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Eugênio Telles

Eugênio Telles

Eugênio Telles é catequista em constante formação, publicitário, empreendedor, podcaster e foi coordenador da Pastoral da Comunicação no Santuário da Divina Misericórdia e no Vicariato Suburbano da ArqRio.

Quarta, 22 Março 2023 11:05

Vitória sobre os vícios (1939)

Do livro "Vitória sobre os vícios", do Venerável Fulton Sheen.

Sete pecados capitais; sete palavras de Cristo na Cruz. Por vezes pensamos que certos acontecimentos não passam de coincidências ou de conveniências humanas; porém, ao analisar e meditar mais atentamente, enxergamos que as coisas são como são porquetudo possui um propósito. D. Fulton Sheen pega-nos pela mão e nos leva por um tour pelas sujas e escuras veredas do pecado, mostrando-nos o mal e a deformidade que cada vício capital provoca em nossa vida e em nossas almas, e que cada um de nós provoca em nossos semelhantes ao agir conforme as más inclinações que possuímos. Mas, não somente isso; assim como um verdadeiro mestre nunca ensina a lição pela metade, também Sheen nos mostra como podemos sair desse vale de sombras inteiramente limpos: lavando nossas vestes no sangue do Cordeiro ao seguir as lições que Ele nos ensinou no alto da Cruz.


1. Ira

2. Inveja

3. Luxúria

4. Orgulho

5. Gula

6. Preguiça

7. Avareza

Do livro "Vitória sobre os vícios", do Venerável Fulton Sheen.

Sete pecados capitais; sete palavras de Cristo na Cruz. Por vezes pensamos que certos acontecimentos não passam de coincidências ou de conveniências humanas; porém, ao analisar e meditar mais atentamente, enxergamos que as coisas são como são porquetudo possui um propósito. D. Fulton Sheen pega-nos pela mão e nos leva por um tour pelas sujas e escuras veredas do pecado, mostrando-nos o mal e a deformidade que cada vício capital provoca em nossa vida e em nossas almas, e que cada um de nós provoca em nossos semelhantes ao agir conforme as más inclinações que possuímos. Mas, não somente isso; assim como um verdadeiro mestre nunca ensina a lição pela metade, também Sheen nos mostra como podemos sair desse vale de sombras inteiramente limpos: lavando nossas vestes no sangue do Cordeiro ao seguir as lições que Ele nos ensinou no alto da Cruz.

Redemisti nos, Domine, in sanguine tuo… et fecisti nos Deo nostro regnum – “Remiste-nos, Senhor, em teu sangue, e fizeste-nos reino para Deus” (Ap 5, 9)

O Senhor não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa condenação eterna; quis ainda, no sacramento da penitência, preparar-nos um banho salutar de seu sangue, no qual pudéssemos, à vontade, lavar-nos das manchas do pecado. E nós não O amaremos de todo o coração?… Tomemos o belo hábito de oferecer frequentemente este Sangue preciosíssimo ao Eterno Pai, para obtermos todas as graças de que precisamos.

I. O nosso amantíssimo Redentor não veio ao mundo para outro fim, senão para salvar os pecadores. Por isso não se contentou com pagar pela sua morte a pena a nós devida e anular com o seu sangue a sentença da nossa eterna condenação; mas com o mesmo sangue quis ainda preparar-nos um banho salutar para nos limparmos das manchas dos nossos pecados: Dilexit nos, et lavit nos in sanguine suo— “Ele nos amou e lavou em seu sangue”. — E isso não somente uma vez, senão quantas quisermos; porquanto, prevendo que, depois do Batismo, tornaríamos a manchar-nos pelo pecado, estabeleceu, por meio do sacramento da penitência, que aquele banho durasse até à consumação dos séculos.

Pelo que o Apóstolo nos anima dizendo: Accessistis… ad mediatorem Iesum, et sanguinis aspersionem, melius loquentem quam Abel — “Chegastes… ao mediador Jesus, e à aspersão do sangue, que fala melhor que o de Abel”. Meus irmãos, assim parece dizer-nos, por mais pecadores que sejais, não percais a coragem; pois tendes de tratar, não com um mediador qualquer, mas com Jesus Cristo. Se o sangue dos bodes e dos touros sacrificados tirava aos Hebreus as manchas corporais exteriores, a fim de que pudessem ser admitidos aos ministérios sagrados; quanto mais o sangue de Jesus Cristo, que por amor se ofereceu a pagar por nós, tirará das nossas almas os pecados para podermos servir ao nosso Deus?

Ah! Quanto melhor, conclui São Paulo, o sangue do Redentor implora por nós a divina misericórdia, do que o sangue de Abel bradava por vingança contra Caim! — É o que o Senhor mesmo disse também a Santa Maria Madalena de Pazzi: 

“A minha justiça converteu-se em clemência pela vingança tomada no corpo inocente de Jesus Cristo. O sangue deste meu Filho não pede vingança, como o sangue de Abel, mas somente misericórdia e piedade, e à tal voz a minha justiça fica necessariamente aplacada. Este sangue liga-me, por assim dizer, as mãos, de modo que não posso mais movê-las para tomar vingança dos pecados, como antes tomavam.”

II. Como fruto da presente meditação nutramos uma terna devoção ao sangue divino. Cada vez que meditares na Paixão de Jesus Cristo, chega-te a Ele em espírito e pede-Lhe que te purpureie todo com o seu preciosíssimo sangue. No tribunal da penitência, afigura-te ver no Confessor a própria pessoa do Redentor, que na absolvição derrama sobre ti o seu sangue; e quando fores comungar, imagina que chegas teus lábios ao lado sagrado de Jesus. Sobretudo habitua-te a oferecer muitas vezes ao Eterno Pai o sangue preciosíssimo de Jesus Cristo, em satisfação pelos teus pecados, pelas necessidades da santa Igreja, pela conversão dos pecadores e em sufrágio das almas do purgatório.

† “Ó Sangue preciosíssimo de vida eterna, mercê e resgate de todo o universo, bebida e lavacro de nossas almas, que defendeis continuamente a causa dos homens junto ao trono da suprema misericórdia, adoro-vos profundamente, e quisera, quanto me é possível, desagravar-vos de todas as injúrias e desprezos que continuais a receber da parte dos homens, e particularmente daqueles que temerariamente se atrevem a blasfemar contra vós. Quem não bendirá esse Sangue de infinito valor: quem não se sentirá abrasado de amor a Jesus, que o derramou? Que seria de mim, se não fora remido por esse Sangue divino? Quem vos fez correr até à última gota das veias de meu Senhor? Ah! Foi certamente o amor. Ó amor imenso que nos deu este bálsamo tão salutar! Ó bálsamo inestimável, brotado da fonte de um amor imenso! Fazei, ah! Fazei que todos os corações, todas as línguas vos louvem, exaltem e agradeçam agora e sempre, até ao dia da eternidade.”

“E Vós, Eterno Pai, que destinastes para Redentor do mundo vosso Filho unigênito e quisestes ser aplacado pelo seu sangue: suplico-Vos, concedei- me que, enquanto estiver aqui na terra, eu venere solenemente esse preço de nossa salvação, e seja por ele de tal modo livrado de todos os males da vida presente, que mereça gozar eternamente os seus frutos no céu.” Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria Santíssima. 

Venite, benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum… Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum – “Vinde, benditos de meu Pai, possui o reino que vos está preparado… apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno” (Mt 25, 34-41)

Jesus tinha-se dado aos homens como mestre, como modelo e como vítima; restava-Lhe somente que se desse como alimento, a fim de fazer-se uma coisa conosco. É o que fez instituindo a santa Eucaristia. Ó dignação de um Deus para com os homens! Mas como é que há tantos homens que não O amam e Lhe respondem com ingratidão!… Se no passado nós também temos sido do número desses ingratos, esforcemo- nos para amá-Lo tanto mais para o futuro.

I. Diz São Diniz, o Areopagita, que o efeito principal do amor é procurar a união com o objeto amado. Exatamente para se unir com as nossas almas foi que Jesus Cristo instituiu a santa Comunhão. Tendo-se dado a nós como mestre, como modelo e como vítima só Lhe restava dar-se a nós como nosso sustento, para fazer-se um só conosco, assim como o sustento se identifica com aquele que o toma. Foi o que fez instituindo este Sacramento de amor.

Jesus Cristo não pode contentar-se com unir-se à nossa natureza humana; com este sacramento quis ainda achar o modo de unir-se a cada um de nós e de ser todo de quem o recebe. A este respeito escreveu São Francisco de Sales: 

“Em nenhuma outra ação pode o Salvador ser considerado nem mais terno nem mais amoroso, do que nesta, na qual se aniquila, por assim dizer, e se reduz a manjar, a fim de entrar em nossas almas, e unir-se aos corações dos seus fiéis”.

Numa palavra, porque Jesus nos ama ardentemente, quer unir-se conosco pela Eucaristia, a fim de que nos tornemos uma coisa com Ele, e o seu coração seja um só coração com o nosso. “Voluisti, ut tecum unum cor haberemus”, diz São Lourenço Justiniani: “Quisestes que tivéssemos um só coração convosco”. E primeiro já o dera a entender o próprio Jesus: Qui manducat meam carnem, in me manet et ego in illo — “Quem come a minha carne permanece em mim e Eu nele”. — Assim, na comunhão Jesus une-se com a alma e a alma com Jesus, e esta união não é de mero afeto, mas verdadeira e real. “Como dois pedaços de cera derretidos se misturam”, diz São Cirilo de Alexandria, “assim o que comunga se torna uma coisa com Jesus Cristo. Ó condescendência infinita de um Deus para com os homens! Mas como é então possível que estes não O amem e Lhe respondam com ingratidão?

II. Para nos mantermos sempre em união com Jesus Cristo, aproximemo- nos frequentemente e com as devidas disposições da Mesa Eucarística; e se és diretor de almas, exorta as tuas dirigidas à comunhão frequente. Costumava o Bem-aventurado João de Ávila dizer que os que censuram as pessoas que frequentam a comunhão fazem o papel do demônio, que tem grande ódio a este sacramento, porque dele as almas recebem o fervor para progredirem na perfeição. —Quando comungamos, afiguremo-nos que Jesus Cristo nos diz o que um dia disse à sua querida serva Margarida de Ypres: “Vê, minha filha, a bela união entre nós; pois, ama-me, fiquemos sempre unidos no amor e nunca mais nos separemos”.

Ah, meu Jesus! Eis o que Vos peço e quero sempre pedir-Vos na santa comunhão: Unidos fiquemos sempre, e jamais nos separemos. Sei que não vos separareis de mim, se não for eu o primeiro a me separar de Vós. Ai! Todo o meu medo é que no futuro venha eu a separar-me de Vós pelo pecado, como fiz outrora. Por piedade, não o permitais, ó meu amadíssimo Redentor: Ne permittas me separari a te. Até a morte, estarei sempre exposto a este perigo; ah! Conjuro-Vos, pelos merecimentos de vossa Paixão, deixai-me antes morrer do que cair nesta desgraça. Repito-o e Vos peço a graça de repeti-lo sempre: Não permitais que me separe de Vós! Não permitais que me separe de Vós!

Ó Deus de minha alma, amo-Vos, amo-Vos; quero amar-Vos sempre, e não amar senão a Vós. Protesto à face do céu e da terra, só a Vós quero e nada mais. Jesus meu, escutai-me, eu o repito: só a Vós quero e nada mais. Ó Mãe de misericórdia, Maria, intercedei neste momento por mim; obtende-me a graça de não me separar mais de Jesus, e não amar mais senão a Jesus.

Venite, benedicti Patris mei, possidete paratum vobis regnum… Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum – “Vinde, benditos de meu Pai, possui o reino que vos está preparado… apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno” (Mt 25, 34-41)

No Juízo final, a fim de que os réprobos sintam mais a grandeza do bem que perderam, será primeiro pronunciada a sentença dos escolhidos. E enquanto estes entrarem triunfantes no paraíso, o divino Juiz se voltará para os réprobos, e amaldiçoando-os, condená-los-á a se afastarem d’Ele para queimarem no fogo eterno. Meu irmão, com a vida que vais levando, qual das duas sentenças julgas que naquele dia será a tua?

I. São Bernardo diz que no Juízo universal Jesus pronunciará primeiramente a sentença dos justos, chamando-os à glória do paraíso, a fim de que os réprobos sintam maior pena à vista do que perderam. Jesus Cristo, pois, voltar-se-á para os escolhidos, e com o semblante cheio de benevolência lhes dirá: Venite, benedicti Patris mei — “Vinde, benditos de meu Pai”. São Francisco de Assis, sabendo por uma revelação que era predestinado à glória, não podia conter a alegria. Qual não será então a alegria dos que ouvirem estas palavras do Juiz: “… Vinde, filhos benditos, entrai no reino que vos espera; não tendes mais nada a sofrer, nada mais a recear; estais salvos, e salvos por toda a eternidade. Abençôo o sangue que por vós derramei, e abençôo as lágrimas que vós derramastes sobre os vossos pecados. Vamos ao paraíso onde juntos permaneceremos eternamente.” A Santíssima Virgem abençoará também os seus dedicados servos e os convidará a acompanhá-la à celeste morada; e assim cantando aleluia! aleluia! Os escolhidos entrarão triunfantes no paraíso, para possuírem, louvarem e amarem eternamente a Deus.

Ao contrário, os réprobos voltados para Jesus Cristo dir-Lhe-ão: Que será feito de nós, desgraçados? — Vós, assim dirá o Juiz eterno, já que haveis recusado e desprezado a minha graça: Discedite a me, maledicti, in ignem aeternum — “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno”. Discedite: apartai-vos, nunca mais vos quero ver nem ouvir. Maledicti, ide, malditos, ide, já que haveis desprezado a minha bênção. — Mas para onde, Senhor, para onde devem ir estes desgraçados? In ignem, para o inferno, onde devem arder em corpo e alma. Mas, por quantos anos ou por quantos séculos? O que? Anos? Séculos? In ignem aeternum, por toda a eternidade, enquanto Deus for Deus.

Ó pecado maldito, a que triste destino levarás um dia tantas pobres almas, remidas pelo sangue de Jesus Cristo! Ó almas desgraçadas, às quais está reservado um destino tão lastimável. — Dize-me, meu irmão, qual das duas sentenças julgas que será a tua naquele dia. Queres ser um dia abençoado com os escolhidos à tua direita! Deixa então o caminho que te leva a ser maldito com os réprobos à esquerda.

II. Depois da sentença, os réprobos, segundo Santo Efrém, despedir-se-ão dos Anjos, dos Santos, dos parentes e da divina Mãe. E neste instante um vasto abismo se abrirá no meio do vale, e nele cairão juntamente os demônios e os condenados, que sobre si ouvirão fechar essas portas, que, durante toda a eternidade, nunca e nunca se hão de abrir.

Ah, meu Deus e meu Salvador, qual será a sentença que me tocará no último dia? Se neste momento, meu Jesus, me pedísseis contas da minha vida, que outra coisa poderia responder-Vos, senão que mereço mil vezes o inferno? Sim, meu amado Redentor, é verdade que mereço mil vezes o inferno; mas sabei que Vos amo e que Vos amo mais que a mim mesmo. Quanto às ofensas que Vos fiz, estou possuído de tal dor, que antes quisera ter sofrido todos os males que ter-Vos desagradado. Ó Jesus meu, condenais os pecadores obstinados, mas não os que se arrependem e Vos querem amar. Aqui me tendes aos vossos pés com o coração contrito; deixai-me ouvir uma palavra de perdão.

Já mo declarastes pela boca do Profeta: Convertimini ad me, et convertar ad vos — “Convertei-vos a mim, e Eu me converterei a vós”. Tudo abandono, renuncio a todos os gozos, a todos os bens do mundo; converto-me e ligo-me a Vós, Redentor meu amabilíssimo. Ah! Recebei- me em vosso Coração e ali abrasai-me com o vosso santo amor; inflamai- me de tal modo que nunca mais pense em separar-me de Vós. Jesus meu, salvai-me, e que a minha salvação consista em amar-Vos sempre, e louvar para sempre as vossas misericórdias: Misericordias Domini in aeternum cantabo — “Eternamente cantarei as misericórdias do Senhor”. 

— Maria, minha esperança, meu refúgio e minha Mãe, ajudai-me e alcançai-me a santa perseverança. Ainda não se perdeu ninguém que recorresse a vós; a vós me recomendo, tende piedade de mim. 

Fili, in mansuetudine serva animam tuam, et da illi honorem secundum meritum suum – “Filho, guarda a tua alma na mansidão, e dá-lhe honra segundo o seu merecimento” (Ecle 10, 31)

A nossa alma é, sem dúvida, mais preciosa do que todos os bens do mundo, não só pela sua nobre origem, senão também, e muito mais, pelo preço do seu resgate e pela sublimidade do seu destino. Por isso o demônio estima-a tão alto, que para se apoderar dela não descansa. Ora dize-me: se o inimigo vela sempre para perder a nossa alma, como podemos nós ficar dormindo o sono da tibieza?

I. Devemos considerar bem que o negócio da nossa eterna salvação é um negócio das mais graves consequências, porque se trata da alma, e, tendo- se perdido esta, tudo está perdido. A alma, diz São João Crisóstomo, deve ser tida por nós como mais preciosa que todos os bens do mundo. E, para compreender esta verdade acrescenta São Eleutério, se não nos basta saber que Deus a criou à sua imagem e semelhança, seja-nos ao menos suficiente saber que Jesus Cristo pagou um preço de valor infinito para remir a alma da escravidão do demônio: Si non credis Creatori, interroga Redemptorem — “Se não acreditas no Criador, interroga ao Redentor”.

Assim é: para salvar nossas almas, o próprio Deus sacrificou seu Filho à morte; e o Verbo eterno não duvidou resgata-las a troco de seu sangue. Empti enim estis pretio magno — “Fostes comprados por alto preço”. Pelo que um santo Padre, considerando o preço do resgate humano, chega a dizer: Parece que o homem vale tanto como Deus. — Tinha muita razão São Filipe Neri de tratar pela salvação da alma. Se tem tamanho valor a nossa alma, que bens do mundo poderemos dar em troca, se viermos a perdê-la? Quam dabit homo commutationem pro anima sua?

— “Que dará o homem em troca da sua alma?”

Se houvesse na terra homens mortais e outros imortais, e se os mortais vissem os imortais preocupados com as coisas do mundo, procurando granjear honras, bens e prazeres mundanos, dir-lhes-iam sem dúvida: Quanto sois insensatos! Podeis adquirir bens eternos e pensais nessas coisas miseráveis e passageiras? E é por elas que vos condenais a penas eternas na outra vida? Deixai esses bens terrestres para aqueles que, como nós, tudo vem acabar com a morte. Mas não! Todos somos imortais. Como é então que tantas pessoas perdem a alma em troca das miseráveis satisfações deste mundo?

II. Devemos de hoje em diante empregar toda a diligência na salvação da nossa alma, e por isso devemos fugir das ocasiões perigosas, resistir às tentações e frequentar os sacramentos. Vede, diz Santo Agostinho; o demônio estima tanto uma alma, que para se apoderar dela, não dorme, mas anda continuamente ao redor de nós buscando perdê-la. Ora, se o inimigo vela sempre para a nossa perdição, havemos de ficar dormindo o sono da tibieza? Vigilat hostis, dormis tu?

Ah, meu Deus! De que serviram os longos anos que me haveis dado para adquirir a salvação eterna? Vós, ó Redentor meu, resgatastes a minha alma à custa do vosso sangue e ma destes para trabalhar pela sua salvação, e eu não trabalhei senão para perdê-la, ofendendo-Vos a Vós, que tanto me haveis amado. Agradeço-Vos o tempo que ainda me concedeis para reparar tão grande perda. Perdi a alma e a vossa amável graça! 

Senhor, arrependo-me e sinto-o de todo o coração. Ah, perdoai-me, pois que d’oravante estou resolvido a perder todos os bens, incluindo a vida, antes que perder a vossa amizade. Amo-Vos sobre todas as coisas e tenho a firme vontade de Vos amar sempre, ó Bem supremo, digno de todo o amor. Ajudai-me, ó meu Jesus, a fim de que esta resolução não seja semelhante às outras que formei no passado e que foram outras tantas infidelidades. Deixai-me antes morrer do que tornar a ofender-Vos e deixar de Vos amar.

— Ó Maria, esperança minha, salvai-me, obtendo-me a santa perseverança.

Desideria occidunt pigrum… qui autem iustus est tribuet, et non cessabit – “Os desejos matam o preguiçoso; porém, o que é justo dará e não cessará” (Pv 21, 25-26)

Quem quiser ser santo não se deve contentar com o desejo, mas deve resolver-se a por depressa mãos à obra, porque o demônio não teme as almas irresolutas. Os meios para chegar a um fim tão sublime, são particularmente dois: a oração, que faz o amor divino entrar no coração, e a mortificação, que dele remove a terra e o torna apto a receber o fogo divino. Ganhemos ânimo; comecemos desde já a empregar estes meios e nós também chegaremos a ser santos.

I. Quem mais ama a Deus é mais santo. Dizia São Francisco Borges que a oração faz entrar o amor divino no coração, ao passo que a mortificação dele remove a terra e fá-lo apto a receber aquele fogo sagrado. Quanto mais espaço a terra ocupa no coração, tanto menos lugar achará ali o santo amor: Sapientia… nec invenitur in terra suaviter viventium — “A sabedoria… não se acha na terra dos que vivem em delícias”. — Por isso é que os Santos sempre procuraram mortificar, o mais possível, o seu amor próprio e os seus sentidos. “Os santos são poucos, mas devemos viver com os poucos, se nos quisermos salvar com os poucos”, escreve São João Clímaco: Vive cum paucis, si vis regnare cum paucis. E São Bernardo diz: 

“Quem quer levar vida perfeita, deve levar vida singular: Perfectum non potest esse nisi singulare.”

Para sermos santos, devemos, antes de mais nada, ter o desejo de nos tornarmos santos: desejo e resolução. Alguns sempre desejam, mas nunca começam a por mãos à obra. “De semelhantes almas irresolutas”, dizia Santa Teresa, “o demônio não tem medo. Ao contrário, Deus é amigo das almas generosas.”

É, pois, um engano do demônio, no dizer da mesma seráfica Santa, fazer- nos pensar que há orgulho em se querer tornar santo. Seria orgulho e presunção se metêssemos a nossa confiança em nossas obras ou resoluções; mas não, se esperamos tudo de Deus, que então nos dará a força que nos falta. — Desejemos, portanto, e ardentemente, chegar a um grau sublime de amor divino e digamos com coragem: Omnia possum in eo qui me confortat — “Eu posso tudo naquele que me fortalece”. Se não achamos em nós tão grande desejo, peçamo-lo instantemente a Jesus Cristo, que não deixará de no-lo dar.

II. Devemo-nos, portanto, alentar, tomar uma resolução e começar; lembrando-nos de que, na perfeição cristã, segundo a expressão de São Francisco de Sales, vale muito mais a prática do que a teoria. O que não podemos fazer com as nossas próprias forças, ser-nos-á possível com o auxílio de Deus, que prometeu dar-nos tudo o que Lhe pedíssemos: Quodcumque volueritis, petetis, et fiet vobis.

Ó meu amado Redentor, Vós desejais o meu amor e me mandais que Vos ame de todo o coração. Sim, Jesus meu, quero amar-Vos de todo o meu coração. Não, meu Deus — assim Vos direi, confiado em vossa misericórdia, — não me assustam os pecados que cometi, porque agora detesto-os e abomino-os mais do que qualquer outro mal, e sei que Vos esqueceis das ofensas da alma que se arrepende e Vos ama. Porque Vos ofendi mais do que os outros, quero, com o auxílio que de Vós espero, amar-Vos mais do que os outros.

Senhor meu, Vós me quereis santo, e eu quero tornar-me santo, não tanto para gozar no paraíso, como para Vos agradar. Amo-Vos, bondade infinita! † Jesus, meu Deus, amo-Vos sobre todas as coisas, e me consagro todo a Vós, vós sois o meu único bem, o meu único amor. Aceitai-me, ó meu amor, e fazei-me todo vosso, e não permitais que ainda Vos dê desgosto. Fazei com que eu me consuma todo por Vós, assim como Vós Vos consumistes todo por mim. — Ó Maria, ó Esposa mais amável do Espírito Santo, e a mais amada, obtende-me amor e fidelidade. Alcançai-me somente, ó minha Mãe, que eu seja sempre vosso devoto servo; porquanto quem se distingue na devoção para convosco, distingue-se também no amor a vosso divino Filho.

Domingo, 19 Março 2023 06:00

Le voci (1961)

CARTA APOSTÓLICA
LE VOCI
DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO XXIII
AOS ORDINÁRIOS DOS LUGARES
E AOS FIÉIS CRISTÃOS DO MUNDO CATÓLICO
SOBRE A DEVOÇÃO A SÃO JOSÉ,
PADROEIRO DO CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II

Veneráveis Irmãos e caros filhos

1. As vozes que, de todos os pontos da terra, chegam ate nós em expressões de feliz expectativa e de votos pelo feliz êxito do Concílio Ecumênico Vaticano II, impelem cada vez mais nosso espírito a tirar proveito da boa disposição de tantos corações simples e sinceros, desejosos, com amável espontaneidade, de implorar o auxílio celeste, aumento de fervor religioso e clareza de orientação prática para tudo quanto a celebração do concílio supõe e nos promete como incremento da vida íntima e social da Igreja e renovação espiritual do mundo inteiro.

2. E eis que se nos apresenta, qual uma aparição da nova primavera deste ano e no limiar da sagrada Liturgia Pascal, a suave e amável figura de s. José, o augusto esposo de Maria, tão caro ao íntimo das almas mais sensíveis aos atrativos do ascetismo cristão e de suas expressões de piedade religiosa, reservadas e modestas, mas tanto mais apreciadas e suaves.

3. No culto da santa Igreja, Jesus, Verbo de Deus feito homem, teve logo uma adoração incomunicável como esplendor da natureza de seu Pai, e irradiando-se na glória dos santos. Maria, sua Mãe, seguiu-o de perto desde os primeiros séculos, nas imagens das catacumbas e das basílicas, piedosamente veneradas: Sancta Maria Mater Dei. S. José, pelo contrário, excetuando algum traço de sua figura, encontrado aqui e ali nos escritos dos Padres, permaneceu durante séculos e séculos em seu característico apagamento, um pouco como figura de ornamento no quadro da vida do Senhor. E foi necessário tempo até que seu culto passasse dos olhos aos corações dos fiéis e despertasse neles singular fervor de oração e abandono confiante. E estas foram as piedosas alegrias reservadas às efusões da época moderna: oh! quão abundantes e grandiosas! E temos particular alegria em colher daí uma observação tão característica quanto significativa.

S. José na voz dos Papas dos cem últimos anos

4. Entre os diversos postulata que os Padres do Concílio Vaticano I reunidos em Roma (1869-1870), apresentaram a Pio IX, os dois primeiros eram concernentes a S. José. Antes de tudo, pedia-se que seu culto tivesse lugar mais elevado na sagrada liturgia; trazia a assinatura de 153 bispos. O outro, assinado por 43 superiores gerais de ordens religiosas, suplicava a solene proclamação de S. José como Padroeiro da Igreja Universal.[1]

Pio IX

5. Pio IX acolheu um e outro com alegria. Desde o início de seu pontificado [2] havia fixado a festa e a liturgia para o patrocínio de s. José no III domingo depois da páscoa. Já em 1854, em vibrante e fervorosa alocução, indicara s. José como a esperança mais segura da Igreja depois da Virgem santíssima; e no dia 8 de dezembro de 1870, suspenso o concílio Vaticano pelos acontecimentos políticos, escolheu a feliz coincidência da festa da Imaculada Conceição para a proclamação mais solene e oficial de s. José como padroeiro da Igreja universal e para a elevação da festa de 19 de março à celebração de rito duplo de 1ª classe. [3]

6. Foi - o daquele 8 de dezembro de 1870 - um breve, mas precioso e admirável Decreto "Urbi et Orbi", verdadeiramente digno do "Ad perpetuam rei memorium", que abriu um veio de riquíssimas e preciosas inspirações aos sucessores de Pio IX.

Leão XIII

7. Com efeito, eis que o imortal Leão XIII apresenta para a festa da Assunção de 1889, com a carta Quamquam pluries,[4] o documento mais amplo e copioso até então publicado por um papa, em honra do pai putativo de Jesus, elevado em sua luz característica de modelo dos pais de família e dos operários. Provém daí a bela oração: "A vós, ó Bem-aventurado s. José", que encheu de tanta doçura nossa infância.

S. Pio X

8. O santo pontífice Pio X acrescentou as expressões do Papa Leão XIII numerosas outras de devoção e de amor para com s. José, acolhendo de bom grado a dedicatória que lhe foi feita de um tratado que ilustra seu culto,[5] e multiplicando o tesouro das indulgências para a recitação das ladainhas, tão caras e tão doces de dizer. Como estão bem expressos os termos dessa concessão! "O santíssimo senhor nosso Pio X engrandece o ínclito patriarca s. José pai putativo, esposo puríssimo da Virgem mãe e poderoso patrono da Igreja católica junto de Deus" - e vede que delicadeza de sentimentos pessoais - "cujo glorioso nome é aprendido desde o nascimento, e é envolvido de piedade e religião constante".[6] E os termos com que anunciou os motivos dos novos favores concedidos: "para cultuar s. José, padroeiro da Igreja universal".[7]

Bento XV

9. Ao desencadear-se a primeira grande guerra européia, quando os olhos de s. Pio X se fechavam à vida terrestre, eis que aparecia providencialmente o Papa Bento XV, que atravessou qual um astro benéfico de consolação universal os anos dolorosos de 1914 a 1918. Também ele quis logo promover o culto do santo patriarca. Com efeito, é a ele que se deve a introdução de dois novos prefácios ao cânone da santa missa: precisamente o de s. José e o da missa dos defuntos, associa com felicidade um e outro em dois decretos do mesmo dia, 9 de abril de 1919,[8] como a lembrar uma concomitância e fusão de dor e de conforto entre as duas famílias: a família celeste de Nazaré, da qual s. José era o chefe legal, e a imensa família humana afligida por uma consternação universal pelas inúmeras vítimas da guerra devastadora. Que triste, mas também suave e feliz aproximação: Duma parte, s. José e de outra "o signifer sanctus Michael": ambos apresentando as almas dos defuntos ao Senhor "na luz santa".

10. No ano seguinte - 25 de julho de 1920 - o papa Bento XV voltava a este assunto no cinqüentenário, que então se preparava, da proclamação - já feita por Pio IX - de s. José como Padroeiro da Igreja universal; e voltava numa luz de doutrina teológica com o Motu próprio Bonum Sane, [9] todo impregnado de ternura e singular confiança. Oh! que belo iluminar-se da suave e benévola figura do santo, que ele faz o povo cristão invocar para proteger a igreja militante, no momento mesmo em que reflorescem suas melhores energias para a reconstrução espiritual e material, depois de tantas calamidades; e para reconforto de tantos milhões de vítimas humanas que jaziam às portas da morte e para as quais o Papa Bento XV queria pedir aos bispos e as numerosas associações piedosas espalhadas pelo mundo, a intervenção suplicante de suas orações a s. José, padroeiro dos agonizantes.

Pio XI e Pio XII

11. Seguindo a mesma linha de conselho da devoção fervorosa ao santo patriarca, os dois últimos pontífices Pio XI e Pio XII - ambos sempre de cara e venerável memória - se sucederam numa viva e edificante fidelidade de ensino, de exortação, de fervor.

12. Pelo menos quatro vezes, Pio XI, em solenes alocuções relativas à glorificação de novos santos e, freqüentemente, na ocorrência de 19 de março - por exemplo em 1928,[10] depois em 1935 e ainda em 1937 - aproveitou a ocasião para exaltar as diferentes luzes que ornam a fisionomia espiritual do guardião de Jesus, do castíssimo esposo de Maria, do piedoso e modesto operário de Nazaré, e do padroeiro da Igreja universal, poderoso escudo de defesa contra os esforços do ateísmo mundial que visa a desagregação das nações cristãs.

13. Também Pio XII tomou de seu predecessor a nota fundamental no mesmo tom, em numerosas alocuções, todas tão belas, vibrantes e felizes. Como a 10 de abril de 1940[11] quando convidava os jovens esposos a se colocarem sob o seguro e suave manto do Esposo de Maria; e em 1945[12]) quando convidava os membros da associação cristã dos operários a honrá-lo como elevado exemplo e defensor invencível de suas falanges; e dez anos depois, em 1955 [13] quando anunciava a instituição da festa anual de s. José operário. Na realidade, esta festa de instituição recentíssima, fixada a 1° de maio, veio suprimir a da 4ª feira da segunda semana de páscoa, enquanto a festa tradicional de 19 de março marcará de agora em diante a data mais solene e definitiva do patrocínio de s. José sobre a Igreja universal.

14. O mesmo Santo Padre Pio XII quis ornar como que de preciosíssima coroa o peito de s. José com uma fervorosa oração proposta à devoção dos sacerdotes e fiéis de todo o mundo, e cuja recitação enriqueceu de numerosas indulgências. Oração de caráter eminentemente profissional e social, como convém àqueles que estão sujeitos à lei do trabalho, que é para todos "lei de honra, de vida pacífica e santa, prelúdio da felicidade imortal". Diz ela, entre outras coisas: "Permanecei conosco, ó s. José, nos nossos momentos de prosperidade, quando tudo nos convida a gozar honestamente dos frutos de nossas fadigas; mas, sobretudo, permanecei conosco e sustentai-nos nas horas de tristeza quando parece que o céu quer fechar-se sobre nós e até os instrumentos de nosso trabalho vão escapar de nossas mãos".[14]

15. Veneráveis Irmãos e caros filhos: pareceu-nos também oportuno propor estas notas de história e de piedade religiosa a devota atenção de vossas almas, educadas na delicadeza do sentir e do viver cristão e católico, precisamente nesta data de 19 de março, quando a festa de s. José coincide com o início do tempo da Paixão e nos prepara para intenso contato com os mistérios mais emocionantes e salutares da sagrada liturgia. As disposições que prescrevem o véu sobre as imagens do crucifixo, de Maria e dos santos durante as duas semanas de preparação da páscoa, são convite a um recolhimento íntimo e sagrado, concernente as comunicações com o Senhor, por meio da oração que deve ser meditação e súplica assídua e ardente. O Senhor, a Virgem Santíssima e os Santos estão a espera de nossas confidências; e é bem natural que estas se regam ao que corresponde melhor às solicitudes da Igreja católica universal.

À espera do Concílio ecumênico

16. Ao centro destas solicitudes e em lugar preeminente encontra-se, sem dúvida, o Concílio Ecumênico Vaticano, cuja expectativa está nos corações de todos os que crêem em Jesus Redentor, quer pertençam à nossa mãe, a Igreja católica, ou a alguma das diversas confissões que dela se separaram e nas quais, entretanto, muitos estão ansiosos por uma volta a unidade e a paz, segundo o ensino e a oração de Cristo ao Pai Celeste. É muito natural que esta evocação das palavras dos Papas do último século sirva perfeitamente para suscitar a cooperação do mundo católico para o bom êxito do grande plano de ordem, de elevação espiritual e de paz, ao qual um Concílio Ecumênico é chamado.

O Concílio a serviço de todas as almas

17. Tudo é grande e digno de consideração na Igreja, tal como Jesus a constituiu. Na celebração de um Concílio, reúnem-se em torno dos padres as personalidades mais notáveis do mundo eclesiástico, dotadas de altas qualidades de doutrina teológica e jurídica, de capacidade de organização, de elevado espírito apostólico. Eis o Concílio: o papa no ápice e, em torno dele e com ele, os cardeais, os bispos de todos os ritos e de todos os países, os doutores e mestres mais competentes nos diversos graus de suas especializações.

18. Mas o Concílio é feito para todo o povo cristão que nele está interessado pela circulação mais perfeita da graça, de vitalidade cristã, que torna mais fácil e rápida a aquisição de bens verdadeiramente preciosos da vida presente e asseguram as riquezas dos séculos eternos.

19. Todos, por conseguinte, estão interessados pelo Concílio, eclesiásticos e leigos, grandes e pequenos de todas as partes do mundo, de todas as classes, de todas as raças, de todas as cores; e se um protetor celeste é indicado para conseguir do alto, em sua preparação e realização, aquele "poder divino" pelo qual ele parece destinado a marcar época na história da Igreja contemporânea, a nenhum dos protetores celestes poderia ser mais bem confiado do que a s. José, augusto chefe da família de Nazaré e protetor da santa Igreja.

20. Ouvindo de novo o eco das vozes dos Papas deste último século de nossa história, como nos acontece, tocam ainda nosso coração os acentos característicos de Pio XI, em razão também de sua maneira refletida e calma de exprimir-se. Temos ainda no ouvido um discurso pronunciado a 19 de março de 1928, com uma alusão que ele não soube, não quis calar, em honra de s. José, do caro e bendito s. José, como gostava de saudá-lo.

21. "É sugestivo, dizia ele, observar de perto e, por assim dizer, ver brilhar, uma ao lado da outra, duas magníficas figuras que se acompanham no início da Igreja: primeiramente a de s. João Batista, que surge do deserto, algumas vezes com voz forte e outras com pacífica doçura; às vezes como um leão que ruge e outras como o amigo que se alegra com a glória do esposo e oferece aos olhos do mundo o esplendor maravilhoso de seu martírio. Em seguida, a figura tão vigorosa de Pedro, que ouve do Divino Mestre as magníficas palavras: `Ide e pregai a todo o mundo'; e para ele, pessoalmente: `Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja'. Grande missão, divinamente faustosa e retumbante".

22. Assim falava Pio XI. Prosseguia depois, e com quanta felicidade: "Entre estes dois grandes personagens, entre estas duas missões, eis que aparecem a pessoa e a missão de s. José que, ao contrário, passam apagadas, silenciosas, como que despercebidas e ignoradas, na humildade, no silêncio, silêncio que não devia iluminar-se senão mais tarde, silêncio ao qual deveriam suceder, e muito alto, o grito, a voz, a glória nos séculos".[15]

23. Oh! a invocação, oh! o culto de s. José para a proteção do Concílio Ecumênico Vaticano II.

Veneráveis irmãos e caríssimos filhos de Roma, irmãos e filhos muito amados do mundo inteiro. É a este ponto que desejamos vos conduzir, enviando-vos esta Carta Apostólica justamente no dia 19 de março, em que a celebração da festa de s. José, Padroeiro da Igreja universal, podia servir às vossas almas de incentivo a uma renovação extraordinária de fervor para a participação, por meio de oração mais viva, ardente e contínua, nas solicitudes da santa Igreja, mãe e mestra, que ensina e dirige este acontecimento extraordinário do XXI Concílio Ecumênico e Vaticano II, do qual toda a imprensa pública mundial se ocupa com vivo interesse e respeitosa atenção.

24. Bem sabeis que a primeira fase de organização do Concílio prossegue em atividade pacífica, laboriosa e corsoladora. Por centenas, insignes prelados e eclesiásticos, vindos de todas as regiões do mundo, se sucedem aqui em Roma, distribuídos em diferentes secções bem organizadas, cada uma entregue ao seu trabalho particular, seguindo preciosas indicações contidas numa série de imponentes volumes que exprimem o pensamento, a experiência, as sugestões recolhidas pela inteligência, pela sabedoria, pelo vibrante fervor apostólico daquilo que constituiu a verdadeira riqueza da Igreja católica do passado, do presente e do futuro. O Concílio Ecumênico não pede para sua realização e seu êxito senão luz de verdade e de graça, disciplina de estudo e de silêncio, paz serena dos espíritos e dos corações. Isto de nossa parte humana. Vem do alto o auxílio celeste que o povo cristão deve implorar com sua viva cooperação pela oração, por um esforço de vida exemplar que seja antecipação e exemplo da disposição bem resoluta, da parte de cada um dos féis, de observar depois as instruções e as diretrizes que serão proclamadas na conclusão tão desejada do grande acontecimento, que já segue curso feliz e promissor.

25. Veneráveis Irmãos e caros filhos.

O luminoso pensamento do Papa Pio XI a 19 de março de 1928 segue-nos ainda. Aqui de Roma, a sagrada catedral de Latrão resplandece sempre na glória de s. João Batista. Mas no maior templo de s. Pedro, onde são veneradas preciosas lembranças de toda a cristandade, há também um altar de s. José; e desejamos e propomos na data de hoje, 19 de março de 1961, que o altar de s. José seja revestido de novo esplendor, mais amplo e mais solene; e se torne um ponto de atração e de piedade religiosa para cada uma das almas e inumeráveis multidões. É sob as abóbadas celestiais da basílica vaticana que se reunirão em torno do chefe da Igreja as falanges dos componentes do colégio apostólico vindos de todos os pontos do globo, mesmo os mais distantes, para o Concílio Ecumênico.

26. Ó s. José! Aqui, aqui mesmo é vosso lugar de "Protetor da Igreja universal". Quisemos apresentar-vos, através das palavras e dos documentos de nossos predecessores imediatos dos últimos séculos - de Pio IX a Pio XII - uma coroa de honra, como eco dos testemunhos de afetuosa veneração que se eleva igualmente de todas as nações católicas e de todas as regiões missionárias. Sede sempre nosso protetor. Que vosso espírito interior de paz, de silêncio, de bom trabalho e de oração, a serviço da santa Igreja, nos vivifique sempre e nos alegre em união com vossa santa esposa, nossa dulcíssima Mãe Imaculada, num fortíssimo e suave amor a Jesus, Rei glorioso e imortal dos séculos e dos povos. Assim seja.

Dado em Roma, junto de s. Pedro, a 19 de março de 1961, terceiro de nosso Pontificado.

JOÃO PP. XXIII


Notas

[1] Acta et Decreta Sacrorum Conciliorum recentiorum, Collectio Lacensis, tomo VII, col. 856-857.

[2] 10 de dezembro de 1847.

[3] Decr. Quemadmodum Deus, de 8 de dezembro de 1870. Acta Pii IX, t. 5, Roma 1873, p. 282.

[4] Acta Leonis XIII, Roma 1890, pp.175-180.

[5] Carta a R. P. A. Lépicier, OSM, de 12 de fevereiro de 1908; Acta Pii X, vol. 5, Roma 1914, pp.168-169.

[6] AAS 1(1909), p. 290.

[7] Decr. S. Cong. dos Ritos, de 24 de julho de 1911: AAS III,1911, p. 350.

[8] AAS 11(1919), pp.190-191.

[9] AAS 12(1920), p. 313.

[10] Discursos de Pio XI, SEI, vol I,1922-1928, pp. 779-780.

[11] Discursos e Radiomensagens de S.S. Pio XII, vol. II, pp. 65- 69.

[12] AAS 37 (1945), p. 72.

[13] AAS 47(1955), p. 406.

[14] AAS 50 (1958), pp. 335-336.

[15] Discursos de Pio XI, vol. I, p. 780.

Unde ememus panes ut manducent hi? – “Onde compraremos pães para que estes comam?” (Jo 6, 5)

A tenra compaixão que moveu o Senhor a multiplicar os pães para dar de comer à multidão que o seguia, deve mover-nos a socorrer as almas do purgatório, que são muito mais numerosas e muito mais famintas de seu alimento espiritual, que é Deus. O meio principal de que devemos usar para lhes levar socorro é a santíssima Eucaristia. Em sufrágio dessas almas, visitemos frequentemente a Jesus sacramentado; aproximemo-nos da mesa da comunhão, e, se não podemos mandar celebrar missas, ouçamos ao menos todas as que as nossas ocupações nos permitam ouvir.

I. Refere o Evangelho que, estando Jesus assentado sobre um monte, levantou os olhos, e viu ao redor de si uma multidão de quase cinco mil pessoas, que O seguiam, porque viam os milagres que fazia sobre os enfermos. Em seguida, sabendo que um moço tinha cinco pães de cevada e dois peixes, tomou-os em suas mãos, e, tendo dado graças, os mandou distribuir à multidão. Não somente houve o bastante para todos se fartarem, mas com os pedaços que sobejaram, os apóstolos encheram doze cestos. Eis aí o grande milagre que Jesus Cristo fez por compaixão de tantos pobres corporalmente.

Ora, é justo, ou para dizer melhor, é necessário que tenhamos compaixão das almas de outra multidão muito mais numerosa e incomparavelmente mais faminta do seu alimento espiritual: devemos compadecer-nos das almas benditas do purgatório. — Pobres almas! São muitas as penas que padecem naquele cárcere de tormentos; porém, acima de tudo aflige-as a privação da dulcíssima presença de Deus, cuja beleza infinita já conhecem. Não há na linguagem humana palavras apropriadas para exprimir qual seja esta pena; mas ainda que possuíssemos as palavras adequadas, faltar-nos- ia a capacidade de compreendê-las, preocupados como estamos com as coisas terrestres. Mas a pena que a privação de Deus traz consigo é bem compreendida pelas pobres almas que a padecem. Por isso levantam a sua voz lamentosa e pedem-nos que lhes saciemos a fome inconcebível de contemplarem quanto antes o objeto de seu amor: Miseremini mei, saltem vos, amici mei, quia manus Domini tetigit me — “Compadecei-vos de mim, ao menos vós, que sois meus amigos, porque a mão do Senhor me feriu”.

II. O milagre da multiplicação dos pães, assim como se conclui do Evangelho, foi feito para provar a presença verdadeira de Jesus na Eucaristia; e mesmo, segundo observavam os doutores, foi uma figura da Mesa eucarística. Eis, pois, o meio eficacíssimo de que, à imitação do Redentor, devemos lançar mão para saciarmos a fome das almas benditas do purgatório. — Visitemos muitas vezes o divino Sacramento, comunguemos com frequência; sobretudo mandemos celebrar em alívio das almas o sacrifício incruento da missa, ou ao menos ouçamos para sufragá-las todas as missas que pudermos. “Cada missa que se celebra”, diz São Jerônimo, “faz sair várias almas do purgatório”. E São Gregório acrescenta: “Quem assiste devotamente à missa, alivia as almas dos fiéis defuntos e contribui para lhes serem perdoados completamente os pecados”.

Pelo que uma pessoa muito devota às almas do purgatório, cada vez que ouvia tocar a entrada para uma missa, afigurava-se ver as almas no meio das chamas e ouvir os seus gritos lastimosos e angustiados. “Então”, assim dizia, “por urgentes que sejam as minhas ocupações, não posso deixar de assistir ao divino sacrifício, nem tenho coragem de lhes dizer: Esperai, porque hoje falta-me o tempo para vos ajudar”. — Façamos do mesmo modo, e fiquemos certos de que aquelas santas prisioneiras saberão mostrar-se agradecidas. Além disso, virá o tempo em que, estando nós também no purgatório, nos medirão a nós com a medida que nós tivermos medido aos outros.

Ó dulcíssimo Jesus, pela compaixão que mostrastes para com as multidões famintas que Vos acompanhavam, tende piedade das almas do purgatório. Volvei também para mim os vosso olhos piedosos, “e fazei, ó Deus todo-poderoso, que na aflição pelas minhas iniquidades, respire com a consolação de vossa graça”. † Doce Coração de Maria, sêde minha salvação.

Ecce pater tuus et ego dolentes quaerebamus te – “Eis que teu pai e eu Te andávamos buscando cheios de aflição” (Lc 2, 48)

A dor de Maria pela perda de Jesus foi sem dúvida uma das mais acerbas; porque ela então sofria longe de Jesus, e a humildade fazia-lhe crer que o Filho se tinha apartado dela por causa de alguma negligência sua. Sirva-nos esta dor de conforto nas desolações espirituais; e ensine- nos o modo de buscarmos a Deus, se jamais para nossa desgraça viermos a perdê-Lo por nossa culpa. Lembremo-nos, porém, de que quem quiser achar a Jesus, não O deve buscar entre os prazeres e delícias, mas no pranto, entre as cruzes e mortificações, assim como Maria o procurou.

I. Quem nascer cego, pouco sente a pena de ser privado de ver a luz do dia; mas quem noutro tempo teve a vista e gozou a luz, muita pena sente em se ver dela privado. E assim igualmente as almas infelizes que, cegas pelo lodo desta terra, pouco têm conhecido a Deus, pouco sentem a pena de O não acharem. Ao contrário, quem, iluminado pela luz celeste, foi feito digno de achar no amor a doce presença do supremo Bem, ó Deus! Que tristeza sente em ver-se dela privado.

Vejamos portanto o muito que a Maria, acostumada a gozar continuamente a dulcíssima presença de seu Jesus, devia ser dolorosa a terceira espada que a feriu, quando, havendo-O perdido em Jerusalém, por três dias se viu dele separado. ― Alguns escritores opinam que esta dor não foi somente uma das maiores que teve Maria na sua vida, mas que foi em verdade a maior e mais acerba. E com razão, porque então ela não sofria em companhia de Jesus, como nas outras dores; e porque a sua humildade lhe fazia crer que Jesus se tinha afastado dela por alguma negligência no seu serviço. Por esta razão aqueles três dias lhe foram excessivamente longos e se lhe afiguraram séculos, cheios de amargura e de lágrimas.

Num quem diligit anima mea vidistis? ― “Vistes porventura àquele a quem ama a minha alma?” É assim que a divina Mãe, como a Esposa dos Cantares, andava perguntando por toda a parte. E depois, cansada pela fadiga, mas sem O ter achado, oh, com quanto maior ternura não terá dito o que disse Ruben de seu irmão: Puer non comparet, et ego quo ibo?

― “O menino não aparece, e eu para onde irei?” O meu Jesus não aparece, e eu não sei que mais possa fazer para O achar; mas aonde irei sem o meu tesouro? Ah, meu filho dileto! Cara luz de meus olhos: faze-me saber onde estás, a fim de que eu não ande mais errando e buscando-Te em vão. Numa palavra, afirma Orígenes que pelo amor que esta santa Mãe tinha a seu Filho, padeceu mais nesta perda de Jesus que qualquer outro mártir no tormento que o privou da vida.

II. Esta dor de Maria, em primeiro lugar, deve servir de conforto àquelas almas que estão desoladas e não gozam a doce presença de seu Senhor, gozada em outros tempos. Chorem, sim, mas chorem com paz, como chorou Maria a ausência de seu Filho. Não temam por isso de terem perdido a divina graça, animando-se com o que disse Deus mesmo a Santa Teresa: “Ninguém se perde sem o conhecer; e ninguém fica enganado sem querer ser enganado”. ― Se o Senhor se ausenta dos olhos da alma que o ama, nem por isso se ausenta do coração. Esconde-se muitas vezes para ser por ela buscado com mais desejo e amor. Mas quem quer achar a Jesus, é preciso que o busque, não entre as delícias e os prazeres do mundo, mas entre as cruzes e mortificações, como o buscou Maria: Dolentes quaerebamus te ― “Nós Te andávamos buscando cheios de aflição”.

Além disso, neste mundo não devemos buscar outro bem senão Jesus. Jó não foi, por certo, infeliz quando perdeu tudo o que possuía neste mundo, até descer a um monturo. Porque tinha consigo Deus, também então era feliz. Verdadeiramente infelizes e miseráveis são aquelas almas que perderam a Deus. Se, pois, Maria chorou a ausência do Filho, quanto mais deveriam chorar os pecadores que perderam a divina graça, e aos quais Deus diz: Vos non populus meus, et ego non ero vester ― “Vós não sois meu povo, e eu não serei mais vosso”.

Mas a maior desgraça para aquelas pobres almas, diz Santo Agostinho, é que, se perdem um boi, não deixam de procurá-lo; se perdem uma ovelha, não poupam diligência para achá-la; se perdem um jumento, não têm mais repouso; mas se perdem o sumo Bem, que é Deus, comem, bebem e ficam quietos.

― Ah, Maria, minha Mãe amabilíssima, se por minha desgraça eu também perdi a Jesus pelos meus pecados, rogo-vos, pelos méritos das vossas dores, fazei que eu depressa O vá buscar e O ache, para nunca mais tornar a perdê-Lo em toda a eternidade. 

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