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Sexta, 12 Janeiro 2024 16:35

Persona humana (1975)

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

DECLARAÇÃO
PERSONA HUMANA

SOBRE ALGUNS PONTOS DE ÉTICA SEXUAL

1. A pessoa humana, segundo os dados da pesquisa científica contemporânea, é tão profundamente afectada pela sexualidade, que esta deve ser considerada como um dos factores que conferem à vida de cada um dos indivíduos os traços principais que a distinguem. É do sexo, efectivamente, que a pessoa humana recebe aqueles caracteres que, no plano biológico, psicológico e espiritual, a fazem homem e mulher, condicionando por isso, em grande escala, a sua consecução da maturidade e a sua inserção na sociedade. É essa a razão de as coisas referentes ao sexo, como cada um poderá facilmente verificar, nos nossos dias serem assunto frequente e abertamente tratado nos livros, nas revistas e nas publicações periódicas, bem como pelos outros meios de comunicação social.

Nestes últimos tempos, aumentou a corrupção dos costumes de que é um dos mais graves índices uma desmesurada exaltação do sexo; ao mesmo tempo, pela difusão dos meios de comunicação social e dos espectáculos, ela tem vindo a invadir o campo da educação e a infectar a mentalidade geral.

Se é verdade que, neste contexto, tem havido educadores, pedagogos ou moralistas, que puderam contribuir para fazer compreender e integrar na vida os valores próprios de um e outro sexo, outros, em contraposição, propuseram concepções e modo de comportamento contrários às verdadeiras exigências morais do ser humano, indo mesmo até ao ponto de favorecer um hedonismo licencioso.

Daqui veio como resultado que, mesmo entre os cristãos, pontos de doutrina, critérios morais e maneiras de viver, até há pouco fielmente conservados, no espaço de poucos anos foram fortemente abalados; e são em grande número hoje em dia aqueles que, perante tantas opiniões largamente difundidas em oposição com o doutrina que eles receberam da Igreja, chegam a perguntar-se o que é que devem ainda manter como verdadeiro.

2. A Igreja não pode ficar indiferente diante de uma tal confusão dos espíritos e de um semelhante relaxamento dos costumes. Trata-se, na verdade, de um problema da máxima importância para a vida pessoal dos cristãos e para a vida social do nosso tempo.[1]

Os Bispos são levados a verificar cada dia as dificuldades crescentes que experimentam os fiéis para tomar consciência da sã doutrina moral, particularmente em matéria sexual, assim como os pastores para a expor com eficácia. Eles sabem que são chamados, em virtude do seu múnus pastoral, a corresponder às necessidades dos fiéis das suas greis, pelo que se refere a este ponto bem grave; e já foram publicados importantes documentos sobre esta mesma matéria por alguns deles ou por inteiras Conferências Episcopais. Entretanto, dado que as opiniões erróneas e os desvios que delas resultam continuam a alastrar por toda a parte, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, no exercício da sua função relativamente à Igreja universal[2] e por mandato recebido do Sumo Pontífice, julgou necessário publicar a presente Declaração.

3. Os homens do nosso tempo estão cada vez mais persuadidos de que a dignidade e vocação da pessoa humana exigem que, à luz da sua própria inteligência, eles descubram os valores inscritos na sua natureza, os desenvolvam incessantemente e os tornem realidade nas suas vidas, para um progresso sempre maior.

Em matéria moral, porém, o homem não pode emitir juízos de valor segundo o seu alvedrio pessoal: « no fundo da própria consciência, o homem descobre efectivamente uma lei que ele não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer ... O homem tem no coração uma lei inscrita pelo próprio Deus; a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado ».[3]

Além disso, a nós cristãos, Deus pela sua revelação deu-nos a conhecer o seu desígnio de salvação e propôs-nos Cristo, Salvador e Santificador, com a sua doutrina e com o seu exemplo, como a Lei suprema e imutável da vida. Foi o mesmo Cristo que disse: « Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, pelo contrário terá a luz da vida ».[4]

Não poderá haver, portanto, verdadeira promoção da dignidade do homem, senão com o respeito da ordem essencial da sua natureza. Na história da civilização, certamente, muitas condições concretas e necessidades da vida humana mudaram e continuarão a mudar ainda; mas, toda e qualquer evolução dos costumes, assim como todo e qualquer género de vida, devem ser sempre mantidos dentro dos limites que impõem os princípios imutáveis fundados nos elementos constitutivos e nas relações essenciais de toda a pessoa humana, elementos e relações que transcendem as contingências históricas.

Tais princípios fundamentais, que a razão pode apreender, acham-se contidos na « lei divina, eterna, objectiva e universal, com a qual Deus, no desígnio da sua sabedoria e amor, ordena, dirige e governa o universo inteiro e os caminhos da comunidade humana. Desta sua lei, Deus torna o homem participante, de modo que este, segundo a suave disposição da divina Providência, possa conhecer cada vez mais a verdade imutável ».[5] E esta lei divina é acessível ao nosso conhecimento.

4. É sem razão, pois, que muitos pretendem hoje em dia que, para servir de regra às acções particulares, não se pode encontrar na natureza humana nem na lei revelada outra norma absoluta e imutável senão aquela que se exprime na lei geral da caridade e do respeito pela dignidade humana. Como prova desta asserção, aduzem eles que naquilo que correntemente se designa por normas da lei natural ou preceitos da Sagrada Escritura, mais não se há-de ver do que expressões determinadas de uma forma de cultura particular num certo momento da história.

Na realidade, porém, a Revelação divina e, na sua ordem própria, a sabedoria filosófica, ao fazerem ressaltar exigências autênticas da humanidade, manifestam por isso mesmo, necessariamente, a existência de leis imutáveis inscritas nos elementos constitutivos da natureza humana e que se demonstram idênticas em todos os seres dotados de razão.

Mais ainda: Cristo instituiu a sua Igreja como « coluna e sustentáculo da verdade ».[6] Com a assistência do Espírito Santo ela conserva ininterruptamente e transmite sem erros as verdades de ordem moral, e interpreta autenticamente, não apenas a lei positiva revelada, « mas também os princípios de ordem moral que dimanam da natureza humana »[7] e que se referem ao pleno desenvolvimento e à santificação do homem. Ora, efectivamente, no decurso de toda a sua história, a Igreja manteve sempre um certo número de preceitos da lei natural como possuindo um valor absoluto e imutável, e viu na sua transgressão uma contradição com a doutrina e com o espírito do Evangelho.

5. Dado que a ética sexual, concerne a certos valores fundamentais da vida humana e da vida crista, a ela se aplica igualmente esta doutrina geral. Existem, quanto a este assunto, princípios e normas que, sem hesitações, a Igreja tem vindo a transmitir sempre no seu ensinamento, por muitos opostos que lhes tenham podido ser as opiniões e os costumes do mundo. Tais princípios e tais normas não têm, de maneira nenhuma, a sua origem num determinado tipo de cultura, mas sim no conhecimento da lei divina e da natureza humana. Não podem, portanto, ser considerados como algo caducado, nem postos em dúvida, sob o pretexto de uma nova situação cultural.

Foram esses princípios que inspiraram os conselhos e directrizes dadas pelo II Concílio do Vaticano, para uma educação e uma organização da vida social que tenha em conta a dignidade igual do homem e da mulher, com o respeito das suas diferenças.[8]

Ao falar da « sexualidade humana e do poder gerador do homem », o Concílio pôs em relevo que « eles superam de modo admirável o que se encontra nos graus inferiores da vida ».[9] Depois, aplicou-se o mesmo Concílio, particularmente, a expor os princípios e critérios que dizem respeito à sexualidade humana no matrimónio e que têm o seu fundamento na finalidade da função específica do mesmo.

Ele declara, efectivamente, quanto a este ponto, que a bondade moral dos actos próprios da vida conjugal, ordenados em conformidade com a verdadeira dignidade humana, « não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; mas deve determinar-se também por critérios objectivos, assumidos da natureza da pessoa e dos seus actos; critérios que respeitem, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana ».[10]

Estas últimas palavras resumem com brevidade a doutrina do Concílio – mais desenvolvida anteriormente na mesma Constituição[11] – sobre a finalidade do acto sexual e sobre o critério principal da sua moralidade: é o respeito pela sua finalidade que garante a tal acto a própria honestidade.

Este mesmo princípio, que a Igreja deduz da Revelação divina e da sua interpretação autêntica da lei natural, fundamenta também aquela sua doutrina tradicional, segundo a qual o uso da função sexual não tem o seu verdadeiro sentido e a sua rectidão moral senão no matrimónio legítimo.[12]

6. A presente Declaração não intenta tratar de todos os abusos da faculdade sexual, nem de tudo aquilo que implica a prática da castidade. Ela tem por objecto apenas recordar a doutrina da Igreja acerca de alguns pontos particulares, atendendo à urgente necessidade de se opor a erros graves e a maneiras de proceder aberrantes, por não poucos largamente difundidos.

7 São numerosos aqueles que em nossos dias reivindicam o direito à união sexual antes do matrimónio, pelo menos naqueles casos em que uma intenção firme de o contrair e uma afeição de algum modo já conjugal existente na psicologia de ambas as pessoas demandam esse complemento que elas reputam conatural; isso, principalmente, quando a celebração do matrimónio se acha impedida pelas circunstâncias e essa relação íntima se afigura necessária para que o amor seja conservado.

Uma tal opinião opõe-se à doutrina cristã, segundo a qual é no contexto do matrimónio que se deve situar todo o acto genital do homem. Com efeito, seja qual for o grau de firmeza de propósitos daqueles que se entregam a estas relações prematuras, permanece o facto de tais relações não permitirem garantir na sua sinceridade e na sua fidelidade a relação interpessoal de um homem e de uma mulher, e principalmente o facto de os não protegerem contra as veleidades e caprichos das paixões. Na verdade, é uma união estável aquela que Jesus quis e da qual ele restabeleceu as primigénias exigências, tendo como ponto de partida as diferenças sexuais: « Não lestes que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher, e disse: – Por isso deixa d homem pai e mãe e une-se com a sua mulher e os dois formam uma só carne? – Portanto, já não são dois, mas uma só carne. Não separe, pois, o homem o que Deus uniu ».[13] São Paulo é ainda mais explícito, quando se detém a explicar que, se os celibatários e as viúvas não podem viver em continência, eles não têm outra alternativa senão optar pela união estável do matrimónio: « É melhor casar-se do que abrasar-se ».[14] Pelo matrimónio, de facto, o amor dos esposos é assumido naquele amor com que Cristo ama irrevogavelmente a Igreja,[15] ao passo que a união corporal na imoralidade [16] profana o templo do Espírito Santo que o cristão se tornou. A união carnal, por conseguinte, não é legítima se entre o homem e a mulher não se tiver instaurado, primeiro e dê maneira definitiva, uma comunidade de vida.

Foi isto o que a Igreja sempre entendeu e ensinou[17] encontrando também na reflexão ponderada dos homens e nas lições da história uma concordância profunda com a sua doutrina.

Como ensina a experiência, para que a união sexual possa corresponder verdadeiramente às exigências da sua finalidade própria e da dignidade humana, o amor tem de contar com uma salvaguarda na estabilidade do matrimónio. Tais exigências demandam um contrato conjugal sancionado e garantido pela sociedade, contrato este que instaura um estado de vida de capital importância tanto para a união exclusiva do homem e da mulher quanto para o bem da sua família e da comunidade humana. O mais das vezes, efectivamente, as relações pré-matrimoniais excluem a perspectiva da prole; o que se pretende fazer passar como um amor conjugal não poderá assim – ao passo que o deveria absolutamente – vir a desenvolver-se num amor paterno e materno. Ou então se o faz, isso será certamente com detrimento dos filhos que se verão privados de um ambiente estável, em que eles deveriam criar-se e desenvolver-se como convém e poder encontrar a via e os meios para a própria inserção na sociedade.

O consenso que se dão mutuamente as pessoas que desejam unir-se em matrimónio, portanto, deve ser manifestado exteriormente e de uma forma que o torne válido perante a sociedade. E quanto aos fiéis, é segundo as leis da Igreja que deve ser expresso o seu consentimento para a instauração de uma comunidade de vida conjugal, consentimento que fará do seu matrimónio um Sacramento de Cristo.

8. Nos nossos dias, em contradição com o ensino constante do Magistério e com o sentir moral do povo cristão, há alguns que, fundando-se em observações de ordem psicológica, chegam a julgar com indulgência, e até mesmo a desculpar completamente, as relações homossexuais em determinadas pessoas.

Eles fazem uma distinção – ao que parece não sem fundamento – entre os homossexuais cuja tendência provém de uma educação falseada, de uma falta de evolução sexual normal, de um hábito contraído, de maus exemplos ou de outras causas análogas: tratar-se-ia de uma tendência que é transitória, ou pelo menos não-incurável; e aqueles outros homossexuais que são tais definitivamente, por força de uma espécie de instinto inato ou de uma constituição patológica considerada incurável.

Ora, quanto a esta segunda categoria de sujeitos, alguns concluem que a sua tendência é de tal maneira natural que deve ser considerada como justificante, para eles, das relações homossexuais numa sincera comunhão de vida e de amor análoga ao matrimónio, na medida em que eles se sintam incapazes de suportar uma vida solitária.

Certamente, na actividade pastoral estes homossexuais assim hão-de ser acolhidos com compreensão e apoiados na esperança de superar as próprias dificuldades pessoais e a sua inadaptação social. A sua culpabilidade há-de ser julgada com prudência. No entanto, nenhum método pastoral pode ser empregado que, pelo facto de esses actos serem julgados conformes com a condição de tais pessoas, lhes venha a conceder uma justifição moral. Segundo a ordem moral objectiva, as relações homossexuais são actos destituídos da sua regra essencial e indispensável. Elas são condenadas na Sagrada Escritura como graves depravações e apresentadas aí também como uma consequência triste de uma rejeição de Deus.[18] Este juízo exarado na Escritura Sagrada não permite, porém, concluir que todos aqueles que sofrem de tal anomalia são por isso pessoalmente responsáveis; mas atesta que os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados e que eles não podem, em hipótese nenhuma, receber qualquer aprovação.

9. Com frequência, hoje, põe-se em dúvida ou nega-se expressamente a doutrina tradicional católica segundo a qual a masturbação constitui uma grave desordem moral. A psicologia e a sociologia, diz-se, demonstram que, sobretudo entre os jovens, ela é um fenómeno normal da evolução da sexualidade. Nisso não haveria falta real e grave senão na medida em que o sujeito cedesse deliberadamente a uma autosatisfação fechada sobre si mesma (« ipsatio » — « ipsação »), porque então nesse caso o acto seria radicalmente contrário à comunhão amorosa entre duas pessoas de sexo diferente, sendo esta, como afirmam alguns, aquilo que constitui o principal objectivo no uso da faculdade sexual.

Esta opinião contradiz a doutrina e a prática pastoral da Igreja católica. Seja qual for o valor de certos argumentos de ordem biológica ou filosófica de que se serviram algumas vezes os teólogos, de facto, tanto o Magistério da Igreja, na linha de uma tradição constante, quanto o sentir moral dos fiéis, afirmaram sem hesitações que a masturbação é um acto intrínseca e gravemente desordenado.[19] A razão principal disso é a seguinte: qualquer que seja o motivo que o determine, o uso deliberado da faculdade sexual fora das relações conjugais normais contradiz essencialmente a sua finalidade. Falta-lhe, de facto, a relação sexual requerida pela ordem moral, aquela relação que realiza « o sentido integral de uma doação recíproca e da procriação humana, num contexto de autêntico amor ».[20] É para essa relação regular que se deve reservar todo o exercício deliberado da sexualidade. Mesmo que não se possa assegurar que a Sagrada Escritura reprova este pecado sob uma designação distinta, a tradição da Igreja compreendeu com justeza que ele se achava condenado no Novo Testamento quando aí se fala da « impureza », da « impudicícia », ou de outros vícios contrários à castidade e à continência.

Os inquéritos sociológicos podem indicar a frequência dessa desordem segundo os lugares, segundo a população ou segundo as circunstâncias que eles tomam como objecto de observação; e assim anotam-se os factos. Mas os factos não constituem um critério que permita julgar o valor moral dos actos humanos.[21] A frequência do fenómeno em questão há-de, certamente, ser posta em relação com a fraqueza inata do homem, consequência do pecado original, mas igualmente com a perda do sentido de Deus, com a depravação dos costumes gerada pela comercialização do vício, com a licenciosidade desenfreada de tantos e tantos espectáculos e publicações, bem como com o menosprezo do pudor, resguardo da castidade.

Quanto a esta matéria da masturbação, a psicologia moderna oferece numerosos dados válidos e úteis para formular um juízo mais equitativo acerca da responsabilidade moral e para orientar a acção pastoral. Ajuda a ver como a imaturidade da adolescência, que às vezes pode prolongar-se para além desta idade, o desequilíbrio psíquico ou o hábito contraído podem influir sobre o comportamento, atenuando o carácter deliberado do acto, e fazer com que, subjectivamente, nele não haja sempre falta grave. Entretanto, a ausência de responsabilidade grave não se pode presumir de maneira geral; isso seria desconhecer a capacidade moral das pessoas.

No ministério pastoral deverá ser tomado em consideração, para se formar um juízo adequado nos casos concretos, o comportamento habitual das pessoas na sua totalidade, não apenas quanto à prática da caridade e da justiça, mas também quanto à preocupação por observar o preceito particular da castidade. Deverá aquilatar-se, nomeadamente, se se adoptam os meios necessários, naturais e sobrenaturais que, com a sua longa experiência, a ascética cristã recomenda para conseguir o domínio das paixões e fazer progredir na virtude.

10. O respeito pela lei moral, no campo da sexualidade, bem como a prática da castidade, não se acham pouco comprometidos, sobretudo entre os cristãos menos fervorosos, pela tendência actual para reduzir ao mínimo, se não mesmo para negar, a realidade do pecado grave, ao menos na existência concreta dos homens.

Alguns chegam mesmo ao extremo de afirmar que o pecado mortal, que separa o homem de Deus, só se verifica quando há uma rejeição formal e directamente oposta ao apelo do mesmo Deus, ou no egoísmo que, completa e deliberadamente, se fecha ao amor do próximo. Só então se daria a opção fundamental, quer dizer, aquela decisão que compromete totalmente a pessoa e que seria necessária para constituir o pecado mortal. Por ela, o homem tomaria ou ratificaria no âmago de sua personalidade uma atitude fundamental em relação a Deus ou em relação aos outros homens. As acções chamadas periféricas (das quais se diz que não comportam, em geral, uma escolha plenamente decisiva), essas, ao contrário, não chegariam até ao ponto de mudar uma opção fundamental; e isso tanto menos, observa-se ainda, quando tais acções, como sucede muitas vezes, procedem de hábitos contraídos. Deste modo, elas podem debilitar a opção fundamental, mas não mudá-la completamente. Ora, segundo estes autores, uma mudança da opção fundamental em relação a Deus verifica-se mais dificilmente no domínio da actividade sexual em que o homem, em geral, não transgride de maneira plenamente deliberada e responsável a ordem moral, mas prevalentemente sob a influência da sua paixão, da sua fraqueza, da sua imaturidade e, algumas vezes mesmo, da ilusão de testemunhar assim o seu amor para com o próximo; e a isto vem juntar-se com frequência a pressão do meio social.

Na realidade, é sem dúvida a opção fundamental que define, em última análise, a disposição moral de uma pessoa. No entanto, a opção fundamental pode ser mudada totalmente por actos particulares, sobretudo quando estes tenham sido preparados – come acontece muitas vezes – com actos anteriores mais superficiais. Em todo o caso não é verdade que um só destes actos particulares não possa ser suficiente para que haja pecado mortal.

Segundo a doutrina da Igreja, o pecado mortal que se opõe a Deus não consiste apenas na resistência formal e directa ao preceito da caridade; ele verifica-se igualmente naquela oposição ao amor autêntico que está incluída em toda a transgressão deliberada, em matéria grave, de cada uma das leis morais.

O próprio Jesus Cristo indicou o duplo mandamento do amor como fundamento da vida moral; mas deste mandamento « dependem toda a Lei e os Profetas »:[22] ele engloba, por conseguinte, todos os outros preceitos particulares. Com efeito, ao jovem rico que lhe perguntava — « Mestre, que hei-de fazer de bom para obter a vida eterna? » — Jesus respondeu: « Se queres entrar na vida eterna, observa os mandamentos ...: não matar, não cometer adultério, não roubar, não levantar falso testemunho, honra pai e mãe e ama o próximo como a ti mesmo ».[23]

O homem, portanto, peca mortalmente, não só quando ás suas acções procedem do desprezo directo do amor de Deus e do próximo, mas também quando ele, consciente e livremente, faz a escolha de um objecto gravemente desordenado, seja qual for o motivo dessa sua eleição. Nessa escolha, de facto, como se disse acima, está incluído o desprezo pelo mandamento divino: o homem aparta-se de Deus e perde a caridade. Ora bem: segundo a tradição cristã e a doutrina da Igreja, e conforme o reconhece também a recta razão, ã ordem moral da sexualidade comporta para a vida humana valores tão elevados, que toda a violação directa da mesma ordem é objectivamente grave.[24]

É verdade que nas faltas de ordem sexual, tendo em vista as suas condições especiais e as suas causas, sucede mais facilmente que não lhes seja dado plenamente um consentimento livre; o que há-de levar a proceder com cautela em todo o juízo a fazer quanto à responsabilidade subjectiva de tais faltas. É caso para recordar em particular aquelas palavras da Sagrada Escritura: « o homem olha a aparência, ao passo que Deus olha o coração ».[25] Entretanto, o recomendar esta prudência assim no ajuizar sobre a gravidade subjectiva de um acto pecaminoso particular, não equivale de maneira nenhuma a sustentar que em matéria sexual não se cometem pecados mortais.

Os pastores de almas, pois, devem dar mostras de paciência e de bondade; não lhes é permitido, porém, tornar vãos os mandamentos de Deus, nem reduzir desmedidamente a responsabilidade das pessoas: « Não minimizar em nada a doutrina salutar de Cristo é forma de caridade eminente para com as almas. Mas isso deve andar sempre acompanhado também da paciência e da bondade, de que o próprio Senhor deu o exemplo, ao tratar com os homens. Tendo vindo para salvar e não para julgar, Ele foi intransigente com o mal, mas misericordioso para com as pessoas ».[26]

11. Como ficou dito anteriormente, a presente Declaração propõe-se chamar a atenção dos fiéis, nas circunstâncias actuais, para certos erros e modos de proceder de que eles devem guardar-se. A virtude da castidade, porém, não se limita a evitar as faltas indicadas; ela tem ainda exigências positivas e mais elevadas. É uma virtude que marca toda a personalidade no seu comportamento, tanto interior como exterior.

A castidade há-de distinguir as pessoas segundo os diferentes estados de vida: umas, na virgindade ou no celibato consagrado, maneira eminente de se dedicar mais facilmente só a Deus, com um coração não dividido;[27] outras, da maneira que determina para elas a lei moral, conforme forem casados ou celibatários. Entretanto, em todo e qualquer estado de vida a castidade não se reduz a uma atitude exterior; ela deve tornar puro o coração do homem, segundo aquelas palavras de Cristo: « Ouvistes o que foi dito: "Não cometerás adultério". Eu, porém, digo-vos: — todo aquele que olhar uma mulher com mau desejo, já cometeu adultério com ela em seu coração ».[28]

A castidade está incluída naquela « continência » que São Paulo menciona entre os dons do Espírito Santo, ao mesmo tempo que condena a luxúria como um vício particularmente indigno para o cristão e que exclui do Reino de Deus.[29] « Esta é a vontade de Deus: que vos santifiqueis, que vos abstenhais da fornicação, que saiba cada um possuir o próprio corpo em santidade e em honra, sem se deixar levar por paixões desregradas, como fazem os gentios, que não conhecem a Deus; que ninguém nesta matéria use de fraude ou de violência para com o próprio irmão ... Deus, de facto, não nos chamou a viver na impureza, mas na santidade. Quem despreza estes preceitos, portanto, não despreza um homem, mas aquele Deus que também difunde o seu Espírito Santo em vós ».[30] « A fornicação e qualquer outra impureza ou baixa cobiça não sejam sequer mencionadas entre vós, como é próprio dos santos ... Porque, sabei-o bem, nenhum fornicador, ou impudico, ou avarento, que equivale a um idólatra, será herdeiro no reino de Cristo e de Deus. Que ninguém vos iluda com vãs palavras: por causa desses vícios abate-se a ira de Deus sobre os desobedientes. Não queirais, pois, acomunar-vos a eles. Em tempos, éreis trevas, mas, agora, sois luz no Senhor. Procedei, pois, como filhos da luz ».[31]

Apóstolo precisa, além disso, a razão propriamente crista para praticar a castidade, quando condena o pecado de fornicação, não somente na medida em que esta acção prejudica o próximo ou a ordem social, mas também porque o fornicador ofende a Cristo que o resgatou com o seu sangue e do qual é membro, e o Espírito Santo de quem ele é templo: « Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo?... Qualquer outro pecado que o homem cometer é exterior ao seu corpo; mas o fornicador é contra o seu próprio corpo que peca. Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, que vos foi dado por Deus, e que vós não sois senhores de vós mesmos? Na verdade, fostes comprados a elevado preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo ».[32]

Quanto mais os fiéis compreenderem a valor da castidade e a função necessária da mesma, nas suas vidas de homens e de mulheres, tanto melhor eles captarão, por uma espécie de instinto espiritual, as exigências e os conselhos e melhor saberão aceitar e cumprir, dóceis ao ensino da Igreja, aquilo que a consciência recta lhes ditar nos casos concretos.

12. O Apóstolo São Paulo descreve com termos bem vigorosos o doloroso conflito que existe no interior do homem escravo do pecado, entre a « lei da sua razão » e « uma outra lei nos seus membros » que o retém cativo.[33] Entretanto o homem pode alcançar ser liberto do « seu corpo de morte » pela graça de Jesus Cristo.[34] Desta graça gozam os homens que ela própria justificou, aqueles mesmos que a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus libertou da lei do pecado e da morte.[35] É por isso que o Apóstolo os incita: « Não deixeis, pois, que o pecado reine no vosso corpo mortal, de modo que obedeçais às suas concupiscências ».[36]

Esta libertação, se bem que dá a aptidão para servir numa vida nova, não suprime a concupiscência proveniente do pecado original, nem as incitações para o mal de um mundo que « está todo sob o jugo do Maligno ».[37] Assim, o Apóstolo estimula os fiéis a superar as tentações apoiados na força de Deus,[38] e a resistir às « ciladas do Demónio »[39] pela fé e pela oração vigilante[40] e por uma austeridade de vida que submeta o corpo ao serviço do Espírito.[41]

Viver a vida cristã seguindo na esteira de Cristo exige que cada um « renuncie a si mesmo e tome a sua cruz todos os dias »,[42] sustido pela esperança da recompensa: « Porque ... se morrermos com Ele, também com Ele viveremos; se perseverarmos, reinaremos com Ele ».[43]

Na linha destes convites instantes, os fiéis, também hoje, e mesmo mais do que nunca, devem empregar os meios que a Igreja sempre recomendou para levar uma vida casta: a disciplina dos sentidos e da mente, a vigilância e a prudência para evitar as ocasiões de quedas, a guarda do pudor, a moderação nas diversões, as ocupações sãs, o recurso frequente à oração e aos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, Os jovens, sobretudo, devem ter o cuidado de fomentar a sua devoção à Imaculada Mãe de Deus e propor-se como modelo a vida dos Santos e daqueles outros fiéis cristãos, particularmente dos jovens, que se distinguiram na prática da virtude da castidade.

Importa, em particular, que todos tenham um conceito elevado da virtude da castidade, da sua beleza e da sua força de irradiação. É uma virtude que enobrece o ser humano e que capacita para um amor verdadeiro, desinteressado, generoso e respeitoso para com os outros.

13. Incumbe aos Bispos ensinar aos fiéis a doutrina moral que diz respeito à sexualidade, sejam quais forem as dificuldades que o cumprimento deste dever encontre nas ideias e nos costumes difundidos em nossos dias. Esta doutrina tradicional terá de ser aprofundada, expressa de maneira apta para esclarecer as consciências perante as novas situações criadas e enriquecida com discernimento por aquilo que pode ser dito de verdadeiro e de útil sobre o sentido e o valor de sexualidade humana. No entanto, os princípios e as normas de vida moral reafirmados na presente Declaração devem ser fielmente mantidos e ensinados. Importará, especialmente, procurar fazer com que os fiéis compreendam que a Igreja os mantém, não como inveteradas e invioláveis « tabus », nem em virtude de preconceitos maniqueus, conforme se ouve repetir muitas vezes, mas sim porque ela sabe com certeza que eles correspondem à ordem divina da criação e ao espírito de Cristo e, por conseguinte, também à dignidade humana.

Faz parte da missão dos Bispos, igualmente, velar por que nas Faculdade de Teologia e nos Seminários seja exposta uma doutrina sã, à luz da fé e sob a direcção do Magistério da Igreja. Eles devem cuidar, ainda, de que os confessores esclareçam as consciências e de que o ensino catequístico seja ministrado em perfeita fidelidade à doutrina católica.

Aos Bispos, aos sacerdotes e aos seus colaboradores compete pôr de sobreaviso os fiéis contra as opiniões erróneas frequentemente propostas em livros, em revistas e em conferências públicas.

Os pais em primeiro lugar, como também os educadores da juventude, hão-de esforçar-se por conduzir os seus filhos e os seus educandos à maturidade psicológica, afectiva e moral, em conformidade com a sua idade, por meio de uma educação integral. Para isso dar-lhes-ão uma informação prudente e adaptada à sua idade e procurarão assiduamente formar-lhes a vontade para os costumes cristãos, não só com conselhos, mas sobretudo com o exemplo da sua própria vida e mediante a ajuda de Deus que lhes alcançará a oração. E hão-de ter também o cuidado de os proteger de numerosos perigos de que os jovens não chegam a suspeitar.

Os artistas, os escritores e todos aqueles que dispõem dos meios de comunicação social devem exercitar a sua profissão de acordo com a sua fé cristã, conscientes da enorme influência que podem exercer. Hão-de ter sempre presente que « todos devem respeitar a primazia absoluta da ordem moral objectiva »[44] e que não se pode dar a preferência sobre ela a nenhum pretenso objectivo estético, a vantagens materiais ou ao êxito. Quer se trate de criações artísticas ou literárias, quer se trate de espectáculos ou de informações, cada um no seu campo próprio deve dar mostras de tacto, de discreção, de moderação e de um justo sentido dos valores. Deste modo, longe de favorecer mais ainda a licença dos costumes, hão-de contribuir para a refrear e mesmo para sanear o clima moral da sociedade.

Todos os fiéis leigos, por seu turno, em virtude do seu direito e do seu dever de apostolado, tomarão a peito trabalhar no mesmo sentido.

Finalmente, convém recordar a todos que o II Concílio do Vaticano « declara que as crianças e os adolescentes têm direito a ser estimulados a apreciar rectamente os valores morais e a prestar-lhes a sua adesão pessoal, bem como a conhecer e a amar a Deus mais perfeitamente. Por isso, pede encarecidamente a todos os que governam os povos, ou que estão à frente da educação, que providenciem a fim de que a juventude nunca se veja privada deste sagrado direito ».[1]

Em Audiência concedida ao abaixo assinado Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, a 7 de Novembro de 1975, o Sumo Pontífice, por divina providência Papa Paulo VI, aprovou esta Declaração « sobre alguns pontos de ética sexual » confirmou-a e ordenou que a mesma fosse publicada.

Dado em Roma, na sede da Sagrada Congregação para a Doutrina de Fé, no dia 29 de Dezembro do ano de 1975.

Franjo Cardeal Seper
Prefeito

+ Jerónimo Hamer
Arcebispo titular de Lorium
Secretário


Notas

[1] Cfr. II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, n. 47: AAS 58 (1966); p. 1067.

[2] Cfr. Const. Apost. Regimini Ecclesiae Universae, de 15 de Agosto de 1967, n. 29: AAS 59 (1967), p. 897.

[3] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, n. 16: AAS 58 (1966); p. 1037.

[4] Jo. 8, 12.

[5] II Conc. Ecum. do Vaticano, Decl. sobre a Liberdade Religiosa, Dignitatis Humanae, n. 3: AAS 58 (1966); p. 931.

[6] 1 Tim. 3, 15.

[7] II Conc. Ecum. do Vaticano, Decl. sobre a Liberdade Religiosa,  Dignitatis Humanae, n. 14: AAS 58 (1966); p. 940; cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii, de 31 de Dezembro de 1930: AAS 22 (1930), pp. 579-580; Pio XII, Alocução de 2 de Novembro de 1954: AAS 46 (1954), pp. 671-672; João Paulo XXIII, Enc. Mater et Magistra, de .15 de Maio de 1961: AAS 53 (1961), p. 457; Paulo VI, Enc. Humanae Vitae, de 25 de Julho de 1968, n. 4: AAS 60 (1968), p. 483.

[8] Cfr. II Conc. Ecum. do Vaticano, Decl. sobre a Educação Cristã, Gravissimum Educationis, nn. 1 e 8: AAS 58 (1966); pp. 729-730; 734-736. Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, nn. 29, 60 e 67: AAS 58 (1966), pp. 1048-1049; 1080-1081; 1088-1089.

[9] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, n. 51: AAS 58 (1966), p. 1072.

[10] Ibid., cfr. também n. 49: l. c., pp. 1069-1070.

[11] Ibid., nn. 49 e 50: l. c., pp. 1069-1072.

[12] A presente Declaração não se detém longamente a expor as normas morais da vida sexual dentro do matrimónio: tais normas foram claramente ensinadas nas Encíclicas Casti Connubii e Humanae Vitae.

[13] Cfr. Mt. 19, 4-6.

[14] 1 Cor. 7, 9.

[15] Cfr. Ef. 5, 25-32.

[16] A união sexual fora do matrimónio é formalmente condenada: 1 Cor. 5, 1; 6, 9; 7, 2; 10, 8; Ef. 5, 5; 1 Tim. 1, 10; Hebr. 13, 4; e, com razões explícitas: 1 Cor. 6, 12-20.

[17] Cfr. Inocêncio IV, Ep. Sub catholicae professione, de 6 de Março de 1254: DS 835; Pio II, Propôs, damn. in Ep. Cum sicut accepimus, de 14 de Novembro de 1459: DS 1367; Decretos do Santo Ofício, de 24 de Setembro de 1665: DS 2045; de 2 de Março de 1679: DS 2148; Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), pp. 558-559.

[18] Rom. 1, 24-27: « Por isso é que Deus os abandonou, em poder da concupiscência dos seus corações, à impureza; de maneira que eles desonram em si mesmos os próprios corpos; eles que trocaram a verdade divina pela mentira, e que adoraram e serviram à criatura de preferência ao Criador, o qual é bendito pelos séculos. Amen. Por isso é que Deus os entregou em poder das paixões ignominiosas: as suas mulheres mudaram o uso natural por relações que são contra a natureza; do mesmo modo os homens, também, deixando o uso natural da mulher, inflamaram-se na mútua concupiscência uns dos outros, praticando torpezas homens com homens. E assim receberam em si mesmos a retribuição devida pelos seus desvarios ». Veja-se ainda o que o mesmo São Paulo escreve acerca dos « masculorum concubitores » em 1 Cor. 6, 10 e 1 Tim. 1, 10.

[19] Cfr. Leão IX, Ep. Ad splendidum nitentis, no ano de 1054: DS 687-688; Decreto do Santo Ofício de 2 de Março de 1679: DS 2149; Pio XII, Alocução de 8 de Outubro de 1953: AAS 45 (1953), pp. 677-678; e Discurso de 19 de Maio de 1956: AAS 48 (1956), pp. 472-473.

[20] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, n. 51: AAS 58 (1966), p. 1072.

[21] « Se os inquéritos sociológicos nos são úteis, para conhecermos melhor a mentalidade ambiente, as preocupações e as necessidades daqueles aos quais nós anunciamos a Palavra de Deus, bem como as resistências que a razão moderna lhe opõe, com o sentimento amplamente difundido de que, fora da ciência, não existiria nenhuma outra forma legítima de saber, entretanto as conclusões de tais inquéritos não poderiam constituir por si mesmas um critério determinante de verdade » (Paulo VI, Exort. Apost. Quinque iam anni, de 8 de Dezembro de 1970: AAS 63 [1971], p. 102).

[22] Mt. 22, 40.

[23] Mt. 19, 16-19.

[24] Cfr. as notas anteriores sob os nn. 17 e 19; e ainda Decreto do Santo Ofício, de 18 de Março de 1666: DS 2060; Paulo VI, Enc. Humanae Vitae, nn. 13 e 14: AAS 60 (1968), pp. 489-490.

[25] 1 Sam. 16, 7.

[26] Paulo VI, Enc. Humanae Vitae, n. 29: AAS 60 (1968), p. 501.

[27] Cfr. 1 Cor. 7, 7. 34; Conc. Ecum. de Trento, Sess. XXIV, can. 10: DS 1810; II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, nn. 42, 43-44: AAS 51 (1965), pp. 47-51; Synodus Episcoporum, De Sacerdotio ministeriali, pars II, 4: AAS 63 (1971), pp. 915-916.

[28] Mt. 5, 28.

[29] Cfr. Gál. 5, 19-23; 1 Cor. 6, 9-11.

[30] 1 Tess. 4, 3-8; cfr. Col. 3, 5-7; 1 Tim. 1, 10.

[31] Ef. 5, 3-8; cfr. 4, 18-19.

[32] 1 Cor. 6, 15. 18-19.

[33] Cfr. Rom. 7, 23.

[34] Cfr. Rom. 7, 24-25.

[35] Cfr. Rom. 8, 2.

[36] Rom. 6, 12.

[37] 1 Jo. 5, 19.

[38] Cfr. 1 Cor. 10, 13.

[39] Ef. 6, 11.

[40] Cfr. Ef. 6, 16. 18.

[41] Cfr. 1 Cor. 9, 27.

[42] Lc. 9, 23.

[43] 2 Tim. 2, 11-12.

[44] II Conc. Ecum. do Vaticano, Decr. sobre os Meios de Comunicação Social, Inter Mirifica, n. 6: AAS 56 (1964), p. 174.

[45] II Conc. Ecum. do Vaticano, Decl. sobre a Educação Cristã, Gravissimum Educationis, n. 1: AAS 58 (1966), p. 730.

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Comunicado à imprensa sobre a recepção de Fiducia supplicans

Escrevemos este Comunicado à imprensa para ajudar a esclarecer a recepção de Fiducia supplicans, recomendando ao mesmo tempo uma leitura completa e atenta da citada Declaração para compreender melhor o significado de sua proposta.

1.    Doutrina

Os compreensíveis pronunciamentos de algumas Conferências Episcopais sobre o documento Fiducia supplicans têm o valor de evidenciar a necessidade de um período mais longo de reflexão pastoral. Quanto foi expresso por essas Conferências Episcopais não pode ser intrepretado como uma oposição doutrinal, porque o documento é claro e clássico a respeito do matrimônio e da sexualidade. Existem diversas frases fortes na Declaração que não deixam dúvidas:

«A presente Declaração permanece firme quanto à doutrina tradicional da Igreja sobre o matrimônio, não admintindo nenhum tipo de rito litúrgico ou de bênçãos semelhantes a um rito litúrgico que possam criar confusão». Age-se diante de casais em situação irregular «sem convalidar oficialmente o seu status ou modificar de algum modo o ensinamento perene da Igreja sobre o matrimônio» (Apresentação).

«São inadmissíveis ritos e orações que possam criar confusão entre aquilo que é constitutivo do matrimônio, como “união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e uma mulher, naturalmente aberta à geração de filhos” e aquilo que o contradiz. Esta convicção é fundada sobre a perene doutrina católica do matrimônio. Somente neste contexto as relações sexuais encontram o seu sentido natural, adequado e plenamente humano. A doutrina da Igreja sobre este ponto permanece firme» (4).

«Tal é também o sentido do Responsum da então Congregação para a Doutrina da Fé, onde se afirma que a Igreja não tem o poder de conceder a bênção a uniões entre pessoas do mesmo sexo» (5).

«Dado que a Igreja desde sempre considerou moralmente lícitas somente aquelas relações sexuais  que são vividas ao interno do matrimônio, ela não tem o poder de conferir a sua bênção litúrgica quando esta, de qualquer modo, possa oferecer uma forma de legitimação moral a uma união que presuma ser um matrimônio ou a uma prática sexual extra-matrimonial» (11).

Evidentemente, não há espaço para se tomar distância doutrinal desta Declaração ou para considerá-la herética, contrária à Tradição da Igreja ou blasfema.

2.    Recepção prática

Alguns Bispos, todavia, exprimem-se em modo particular a respeito de um aspecto prático: as possíveis bênçãos de casais em situação irregular. A Declaração contém a proposta de breves e simples bênçãos pastorais (não litúrgicas, nem ritualizadas) de casais irregulares (não das uniões), sublinhando que se trata de bênçãos sem forma litúrgica, que não aprovam nem justificam a situação em que se encontram essas pessoas.

Os documentos do Dicastério para a Dourina da Fé, como Fiducia supplicans, podem requerer, nos seus aspectos práticos, mais ou menos tempo para a sua aplicação, segundo os contextos locais e o discernimento de cada Bispo diocesano com a sua Diocese. Em alguns lugares não existem dificuldades para uma aplicação imediata, em outros há a necessidade de não inovar nada enquanto se toma todo o tempo necessário para a leitura e a interpretação.

Alguns Bispos, por exemplo, estabeleceram que cada sacerdote deve realizar o discernimento, mas poderá dar essas bênçãos apenas de modo privado. Nada disso é problemático, se é expresso com o devido respeito por um texto assinado e aprovado pelo próprio Sumo Pontífice, buscando de algum modo acolher a reflexão nele contida.

Cada Bispo local, em virtude do próprio ministério, tem sempre o poder do discernimento in loco, isto é, naquele lugar concreto que ele melhor que outros conhece, porque é o seu rebanho. A prudência e a atenção ao contexto eclesial e à cultura local poderiam admitir diversas modalidades de aplicação, mas não uma negação total ou definitiva deste caminho que é proposto aos sacerdotes.

3.    A situação delicada de alguns países

O caso de algumas Conferências Episcopais deve ser compreendido no próprio contexto. Em diversos países existem fortes questões culturais e até mesmo legais que requerem tempo e estratégias pastorais a longo prazo.

Se existem legislações que condenam à prisão e, em alguns lugares, à tortura e até à morte o simples fato de declarar-se homossexual, entende-se que seria imprudente uma bênção. É evidente que os Bispos não queiram expor as pessoas homossexuais à violência. Permanece importante, porém, que estas Conferências Episcopais não sustentem uma doutrina diferente daquela da Declaração aprovada pelo Papa, enquanto é a doutrina de sempre, mas sobretudo que proponham a necessidade do estudo e do discernimento para agir com prudência pastoral em um tal contexto.

Na verdade, não são poucos os países que em diversa medida condenam, proíbem e criminalizam a homossexualidade. Nestes casos, além da questão das bênçãos, existe uma tarefa pastoral de grande amplitude, que inclui formação, defesa da dignidade humana, ensinamento da Doutrina Social da Igreja e diversas estratégias que não admitem pressa.

4.    A verdadeira novidade do documento

A verdadeira novidade desta Declaração, que requer um generoso esforço de recepção, do qual ninguém deveria declarar-se excluído, não é a possibilidade de abençoar casais irregulares. É o convite a distinguir duas formas diferentes de bênção: “litúrgicas ou ritualizadas” e “espontâneas ou pastorais”. Na Apresentação é explicado claramente que «o valor deste documento é […] aquele de oferecer uma contribuição específica e inovativa ao significado pastoral das bênçãos, que permite ampliar e enriquecer sua compreensão clássica, estreitamente ligada a uma perspectiva litúrgica». Esta «reflexão teológica, baseada sobre a visão pastoral de Papa Francisco, implica um verdadeiro desenvolvimento a respeito de quanto foi dito sobre as bênçãos no Magistério e nos textos oficiais da Igreja».

Como pano de fundo, encontra-se a avaliação positiva da “pastoral popular” que aparece em muitos textos do Santo Padre. Neste contexto, o Santo Padre nos convida a valorizar a fé do Povo de Deus, que mesmo em meio aos seus pecados sai da imanência e abre o seu coração para pedir a ajuda de Deus.

Por esta razão, mais que pela bênção a casais irregulares, o texto do Dicastério adotou a elevada forma de uma “Declaração”, que representa muito mais que um responsum ou que uma carta. O tema central, que convida particularmente a um aprofundamento que enriqueça a prática pastoral, é a compreensão mais ampla das bênçãos e a proposta de aumentar as bênçãos pastorais, que não exigem as mesmas condições daquelas realizadas num contexto litúrgico ou ritual. Em consequência, para além da polêmica, o texto requer um esforço de reflexão serena, feita com coração de pastor, livre de toda ideologia.

Mesmo que algum Bispo considere prudente para o momento não dar estas bênçãos, permanece verdadeiro que todos necessitamos crescer na convicção de que as bênçãos não ritualizadas não são uma consagração da pessoa ou do casal que as recebe, não justificam todas as suas ações, não ratificam a vida que leva. Quando o Papa nos pediu para crescer na compreensão mais ampla das bênçãos pastorais, ele nos propôs pensar um modo de abençoar que não implique tantas condições para realizar este gesto simples de proximidade pastoral, que é um meio para promover a abertura a Deus em meio às mais diversas circunstâncias.

5.    Como se apresentam concretamente estas “bênçãos pastorais”?

Para distinguir-se claramente das bênçãos litúrgicas ou ritualizadas, as “bênçãos pastorais” devem ser sobretudo muito breves (cfr. n. 28). Trata-se de bênçãos de poucos segundos, sem uso do Ritual de Bênçãos. Se se aproximam juntas duas pessoas para pedi-la, simplesmente implora-se ao Senhor paz, saúde e outros bens para estas duas pessoas que as pedem. Ao mesmo tempo, implora-se que possam viver o Evangelho de Cristo em plena fidelidade e que o Espírito Santo as livre de tudo que não corresponde à vontade divina e de tudo que requer purificação.

Esta forma de bênção não ritualizada, com a simplicidade e a brevidade de sua forma, não pretende justificar algo que não seja moralmente aceitável. Obviamente, não é um matrimônio, nem mesmo uma “aprovação”, nem a ratificação de coisa alguma. É unicamente a resposta de um pastor a duas pessoas que pedem a ajuda de Deus. Por isso, neste caso, o pastor não põe condições e não quer conhecer a vida íntima dessas pessoas.

Dado que alguns manifestaram dúvidas sobre como poderiam ser estas bênçãos, vejamos um exemplo concreto: imaginemos que em meio a uma grande peregrinação um casal de divorciados  em nova união diga ao sacerdote: “Por favor, nos dê uma bênção, não conseguimos encontrar trabalho, ele está muito doente, não temos uma casa, a vida está se tornando muito pesada: que Deus nos ajude!”.

Neste caso, o sacerdote pode recitar uma simples oração como esta: «Senhor, olha estes teus filhos, concede-lhes saúde, trabalho, paz e ajuda recíproca. Livra-os de tudo aquilo que contradiz o teu Evangelho e concede-lhes viver segundo a tua vontade. Amém». E conclui com o sinal da cruz sobre cada um deles.

Trata-se de 10 ou 15 segundos. Faz sentido negar este tipo de bênção a essas duas pessoas que a imploram? Não é o caso de sustentar a sua fé, pouca ou muita que seja; de ajudar a sua fraqueza com a bênção divina e de dar um canal a esta abertura à transcendência, que poderia conduzi-las a ser mais fiéis ao Evangelho?

Para afastar equívocos, a Declaração acrescenta que, quando a bênção é pedida por um casal em situação irregular, «ainda que expressa fora dos ritos previstos pelos livros litúrgicos […] esta bênção jamais será realizada conjuntamente a ritos civis de união e nem mesmo em relação a estes. Nem sequer com as roupas, gestos ou palavras próprios de um matrimônio. O mesmo vale quando a bênção é pedida por um casal do mesmo sexo» (39). É claro, portanto, que ela não deve acontecer num lugar importante do edifício sacro ou diante do altar, porque isto causaria confusão.

Por esta razão, cada Bispo na sua Diocese é autorizado pela Declaração Fiducia supplicans a ativar este tipo de bênçãos simples, com todas as recomendações de prudência e de atenção, mas em nenhum modo é autorizado a propor ou a ativar bênçãos que possam assemelhar-se a um rito litúrgico.

6.    Catequese

Em alguns lugares, talvez será necessária uma catequese que ajude a todos a entender que este tipo de bênção não é uma ratificação da vida que levam aqueles que a imploram. Menos ainda é uma absolvição, enquanto estes gestos estão longe de ser um sacramento ou um rito. São simples expressão de proximidade pastoral que não propõem as mesmas exigências de um sacramento nem de um rito formal. Deveremos habituar-nos todos a aceitar o fato que, se um sacerdote dá este tipo de bênçãos simples, não é um herético, não ratifica nada, não está negando a doutrina católica.

Podemos ajudar o Povo de Deus a descobrir que este tipo de bênção é um simples canal pastoral que ajuda as pessoas a manifestar a própria fé, ainda que sejam grandes pecadores. Por isso, ao dar esta bênção a duas pessoas que juntas se aproximam para implorá-la espontaneamente, não as estamos consagrando, nem nos estamos congratulando com elas, nem estamos aprovando o seu modo de união. Na verdade, o mesmo acontece quando abençoamos as pessoas individualmente, no sentido de que o indivíduo que pede uma bênção – não a absolvição – poderia ser um grande pecador, mas não por isso negamos este gesto paterno em meio à sua luta para sobreviver.

Se isto é esclarecido graças a uma boa catequese, podemos livrar-nos do medo de que nossas bênçãos exprimam algo de inadequado. Podemos ser ministros mais livres e talvez mais próximos e fecundos, com um ministério pleno de gestos de paternidade e de proximidade, sem medo de ser mal-interpretados.

Peçamos ao Senhor recém-nascido que derrame sobre todos uma generosa e graciosa bênção, para podermos viver um santo e feliz 2024.

Víctor Manuel Card. FERNÁNDEZ
Prefeito

Mons. Armando MATTEO
Secretário para a Seção Doutrinal

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Declaração Fiducia Supplicans
Sobre o significado pastoral das bênçãos

Tradução livre utilizando o Google Tradutor

Apresentação

Esta Declaração considera diversas questões que chegaram a este Dicastério nos últimos anos. Ao preparar o documento, o Dicastério, como é sua prática, consultou especialistas, empreendeu um cuidadoso processo de redação e discutiu o texto no Congresso da Seção Doutrinária do Dicastério. Durante esse período, o documento foi discutido com o Santo Padre. Finalmente, o texto da Declaração foi submetido ao Santo Padre para sua revisão, que o aprovou com a sua assinatura.

Enquanto se estudava o tema deste documento, foi divulgada a resposta do Santo Padre às Dubia de alguns Cardeais. Essa resposta forneceu esclarecimentos importantes para esta reflexão e representa um elemento decisivo para o trabalho do Dicastério. Dado que «a Cúria Romana é antes de tudo um instrumento ao serviço do sucessor de Pedro» (Ap. Const. Praedicate Evangelium, II, 1), o nosso trabalho deve favorecer, juntamente com a compreensão da doutrina perene da Igreja, a recepção do Ensinamento do Santo Padre.

Tal como acontece com a resposta acima mencionada do Santo Padre às Dubia de dois Cardeais, esta Declaração permanece firme na doutrina tradicional da Igreja sobre o casamento, não permitindo qualquer tipo de rito litúrgico ou bênção semelhante a um rito litúrgico que possa criar confusão. O valor deste documento, porém, é que oferece uma contribuição específica e inovadora ao significado pastoral das bênçãos, permitindo ampliar e enriquecer a compreensão clássica das bênçãos, que está intimamente ligada a uma perspectiva litúrgica. Tal reflexão teológica, baseada na visão pastoral do Papa Francisco, implica um verdadeiro desenvolvimento a partir do que foi dito sobre as bênçãos no Magistério e nos textos oficiais da Igreja. Isto explica porque este texto assumiu a tipologia de uma “Declaração”.

É precisamente neste contexto que se pode compreender a possibilidade de abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo sem validar oficialmente o seu estatuto ou alterar de alguma forma o ensinamento perene da Igreja sobre o matrimónio.

Esta Declaração pretende também ser uma homenagem ao Povo fiel de Deus, que adora o Senhor com tantos gestos de profunda confiança na sua misericórdia e que, com esta confiança, vem constantemente pedir a bênção da Mãe Igreja.

Victor Manuel Card. FERNANDEZ
Prefeito

Introdução

1. A confiança suplicante do povo fiel de Deus recebe o dom da bênção que brota do Coração de Cristo através da sua Igreja. O Papa Francisco oferece este lembrete oportuno: “A grande bênção de Deus é Jesus Cristo. Ele é o grande dom de Deus, seu próprio Filho. Ele é uma bênção para toda a humanidade, uma bênção que salvou a todos nós. Ele é o Verbo Eterno, com quem o Pai nos abençoou “quando ainda éramos pecadores” (Rm 5,8), como diz São Paulo. Ele é o Verbo feito carne, oferecido por nós na cruz.”[1]

2. Encorajado por uma verdade tão grande e consoladora, este Dicastério considerou várias questões, tanto de natureza formal como informal, sobre a possibilidade de abençoar os casais do mesmo sexo e - à luz da abordagem paternal e pastoral do Papa Francisco - de oferecer novos esclarecimentos sobre o Responsum ad dubium[2] que a Congregação para a Doutrina da Fé publicou em 22 de fevereiro de 2021.

3. O Responsum acima mencionado suscitou numerosas e variadas reacções: alguns saudaram a clareza do documento e a sua coerência com o ensinamento perene da Igreja; outros não partilharam a resposta negativa que deu à pergunta ou não consideraram suficientemente claras a formulação da sua resposta e as razões apresentadas na Nota Explicativa anexa. Para responder a esta última reação com a caridade fraterna, parece oportuno retomar o tema e oferecer uma visão que conjugue de maneira coerente os aspectos doutrinários com os pastorais, porque “todo ensinamento religioso deve, em última análise, refletir-se no caminho do professor”. de vida, que desperta o assentimento do coração pela sua proximidade, amor e testemunho”[3].

I. A Bênção no Sacramento do Matrimônio

4. A recente resposta do Papa Francisco à segunda das cinco questões colocadas por dois Cardeais[4] oferece uma oportunidade para explorar mais profundamente esta questão, especialmente nas suas implicações pastorais. Trata-se de evitar que “algo que não é casamento seja reconhecido como casamento”.[5] Portanto, ritos e orações que poderiam criar confusão entre o que constitui o casamento – que é a “união exclusiva, estável e indissolúvel entre um homem e mulher, naturalmente abertos à geração de filhos”[6] – e o que o contradiz é inadmissível. Esta convicção baseia-se na perene doutrina católica do casamento; é somente neste contexto que as relações sexuais encontram o seu significado natural, próprio e plenamente humano. A doutrina da Igreja sobre este ponto permanece firme.

5. Esta é também a compreensão do matrimónio que o Evangelho oferece. Por esta razão, quando se trata de bênçãos, a Igreja tem o direito e o dever de evitar qualquer rito que possa contradizer esta convicção ou levar à confusão. Tal é também o significado do Responsum da Congregação para a Doutrina da Fé, que afirma que a Igreja não tem o poder de conceder bênçãos às uniões de pessoas do mesmo sexo.

6. Deve-se sublinhar que no Rito do Sacramento do Matrimónio não se trata de uma bênção qualquer, mas de um gesto reservado ao ministro ordenado. Neste caso, a bênção dada pelo ministro ordenado está diretamente ligada à união específica de um homem e uma mulher, que estabelecem uma aliança exclusiva e indissolúvel com o seu consentimento. Este facto permite-nos realçar o risco de confundir a bênção dada a qualquer outra união com o Rito próprio do Sacramento do Matrimónio.

II. O significado das várias bênçãos

7. A resposta do Santo Padre acima mencionada convida-nos a ampliar e enriquecer o significado das bênçãos.

8. As bênçãos estão entre os sacramentais mais difundidos e em evolução. Com efeito, levam-nos a captar a presença de Deus em todos os acontecimentos da vida e recordam-nos que, mesmo no uso das coisas criadas, o ser humano é convidado a procurar Deus, a amá-lo e a servi-lo fielmente.[7] Por isso, as bênçãos têm como destinatários: as pessoas; objetos de culto e devoção; imagens sagradas; lugares de vida, de trabalho e de sofrimento; os frutos da terra e do trabalho humano; e todas as realidades criadas que remetem ao Criador, louvando-o e abençoando-o pela sua beleza.

O Significado Litúrgico do Rito de bênção

9. Do ponto de vista estritamente litúrgico, a bênção exige que o que é abençoado seja conforme à vontade de Deus, expressa nos ensinamentos da Igreja.

10. Com efeito, as bênçãos são celebradas em virtude da fé e ordenadas para o louvor de Deus e para o benefício espiritual do seu povo. Como explica o Livro das Bênçãos, “para que esta intenção se torne mais evidente, por uma antiga tradição, as fórmulas de bênção visam principalmente dar glória a Deus pelos seus dons, pedir os seus favores e restringir o poder do mal em o mundo».[8] Portanto, aqueles que invocam a bênção de Deus através da Igreja são convidados a «fortalecer as suas disposições através da fé, para a qual todas as coisas são possíveis» e a confiar «no amor que impele à observância dos mandamentos de Deus». [9] É por isso que, embora “há sempre e em toda parte uma oportunidade de louvar a Deus através de Cristo, no Espírito Santo”, há também o cuidado de fazê-lo com “coisas, lugares ou circunstâncias que não contradizem a lei ou o espírito do Evangelho».[10] Esta é uma compreensão litúrgica das bênçãos na medida em que são ritos oficialmente propostos pela Igreja.

11. Baseando-se nestas considerações, a Nota Explicativa da Congregação para a Doutrina da Fé ao seu Responsum 2021 recorda que quando uma bênção é invocada sobre certas relações humanas por um rito litúrgico especial, é necessário que o que é abençoado corresponda aos desígnios de Deus. escrito na criação e totalmente revelado por Cristo, o Senhor. Por esta razão, uma vez que a Igreja sempre considerou moralmente lícitas apenas as relações sexuais vividas dentro do casamento, a Igreja não tem o poder de conferir a sua bênção litúrgica quando isso de alguma forma ofereceria uma forma de legitimidade moral a uma união que presuma ser um casamento ou uma prática sexual extraconjugal. O Santo Padre reiterou o conteúdo desta Declaração nas suas Respostas às Dubia de dois Cardeais.

12. É preciso também evitar o risco de reduzir o significado das bênçãos apenas a este ponto de vista, pois isso nos levaria a esperar as mesmas condições morais para uma simples bênção que são exigidas na recepção dos sacramentos. Tal risco exige que ampliemos ainda mais esta perspectiva. Na verdade, existe o perigo de que um gesto pastoral tão querido e difundido seja submetido a demasiados pré-requisitos morais, que, sob a pretensão de controlo, poderiam ofuscar o poder incondicional do amor de Deus que constitui a base do gesto de bênção. .

13. Precisamente a este respeito, o Papa Francisco exortou-nos a não “perder a caridade pastoral, que deve permear todas as nossas decisões e atitudes” e a evitar sermos “juízes que apenas negam, rejeitam e excluem”. à proposta do Santo Padre, desenvolvendo uma compreensão mais ampla das bênçãos.

Bênçãos nas Sagradas Escrituras

14. Para refletir sobre as bênçãos reunindo diferentes pontos de vista, primeiro precisamos ser iluminados pela voz das Escrituras.

15. “Que o Senhor te abençoe e te guarde. Que o Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti. Que o Senhor sobre ti levante o seu rosto e te dê a paz” (Números 6:24-26). Esta “bênção sacerdotal” que encontramos no Antigo Testamento, especificamente no Livro dos Números, tem um caráter “descendente”, pois representa a invocação de uma bênção que desce de Deus sobre o homem: é um dos textos mais antigos da bênção divina . Depois, há um segundo tipo de bênção que encontramos nas páginas bíblicas: aquela que “sobe” da terra ao céu, em direção a Deus. Bênção neste sentido equivale a louvar, celebrar e agradecer a Deus por sua misericórdia e sua fidelidade, pelas maravilhas que ele criou e por tudo o que aconteceu por sua vontade: “Bendize ao Senhor, minha alma, e tudo o que é dentro de mim, abençoe seu santo nome!” (Salmo 103:1).

16. A Deus que abençoa, também respondemos com bênção. Melquisedeque, rei de Salém, abençoa Abrão (cf. Gn 14.19); Rebeca é abençoada por membros da família pouco antes de se tornar noiva de Isaque (cf. Gn 24.60), que, por sua vez, abençoa seu filho, Jacó (cf. Gn 27.27). Jacó abençoa Faraó (cf. Gn 47.10), seus próprios netos, Efraim e Manassés (cf. Gn 48.20), e seus doze filhos (cf. Gn 49.28). Moisés e Arão abençoam a comunidade (cf. Êx 39.43; Lv 9.22). Os chefes de família abençoam os filhos nos casamentos, antes de embarcarem em viagem e na iminência da morte. Estas bênçãos, portanto, parecem ser uma dádiva superabundante e incondicional.

17. A bênção encontrada no Novo Testamento mantém essencialmente o mesmo significado que tinha no Antigo Testamento. Encontramos o dom divino que “desce”, a ação de graças humana que “sobe” e a bênção concedida pelo homem que “se estende” aos outros. Zacarias, tendo recuperado o uso da fala, bendiz ao Senhor pelas suas obras maravilhosas (cf. Lc 1,64). Simeão, enquanto segura nos braços o recém-nascido Jesus, bendiz a Deus por lhe ter concedido a graça de contemplar o Messias salvador, e depois abençoa os pais da criança, Maria e José (cf. Lc 2,34). Jesus abençoa o Pai no famoso hino de louvor e exultação que lhe dirigiu: “Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra” (Mt. 11,25).

18. Em continuidade com o Antigo Testamento, também em Jesus a bênção não só sobe, referindo-se ao Pai, mas também desce, derramando-se sobre os outros como gesto de graça, proteção e bondade. O próprio Jesus implementou e promoveu esta prática. Por exemplo, ele abençoou as crianças: “E tomou-as nos braços e abençoou-as, impondo-lhes as mãos” (Marcos 10:16). E o caminho terreno de Jesus terminará precisamente com uma bênção final reservada aos Onze, pouco antes de ascender ao Pai: «E levantando as mãos, abençoou-os. Enquanto os abençoava, separou-se deles e foi elevado ao céu” (Lucas 24:50-51). A última imagem de Jesus na terra é a de suas mãos levantadas no ato de abençoar.

19. No seu mistério de amor, através de Cristo, Deus comunica à sua Igreja o poder de abençoar. Concedida por Deus aos seres humanos e por eles concedida ao próximo, a bênção se transforma em inclusão, solidariedade e pacificação. É uma mensagem positiva de conforto, cuidado e encorajamento. A bênção expressa o abraço misericordioso de Deus e a maternidade da Igreja, que convida os fiéis a terem os mesmos sentimentos de Deus para com os seus irmãos e irmãs.

Uma compreensão teológico-pastoral das bênçãos

20. Quem pede uma bênção mostra-se necessitado da presença salvífica de Deus na sua vida e quem pede uma bênção à Igreja reconhece esta como sacramento da salvação que Deus oferece. Buscar uma bênção na Igreja é reconhecer que a vida da Igreja brota do ventre da misericórdia de Deus e nos ajuda a seguir em frente, a viver melhor e a responder à vontade do Senhor.

21. Para nos ajudar a compreender o valor de uma abordagem mais pastoral das bênçãos, o Papa Francisco exorta-nos a contemplar, com uma atitude de fé e de misericórdia paterna, o facto de que «quando alguém pede uma bênção, está a expressar uma petição pela ajuda de Deus, um apelo para viver melhor e a confiança num Pai que pode nos ajudar a viver melhor”.[12] Este pedido deve, em todos os sentidos, ser valorizado, acompanhado e recebido com gratidão. As pessoas que vêm espontaneamente pedir uma bênção mostram com este pedido a sua sincera abertura à transcendência, a confiança dos seus corações de que não confiam apenas nas suas próprias forças, a sua necessidade de Deus e o seu desejo de sair dos limites estreitos. deste mundo, encerrado em suas limitações.

22. Como nos ensina Santa Teresinha do Menino Jesus, esta confiança “é o único caminho que nos leva ao Amor que tudo concede. Com confiança, a fonte da graça transborda em nossas vidas […]. É muito apropriado, então, que depositemos confiança sincera não em nós mesmos, mas na misericórdia infinita de um Deus que nos ama incondicionalmente [...]. O pecado do mundo é grande, mas não infinito, enquanto o amor misericordioso do Redentor é realmente infinito.”[13]

23. Quando consideradas fora de um quadro litúrgico, estas expressões de fé encontram-se num âmbito de maior espontaneidade e liberdade. No entanto, “a natureza opcional dos exercícios piedosos não deve de forma alguma ser interpretada como implicando uma subestimação ou mesmo desrespeito por tais práticas. O caminho a seguir nesta área requer uma apreciação correta e sábia das muitas riquezas da piedade popular, [e] da potencialidade dessas mesmas riquezas». [14] Desta forma, as bênçãos tornam-se um recurso pastoral a ser valorizado, em vez de um recurso pastoral. risco ou problema.

24. Do ponto de vista da pastoral, as bênçãos devem ser avaliadas como atos de devoção que “são externos à celebração da Sagrada Eucaristia e dos outros sacramentos”. Na verdade, a “linguagem, o ritmo, o curso e a ênfase teológica” da piedade popular diferem “daqueles da ação litúrgica correspondente”. Por esta razão, “as práticas piedosas devem conservar o seu próprio estilo, simplicidade e linguagem, [e] as tentativas de impor-lhes formas de ‘celebração litúrgica’ devem sempre ser evitadas”[15].

25. A Igreja, além disso, deve evitar basear a sua práxis pastoral na natureza fixa de certos esquemas doutrinais ou disciplinares, especialmente quando conduzem a «um elitismo narcisista e autoritário, pelo qual, em vez de evangelizar, se analisa e classifica os outros, e em vez de abrir a porta à graça, esgotamos as nossas energias na inspeção e na verificação».[16] Assim, quando as pessoas pedem uma bênção, uma análise moral exaustiva não deve ser colocada como pré-condição para concedê-la. Pois, aqueles que buscam uma bênção não deveriam ser obrigados a ter perfeição moral prévia.

26. Nesta perspectiva, as Respostas do Santo Padre ajudam a expandir o pronunciamento de 2021 da Congregação para a Doutrina da Fé do ponto de vista pastoral. Pois, as Respostas convidam ao discernimento sobre a possibilidade de “formas de bênção, solicitadas por uma ou mais pessoas, que não transmitam uma concepção errônea do casamento”[17] e, em situações que sejam moralmente inaceitáveis do ponto de vista objetivo, explicar o fato de que “a caridade pastoral exige que não tratemos simplesmente como ‘pecadores’ aqueles cuja culpa ou responsabilidade pode ser atenuada por vários fatores que afetam a imputabilidade subjetiva”.

27. Na catequese citada no início desta Declaração, o Papa Francisco propôs uma descrição deste tipo de bênção que é oferecida a todos sem exigir nada. Vale a pena ler estas palavras com o coração aberto, pois elas nos ajudam a compreender o significado pastoral das bênçãos oferecidas sem condições prévias: “É Deus quem abençoa. Nas primeiras páginas da Bíblia há uma repetição contínua de bênçãos. Deus abençoa, mas o ser humano também dá bênçãos, e logo se descobre que a bênção possui um poder especial, que acompanha quem a recebe ao longo da vida e dispõe o coração do homem para ser mudado por Deus. […] Então somos mais importantes para Deus do que todos os pecados que podemos cometer porque ele é pai, é mãe, é puro amor, nos abençoou para sempre. E ele nunca deixará de nos abençoar. É uma experiência poderosa ler estes textos bíblicos de bênção numa prisão ou num grupo de reabilitação. Fazer com que essas pessoas sintam que ainda são abençoadas, apesar dos seus graves erros, que o seu Pai celeste continua a desejar o seu bem e a esperar que no final se abram ao bem. Mesmo que os parentes mais próximos os tenham abandonado, porque agora os consideram irredimíveis, Deus sempre os vê como seus filhos».[19]

28. São diversas as ocasiões em que as pessoas pedem espontaneamente uma bênção, seja nas peregrinações, nos santuários, ou mesmo na rua, quando encontram um sacerdote. A título de exemplo, podemos referir o Livro das Bênçãos, que prevê vários ritos para abençoar as pessoas, incluindo os idosos, os doentes, os participantes num encontro de catequese ou de oração, os peregrinos, os que embarcam em viagem, os grupos e associações de voluntários, e mais. Essas bênçãos destinam-se a todos; ninguém deve ser excluído deles. Na introdução da Ordem para a Bênção dos Idosos, por exemplo, afirma-se que o objetivo desta bênção é “para que os próprios idosos recebam dos seus irmãos um testemunho de respeito e gratidão, enquanto junto com eles, nós dai graças ao Senhor pelos favores que dele receberam e pelo bem que fizeram com a sua ajuda».[20] Neste caso, o sujeito da bênção é o idoso, por quem e com quem se agradece. Deus pelo bem que fez e pelos benefícios recebidos. Ninguém pode ser impedido deste ato de dar graças, e cada pessoa – mesmo que viva em situações que não estão ordenadas ao plano do Criador – possui elementos positivos pelos quais podemos louvar ao Senhor.

29. Na perspectiva da dimensão ascendente, quando alguém se torna consciente dos dons do Senhor e do seu amor incondicional, mesmo em situações pecaminosas - particularmente quando uma oração é ouvida - o coração do crente eleva o seu louvor a Deus e abençoa-o. Ninguém está excluído deste tipo de bênção. Todos, individualmente ou em conjunto com outros, podem elevar o seu louvor e gratidão a Deus.

30. Contudo, a compreensão popular das bênçãos também valoriza a importância das bênçãos descendentes. Embora “não seja apropriado que uma Diocese, uma Conferência Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial estabeleça constante e oficialmente procedimentos ou rituais para todos os tipos de assuntos”,[21] prudência e sabedoria pastorais – evitando todas as formas graves de escândalo e confusão entre os fiéis - pode sugerir que o ministro ordenado se junte à oração daquelas pessoas que, embora numa união que não se compara de forma alguma ao casamento, desejam confiar-se ao Senhor e à sua misericórdia, invocar a sua ajuda e ser guiados para uma maior compreensão do seu plano de amor e de verdade.

III. Bênçãos dos casais em situação irregular e dos casais do mesmo sexo

31. No horizonte aqui traçado surge a possibilidade de bênçãos para casais em situação irregular e para casais do mesmo sexo, cuja forma não deve ser fixada ritualmente pelas autoridades eclesiais para não produzir confusão com a bênção própria do Sacramento do Matrimónio. Nesses casos, pode ser concedida uma bênção que não só tenha um valor ascendente, mas também envolva a invocação de uma bênção que desce de Deus sobre aqueles que - reconhecendo-se desamparados e necessitados de sua ajuda - não reivindicam uma legitimação de seu próprio status, mas que imploram que tudo o que é verdadeiro, bom e humanamente válido em suas vidas e em seus relacionamentos seja enriquecido, curado e elevado pela presença do Espírito Santo. Estas formas de bênção expressam uma súplica para que Deus conceda as ajudas que vêm dos impulsos do seu Espírito - o que a teologia clássica chama de “graça real” - para que as relações humanas amadureçam e cresçam na fidelidade ao Evangelho, para que sejam libertadas das suas imperfeições e fragilidades, e para que possam exprimir-se na dimensão sempre crescente do amor divino.

32. Com efeito, a graça de Deus atua na vida daqueles que não se dizem justos, mas que se reconhecem humildemente como pecadores, como todos os outros. Esta graça pode orientar tudo segundo os desígnios misteriosos e imprevisíveis de Deus. Por isso, com a sua sabedoria incansável e o seu cuidado maternal, a Igreja acolhe todos os que se aproximam de Deus com o coração humilde, acompanhando-os com aquelas ajudas espirituais que permitem a todos compreender e realizar plenamente a vontade de Deus na sua existência.[22]

33. Trata-se de uma bênção que, embora não incluída em nenhum rito litúrgico,[23] une a oração intercessória à invocação da ajuda de Deus por parte de quem humildemente se dirige a Ele. Deus nunca rejeita ninguém que se aproxima dele! Em última análise, uma bênção oferece às pessoas um meio de aumentar a sua confiança em Deus. O pedido de bênção, portanto, expressa e alimenta a abertura à transcendência, à misericórdia e à proximidade de Deus em mil circunstâncias concretas da vida, o que não é pouca coisa no mundo em que vivemos. É uma semente do Espírito Santo que deve ser nutrida e não impedida.

34. A própria liturgia da Igreja convida-nos a adoptar esta atitude de confiança, mesmo no meio dos nossos pecados, falta de méritos, fraquezas e confusões, como testemunha esta bela Coleta do Missal Romano: “Deus Todo-poderoso e sempre vivo, que na abundância da tua bondade supera os méritos e os desejos daqueles que te suplicam, derrama sobre nós a tua misericórdia para perdoar o que a consciência teme e para dar o que a oração não ousa pedir” (Coleta para o Vigésimo Sétimo Domingo Ordinário Tempo). Quantas vezes, através da simples bênção de um pastor, que não pretende sancionar nem legitimar nada, as pessoas podem experimentar a proximidade do Pai, para além de todos os “méritos” e “desejos”?

35. Portanto, a sensibilidade pastoral dos ministros ordenados também deve ser formada para realizar espontaneamente bênçãos que não se encontram no Livro das Bênçãos.

36. Neste sentido, é essencial compreender a preocupação do Santo Padre para que estas bênçãos não ritualizadas nunca deixem de ser simples gestos que constituem um meio eficaz para aumentar a confiança em Deus por parte das pessoas que as pedem, cuidando para que não deve tornar-se um ato litúrgico ou semilitúrgico, semelhante a um sacramento. Com efeito, tal ritualização constituiria um grave empobrecimento porque submeteria um gesto de grande valor na piedade popular a um controlo excessivo, privando os ministros da liberdade e da espontaneidade no seu acompanhamento pastoral da vida das pessoas.

37. A este respeito, vêm à mente as seguintes palavras do Santo Padre, já citadas em parte: “As decisões que podem fazer parte da prudência pastoral em certas circunstâncias não devem necessariamente tornar-se uma norma. Isto é, não é apropriado que uma Diocese, uma Conferência Episcopal ou qualquer outra estrutura eclesial estabeleça constante e oficialmente procedimentos ou rituais para todos os tipos de assuntos […]. O Direito Canônico não deve e não pode abranger tudo, nem as Conferências Episcopais devem pretender fazê-lo com os seus diversos documentos e protocolos, uma vez que a vida da Igreja flui através de muitos canais além dos normativos.”[24] Assim o Papa Francisco recordou que “ o que faz parte de um discernimento prático em circunstâncias particulares não pode ser elevado ao nível de regra” porque isso “levaria a uma casuística intolerável”[25].

38. Por esta razão, não se deve prever nem promover um ritual para a bênção dos casais em situação irregular. Ao mesmo tempo, não se deve impedir ou proibir a proximidade da Igreja às pessoas em todas as situações em que possam procurar a ajuda de Deus através de uma simples bênção. Numa breve oração que precede esta bênção espontânea, o ministro ordenado poderia pedir que os indivíduos tivessem paz, saúde, espírito de paciência, diálogo e assistência mútua – mas também a luz e a força de Deus para poderem cumprir completamente a sua vontade.

39. Em todo o caso, precisamente para evitar qualquer forma de confusão ou escândalo, quando a oração de bênção é solicitada por um casal em situação irregular, mesmo que seja expressa fora dos ritos prescritos pelos livros litúrgicos, esta bênção nunca deve ser transmitido em simultâneo com as cerimônias de uma união civil, e nem mesmo em conexão com elas. Nem pode ser realizado com roupas, gestos ou palavras próprias de um casamento. O mesmo se aplica quando a bênção é solicitada por um casal do mesmo sexo.

40. Tal bênção pode, pelo contrário, encontrar o seu lugar noutros contextos, como uma visita a um santuário, um encontro com um sacerdote, uma oração recitada em grupo ou durante uma peregrinação. Com efeito, através destas bênçãos que são concedidas não através das formas rituais próprias da liturgia, mas como expressão do coração materno da Igreja - semelhantes às que emanam do núcleo da piedade popular - não se pretende legitimar nada, mas antes abrir a vida a Deus, para pedir a sua ajuda para viver melhor, e também para invocar o Espírito Santo para que os valores do Evangelho sejam vividos com maior fidelidade.

41. O que foi dito nesta Declaração sobre as bênçãos dos casais do mesmo sexo é suficiente para orientar o discernimento prudente e paternal dos ministros ordenados a este respeito. Assim, além da orientação fornecida acima, não se devem esperar mais respostas sobre possíveis maneiras de regular detalhes ou aspectos práticos relativos a bênçãos deste tipo.[26]

IV. A Igreja é o Sacramento do Amor Infinito de Deus

42. A Igreja continua a elevar aquelas orações e súplicas que o próprio Cristo – com grandes gritos e lágrimas – ofereceu na sua vida terrena (cf. Hb 5, 7), e que por isso gozam de especial eficácia. Desta forma, «não só pela caridade, pelo exemplo e pelas obras de penitência, mas também pela oração, a comunidade eclesial exerce uma verdadeira função materna na condução das almas a Cristo».[27]

43. A Igreja é, portanto, sacramento do amor infinito de Deus. Portanto, mesmo quando a relação de uma pessoa com Deus está obscurecida pelo pecado, ela sempre pode pedir uma bênção, estendendo a mão a Deus, como fez Pedro na tempestade quando clamou a Jesus: “Senhor, salva-me!” (Mateus 14:30). Na verdade, desejar e receber uma bênção pode ser o bem possível em algumas situações. O Papa Francisco recorda-nos que «um pequeno passo, no meio de grandes limitações humanas, pode ser mais agradável a Deus do que uma vida que parece exteriormente ordenada, mas que atravessa o dia sem enfrentar grandes dificuldades».[28] Desta forma, «o que resplandece é a beleza do amor salvífico de Deus manifestado em Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou dos mortos».[29]

44. Qualquer bênção será uma oportunidade para um renovado anúncio do querigma, um convite a aproximar-nos cada vez mais do amor de Cristo. Como ensinou o Papa Bento XVI: “Como Maria, a Igreja é mediadora da bênção de Deus para o mundo: recebe-a ao receber Jesus e transmite-a ao dar-Lhe. Ele é a misericórdia e a paz que o mundo, por si só, não pode dar e da qual necessita sempre, pelo menos tanto quanto de pão».

45. Tendo em conta os pontos acima expostos e seguindo o ensinamento autorizado do Papa Francisco, este Dicastério deseja finalmente recordar que “a raiz da mansidão cristã” é “a capacidade de sentir-se bem-aventurado e a capacidade de abençoar [...]. Este mundo precisa de bênçãos e podemos dar e receber bênçãos. O Pai nos ama, e a única coisa que nos resta é a alegria de abençoá-lo, e a alegria de agradecer-lhe e de aprender com ele [...] a abençoar”. a Irmã poderá sentir que, na Igreja, são sempre peregrinos, sempre mendigos, sempre amados e, apesar de tudo, sempre abençoados.

Victor Manuel Card. FERNANDEZ
Prefeito

Mons. Armando Matteo
Secretário da Seção Doutrinária

Ex Audientia morre em 18 de dezembro de 2023
Francisco

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