@falachicopodcast - Um podcast que narra a sabedoria da Igreja Católica.

Eugênio Telles

Eugênio Telles

Eugênio Telles é catequista em constante formação, publicitário, empreendedor, podcaster e foi coordenador da Pastoral da Comunicação no Santuário da Divina Misericórdia e no Vicariato Suburbano da ArqRio.

Cara(o) Amiga(o)

Uma definição muito antiga de oração descreveu-a como “a elevação do coração e da mente para Deus”. O que é a “mente”? O que é o “coração”? A mente é aquilo que pensa – ela questiona, preocupa-se, fantasia. O coração é aquilo que conhece – ele ama. A mente é o órgão do conhecimento; o coração, o órgão do amor. A consciência mental precisa afinal ceder e abrir-se para o modo mais pleno de conhecer, que é a consciência do coração. Amor é conhecimento completo.

A maior parte do nosso treinamento em oração, contudo, limita-se à mente. Fomos ensinados desde crianças a recitar nossas orações, a pedir a Deus pelas necessidades dos outros ou nossas. Entretanto, isso é apenas metade do mistério da oração.

A outra metade é a oração do coração, em que nós não estamos pensando em Deus, ou falando com ele, ou pedindo algo. Simplesmente, estamos com Deus, que está em nós, no Espírito Santo que Jesus nos deu. O Espírito Santo é o amor, a relação de amor que flui entre o Pai e o Filho. Foi esse Espírito que Jesus insuflou em cada coração humano. A meditação, então, é a oração do coração, unindo-nos com a consciência humana de Jesus no Espírito. “Porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar como convém, mas o Espírito mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis”. (Rm 8, 26).

O Espírito Santo na Igreja moderna, especialmente desde o Concílio Vaticano II no início dos anos 1960, vem-nos ensinando a recuperar essa outra dimensão de nossa oração. Os documentos do Concílio relativos à Igreja e à liturgia enfatizaram a necessidade de desenvolver “uma orientação contemplativa” na vida espiritual dos cristãos hoje. Todos são chamados à plenitude da experiência de Cristo, independente do seu percurso de vida.

Isso significa que devemos ir além do nível da oração mental: conversar com Deus, pensar em Deus, pedir a Deus por nossas necessidades. Devemos ir até as profundezas, até onde o próprio espírito de Jesus está orando em nossos corações, no profundo silêncio de sua união com nosso Pai no Espírito Santo.

A oração contemplativa não é privilégio de monges e freiras ou de tipos místicos especiais. Ela é uma dimensão de oração para a qual nós todos somos chamados. Não se trata de experiências extraordinárias, nem de estados alterados de consciência. Trata-se daquilo que São Tomás de Aquino chamava de “simples desfrutar da verdade”. William Blake falava da necessidade de “limpar as portas da percepção”, de modo que possamos ver tudo como verdadeiramente é: infinito.

Isso tudo se refere à consciência contemplativa, tal como vivida na vida normal. A meditação leva-nos a isso, e é parte de todo o mistério da oração na vida de qualquer pessoa que esteja buscando a plenitude do ser.

Extraído de Prática Diária da Meditação Cristã, de Laurence Freeman.

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Fala, Chico! é um podcast dedicado à leitura de cartas, encíclicas, exortações, homilias e ensinamentos do Papa Francisco e da Igreja, produzido, editado e apresentado por Eugênio Telles.
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Fonte: https://www.wccm.com.br/cartas/76-ano-1/847-carta-2

Como você se prepara para meditar?

Cara(o) Amiga(o)

John Main redescobriu a meditação, a repetição fiel de uma frase-oração para conduzir-nos ao silêncio da oração “pura”. Para sua imensa alegria, ele a encontrou nos escritos de um monge cristão do século IV AD: João Cassiano, que se sentou aos pés de muitos cristãos eremitas que viviam no deserto do Egito daquele tempo, para aprender sobre a oração, e sobre como levar uma autêntica vida cristã. Cassiano ressaltava que esta prática conduz ao silêncio da oração “pura”, a oração contemplativa, sem palavras ou imagens.

“A mente, assim, expulsa e reprime o rico e amplo assunto de todos os pensamentos e, se restringe à pobreza da repetição de um simples verso”. Enfatizando a importância do mantra, ele continuava e, dizia: “Este mantra deve estar sempre em seu coração. Quando se preparar para dormir, faça-o repetindo este verso até que, tendo sido moldado por ele, você se habitua a repeti-lo até mesmo durante seu sono.”

A repetição fiel da frase-oração (ou da palavra-oração), apenas a repetição dessa nossa palavra, não é, contudo, tão fácil como parece. Necessitamos nos preparar para esse período; não podemos esperar tornar-nos plenamente focados em nossa oração, sem uma preparação. Quando perguntaram a John Main, como deveríamos nos preparar para a meditação, ele certa vez respondeu “realizando gestos de gentileza.” Precisamos estar em uma atitude mental correta; tentar meditar depois de uma calorosa discussão com alguém realmente não iria funcionar, não é mesmo? Nossa vida diária e nossa vida de oração não estão separadas: “Da mesma maneira como você vive, assim você ora”, esse era um ditado comum entre os cristãos primitivos.

No mundo em que vivemos, nossa vida tende a ser atarefada e desgastante. Se acharmos que estamos realmente cansados, poderá mesmo ser aconselhável tirarmos uma soneca antes de irmos para nosso grupo de meditação. Fazer algumas posturas de alongamento de Yoga, ou um ou dois movimentos de Tai Chi, também ajuda a fazer com que a energia flua. De outro modo, tudo o que poderemos fazer será uma “soneca sagrada”, que também não é errado, mas frequentemente se faz acompanhar por um doce ressonar! O ronco e outros ruídos que ocorrem durante a meditação, no entanto, podem representar uma excelente prática para nos desligarmos de assuntos alheios ao momento presente, e nos remetermos suavemente de volta a nossa palavra. Ruídos em geral, na verdade, não nos perturbam, desde que não nos irritemos com eles. Devemos simplesmente aceitar que é assim que as coisas são. Sem julgar, sem criticar.

A razão pela qual nos sentamos com nossas costas eretas, ombros para trás e relaxados, é que essa posição ajuda a nos mantermos despertos: o peito está livre e aberto, de modo a podermos respirar bem, e o oxigênio possa fluir livremente por todo nosso corpo, mantendo-nos alertas. Relaxar e dormir, por mais necessários que sejam, não são obviamente o objetivo da meditação; a atenção plena necessária para a meditação é de fato um caminho para nos mantermos alertas e energizados. Pode ajudar começarmos nosso período de meditação fazendo respirações abdominais profundas, que tanto servem para nos relaxar, quanto nos energizar.

A tarefa essencial na meditação é “repetir a sua palavra”. Este é o nosso foco. A palavra recomendada por John Main é “maranatha”, a mais antiga oração cristã em aramaico, a língua falada por Jesus. Repetimos essa palavra em quatro sílabas igualmente acentuadas – ma-ra-na-tha. Não importa se você a diz com o som ‘th’ da língua inglesa, ou simplesmente se o reverbera como ‘t’. A pronúncia não é importante. Você só precisa se lembrar de que orando a Jesus, pronunciamos Seu nome em todas as línguas do mundo, e isso não muda a eficácia da oração. Além do mais, em aramaico, seus amigos e sua família O chamavam Yeshua. O importante é você repeti-la com plena atenção, amorosa e fielmente. Sempre que seus pensamentos lhe distraírem, gentilmente traga sua mente de volta para sua palavra. Algumas pessoas acham mais fácil repetir a palavra em conexão com o movimento respiratório, mas se isso lhe causa distrações simplesmente preste atenção nela, no ritmo que melhor se adequa a você.

Como meditar:

Sente-se.
Confortável e com a coluna ereta.
Feche suavemente seus olhos.
Mantenha-se relaxada(o), mas alerta.
Silenciosa e interiormente comece a repetir uma simples palavra.
Recomendamos a palavra/oração, Maranatha.
Ouça-a à medida que a pronuncia, suave, mas continuamente.
Pensamentos e imagens provavelmente afluirão, mas deixe-os passar.
Mantenha-se fiel à repetição da sua palavra do início ao fim da sua meditação.
Medite de vinte a trinta minutos, toda manhã e toda noite.

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Fonte:

Na próxima 6ª feira, 11 de março, vamos iniciar uma sequência de episódios semanais de meditação no podcast Fala, Chico!, que irão até o dia 15 de abril. Serão ao todo 6 episódios em que compartilharei algumas cartas da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã (World Community for Christian Meditation - WCCM), que são publicados no site para dar apoio e nutrir os meditantes.

A meditação cristã, segundo o ensinamento de John Main, fundador da WCCM, é a fiel repetição de uma frase-oração, ou “mantra”, como John Main o chamava. Ele redescobriu esse modo de oração nos escritos dos primeiros cristãos, os Padres e Madres do Deserto, que no quarto século da nossa Era Comum retiraram-se principalmente para o deserto do Egito para viver uma vida cristã autêntica, baseada no ensinamento de Jesus.

A repetição fiel e amorosa dessa oração conduz-nos a uma quietude do corpo e da alma e ajuda-nos a entrar no silêncio que habita o centro do nosso ser. O famoso místico do século XIV, Mestre Eckhart, disse: “Nada descreve Deus tão bem quanto o silêncio”. Lá no verdadeiro centro do nosso ser habita Cristo, e lá nós entramos na oração de Jesus.

Enquanto preparo os episódios de meditação, preparo também uma série de catequeses que o Papa Francisco fez sobre São José, que teve início em novembro do ano passado e que foi concluída neste ano. Minha programação é de publicá-las todas no dia 19 de março, dia de São José. Deus me capacite a cumprir este propósito, pela intercessão de São José.

Na 4ª catequese sobre o esposo de Nossa Senhora, Papa Francisco medita a virtude do silêncio em São José, que na Bíblia não teve uma palavra sequer registrada, mas que fala alto aos nossos corações através das suas atitudes. Para nos prepararmos para o nosso primeiro episódio de meditação, compartilho parte desta catequese com vocês.

Como seria bom se cada um de nós, seguindo o exemplo de São José, conseguisse recuperar esta dimensão contemplativa da vida aberta precisamente pelo silêncio. Mas todos sabemos por experiência que não é fácil: o silêncio assusta-nos um pouco, porque nos pede para entrarmos em nós mesmos e encontrarmos a parte mais verdadeira de nós. Muita gente tem receio do silêncio, deve falar, falar, falar ou ouvir rádio, televisão…, mas não pode aceitar o silêncio porque tem medo. O filósofo Pascal observou que «toda a infelicidade dos homens provém de uma só coisa: não saber ficar tranquilo num quarto» (Pensamentos, 139).

Queridos irmãos e irmãs, aprendamos de São José a cultivar espaços de silêncio, nos quais possa surgir outra Palavra, isto é, Jesus, a Palavra: a do Espírito Santo que habita em nós e que traz Jesus. Não é fácil reconhecer esta Voz, que muitas vezes se confunde com os milhares de vozes de preocupações, tentações, desejos e esperanças que nos habitam; mas sem este treino que provém precisamente da prática do silêncio, até a nossa fala pode adoecer. Sem a prática do silêncio o nosso falar adoece. Ele, em vez de fazer resplandecer a verdade, pode tornar-se uma arma perigosa. De facto, as nossas palavras podem tornar-se adulação, jactância, mentira, maledicência, calúnia. É um dado da experiência que, como nos lembra o Eclesiástico, «a língua mata mais do que a espada» (28, 18). Jesus disse-o claramente: quem fala mal do irmão ou da irmã, quem calunia o próximo, é homicida (cf. Mt 5, 21-22). Mata com a língua. Não acreditamos nisto, mas é a verdade. Recordemos as vezes que matamos com a língua, envergonhar-nos-íamos! Contudo, far-nos-á muito bem, tanto bem.

A sabedoria bíblica afirma que «morte e vida estão no poder da língua: quem fizer bom uso dela comerá o seu fruto» (Pr 18, 21). E o apóstolo Tiago, na sua Carta, desenvolve este antigo tema do poder, positivo e negativo, da palavra com exemplos impressionantes, diz assim: «Se alguém não peca pela palavra, esse é um homem perfeito, capaz de dominar o seu corpo [...] a língua é um pequeno membro e gloria-se de grandes coisas [...] Com ela bendizemos a Deus Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma mesma boca procedem a bênção e a maldição» (3, 2-10).

Por este motivo, devemos aprender de José a cultivar o silêncio: aquele espaço de interioridade nos nossos dias nos quais damos ao Espírito a oportunidade de nos regenerar, de nos consolar, de nos corrigir. Não estou a dizer que devemos cair num mutismo, não, mas devemos cultivar o silêncio. Cada um olhe para dentro de si mesmo: muitas vezes estamos a fazer um trabalho e quando terminamos procuramos imediatamente o telemóvel para fazer outra coisa, somos sempre assim. E isto não ajuda, faz-nos escorregar para a superficialidade. A profundidade do coração cresce com o silêncio, um silêncio que não é mutismo, como eu disse, mas que deixa espaço à sabedoria, à reflexão e ao Espírito Santo. Por vezes temos medo dos momentos de silêncio, mas não devemos recear! O silêncio far-nos-á muito bem. E o benefício para os nossos corações curará também a nossa língua, as nossas palavras e, sobretudo, as nossas escolhas. Com efeito, José uniu o silêncio à ação. Ele não falou, mas fez, e assim mostrou-nos o que Jesus disse outrora aos seus discípulos: «Nem todo o que me diz Senhor, Senhor, entrará no reino dos Céus, mas sim aquele que faz a vontade do meu Pai que está nos Céus» (Mt 7, 21). Palavras fecundas quando falamos e temos a recordação daquela canção “Parole, parole, parole…” [“Palavras, palavras, palavras…”] e nenhuma substância. Silêncio, falar o suficiente, às vezes morder a língua um pouquinho, que faz bem, em vez de dizer parvoíces.

Espero por vocês em nosso primeiro episódio de meditação, na próxima 6ª feira.

Audiência Geral de 1° de Março de 2006, quarta-feira de cinzas, do Papa Bento XVI, sobre a Quaresma: um itinerário de reflexão e de intensa oração.

Quarta-feira de Cinzas
A Quaresma: um itinerário de reflexão e de intensa oração

Amados irmãos e irmãs

Começa hoje, com a Liturgia da Quarta-Feira de Cinzas, o itinerário quaresmal de quarenta dias, que nos conduzirá ao Tríduo pascal, memória da paixão, morte e ressurreição do Senhor, cerne do mistério da nossa salvação. Este é um tempo favorável, em que a Igreja convida os cristãos a tomar consciência mais viva da obra redentora de Cristo e a viver com maior profundidade o próprio Baptismo. Com efeito, neste período litúrgico o Povo de Deus, desde os primórdios, alimenta-se abundantemente da Palavra de Deus para se fortalecer na fé, percorrendo toda a história da criação e da redenção.

Na sua duração de quarenta dias, a Quaresma possui uma indubitável força evocadora. De facto, ela tenciona recordar alguns acontecimentos que cadenciaram a vida e a história do antigo Israel, voltando a propor-nos também a nós o seu valor paradigmático: pensemos, por exemplo, nos quarenta dias do dilúvio universal, que terminaram com o pacto de aliança estabelecido por Deus com Noé, e assim com a humanidade, e nos quarenta dias de permanência de Moisés no Monte Sinai, aos quais se seguiu o dom das tábuas da Lei. O período quaresmal quer convidar-nos sobretudo a reviver com Jesus os quarenta dias por Ele transcorridos no deserto, rezando e jejuando, antes de empreender a sua missão pública. Hoje, também nós fazemos um caminho de reflexão e de oração com todos os cristãos do mundo, para nos dirigirmos espiritualmente ao Calvário, meditando os mistérios centrais da fé. Assim, preparar-nos-emos para experimentar, depois do mistério da Cruz, a alegria da Páscoa da Ressurreição.

Realiza-se hoje, em todas as comunidades paroquiais, um gesto austero e simbólico: a imposição das cinzas, e este rito é acompanhado por duas fórmulas significativas, que constituem um apelo urgente a reconhecermo-nos pecadores e a voltarmos para Deus. A primeira fórmula diz: "Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar" (cf. Gn 3, 19). Estas palavras, tiradas do livro do Génesis, evocam a condição humana posta sob o sinal da caducidade e do limite, e tencionam levar-nos a depositar de novo toda a esperança somente em Deus. A segunda fórmula inspira-se nas palavras pronunciadas por Jesus no início do seu ministério itinerante: "Convertei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1, 15). Trata-se de um convite a lançar, como fundamento da renovação pessoal e comunitária, a adesão firme e confiante ao Evangelho. A vida do cristão é vida de fé, alicerçada na Palavra de Deus e por ela alimentada. Nas provações da vida e em cada tentação, o segredo da vitória consiste em ouvir a Palavra de verdade e em rejeitar com determinação a mentira e o mal. Este é o programa verdadeiro e central do tempo da Quaresma: ouvir a palavra de verdade, viver, dizer e cumprir a verdade, rejeitando a mentira que envenena a humanidade e constitui a porta de todos os males. Portanto, nestes quarenta dias é urgente voltar a ouvir o Evangelho, a palavra do Senhor, palavra de verdade, para que em cada cristão, em cada um de nós, se revigore a consciência da verdade que lhe foi oferecida, que nos foi dada, a fim de que ele a viva e dela se torne testemunha. A Quaresma impele-nos a isto, a deixarmos que a nossa vida seja imbuída pela Palavra de Deus e assim a conhecermos a verdade fundamental: quem somos, de onde vimos, aonde devemos ir, qual é o caminho a empreender na vida. E assim o período da Quaresma oferece-nos um percurso ascético e litúrgico que, enquanto nos ajuda a abrir os olhos para a nossa debilidade, nos faz abrir o coração ao amor misericordioso de Cristo.

O caminho quaresmal, aproximando-nos de Deus, permite-nos ver com olhos novos os irmãos e as suas necessidades. Quem começa a ver Deus, a contemplar o rosto de Cristo, vê com outros olhos também o irmão, descobre o irmão, o seu bem, o seu mal e as suas necessidades. Por isso a Quaresma, como escuta da verdade, é um momento favorável para se converter ao amor, porque a verdade profunda, a verdade de Deus, é ao mesmo tempo amor. Convertendo-nos à verdade de Deus, devemos necessariamente converter-nos ao amor. Um amor que saiba tornar própria a atitude de compaixão e de misericórdia do Senhor, como desejei recordar na Mensagem para a Quaresma, que tem como tema as seguintes palavras evangélicas: "Jesus, ao ver as multidões, encheu-se de compaixão por elas" (Mt 9, 36). Consciente da própria missão no mundo, a Igreja não cessa de proclamar o amor misericordioso de Cristo, que continua a dirigir o olhar comovido aos homens e aos povos de todos os tempos. "À vista dos tremendos desafios da pobreza de grande parte da humanidade escrevi na citada Mensagem quaresmal a indiferença e o encerramento no próprio egoísmo apresentam-se em contraste intolerável com o "olhar" de Cristo. O jejum e a esmola, juntamente com a oração, que a Igreja propõe de modo especial no período da Quaresma, são uma ocasião propícia para nos conformarmos àquele "olhar"" (Ed. port. de L'Osservatore Romano de 4 de Fevereiro de 2006, pág. 7), ao olhar de Cristo, e vermo-nos a nós mesmos, a humanidade e os outros com este seu olhar. Com este espírito, entramos no clima austero e orante da Quaresma, que é precisamente um clima de amor ao irmão.

Sejam dias de reflexão e de intensa oração, em que nos deixemos orientar pela Palavra de Deus, que a liturgia nos propõe abudantemente. Além disso, a Quaresma seja um tempo de jejum, de penitência e de vigilância sobre nós mesmos, persuadidos de que a luta contra o pecado nunca termina, porque a tentação é realidade de todos os dias e a fragilidade e a ilusão são experiências de todos. Enfim, através da esmola e dos gestos de bem ao próximo, a Quaresma seja ocasião de partilha sincera dos dons recebidos com os irmãos e de atenção às necessidades dos mais pobres e abandonados. Que neste itinerário penitencial nos acompanhe Maria, a Mãe do Redentor, que é Mestra de escuta e de adesão fiel a Deus. A Virgem Santíssima nos ajude a chegar, purificados e renovados na mente e no espírito, à celebração do grande mistério da Páscoa de Cristo. Com estes sentimentos, formulo a todos vós os votos de uma boa e fecunda Quaresma.

Fonte: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2006/documents/hf_ben-xvi_aud_20060301.html

Audiência Geral de 26 de Fevereiro de 2020, quarta-feira de cinzas, do Papa Francisco, sobre a Quaresma: entrar no deserto.

Bom dia, prezados irmãos e irmãs!

Hoje, Quarta-Feira de Cinzas, iniciamos o caminho quaresmal, uma viagem de quarenta dias rumo à Páscoa, ao coração do ano litúrgico e da fé. É um caminho que segue o de Jesus, que no início do seu ministério se retirou durante quarenta dias para orar e jejuar, tentado pelo diabo no deserto. Hoje gostaria de falar convosco precisamente sobre o significado espiritual do deserto. O que significa espiritualmente o deserto para todos nós, até para quem vive na cidade, o que significa o deserto.

Imaginemos que estamos num deserto. A primeira sensação seria a de nos encontrarmos envolvidos por um grande silêncio: sem barulho, a não ser o vento e a nossa respiração. Eis que o deserto é o lugar do desapego do barulho que nos rodeia. É ausência de palavras para dar lugar a outra Palavra, a Palavra de Deus que, como uma brisa suave, acaricia o nosso coração (cf. 1 Rs 19, 12). O deserto é o lugar da Palavra, com letra maiúscula. Com efeito, na Bíblia o Senhor gosta de falar connosco no deserto. No deserto Ele entrega a Moisés as “dez palavras”, os dez mandamentos. E quando o povo se afasta dele, tornando-se como que uma noiva infiel, Deus diz: «Eis que a conduzirei ao deserto para lhe falar ao coração. Aí ela responderá, como nos dias da sua mocidade» (Os 2, 16-17). No deserto ouve-se a Palavra de Deus, que é como um som suave. O Livro dos Reis diz que a Palavra de Deus é como um fio de silêncio sonoro. No deserto encontra-se a intimidade com Deus, o amor do Senhor. Jesus gostava de se retirar todos os dias para lugares desertos e entregava-se à oração (cf. Lc 5, 16). Ele ensinou-nos como procurar o Pai, que nos fala no silêncio. E não é fácil fazer silêncio no coração, pois procuramos sempre conversar um pouco, estar com os outros.

A Quaresma é o momento propício para dar espaço à Palavra de Deus. É o tempo para desligar a televisão e abrir a Bíblia. É o tempo para nos desligarmos do telemóvel e para nos ligarmos ao Evangelho. Quando eu era criança não havia televisão, mas tínhamos o hábito de não ouvir o rádio. A Quaresma é deserto, é tempo para renunciar, para nos desligarmos do telemóvel e para nos ligarmos ao Evangelho. É o tempo para renunciar a palavras inúteis, conversas, boatos, tagarelices, e falar e tratar o Senhor por “tu”. É o tempo para se dedicar a uma saudável ecologia do coração, para fazer limpeza. Vivemos num ambiente poluído por demasiada violência verbal, por tantas palavras ofensivas e nocivas, que a rede amplifica. Hoje insulta-se como se se dissesse: “Bom dia”. Estamos inundados de palavras vazias, publicidades, mensagens subliminares. Estamos acostumados a ouvir tudo sobre todos e corremos o risco de cair numa mundanidade que atrofia o nosso coração e não existe um bypass para curar isto, apenas o silêncio. Temos dificuldade em distinguir a voz do Senhor que nos fala, a voz da consciência, a voz do bem. Chamando-nos ao deserto, Jesus convida-nos a escutar o que conta, o importante, o essencial. Ao diabo que o tentava, respondeu: «Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4, 4). Como o pão, mais do que o pão, precisamos da Palavra de Deus, temos necessidade de falar com Deus: precisamos de orar. Pois só diante de Deus vêm à luz as inclinações do coração e a duplicidade da alma desvanece. Eis o deserto, lugar de vida, não de morte, porque dialogar em silêncio com o Senhor nos restitui vida.

Procuremos pensar de novo num deserto. O deserto é o lugar do essencial. Vejamos as nossas vidas: quantas coisas inúteis nos circundam! Perseguimos mil coisas que parecem necessárias mas na realidade não o são. Como nos faria bem livrar-nos de tantas realidades supérfluas, para redescobrir o que importa, para encontrar os rostos de quantos estão ao nosso lado! Também sobre isto Jesus nos dá um exemplo, jejuando. Jejuar é saber renunciar às coisas vãs, ao supérfluo, para ir ao essencial. Jejuar não é apenas para perder peso, jejuar é ir diretamente ao essencial, é procurar a beleza de uma vida mais simples.

Por fim, o deserto é o lugar da solidão. Até hoje, perto de nós, há muitos desertos. São as pessoas solitárias e abandonadas. Quantos pobres e idosos estão ao nosso lado e vivem no silêncio, sem fazer barulho, marginalizados e descartados! Falar sobre eles não chama a atenção do público. Mas o deserto leva-nos a eles, àqueles que, calados, pedem em silêncio a nossa ajuda. Tantos olhares silenciosos que pedem a nossa ajuda. O caminho através do deserto quaresmal é uma senda de caridade para com os mais fracos.

Oração, jejum, obras de misericórdia: este é o caminho no deserto quaresmal.

Queridos irmãos e irmãs, com a voz do profeta Isaías, Deus fez esta promessa: «Vou realizar algo de novo... vou abrir um caminho no deserto» (43, 19). No deserto abre-se o caminho que nos leva da morte para a vida. Entremos no deserto com Jesus e dali sairemos saboreando a Páscoa, o poder do amor de Deus que renova a vida. Acontecerá connosco como com aqueles desertos que florescem na primavera, fazendo germinar de repente, “do nada”, brotos e plantas. Ânimo, entremos neste deserto quaresmal, sigamos Jesus no deserto: com Ele os nossos desertos hão de florescer.

Fonte: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2020/documents/papa-francesco_20200226_udienza-generale.html

Queridos irmãos e irmãs!

A Quaresma é um tempo favorável de renovação pessoal e comunitária que nos conduz à Páscoa de Jesus Cristo morto e ressuscitado. Aproveitemos o caminho quaresmal de 2022 para refletir sobre a exortação de São Paulo aos Gálatas: «Não nos cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo (kairós), pratiquemos o bem para com todos» (Gal 6, 9-10a).

1. Sementeira e colheita

Neste trecho, o Apóstolo evoca a sementeira e a colheita, uma imagem que Jesus muito prezava (cf. Mt 13). São Paulo fala-nos dum kairós: um tempo propício para semear o bem tendo em vista uma colheita. Qual poderá ser para nós este tempo favorável? Certamente é a Quaresma, mas é-o também a nossa inteira existência terrena, de que a Quaresma constitui de certa forma uma imagem [1]. Muitas vezes, na nossa vida, prevalecem a ganância e a soberba, o anseio de possuir, acumular e consumir, como se vê no homem insensato da parábola evangélica, que considerava assegurada e feliz a sua vida pela grande colheita acumulada nos seus celeiros (cf. Lc 12, 16-21). A Quaresma convida-nos à conversão, a mudar mentalidade, de tal modo que a vida encontre a sua verdade e beleza menos no possuir do que no doar, menos no acumular do que no semear o bem e partilhá-lo.

O primeiro agricultor é o próprio Deus, que generosamente «continua a espalhar sementes de bem na humanidade» (Enc. Fratelli tutti, 54). Durante a Quaresma, somos chamados a responder ao dom de Deus, acolhendo a sua Palavra «viva e eficaz» (Heb 4, 12). A escuta assídua da Palavra de Deus faz maturar uma pronta docilidade à sua ação (cf. Tg 1, 19.21), que torna fecunda a nossa vida. E se isto já é motivo para nos alegrarmos, maior motivo ainda nos vem da chamada para sermos «cooperadores de Deus» (1 Cor 3, 9), aproveitando o tempo presente (cf. Ef 5, 16) para semearmos, também nós, praticando o bem. Esta chamada para semear o bem deve ser vista, não como um peso, mas como uma graça pela qual o Criador nos quer ativamente unidos à sua fecunda magnanimidade.

E a colheita? Porventura não se faz toda a sementeira a pensar na colheita? Certamente; o laço estreito entre a sementeira e a colheita é reafirmado pelo próprio São Paulo, quando escreve: «Quem pouco semeia, também pouco há de colher; mas quem semeia com generosidade, com generosidade também colherá» (2 Cor 9, 6). Mas de que colheita se trata? Um primeiro fruto do bem semeado, temo-lo em nós mesmos e nas nossas relações diárias, incluindo os gestos mais insignificantes de bondade. Em Deus, nenhum ato de amor, por mais pequeno que seja, e nenhuma das nossas «generosas fadigas» se perde (cf. Exort. Evangelii gaudium, 279). Tal como a árvore se reconhece pelos frutos (cf. Mt 7, 16.20), assim também a vida repleta de obras boas é luminosa (cf. Mt 5, 14-16) e difunde pelo mundo o perfume de Cristo (cf. 2 Cor 2, 15). Servir a Deus, livres do pecado, faz maturar frutos de santificação para a salvação de todos (cf. Rm 6, 22).

Na realidade, só nos é concedido ver uma pequena parte do fruto daquilo que semeamos, pois, segundo o dito evangélico, «um é o que semeia e outro o que ceifa» (Jo 4, 37). É precisamente semeando para o bem do próximo que participamos na magnanimidade de Deus: constitui «grande nobreza ser capaz de desencadear processos cujos frutos serão colhidos por outros, com a esperança colocada na força secreta do bem que se semeia» (Enc. Fratelli tutti, 196). Semear o bem para os outros liberta-nos das lógicas mesquinhas do lucro pessoal e confere à nossa atividade a respiração ampla da gratuidade, inserindo-nos no horizonte maravilhoso dos desígnios benfazejos de Deus.

A Palavra de Deus alarga e eleva ainda mais a nossa perspetiva, anunciando-nos que a colheita mais autêntica é a escatológica, a do último dia, do dia sem ocaso. O fruto perfeito da nossa vida e das nossas ações é o «fruto em ordem à vida eterna» (Jo 4, 36), que será o nosso «tesouro no céu» (Lc 18, 22; cf. 12, 33). O próprio Jesus, para exprimir o mistério da sua morte e ressurreição, usa a imagem da semente que morre na terra e frutifica (cf. Jo 12, 24); e São Paulo retoma-a para falar da ressurreição do nosso corpo: «semeado corrutível, o corpo é ressuscitado incorrutível; semeado na desonra, é ressuscitado na glória; semeado na fraqueza, é ressuscitado cheio de força; semeado corpo terreno, é ressuscitado corpo espiritual» (1 Cor 15, 42-44). Esta esperança é a grande luz que Cristo ressuscitado traz ao mundo: «Se nós temos esperança em Cristo apenas para esta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens. Mas não! Cristo ressuscitou dos mortos, como primícias dos que morreram» (1 Cor 15, 19-20), para que quantos estiverem intimamente unidos a Ele no amor, «por uma morte idêntica à Sua» (Rm 6, 5), também estejam unidos à sua ressurreição para a vida eterna (cf. Jo 5, 29): «então os justos resplandecerão como o sol, no reino do seu Pai» (Mt 13, 43).

2. «Não nos cansemos de fazer o bem»

A ressurreição de Cristo anima as esperanças terrenas com a «grande esperança» da vida eterna e introduz, já no tempo presente, o germe da salvação (cf. Bento XVI, Spe salvi, 3; 7). Perante a amarga desilusão por tantos sonhos desfeitos, a inquietação com os desafios a enfrentar, o desconsolo pela pobreza de meios à disposição, a tentação é fechar-se num egoísmo individualista e, à vista dos sofrimentos alheios, refugiar-se na indiferença. Com efeito, mesmo os recursos melhores conhecem limitações: «Até os adolescentes se cansam, se fatigam, e os jovens tropeçam e vacilam» (Is 40, 30). Deus, porém, «dá forças ao cansado e enche de vigor o fraco. (…) Aqueles que confiam no Senhor, renovam as suas forças. Têm asas como a águia, correm sem se cansar, marcham sem desfalecer» (Is 40, 29.31). A Quaresma chama-nos a repor a nossa fé e esperança no Senhor (cf. 1 Ped 1, 21), pois só com o olhar fixo em Jesus Cristo ressuscitado (cf. Heb 12, 2) é que podemos acolher a exortação do Apóstolo: «Não nos cansemos de fazer o bem» (Gal 6, 9).

 Não nos cansemos de rezar. Jesus ensinou que é necessário «orar sempre, sem desfalecer» ( Lc 18, 1). Precisamos de rezar, porque necessitamos de Deus. A ilusão de nos bastar a nós mesmos é perigosa. Se a pandemia nos fez sentir de perto a nossa fragilidade pessoal e social, permita-nos esta Quaresma experimentar o conforto da fé em Deus, sem a qual não poderemos subsistir (cf. Is 7, 9). No meio das tempestades da história, encontramo-nos todos no mesmo barco, pelo que ninguém se salva sozinho [2]; mas sobretudo ninguém se salva sem Deus, porque só o mistério pascal de Jesus Cristo nos dá a vitória sobre as vagas tenebrosas da morte. A fé não nos preserva das tribulações da vida, mas permite atravessá-las unidos a Deus em Cristo, com a grande esperança que não desilude e cujo penhor é o amor que Deus derramou nos nossos corações por meio do Espírito Santo (cf. Rm 5, 1-5).

Não nos cansemos de extirpar o mal da nossa vida. Possa o jejum corporal, a que nos chama a Quaresma, fortalecer o nosso espírito para o combate contra o pecado. Não nos cansemos de pedir perdão no sacramento da Penitência e Reconciliação, sabendo que Deus nunca Se cansa de perdoar[3]Não nos cansemos de combater a concupiscência, fragilidade esta que inclina para o egoísmo e todo o mal, encontrando no decurso dos séculos vias diferentes para fazer precipitar o homem no pecado (cf. Enc. Fratelli tutti, 166). Uma destas vias é a dependência dos meios de comunicação digitais, que empobrece as relações humanas. A Quaresma é tempo propício para contrastar estas ciladas, cultivando ao contrário uma comunicação humana mais integral (cf. ibid., 43), feita de «encontros reais» ( ibid., 50), face a face.

Não nos cansemos de fazer o bem, através duma operosa caridade para com o próximo. Durante esta Quaresma, exercitemo-nos na prática da esmola, dando com alegria (cf. 2 Cor 9, 7). Deus, «que dá a semente ao semeador e o pão em alimento» (2 Cor 9, 10), provê a cada um de nós os recursos necessários para nos nutrirmos e ainda para sermos generosos na prática do bem para com os outros. Se é verdade que toda a nossa vida é tempo para semear o bem, aproveitemos de modo particular esta Quaresma para cuidar de quem está próximo de nós, para nos aproximarmos dos irmãos e irmãs que se encontram feridos na margem da estrada da vida (cf. Lc 10, 25-37). A Quaresma é tempo propício para procurar, e não evitar, quem passa necessidade; para chamar, e não ignorar, quem deseja atenção e uma boa palavra; para visitar, e não abandonar, quem sofre a solidão. Acolhamos o apelo a praticar o bem para com todos, reservando tempo para amar os mais pequenos e indefesos, os abandonados e desprezados, os discriminados e marginalizados (cf. Enc. Fratelli tutti, 193).

3. «A seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido»

Cada ano, a Quaresma vem recordar-nos que «o bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia» (ibid., 11). Por conseguinte peçamos a Deus a constância paciente do agricultor (cf. Tg 5, 7), para não desistir na prática do bem, um passo de cada vez. Quem cai, estenda a mão ao Pai que nos levanta sempre. Quem se extraviou, enganado pelas seduções do maligno, não demore a voltar para Deus, que «é generoso em perdoar» (Is 55, 7). Neste tempo de conversão, buscando apoio na graça divina e na comunhão da Igreja, não nos cansemos de semear o bem. O jejum prepara o terreno, a oração rega, a caridade fecunda-o. Na fé, temos a certeza de que «a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido», e obteremos, com o dom da perseverança, os bens prometidos (cf. Heb 10, 36) para salvação nossa e do próximo (cf. 1 Tm 4, 16). Praticando o amor fraterno para com todos, estamos unidos a Cristo, que deu a sua vida por nós (cf. 2 Cor 5, 14-15), e saboreamos desde já a alegria do Reino dos Céus, quando Deus for «tudo em todos» (1 Cor 15, 28).

A Virgem Maria, em cujo ventre germinou o Salvador e que guardava todas as coisas «ponderando-as no seu coração» (Lc 2, 19), obtenha-nos o dom da paciência e acompanhe-nos com a sua presença materna, para que este tempo de conversão dê frutos de salvação eterna.

Roma, em São João de Latrão, na Memória litúrgica do bispo São Martinho, 11 de novembro de 2021.

Francisco


[1] Cf. Santo Agostinho, Sermones 243, 9,8; 270, 3; Enarratio in Psalmis 110, 1.

[2] Cf. Francisco, Momento extraordinário de oração em tempo de pandemia (27 de março de 2020).

[3] Cf. Idem, Angelus de 17 de março de 2013.

Fonte: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/lent/documents/20211111-messaggio-quaresima2022.html

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