja, aprendemos a falar nela e por ela. Naturalmente, como eu já disse, isto acontece de maneira gradual, pouco a pouco. Devo imergir-me progressivamente nas palavras da Igreja, com a minha oração, com a minha vida, com o meu sofrimento, com a minha alegria e com o meu pensamento. Trata-se de um caminho que nos transforma.

Então, penso que estas reflexões nos permitem responder à pergunta que fizemos no início: como aprendo a rezar, como cresço na minha oração? Olhando para o modelo que Jesus nos ensinou, o Pai-Nosso, nós vemos que a primeira palavra é «Pai» e a segunda é «nosso». Por conseguinte, a resposta é clara: aprendo a rezar, alimento a minha oração, dirigindo-me a Deus como Pai e orando-com-outros, rezando com a Igreja, aceitando a dádiva das suas palavras, que gradualmente se tornam familiares e ricas de sentido. O diálogo que Deus estabelece com cada um de nós, e nós com Ele, na oração inclui sempre um «com»; não se pode rezar a Deus de modo individualista. Na prece litúrgica, principalmente na Eucaristia, e — formados pela liturgia — em cada oração, não falamos unicamente como indivíduos, mas entramos no «nós» da Igreja que ora. E devemos transformar o nosso «eu», entrando neste «nós».

Gostaria de evocar mais um aspecto importante. No Catecismo da Igreja Católica lemos: «Na liturgia da Nova Aliança, toda a acção litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja» (n. 1.097); portanto, quem celebra é o «Cristo total», a Comunidade inteira, o Corpo de Cristo unido à sua Cabeça. Então, a liturgia não constitui uma espécie de «automanifestação» de uma comunidade, mas é, ao contrário, sair do simples «sermos-nós-mesmos», estar fechados em nós próprios, e aceder ao grande banquete, entrar na grandiosa comunidade viva, na qual é o próprio Deus quem nos alimenta. A liturgia comporta a universalidade e este carácter universal deve entrar sempre de novo na consciência de todos. A liturgia cristã é o culto do templo universal, que é Cristo Ressuscitado, cujos braços estão abertos na cruz para atrair todos ao abraço do amor eterno de Deus. É o culto do céu aberto. Nunca é unicamente o evento de uma comunidade individual, com uma sua colocação no tempo e no espaço. É importante que cada cristão se sinta e esteja realmente inserido neste «nós» universal, que oferece o fundamento e o refúgio no «eu», no Corpo de Cristo, que é a Igreja.

Nele, devemos ter presente e aceitar a lógica da encarnação de Deus: Ele fez-se próximo, presente, entrando na história e na natureza humana, tornando-se um de nós. E esta presença continua na Igreja, seu Corpo. Então, a liturgia não é a recordação de acontecimentos passados, mas a presença viva do Mistério pascal de Cristo, que transcende e une os tempos e os espaços. Se na celebração não sobressai a centralidade de Cristo, não teremos a liturgia cristã, totalmente dependente do Senhor e sustentada pela sua presença criadora. Deus age através de Cristo, e nós só podemos agir através dele e nele. Cada dia deve aumentar em nós a convicção de que a liturgia não é um nosso, um meu «fazer», mas é uma obra de Deus em nós e connosco.

Portanto, não é o indivíduo — sacerdote ou fiel — ou o grupo que celebra a liturgia, mas ela é primariamente obra de Deus através da Igreja, que tem a sua história, a sua rica tradição e a sua criatividade. Esta universalidade e abertura fundamentais, que são próprias de cada liturgia, constituem um dos motivos pelos quais ela não pode ser idealizada nem modificada por uma comunidade ou por peritos, mas deve ser fiel às formas da Igreja universal.

Até na liturgia da comunidade mais pequenina está sempre presente a Igreja inteira. Por isso, na comunidade litúrgica não existem «estrangeiros». Em cada celebração litúrgica participa juntamente toda a Igreja, céu e terra, Deus e os homens. A liturgia cristã, mesmo se é celebrada num lugar e num espaço concreto, e exprime o «sim» de uma determinada comunidade, é católica por sua natureza, deriva do tudo e leva ao todo, em unidade com o Papa, com os Bispos, com os fiéis de todas as épocas e de todos os lugares. Quanto mais uma celebração for animada por esta consciência, tanto mais fecundamente nela se realizará o sentido autêntico da liturgia.

Caros amigos, a Igreja torna-se visível de muitos modos: no gesto caritativo, nos projectos de missão, no apostolado pessoal que cada cristão deve levar a cabo no seu próprio ambiente. Mas o lugar onde ela é vivida plenamente como Igreja é a liturgia: ela é o acto no qual cremos que Deus entra na nossa realidade e nós o podemos encontrar e tocar. É o acto no qual entramos em contacto com Deus: Ele vem a nós, e nós somos iluminados por Ele. Por isso, quando nas reflexões sobre a liturgia focalizamos apenas o modo como a tornar atraente, interessante e bonita, corremos o risco de esquecer o essencial: a liturgia celebra-se para Deus, e não para nós mesmos; é obra sua; Ele é o sujeito; e nós devemos abrir-nos a Ele e deixar-nos guiar por Ele e pelo seu Corpo, que é a Igreja.

Peçamos ao Senhor para aprender a viver cada dia a sagrada liturgia, especialmente a Celebração Eucarística, orando no «nós» da Igreja, que dirige o seu olhar não para si mesma, mas para Deus, e sentindo-nos parte da Igreja viva de todos os lugares e os tempos. Obrigado!

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Audiência Geral
Quarta-feira, 26 de Setembro de 2012

Amados irmãos e irmãs

Nestes meses percorremos um caminho à luz da Palavra de Deus, para aprender a rezar de modo cada vez mais autêntico, inspirando-nos nalgumas grandes figuras do Antigo Testamento, nos Salmos, nas Cartas de São Paulo e no Apocalipse, mas sobretudo considerando a experiência singular e fundamental de Jesus, na sua relação com o Pai celestial. Na realidade, só em Cristo o homem se torna capaz de se unir a Deus com a profundidade e a intimidade de um filho em relação a um pai que o ama, só nele nós podemos dirigir-nos em toda a verdade a Deus, chamando-lhe carinhosamente: «Abá! Pai!». Como os Apóstolos, também nós repetimos nestas semanas e repetimos a Jesus hoje: «Senhor, ensina-nos a rezar» (Lc 11, 1).

Além disso, para aprender a viver ainda mais intensamente a relação pessoal com Deus, aprendemos a invocar o Espírito Santo, primeiro dom do Ressuscitado aos crentes, porque é Ele que «vem em auxílio da nossa fraqueza; porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém» (Rm 8, 26), diz são Paulo, e sabemos que Ele tem razão.

Nesta altura, depois de uma longa série de catequeses sobre a oração na Escritura, podemos perguntar-nos: como posso deixar-me formar pelo Espírito Santo e assim tornar-me capaz de entrar na atmosfera de Deus, de orar com Deus? Qual é esta escola na qual Ele me ensina a rezar, vem em ajuda da minha dificuldade de me dirigir de modo justo a Deus? A primeira escola para a oração — vimo-lo nestas semanas — é a Palavra de Deus, a Sagrada Escritura. A Sagrada Escritura é um diálogo permanente entre Deus e o homem, um diálogo progressivo no qual Deus se mostra cada vez mais perto, no qual podemos conhecer sempre melhor a sua face, a sua voz e o seu ser; e o homem aprende a aceitar que conhece Deus, a falar com Deus. Portanto nestas semanas, lendo a Sagrada Escritura, procuramos aprender como podemos entrar em contacto com Deus a partir da Escritura, deste diálogo permanente.

Existe outro «espaço» precioso, mais uma «fonte» inestimável para crescer na oração, uma nascente de água viva em relação estreitíssima com a precedente. Refiro-me à liturgia, que constitui um âmbito privilegiado no qual Deus fala a cada um de nós, aqui e agora, e espera a nossa resposta.

O que é a liturgia? Se abrirmos o Catecismo da Igreja Católica — subsídio sempre precioso, e diria indispensável — poderemos ler que originariamente a palavra «liturgia» significa «serviço por parte do povo a favor do povo» (n. 1.069). Se a teologia cristão tomou este vocábulo do mundo grego, fê-lo obviamente pensando no novo Povo de Deus nascido de Cristo, que abriu os seus braços na Cruz para unir os homens na paz do único Deus. «Serviço a favor do povo», um povo que não existe sozinho, mas que se formou graças ao Mistério pascal de Jesus Cristo. Com efeito, o Povo de Deus não existe por laços de sangue, de território, de nação, mas nasce sempre da obra do Filho de Deus e da comunhão com o Pai, que Ele nos obtém.

Além disso, o Catecismo indica que «na tradição cristã (a palavra «liturgia») quer dizer que o Povo de Deus toma parte na “obra de Deus”» (n. 1069), uma vez que o Povo de Deus como tal só existe por obra de Deus.

Foi o que nos recordou o próprio desenvolvimento do Concílio Vaticano II, que começou os seus trabalhos, há cinquenta anos, com o debate acerca do esquema da sagrada liturgia, depois aprovado solenemente, a 4 de Dezembro de 1963, o primeiro texto aprovado pelo Concílio. Que o documento sobre a liturgia tenha sido o primeiro resultado da Assembleia conciliar, talvez alguns o tenham considerado um caso. Entre muitos planos, o texto sobre a sagrada liturgia parecia ser o menos controverso e, precisamente por isso, capaz de constituir uma espécie de exercício para aprender a metodologia do trabalho conciliar. Mas sem qualquer dúvida, aquilo que à primeira vista pode parecer um caso, demonstrou-se a escolha mais justa, também a partir da hierarquia dos temas e das tarefas mais importantes da Igreja. Com efeito, começando com o tema da «liturgia» o Concílio ressaltou de maneira muito clara o primado de Deus, a sua prioridade absoluta. Antes de tudo, Deus: é precisamente isto que nos diz a escolha conciliar de começar a partir da liturgia. Onde o olhar sobre Deus não é determinante, todas as outras realidades perdem a sua orientação. O critério fundamental para a liturgia é a sua orientação para Deus, para poder assim participar na sua própria obra.

Mas podemos perguntar-nos: qual é esta obra de Deus, na qual somos chamados a participar? Aparentemente, a resposta que nos oferece a Constituição conciliar sobre a sagrada liturgia é dupla. Com efeito, no número 5 indica-nos que a obra de Deus são as suas gestas históricas, que nos trazem a salvação, que culminaram na Morte e Ressurreição de Jesus Cristo; mas no número 7, a mesma Constituição define precisamente a celebração da liturgia como «obra de Cristo». Na realidade, estes dois significados estão inseparavelmente interligados. Se nos perguntarmos quem salva o mundo e o homem, a única resposta é: Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo, crucificado e ressuscitado. E onde se torna actual para nós, para mim hoje, o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, que traz a salvação? A resposta é: na obra de Cristo através da Igreja, na liturgia, em particular no Sacramento da Eucaristia, que torna presente a oferta sacrifical do Filho de Deus, que nos redimiu; no Sacramento da Reconciliação, no qual se passa da morte do pecado para a vida nova; e nos outros actos sacramentais que nos santificam (cf. Presbyterorum ordinis, 5). Assim, o Mistério pascal da Morte e Ressurreição de Cristo constitui o âmago da teologia litúrgica do Concílio.

Demos mais um passo em frente e interroguemo-nos: de que modo se torna possível esta actualização do Mistério pascal de Cristo? O Beato Papa João Paulo II, 25 anos após a Constituição Sacrosanctum concilium, escreveu: «Para actualizar o seu Mistério pascal, Cristo está sempre presente na sua Igreja, sobretudo nos actos litúrgicos. Por conseguinte, a liturgia é o lugar privilegiado do encontro dos cristãos com Deus e com aquele que Ele enviou, Jesus Cristo (cf. Jo 17, 3)» (Vicesimus quintus annus, n. 7). Na mesma linha, no Catecismo da Igreja Católica lemos assim: «Cada celebração sacramental é um encontro dos filhos de Deus com o seu Pai, em Cristo e no Espírito Santo. Tal encontro exprime-se como um diálogo, através de acções e de palavras» (n. 1.153). Portanto, a primeira exigência para uma boa celebração litúrgica é que seja oração, diálogo com Deus, antes de tudo escuta e depois resposta. Na sua «Regra», falando sobre a oração dos Salmos, são Bento indica aos monges: mens concordet voci, «a mente concorde com a voz». O santo ensina que na oração dos Salmos as palavras devem preceder a nossa mente. Geralmente não acontece assim; antes, devemos pensar e depois aquilo que pensamos transforma-se em palavra. Mas na liturgia, contrariamente, é a palavra que precede. Deus concedeu-nos a palavra e a sagrada liturgia oferece-nos as palavras; nós devemos entrar nas palavras, no seu significado, acolhê-las em nós, pondo-nos em sintonia com estas palavras; é assim que nos tornamos filhos de Deus, semelhantes a Deus. Como recorda a Sacrosanctum concilium, para garantir a plena eficácia da celebração «é necessário, porém, que os fiéis celebrem a Liturgia com rectidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam, cooperem com a graça de Deus, para não acontecer de a receberem em vão» (n. 11). Elemento fundamental e primário do diálogo com Deus na liturgia é a concordância entre o que pronunciamos com os lábios e aquilo que trazemos no coração. Entrando nas palavras da grande história da oração, nós mesmos somos conformados com o espírito destas palavras, tornando-nos capazes de falar com Deus.

Nesta linha, gostaria de referir-me unicamente a um dos momentos que, durante a própria liturgia, nos chama e nos ajuda a encontrar tal concordância, este conformar-nos com o que ouvimos, dizemos e realizamos na celebração da liturgia. Refiro-me ao convite que formula o Celebrante antes da Prece eucarística: «Sursum corda», elevemos os nossos corações, para fora do enredo das nossas preocupações, dos nossos desejos, das nossas angústias e da nossa distracção. O nosso coração, o íntimo de nós mesmos, deve abrir-se docilmente à Palavra de Deus e recolher-se na oração da Igreja, a fim de receber a sua orientação para Deus das próprias palavras que ela ouve e pronuncia. O olhar do coração deve dirigir-se ao Senhor, que se encontra no meio de nós: é uma disposição fundamental.

Quando vivemos a liturgia com esta atitude de base, o nosso coração é como que subtraído à força de gravidade, que o atrai para baixo, e eleva-se interiormente para o alto, para a verdade, para o amor, para Deus. Como recorda o Catecismo da Igreja Católica: «A missão de Cristo e do Espírito Santo que, na liturgia sacramental da Igreja anuncia, actualiza e comunica o mistério da salvação, prossegue no coração de quem ora. Os Padres espirituais comparam, por vezes, o coração a um altar» (n. 2.655): altare Dei est cor nostrum!

Caros amigos, só celebramos e vivemos bem a liturgia, se permanecermos em atitude orante, e não se quisermos «realizar algo», fazer-nos ver ou agir, mas se orientarmos o nosso coração para Deus e estivermos em atitude de oração, unindo-nos ao Mistério de Cristo e ao seu diálogo de Filho com o Pai. É o próprio Deus que nos ensina a rezar, afirma são Paulo (cf. Rm 8, 26). Foi Ele mesmo que nos concedeu as palavras adequadas para nos dirigirmos a Ele, palavras que encontramos no Saltério, nas grandiosas preces da sagrada liturgia e na própria Celebração eucarística. Oremos ao Senhor para estarmos cada dia mais conscientes de que a Liturgia é obra de Deus e do homem; oração que brota do Espírito Santo e de nós, inteiramente dirigida para o Pai, em união com o Filho de Deus que se fez homem (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2.564). Obrigado!

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Audiência Geral de 1° de Março de 2006, quarta-feira de cinzas, do Papa Bento XVI, sobre a Quaresma: um itinerário de reflexão e de intensa oração.

Quarta-feira de Cinzas
A Quaresma: um itinerário de reflexão e de intensa oração

Amados irmãos e irmãs

Começa hoje, com a Liturgia da Quarta-Feira de Cinzas, o itinerário quaresmal de quarenta dias, que nos conduzirá ao Tríduo pascal, memória da paixão, morte e ressurreição do Senhor, cerne do mistério da nossa salvação. Este é um tempo favorável, em que a Igreja convida os cristãos a tomar consciência mais viva da obra redentora de Cristo e a viver com maior profundidade o próprio Baptismo. Com efeito, neste período litúrgico o Povo de Deus, desde os primórdios, alimenta-se abundantemente da Palavra de Deus para se fortalecer na fé, percorrendo toda a história da criação e da redenção.

Na sua duração de quarenta dias, a Quaresma possui uma indubitável força evocadora. De facto, ela tenciona recordar alguns acontecimentos que cadenciaram a vida e a história do antigo Israel, voltando a propor-nos também a nós o seu valor paradigmático: pensemos, por exemplo, nos quarenta dias do dilúvio universal, que terminaram com o pacto de aliança estabelecido por Deus com Noé, e assim com a humanidade, e nos quarenta dias de permanência de Moisés no Monte Sinai, aos quais se seguiu o dom das tábuas da Lei. O período quaresmal quer convidar-nos sobretudo a reviver com Jesus os quarenta dias por Ele transcorridos no deserto, rezando e jejuando, antes de empreender a sua missão pública. Hoje, também nós fazemos um caminho de reflexão e de oração com todos os cristãos do mundo, para nos dirigirmos espiritualmente ao Calvário, meditando os mistérios centrais da fé. Assim, preparar-nos-emos para experimentar, depois do mistério da Cruz, a alegria da Páscoa da Ressurreição.

Realiza-se hoje, em todas as comunidades paroquiais, um gesto austero e simbólico: a imposição das cinzas, e este rito é acompanhado por duas fórmulas significativas, que constituem um apelo urgente a reconhecermo-nos pecadores e a voltarmos para Deus. A primeira fórmula diz: "Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar" (cf. Gn 3, 19). Estas palavras, tiradas do livro do Génesis, evocam a condição humana posta sob o sinal da caducidade e do limite, e tencionam levar-nos a depositar de novo toda a esperança somente em Deus. A segunda fórmula inspira-se nas palavras pronunciadas por Jesus no início do seu ministério itinerante: "Convertei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1, 15). Trata-se de um convite a lançar, como fundamento da renovação pessoal e comunitária, a adesão firme e confiante ao Evangelho. A vida do cristão é vida de fé, alicerçada na Palavra de Deus e por ela alimentada. Nas provações da vida e em cada tentação, o segredo da vitória consiste em ouvir a Palavra de verdade e em rejeitar com determinação a mentira e o mal. Este é o programa verdadeiro e central do tempo da Quaresma: ouvir a palavra de verdade, viver, dizer e cumprir a verdade, rejeitando a mentira que envenena a humanidade e constitui a porta de todos os males. Portanto, nestes quarenta dias é urgente voltar a ouvir o Evangelho, a palavra do Senhor, palavra de verdade, para que em cada cristão, em cada um de nós, se revigore a consciência da verdade que lhe foi oferecida, que nos foi dada, a fim de que ele a viva e dela se torne testemunha. A Quaresma impele-nos a isto, a deixarmos que a nossa vida seja imbuída pela Palavra de Deus e assim a conhecermos a verdade fundamental: quem somos, de onde vimos, aonde devemos ir, qual é o caminho a empreender na vida. E assim o período da Quaresma oferece-nos um percurso ascético e litúrgico que, enquanto nos ajuda a abrir os olhos para a nossa debilidade, nos faz abrir o coração ao amor misericordioso de Cristo.

O caminho quaresmal, aproximando-nos de Deus, permite-nos ver com olhos novos os irmãos e as suas necessidades. Quem começa a ver Deus, a contemplar o rosto de Cristo, vê com outros olhos também o irmão, descobre o irmão, o seu bem, o seu mal e as suas necessidades. Por isso a Quaresma, como escuta da verdade, é um momento favorável para se converter ao amor, porque a verdade profunda, a verdade de Deus, é ao mesmo tempo amor. Convertendo-nos à verdade de Deus, devemos necessariamente converter-nos ao amor. Um amor que saiba tornar própria a atitude de compaixão e de misericórdia do Senhor, como desejei recordar na Mensagem para a Quaresma, que tem como tema as seguintes palavras evangélicas: "Jesus, ao ver as multidões, encheu-se de compaixão por elas" (Mt 9, 36). Consciente da própria missão no mundo, a Igreja não cessa de proclamar o amor misericordioso de Cristo, que continua a dirigir o olhar comovido aos homens e aos povos de todos os tempos. "À vista dos tremendos desafios da pobreza de grande parte da humanidade escrevi na citada Mensagem quaresmal a indiferença e o encerramento no próprio egoísmo apresentam-se em contraste intolerável com o "olhar" de Cristo. O jejum e a esmola, juntamente com a oração, que a Igreja propõe de modo especial no período da Quaresma, são uma ocasião propícia para nos conformarmos àquele "olhar"" (Ed. port. de L'Osservatore Romano de 4 de Fevereiro de 2006, pág. 7), ao olhar de Cristo, e vermo-nos a nós mesmos, a humanidade e os outros com este seu olhar. Com este espírito, entramos no clima austero e orante da Quaresma, que é precisamente um clima de amor ao irmão.

Sejam dias de reflexão e de intensa oração, em que nos deixemos orientar pela Palavra de Deus, que a liturgia nos propõe abudantemente. Além disso, a Quaresma seja um tempo de jejum, de penitência e de vigilância sobre nós mesmos, persuadidos de que a luta contra o pecado nunca termina, porque a tentação é realidade de todos os dias e a fragilidade e a ilusão são experiências de todos. Enfim, através da esmola e dos gestos de bem ao próximo, a Quaresma seja ocasião de partilha sincera dos dons recebidos com os irmãos e de atenção às necessidades dos mais pobres e abandonados. Que neste itinerário penitencial nos acompanhe Maria, a Mãe do Redentor, que é Mestra de escuta e de adesão fiel a Deus. A Virgem Santíssima nos ajude a chegar, purificados e renovados na mente e no espírito, à celebração do grande mistério da Páscoa de Cristo. Com estes sentimentos, formulo a todos vós os votos de uma boa e fecunda Quaresma.

Fonte: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2006/documents/hf_ben-xvi_aud_20060301.html

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