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Congregação para a Doutrina da Fé

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PROJETOS DE RECONHECIMENTO LEGAL DAS UNIÕES ENTRE PESSOAS HOMOSSEXUAIS

INTRODUÇÃO

1. Diversas questões relativas à homossexualidade foram recentemente tratadas várias vezes pelo Santo Padre João Paulo II e pelos competentes Dicastérios da Santa Sé.(1) Trata-se, com efeito, de um fenômeno moral e social preocupante, inclusive nos Países onde ainda não se tornou relevante sob o ponto de vista do ordenamento jurídico. A preocupação é, todavia, maior nos Países que já concederam ou se propõem conceder reconhecimento legal às uniões homossexuais, alargando-o, em certos casos, mesmo à habilitação para adoptar filhos. As presentes Considerações não contêm elementos doutrinais novos; entendem apenas recordar os pontos essenciais sobre o referido problema e fornecer algumas argumentações de carácter racional, que possam ajudar os Bispos a formular intervenções mais específicas, de acordo com as situações particulares das diferentes regiões do mundo: intervenções destinadas a proteger e promover a dignidade do matrimônio, fundamento da família, e a solidez da sociedade, de que essa instituição é parte constitutiva. Têm ainda por fim iluminar a actividade dos políticos católicos, a quem se indicam as linhas de comportamento coerentes com a consciência cristã, quando tiverem de se confrontar com projetos de lei relativos a este problema.(2) Tratando-se de uma matéria que diz respeito à lei moral natural, as seguintes argumentações são propostas não só aos crentes, mas a todos os que estão empenhados na promoção e defesa do bem comum da sociedade.

I. NATUREZA E CARACTERÍSTICAS IRRENUNCIÁVEIS DO MATRIMÔNIO

2. O ensinamento da Igreja sobre o matrimônio e sobre a complementaridade dos sexos propõe uma verdade, evidenciada pela reta razão e reconhecida como tal por todas as grandes culturas do mundo. O matrimônio não é uma união qualquer entre pessoas humanas. Foi fundado pelo Criador, com uma sua natureza, propriedades essenciais e finalidades.(3) Nenhuma ideologia pode cancelar do espírito humano a certeza de que só existe matrimônio entre duas pessoas de sexo diferente, que através da recíproca doação pessoal, que lhes é própria e exclusiva, tendem à comunhão das suas pessoas. Assim se aperfeiçoam mutuamente para colaborar com Deus na geração e educação de novas vidas.

3. A verdade natural sobre o matrimônio foi confirmada pela Revelação contida nas narrações bíblicas da criação e que são, ao mesmo tempo, expressão da sabedoria humana originária, em que se faz ouvir a voz da própria natureza. São três os dados fundamentais do plano criador relativamente ao matrimônio, de que fala o Livro do Génesis.

Em primeiro lugar, o homem, imagem de Deus, foi criado «homem e mulher» (Gn 1, 27). O homem e a mulher são iguais enquanto pessoas e complementares enquanto homem e mulher. A sexualidade, por um lado, faz parte da esfera biológica e, por outro, é elevada na criatura humana a um novo nível, o pessoal, onde corpo e espírito se unem.

Depois, o matrimônio é instituído pelo Criador como forma de vida em que se realiza aquela comunhão de pessoas que requer o exercício da faculdade sexual. «Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe e unir-se-á à sua mulher e os dois tornar-se-ão uma só carne» (Gn 2, 24).

Por fim, Deus quis dar à união do homem e da mulher uma participação especial na sua obra criadora. Por isso, abençoou o homem e a mulher com as palavras: «Sede fecundos e multiplicai-vos» (Gn 1, 28). No plano do Criador, a complementaridade dos sexos e a fecundidade pertencem, portanto, à própria natureza da instituição do matrimônio.

Além disso, a união matrimonial entre o homem e a mulher foi elevada por Cristo à dignidade de sacramento. A Igreja ensina que o matrimônio cristão é sinal eficaz da aliança de Cristo e da Igreja (cf. Ef 5, 32). Este significado cristão do matrimônio, longe de diminuir o valor profundamente humano da união matrimonial entre o homem e a mulher, confirma-o e fortalece-o (cf. Mt 19, 3-12; Mc 10, 6-9).

4. Não existe nenhum fundamento para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimônio e a família. O matrimônio é santo, ao passo que as relações homossexuais estão em contraste com a lei moral natural. Os actos homossexuais, de facto, «fecham o acto sexual ao dom da vida. Não são fruto de uma verdadeira complementaridade afectiva e sexual. Não se podem, de maneira nenhuma, aprovar».(4)

Na Sagrada Escritura, as relações homossexuais «são condenadas como graves depravações... (cf. Rm 1, 24-27; 1 Cor 6, 10; 1 Tm 1, 10). Desse juízo da Escritura não se pode concluir que todos os que sofrem de semelhante anomalia sejam pessoalmente responsáveis por ela, mas nele se afirma que os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados».(5) Idêntico juízo moral se encontra em muitos escritores eclesiásticos dos primeiros séculos,(6) e foi unanimemente aceite pela Tradição católica.

Também segundo o ensinamento da Igreja, os homens e as mulheres com tendências homossexuais «devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Deve evitar-se, para com eles, qualquer atitude de injusta discriminação».(7) Essas pessoas, por outro lado, são chamadas, como os demais cristãos, a viver a castidade.(8) A inclinação homossexual é, todavia, «objectivamente desordenada»,(9) e as práticas homossexuais «são pecados gravemente contrários à castidade».(10)

II. ATITUDES PERANTE O PROBLEMA DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS

5. Em relação ao fenômeno das uniões homossexuais, existentes de facto, as autoridades civis assumem diversas atitudes: por vezes, limitam-se a tolerar o fenômeno; outras vezes, promovem o reconhecimento legal dessas uniões, com o pretexto de evitar, relativamente a certos direitos, a discriminação de quem convive com uma pessoa do mesmo sexo; nalguns casos, chegam mesmo a favorecer a equivalência legal das uniões homossexuais com o matrimônio propriamente dito, sem excluir o reconhecimento da capacidade jurídica de vir a adoptar filhos.

Onde o Estado assume uma política de tolerância de facto, sem implicar a existência de uma lei que explicitamente conceda um reconhecimento legal de tais formas de vida, há que discernir bem os diversos aspectos do problema. É imperativo da consciência moral dar, em todas as ocasiões, testemunho da verdade moral integral, contra a qual se opõem tanto a aprovação das relações homossexuais como a injusta discriminação para com as pessoas homossexuais. São úteis, portanto, intervenções discretas e prudentes, cujo conteúdo poderia ser, por exemplo, o seguinte: desmascarar o uso instrumental ou ideológico que se possa fazer de dita tolerância; afirmar com clareza o carácter imoral desse tipo de união; advertir o Estado para a necessidade de conter o fenômeno dentro de limites que não ponham em perigo o tecido da moral pública e que, sobretudo, não exponham as jovens gerações a uma visão errada da sexualidade e do matrimônio, que os privaria das defesas necessárias e, ao mesmo tempo, contribuiria para difundir o próprio fenômeno. Àqueles que, em nome dessa tolerância, entendessem chegar à legitimação de específicos direitos para as pessoas homossexuais conviventes, há que lembrar que a tolerância do mal é muito diferente da aprovação ou legalização do mal.

Em presença do reconhecimento legal das uniões homossexuais ou da equiparação legal das mesmas ao matrimônio, com acesso aos direitos próprios deste último, é um dever opor-se-lhe de modo claro e incisivo. Há que abster-se de qualquer forma de cooperação formal na promulgação ou aplicação de leis tão gravemente injustas e, na medida do possível, abster-se também da cooperação material no plano da aplicação. Nesta matéria, cada qual pode reivindicar o direito à objecção de consciência.

III. ARGUMENTAÇÕES RACIONAIS CONTRA O RECONHECIMENTO LEGAL DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS

6. A compreensão das razões que inspiram o dever de se opor desta forma às instâncias que visem legalizar as uniões homossexuais exige algumas considerações éticas específicas, que são de diversa ordem.

De ordem relativa à reta razão

A função da lei civil é certamente mais limitada que a da lei moral.(11) A lei civil, todavia, não pode entrar em contradição com a reta razão sob pena de perder a força de obrigar a consciência.(12) Qualquer lei feita pelos homens tem razão de lei na medida que estiver em conformidade com a lei moral natural, reconhecida pela reta razão, e sobretudo na medida que respeitar os direitos inalienáveis de toda a pessoa.(13) As legislações que favorecem as uniões homossexuais são contrárias à reta razão, porque dão à união entre duas pessoas do mesmo sexo garantias jurídicas análogas às da instituição matrimonial. Considerando os valores em causa, o Estado não pode legalizar tais uniões sem faltar ao seu dever de promover e tutelar uma instituição essencial ao bem comum, como é o matrimônio.

Poderá perguntar-se como pode ser contrária ao bem comum uma lei que não impõe nenhum comportamento particular, mas apenas se limita a legalizar uma realidade de facto, que aparentemente parece não comportar injustiça para com ninguém. A tal propósito convém reflectir, antes de mais, na diferença que existe entre o comportamento homossexual como fenômeno privado, e o mesmo comportamento como relação social legalmente prevista e aprovada, a ponto de se tornar numa das instituições do ordenamento jurídico. O segundo fenômeno, não só é mais grave, mas assume uma relevância ainda mais vasta e profunda, e acabaria por introduzir alterações na inteira organização social, que se tornariam contrárias ao bem comum. As leis civis são princípios que estruturam a vida do homem no seio da sociedade, para o bem ou para o mal. «Desempenham uma função muito importante, e por vezes determinante, na promoção de uma mentalidade e de um costume».(14) As formas de vida e os modelos que nela se exprimem não só configuram externamente a vida social, mas ao mesmo tempo tendem a modificar, nas novas gerações, a compreensão e avaliação dos comportamentos. A legalização das uniões homossexuais acabaria, portanto, por ofuscar a percepção de alguns valores morais fundamentais e desvalorizar a instituição matrimonial.

De ordem biológica e antropológica

7. Nas uniões homossexuais estão totalmente ausentes os elementos biológicos e antropológicos do matrimônio e da família, que poderiam dar um fundamento racional ao reconhecimento legal dessas uniões. Estas não se encontram em condição de garantir de modo adequado a procriação e a sobrevivência da espécie humana. A eventual utilização dos meios postos à sua disposição pelas recentes descobertas no campo da fecundação artificial, além de comportar graves faltas de respeito à dignidade humana,(15) não alteraria minimamente essa sua inadequação.

Nas uniões homossexuais está totalmente ausente a dimensão conjugal, que representa a forma humana e ordenada das relações sexuais. Estas, de facto, são humanas, quando e enquanto exprimem e promovem a mútua ajuda dos sexos no matrimônio e se mantêm abertas à transmissão da vida.

Como a experiência confirma, a falta da bipolaridade sexual cria obstáculos ao desenvolvimento normal das crianças eventualmente inseridas no interior dessas uniões. Falta-lhes, de facto, a experiência da maternidade ou paternidade. Inserir crianças nas uniões homossexuais através da adopção significa, na realidade, praticar a violência sobre essas crianças, no sentido que se aproveita do seu estado de fraqueza para introduzi-las em ambientes que não favorecem o seu pleno desenvolvimento humano. Não há dúvida que uma tal prática seria gravemente imoral e pôr-se-ia em aberta contradição com o princípio reconhecido também pela Convenção internacional da ONU sobre os direitos da criança, segundo o qual, o interesse superior a tutelar é sempre o da criança, que é a parte mais fraca e indefesa.

De ordem social

8. A sociedade deve a sua sobrevivência à família fundada sobre o matrimônio. É, portanto, uma contradição equiparar à célula fundamental da sociedade o que constitui a sua negação. A consequência imediata e inevitável do reconhecimento legal das uniões homossexuais seria a redefinição do matrimônio, o qual se converteria numa instituição que, na sua essência legalmente reconhecida, perderia a referência essencial aos factores ligados à heterossexualidade, como são, por exemplo, as funções procriadora e educadora. Se, do ponto de vista legal, o matrimônio entre duas pessoas de sexo diferente for considerado apenas como um dos matrimônios possíveis, o conceito de matrimônio sofrerá uma alteração radical, com grave prejuízo para o bem comum. Colocando a união homossexual num plano jurídico análogo ao do matrimônio ou da família, o Estado comporta-se de modo arbitrário e entra em contradição com os próprios deveres.

Em defesa da legalização das uniões homossexuais não se pode invocar o princípio do respeito e da não discriminação de quem quer que seja. Uma distinção entre pessoas ou a negação de um reconhecimento ou de uma prestação social só são inaceitáveis quando contrárias à justiça.(16) Não atribuir o estatuto social e jurídico de matrimônio a formas de vida que não são nem podem ser matrimoniais, não é contra a justiça; antes, é uma sua exigência.

Nem tão pouco se pode razoavelmente invocar o princípio da justa autonomia pessoal. Uma coisa é todo o cidadão poder realizar livremente actividades do seu interesse, e que essas actividades que reentrem genericamente nos comuns direitos civis de liberdade, e outra muito diferente é que actividades que não representam um significativo e positivo contributo para o desenvolvimento da pessoa e da sociedade possam receber do Estado um reconhecimento legal especifico e qualificado. As uniões homossexuais não desempenham, nem mesmo em sentido analógico remoto, as funções pelas quais o matrimônio e a família merecem um reconhecimento específico e qualificado. Há, pelo contrário, razões válidas para afirmar que tais uniões são nocivas a um reto progresso da sociedade humana, sobretudo se aumentasse a sua efetiva incidência sobre o tecido social.

De ordem jurídico

9. Porque as cópias matrimoniais têm a função de garantir a ordem das gerações e, portanto, são de relevante interesse público, o direito civil confere-lhes um reconhecimento institucional. As uniões homossexuais, invés, não exigem uma específica atenção por parte do ordenamento jurídico, porque não desempenham essa função em ordem ao bem comum.

Não é verdadeira a argumentação, segundo a qual, o reconhecimento legal das uniões homossexuais tornar-se-ia necessário para evitar que os conviventes homossexuais viessem a perder, pelo simples facto de conviverem, o efectivo reconhecimento dos direitos comuns que gozam enquanto pessoas e enquanto cidadãos. Na realidade, eles podem sempre recorrer – como todos os cidadãos e a partir da sua autonomia privada – ao direito comum para tutelar situações jurídicas de interesse recíproco. Constitui porém uma grave injustiça sacrificar o bem comum e o reto direito de família a pretexto de bens que podem e devem ser garantidos por vias não nocivas à generalidade do corpo social.(17)

IV. COMPORTAMENTOS DOS POLÍTICOS CATÓLICOS PERANTE LEGISLAÇÕES FAVORÁVEIS ÀS UNIÕES HOMOSSEXUAIS

10. Se todos os fiéis são obrigados a opor-se ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, os políticos católicos são-no de modo especial, na linha da responsabilidade que lhes é própria. Na presença de projetos de lei favoráveis às uniões homossexuais, há que ter presentes as seguintes indicações éticas.

No caso que se proponha pela primeira vez à Assembleia legislativa um projeto de lei favorável ao reconhecimento legal das uniões homossexuais, o parlamentar católico tem o dever moral de manifestar clara e publicamente o seu desacordo e votar contra esse projeto de lei. Conceder o sufrágio do próprio voto a um texto legislativo tão nocivo ao bem comum da sociedade é um acto gravemente imoral.

No caso de o parlamentar católico se encontrar perante uma lei favorável às uniões homossexuais já em vigor, deve opor-se-lhe, nos modos que lhe forem possíveis, e tornar conhecida a sua oposição: trata-se de um acto devido de testemunho da verdade. Se não for possível revogar completamente uma lei desse género, o parlamentar católico, atendo-se às orientações dadas pela Encíclica Evangelium vitae, «poderia dar licitamente o seu apoio a propostas destinadas a limitar os danos de uma tal lei e diminuir os seus efeitos negativos no plano da cultura e da moralidade pública», com a condição de ser «clara e por todos conhecida» a sua «pessoal e absoluta oposição» a tais leis, e que se evite o perigo de escândalo.(18) Isso não significa que, nesta matéria, uma lei mais restritiva possa considerar-se uma lei justa ou, pelo menos, aceitável; trata-se, pelo contrário, da tentativa legítima e obrigatória de proceder à revogação, pelo menos parcial, de uma lei injusta, quando a revogação total não é por enquanto possível.

CONCLUSÃO

11. A Igreja ensina que o respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar, de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento legal das uniões homossexuais. O bem comum exige que as leis reconheçam, favoreçam e protejam a união matrimonial como base da família, célula primária da sociedade. Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou equipará-las ao matrimônio, significaria, não só aprovar um comportamento errado, com a consequência de convertê-lo num modelo para a sociedade actual, mas também ofuscar valores fundamentais que fazem parte do património comum da humanidade. A Igreja não pode abdicar de defender tais valores, para o bem dos homens e de toda a sociedade.

O Sumo Pontífice João Paulo II, na Audiência concedida a 28 de Março de 2003 ao abaixo-assinado Cardeal Prefeito, aprovou as presentes Considerações, decididas na Sessão Ordinária desta Congregação, e mandou que fossem publicadas.

Roma, sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 3 de Junho de 2003, memória de São Carlos Lwanga e companheiros, mártires.

Joseph Card. Ratzinger
Prefeito

Angelo Amato, S.D.B.
Arcebispo titular de Sila
Secretário


(1) Cf. João Paulo II, Alocuções por ocasião da recitação do Angelus, 20 de Fevereiro de 1994 e 19 de Junho de 1994; Discurso aos participantes na Assembleia Plenária do Conselho Pontifício para a Família, 24 de Março de 1999; Catecismo da Igreja Católica, nn. 2357-2359, 2396; Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Persona humana, 29 de Dezembro de 1975, n. 8; Carta sobre a cura pastoral das pessoas homossexuais, 1 de Outubro de 1986; Algumas Considerações sobre a Resposta a propostas de lei em matéria de não discriminação das pessoas homossexuais, 24 de Julho de 1992; Conselho Pontifício para a Família, Carta aos Presidentes das Conferências Episcopais da Europa sobre a resolução do Parlamento Europeu em matéria de cópias homossexuais, 25 de Março de 1994; Família, matrimônio e «uniões de facto», 26 de Julho de 2000, n. 23.

(2) Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Nota doutrinal sobre algumas questões relativas ao empenho e comportamento dos católicos na vida política, 24 de Novembro de 2002, n. 4.

(3) Cf. Concílio Vaticano II, Constituição pastoral Gaudium et spes, n. 48.

(4) Catecismo da Igreja Católica, n. 2357.

(5) Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Persona humana, 29 de Dezembro de 1975, n. 8.

(6) Cf. por exemplo, S. Policarpo, Carta aos Filipenses, V, 3; S. Justino, Primeira Apologia, 27, 1-4; Atenágoras, Súplica em favor dos cristãos, 34.

(7) Catecismo da Igreja Católica, n. 2358; cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Carta sobre a cura pastoral das pessoas homossexuais, 1 de Outubro de 1986, n. 10.

(8) Cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 2359; Congregação para a Doutrina da Fé, Carta sobre a cura pastoral das pessoas homossexuais, 1 de Outubro de 1986, n. 12.

(9) Catecismo da Igreja Católica, n. 2358.

(10) Ibid., n. 2396.

(11) Cf. João Paulo II, Carta encíclica Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 71.

(12) Cf. ibid., n. 72.

(13) Cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, I-II, q. 95, a. 2.

(14) João Paulo II, Carta encíclica Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 90.

(15) Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Donum vitae, 22 de Fevereiro de 1987, II. A. 1-3.

(16) Cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, II-II, q. 63, a. 1, c.

(17) Deve, além disso, ter-se presente que existe sempre «o perigo de uma legislação, que faça da homossexualidade uma base para garantir direitos, poder vir de facto a encorajar uma pessoa com tendências homossexuais a declarar a sua homossexualidade ou mesmo a procurar um parceiro para tirar proveito das disposições da lei» (Congregação para a Doutrina da Fé, Algumas Considerações sobre a Resposta a propostas de lei em matéria de não discriminação das pessoas homossexuais, 24 de Julho de 1992, n. 14).

(18) João Paulo II, Carta encíclica Evangelium vitae, 25 de Março de 1995, n. 73.

 

Publicado em Playlists
Segunda, 11 Março 2024 08:43

Casamento e Sacrifício (2024)

A seguinte playlist é uma reprodução da palestra do Pe. José Eduardo, da Diocese de Osasco-SP, que aborda a relação entre o casamento e a Quaresma, partindo do texto bíblico de Efésios 5. Ele explora como o sacramento do matrimônio é essencial na fé católica, comparando a união entre marido e mulher com a união entre Cristo e a Igreja. Destaca a importância do sacrifício no amor conjugal, refletindo sobre como muitas vezes o amor é mal compreendido como oposto ao sacrifício. O casamento demanda renúncia, entrega e imolação, e isso é um processo de santificação. O padre discute a necessidade de colocar o cônjuge antes de si mesmo, praticando atos de amor e sacrifício diários, ressaltando, ainda, que o casamento requer virtude e uma constante disposição para se doar ao outro, mesmo quando isso implica renunciar aos próprios desejos e vontades.

Confira abaixo o texto da transcrição da palestra (gerada automaticamente), com todo o seu conteúdo capitulado por mim nos episódios que se seguem. Você pode assistir à palestra no canal do Pe. José Eduardo, que te convido a curtir e se inscrever.

Ao Pe. José Eduardo o meu muito obrigado por permitir que reproduzíssemos aqui o seu conteúdo.


Transcrição da palestra

Muito bem. Eu fico muito contente de estar aqui nesse primeiro pós-encontro do ano de 24, do nosso ECC, já, digamos assim, avançado o tempo da Quaresma, para poder falar um pouco sobre, justamente, a relação entre matrimônio e Quaresma. Eu vou ao texto clássico que é Efésios, capítulo cinco, a partir do versículo 21, quando São Paulo diz:

"Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo, as mulheres o sejam aos maridos como ao Senhor. Pois o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja. Seu corpo, no qual ele é o Salvador. Por outro lado, como a Igreja se submete a Cristo, que as mulheres se submetam em tudo a seus maridos. 25 Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo também amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de santificar, pela palavra, aquela que ele purifica pelo banho da água, pois ele quis apresentá la a si mesmo, toda bela, sem mancha nem ruga, ou qualquer reparo, mas santa e sem defeito. É assim que os maridos devem amar suas esposas como amam o seu próprio corpo. Aquele que ama sua esposa está amando a si mesmo. Ninguém jamais odiou a própria carne. Pelo contrário, alimenta. É cercada de cuidado, como Cristo faz para a igreja. E nós somos membros do seu corpo. Por isso, o homem deixará o seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher. E os dois serão uma só carne. Esse mistério é grande, eu digo com referência a Cristo e a Igreja. Enfim, cada um de vós também ame a sua esposa como a si mesmo. E que a esposa tenha respeito pelo marido".

São Paulo, aqui nos apresenta uma doutrina sobre o sacramento do matrimônio, que justamente é como que o núcleo, o coração da fé da Igreja, na realidade desse sacramento. Vocês sabem que para a Igreja Católica, o casamento não é apenas uma união natural para boa parte das igrejas protestantes. O matrimônio não é um sacramento. É tão somente uma união natural entre um homem e uma mulher que se tornam uma só carne.

Para a Igreja Católica, o matrimônio é um sacramento, por quê? Porque São Paulo aqui nos diz de maneira categórica Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo amou a Igreja e se entregou a si mesmo por ela, a fim de apresentá la a si mesmo, sem mancha, nem ruga, nem defeito, mas gloriosa. E diz Pelo banho da palavra, com a água, ou seja, o matrimônio não é uma união tão somente natural.

É uma união sobrenatural que São Paulo compara com a união entre Cristo e a Igreja, fazendo referência ao batismo.

A sacramentalidade do matrimônio, aliás, nasce do santo batismo. É o sacramento do batismo que demanda que o matrimônio seja um sacramento. Caso contrário, se um batizado, que é chamado à união com Deus, a santidade é chamado à contemplação, tivesse que se casar, o casamento seria um impedimento para que ele se santificasse, pois ele seria uma união natural. Ou seja, a melhor coisa seria, de fato, cada um buscar a Deus por conta própria.

Uma vez batizado, porque naquela união tão somente carnal, tão somente humana, ele encontraria mais empecilhos do que ajuda para chegar à união com Deus. Mas como o matrimônio é um sacramento, logo a consequência disso é que tudo o que diz respeito ao matrimônio, tudo favorece a união com Cristo. Uma vez que meu cônjuge é para mim a representação sacramental de Jesus Cristo, dizendo com outras palavras digamos que duas pessoas, dois cristãos, vão ao cartório e façam o chamado casamento civil.

E o homem, que é uma mulher? Se dois pagãos fizerem um casamento, esse casamento inclusive seria válido. Mas como o casamento natural seria um homem que ama uma mulher tão somente. Nada mais além disso. Agora, quando dois batizados se unem de maneira válida, aquela união não é uma união meramente natural. Um se torna a representação de Cristo para o outro.

Assim como, por exemplo, Jesus ficou na Eucaristia para que, comungando, nós aprendêssemos o que é a união com Deus. Porque na comunhão é o que acontece. Nós estamos mais do que nunca unidos ao próprio Deus e procuramos amá lo enquanto nós comungamos. Naqueles minutos que Cristo fica em nós antes de começar o processo digestivo, nós ficamos ali amando Cristo, amando Cristo na Eucaristia.

Para aprender, inclusive a fazer a mesma coisa, quando nós não comungamos. Quando nós vamos rezar por nós, vamos fazer isso mesmo. Amar Jesus pela união que é proporcionada pela fé. Quando eu faço um ato de fé, eu me uno a Cristo. E se eu o amo, eu estou orando. A oração é esse desfrutar do amor de Deus em Cristo é amar Deus em Cristo mediante a fé.

Nós, católicos, temos a graça de termos a via da fé e a via dos sacramentos. Então eu posso amar Cristo quando eu comungo. Eu posso amar Cristo pela oração. E nós vamos crescendo na espiritualidade na medida em que nós vamos mergulhando mais e mais nesse amor sobrenatural. Nesse amor espiritual por Deus.

Só que para os casados existe um terceiro elemento. Uma terceira maneira de união com Cristo é a união com o seu cônjuge. Vejam que grande coisa é o matrimônio ser um sacramento, porque ele te transforma numa espécie de ícone de Jesus Cristo, de representação de Cristo. Portanto, quando você ama o seu cônjuge, você está no mesmo ato, Amando a Deus, está aprendendo a amar Deus?

É claro que não é a mesma coisa. Eucaristia, porque o seu cônjuge não é a presença substancial de Cristo. Ele não é Cristo em pessoa. Porém Ele é assumido por Cristo de tal modo que se torna, por assim dizer, uma imagem dele. E quando você o ama, é quando você a ama. O que acontece é que esse ato de amor tende a ser um ato sobrenatural.

Se você de fato é cristão, isso significa que o seu cônjuge para você se torna um muito sagrado, porque você passa a venerar a quem você passa a secundar, a quem você passa a amar com todo o seu coração. Jesus diz Aliás, Paulo diz Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela.

Então é aqui que vem o nexo com o mistério que nós celebramos nessa Quaresma e que de algum modo, revela uma faceta de como a espiritualidade quaresmal pode nos fazer aprofundar mais na espiritualidade matrimonial, justamente pela entrega que um cônjuge tem que ter pelo outro.

Hoje nós vivemos um tempo em que as pessoas não conseguem entender o amor como sacrifício. Parece que o amor é o oposto o sacrifício, ou seja, eu tinha uma amiga que morava na Itália há muito tempo e mora na Itália até hoje, mas há muito tempo nós conversávamos e essa senhora me dizia Padre, eu estou incomodando, como não está incomodando, Mas eu não quero ser um sacrifício para o Senhor.

Eu digo essa desculpa, mas não tem problema. Quer dizer, conversar com uma pessoa, dar o atendimento a uma pessoa remotamente é um sacrifício. Eu tenho que ficar ali parado, parar tudo que eu estou fazendo, dar atenção para aquela pessoa. Eu não sacrifício, mas isso não significa que eu faça sacrifício com desgosto contra minha vontade, ou que isso seja oposto A caridade, que eu tenha que ter com a alma dela.

Não, pelo contrário, por que eu tenho caridade com a alma dela? Porque eu a amo sobrenaturalmente. Eu me sacrifico por ela. É assim com qualquer pessoa que eu preciso atender, né? Então, por exemplo, ouvir confissões não é a coisa mais agradável do mundo. Você fica ali naquela janelinha e uma pessoa com a voz bem baixa começa a contar um negócio nos mínimos detalhes.

E leva o tempo. Leva o tempo e você tem que fazer uma energia psicológica para escutar aquela pessoa, para não perder nada do que ela diz com ela. Sai. Você está meio cadavérico, porque o nível de atenção que ela te demandou é muito grande. Então, psicologicamente, você fica exausto. Agora, isso é contrário ao amor, muito pelo contrário, Nós fazemos isso por amor, por um amor sobrenatural, por um amor que é, por assim dizer, a essência mesma do mandamento da caridade.

O mesmo vale para o matrimônio. Só que as pessoas não entendem assim, as pessoas pensam assim Eu tenho que casar com uma pessoa com quem eu curta, estar junto com quem seja sempre legal, estar junto com quem eu vou viver, uma espécie de paraíso de história encantada. E o que acontece? Acontece que isso não existe. Isso é uma ilusão.

Por exemplo, hoje se fala bastante sobre a compatibilidade entre os cônjuges. Será que o seu cônjuge é compatível com você? Será que ele é incompatível com você? Vamos fazer terapia para conseguirmos compatibilizar a nossa relação, porque o problemas disso? O problema é que uma das coisas mais impossível é que um homem seja compatível com uma mulher. Do ponto de vista psicológico.

As duas maneiras de ser não são idênticas. São psicologias de certo modo opostas. Sei lá. Mas além de isso ser impossível, seria extremamente indesejável. Por quê? Porque nós somos cristãos e nós precisamos ser desafiados todos os dias a combater os nossos defeitos. Ou seja, você se casou e não se agregou a um companheiro de crime, alguém que será cúmplice de todos os seus defeitos.

Portanto, para nós, o fato de que o cônjuge demande de mim sacrifício, entrega e imolação é altamente santificante. Porque eu estou sendo tratado por Cristo através da disciplina conjugal.

Esses dias, por exemplo, eu via um pequeno pequeno rio do Instagram de um casal em que o rapaz dizia assim Quando o homem se casa, ele volta a ter nove anos de idade. E aí ele ilustrava e diz Olha, se eu encontrar com os meus amigos na rua e um deles falar para mim vamos tomar uma cerveja, você pode ir.

Ele vai dizer pera aí que eu vou perguntar. E aí ele vai perguntar para a esposa Olha, aquele meu amigo já tem tanto tempo que a gente não vê que a gente não se cruza, que a gente não conversa. Então será que eu podia ir tomar uma cerveja com ele no sábado, na hora do almoço? Parece uma criança pedindo autorização à mãe.

Por que é assim? E porque é que tem que ser assim? Inclusive, né? Porque você tem um compromisso. Ou seja, quando Jesus diz no Evangelho que quem não for como criança não entrará no reino dos céus, então isso também vale para o matrimônio, porque você aprende que você não pode fazer o que você quer. Você precisa sempre se reportar a outra pessoa, e isso se aplica a todas as circunstâncias da vida matrimonial.

Você tem que ter consideração por aquela pessoa. Veja, Uma das maiores graças que Deus me concedeu na minha vida foi não ter me casado. Celibato é um dom de Deus. Por quê? Porque o celibato traz uma leveza para a vida. Ou seja, eu entro em casa e não preciso dar atenção a ninguém, literalmente. Eu fico conversando com os meus pensamentos.

Eu tenho uma liberdade interior e exterior um pouco maior. Se eu fosse casado, não podia ser assim. Você tem que chegar, você tem que perguntar. Você tem que conversar, você tem que dar atenção, você tem que dar comida, você tem que fazer alguma coisa, você tem que cuidar, porque o casamento demanda é essa entrega. E essa entrega comporta um peso.

É por isso que não há casamento que fique em pé sem virtude, porque, paradoxalmente, há isso no Evangelho. Quanto mais eu sou criança, tanto mais eu sou maduro. Ou seja, eu encaro essas demandas da vida conjugal de maneira positiva e não de mau grado. Por exemplo, existem homens que não amadurecem. Então eles casam e querem ter ainda uma certa vida de solteiros, querem ter as suas amigas, querem ter as suas noites de futebol, querem ter os seus happy hours de trabalho enquanto a sua mulher está em casa.

Parece que ele está sendo mais adulto porque ele tem mais liberdade, mas na verdade ele é muito imaturo e não tem virtude porque não compreende que o peso do casamento, o peso da responsabilidade assumida, conquanto comporte algo de sacrifício, é bom e santificante. É sinal de responsabilidade e de amor. O mesmo vale para as situações mais corriqueiras quando, por exemplo, você precisa se esforçar para fazer algo contra a vontade, mas para o bem do seu cônjuge, esse sacrifício às vezes é muito difícil e, sei lá, você tem que ir visitar a tia chata da sua mulher.

Aí você pega 100 quilômetros de estrada para ver a tia chata e tem que se esforçar para não fazer cara feia, para ser simpático, para sorrir, para fazer aquilo com alegria, com generosidade, com dedicação. Isso é sacrifício. E esse tipo de sacrifício, de amor demanda de você virtudes. Ou seja, você tem que ter uma certa firmeza, uma certa capacidade de resistência.

Você precisa, de alguma maneira, aprender a se negar, a dizer não e o próprio gosto, a própria vontade. Se deixar de lado o mesmo em relação ao marido, quando você, por exemplo, precisa, pelas circunstâncias, sei lá, dar atenção para aquele homem porque ele está doente. Homem doente é o bicho mais carente do mundo. Aí vira um bebê de seis meses.

A largada você tem que ir lá e fazer e cuidar e dar atenção e se desdobrar, etc. É um sacrifício, é um sacrifício mesmo, mas é um sacrifício que é resultado do amor, que é uma característica do amor e que deve existir em todo o casamento cristão, que faz parte. Quando, por exemplo, eu renuncio num momento de tensão, a ganhar a briga para não perder o cônjuge.

Isso é muito importante. Uma vez eu conheci um homem muito introvertido que se casou com uma advogada e era tremenda a vida dos dois, porque a mulher tinha argumento para tudo. Ela sabia dar nó, um pingo d'água ímpar. Rodava o marido o tempo todo e esse homem já não sabia mais o que fazer. Por quê? Ela sempre tem razão.

Esses dias eu vi uma outra esquete de um casal em que a mulher perguntava para o marido se nós. Se você ficasse perdido numa ilha deserta, você preferia ir comigo ou sozinho.

Aí o marido perguntou ao marido. Respondeu sozinho Ficou brava. Aí ele disse Mas pera aí que eu te explico. É porque só o tempo que a gente ia gastar para ficar discutindo quem é que errou, quem é que não tem razão? Naquela situação eu teria construído um barco, eu já teria saído de lá, já teria caçado o peixe, eu teria feito 1001 coisas, etc, etc, etc.

É uma verdade, uma verdade dita de um modo cômico, mas é uma verdade. Ou seja, muitas vezes eu preciso renunciar a ter razão, tendo razão, eu preciso dar o braço a torcer por caridade, não porque eu quero tudo no preto, no branco, e isso demanda de mim uma grande humildade. Se eu não for humilde, eu não suporto isso.

Eu não me torno amargurado, ressentido, sempre queixume. Sinto que é, de fato o padrão que a gente vê mundo afora. Padrão de pessoas que não sabem se dar, não sabem se entregar, não sabem se sacrificar e por porque não sabem se sacrificar, não sabem se entregar porque não têm virtude, porque são seres invertebrados, porque são gente. Nós, ambulantes.

Na década de 80 eu tinha um filme chamado A Coisa que era uma gosma que saía sim, e afogando as pessoas. Tem gente que não é virtuoso e a coisa é uma gosma, não tem estrutura e muitas vezes não tem culpa de não ter estrutura. Às vezes ele vem de uma família disfuncional, às vezes vem de uma história traumatizante.

Às vezes não teve ocasião de aprender de verdade as virtudes na sua família. E aí tudo fica muito mais difícil. Mas nós cristãos, não podemos negligenciar a nossa estrutura interior. Então, nós estamos na Quaresma, eu preciso me examinar, eu me sacrifico positivamente pelo meu esposo ou pela minha esposa. Eu me sacrifico positivamente. O que significa isso? Não apenas quando ele demanda de mim um sacrifício, quando ela demanda de mim um sacrifício, mas voluntariamente, quando eu faço algo a mais pelo bem do casamento, eu me sacrifico positivamente.

Por exemplo, ele tem que acordar mais cedo. Você poderia ficar dormindo, poxa, mas custa fazer um sacrifício de lá, passar um café, conversar um pouquinho, dar um beijo dele? Embora, fazer um sacrifício sozinho não dói. Não custa. Faz toda a diferença. Às vezes você sabe que se você fizer algo pela sua esposa, que vai te custar alguma coisa, mas isso não é nada tão absurdo assim.

Às vezes eu dizer assim: "Olha, toma aqui R$ 200 pra você ficar bonita, vai gastar lá no salão", você ganha um mês com aquilo, aquilo te deixa feliz e realizado, A casa fica florescente. É um pequeno sacrifício, mas faz toda a diferença, faz toda a diferença. É claro que quando nós falamos de nos sacrificarmos, nós estamos primeiramente nos referindo ao sacrifício, que é a mortificação cristã.

Tem como valor sobrenatural no sentido de O primeiro alvo das minhas orações tem que ser o meu cônjuge. Eu tenho que rezar por ele, eu tenho que entregar lo a Deus, Eu tenho que entregar o meu casamento a Deus, e isso significa que eu tenho que me mortificar. Eu tenho que fazer alguma penitência pelo meu casamento, coisa que muitas pessoas descuidam de fazer, de oferecer um jejum, de oferecer uma pequena contrariedade que seja um café sem açúcar que você vai tomar para quem isso é sacrifício, que seja um pequeno incômodo que você faça contrariando o seu gosto, pois, porém, estas mortificações da convivência são muito exigentes e são um marcador de que nós estamos de

fato vivendo. Esse amor entrega esse amor sacrifical que Cristo nos ensinou no Evangelho. Tem uma crítica muito, portanto, vejam, eu necessito, eu necessito todo dia pensar no meu cônjuge antes de mim. Algumas pessoas são infantis, imaturas e não conseguem isso porque elas estão autocentradas demais e supervalorizam os seus sentimentos, os seus estados de ânimo. Então se sentem carentes, querem uma atenção desmedida, são pessoas assim, pesadas, excessivamente.

Precisariam ser um pouco mais leves no modo de se relacionar concretamente. Eu me lembro agora de um rapaz que, depois de um casamento recente, veio se confidenciar comigo e disse Padre, eu não aguento mais porque a minha esposa parece uma menina, ela tem que eu tenho que ficar olhando para ela o tempo todo. Eu tenho que ficar mimando ela o tempo todo, eu tenho que ficar paparicando a o tempo todo e obviamente isso é esgotado por.

Mas em situações normais, não me refiro a situações patológicas, por exemplo, de uma pessoa que regride psicologicamente a uma idade muito pequena e que fica arranjando encrenca por picuinhas. Mas numa situação normal, eu preciso aprender a colocar o meu cônjuge antes de mim, ou seja, o que vai agradá lo, o que vai favorecê lo, o que trará satisfação para ele.

Eu preciso reparar, por exemplo, quando o meu cônjuge está preocupado em ajudar, que ele seja sincero, porque às vezes ele guarda as coisas porque não quer, já sabe com quem casou, então já sabe que vai ter um bate boca, ser e falar. Então ele prefere não falar para não ter bate boca, se não vai virar cobrança ao invés de virar ajuda.

Então eu preciso aprender a facilitar a sua sinceridade. Então, quando ele vem me contar um fracasso ou uma dificuldade talvez financeira, pela qual naquele momento esteja passando, ou ela. O mesmo vale para os dois. É preciso dizer, saber dizer Nós estamos juntos, nós vamos superar. Conta comigo. Você não está sozinho, não fica nervoso. Calma, tudo bem. Você pode ter um vulcão por dentro querendo explodir, mas você sabe deixar o seu sentimento de lado para de algum modo poder entregar se por ele, por ela.

É difícil. A gente fica falando ele, ela, ele é assim, o cônjuge que é ele ou ela, tanto faz. É preciso colocar o próprio estado de ânimo de lado. Isso é sacrifício, é aprender a secundar os sentimentos do cônjuge. Por exemplo, depois de um certo tempo, a vida íntima fica um tanto monótona, porque não há grandes novidades, não existem atlânticos a serem descobertos e muitos casais deixam literalmente a monotonia reinar e ficam tempos sem terem o ato conjugal.

Muitas vezes por caridade, o cônjuge precisa chegar no outro e dizer Ei, e aí? Talvez ele não esteja com vontade, talvez não seja a coisa mais satisfatória para ele naquele momento, mas ele precisa aprender a ter essa disponibilidade ativa de quem, de alguma maneira, facilita para o cônjuge o acesso àquilo que ele tem direito. Aliás, porque o casamento tem, como dizia o Papa Francisco na encíclica Amoris Laetitia, Intrinsecamente, a linguagem da entrega corpórea.

Então é necessário muitas vezes facilitar, propor, ir ao encontro. O casal precisa se amar de maneira positiva. O que significa isso? Tem que ter afeto. É necessário que haja beijos, abraços, afagos, toque. É necessário que haja isso. Caso contrário, o esfriamento vai aumentando as distâncias. Isso se torna visível até para quem está do lado de fora. Você nota que aqueles dois parece duas estátuas, um ao lado do outro.

Não tem química, não tem entrosamento, não tem desejo de um pelo outro fazer o cônjuge sentir se desejado é um ato de caridade.

Na medida em que os anos vão passando, a manutenção dessa entrega, dessa disposição requer muito mais renúncia, muito mais sacrifício. Então, muitas vezes você talvez quisesse ficar um tempo sozinho com seus pensamentos, encucado, mas aí você vai e dá atenção. Então você não tinha vontade nenhuma de trocar algum afago. Mas é justamente nesse momento que você vai fazer o sacrifício de um abraço, de um beijo, de um eu te amo, de uma manifestação de cuidado, de atenção.

Nem sempre isso vai sair de maneira espontânea, mas a espontaneidade será algo sacrificada. Ou seja, não é um negócio que é feito à revelia da vontade, mas é a vontade que se empenha a fazer algo que de repente, não sairia de maneira tão espontânea assim. São sacrifícios, pequenos atos de entrega, pequenos atos de renúncia que nos ajudam e que nos questionam e que nos fazem pensar será que eu não posso viver o amor conjugal de uma maneira um pouco mais ativa, de uma maneira um pouco mais engajada?

Será que não estou o meu casamento descuidado? Será que ele não está se tornando um casamento, assim como uma sala largada à qual eu não dou atenção? Quanto eu estou me empenhando de fato para que essa relação seja interessante, seja íntima, seja amorosa? Eu preciso me fazer essas perguntas e isso vai a detalhes muito simples, como por exemplo Será que o meu tom de voz não podia ser um pouco mais afetuoso, menos instigante, menos irritado?

Será que eu não poderia ter atitudes um pouco mais proativas, vivas, que causassem uma resposta positiva do meu cônjuge? Enfim, tudo isso significa que cada um precisa tomar o casamento como seu. Esse casamento é meu. Eu quero levar essa pessoa que está comigo a sério. Eu vou amando a pra valer. Para construir um relacionamento não apenas duradouro, mas com maiores chances de realização mútua.

Repito, tudo isso exige virtude e virtude. Se exercita contrariando um pouco as tendências naturais e os movimentos espontâneos da nossa vontade. Era isso que eu tinha para compartilhar com vocês hoje.

Publicado em Playlists
Domingo, 03 Março 2024 08:46

Humanae vitae (1968)

CARTA ENCÍCLICA
HUMANAE VITAE

DE SUA SANTIDADE PAPA PAULO VI AOS VENERÁVEIS IRMÃOS PATRIARCAS, ARCEBISPOS, BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA, AO CLERO E AOS FIÉIS DE TODO O MUNDO CATÓLICO E TAMBÉM A TODOS OS HOMENS DE BOA VONTADE

SOBRE A REGULAÇÃO DA NATALIDADE

Veneráveis Irmãos e diletos filhos,

A transmissão da vida

1. O gravíssimo dever de transmitir a vida humana, pelo qual os esposos são os colaboradores livres e responsáveis de Deus Criador, foi sempre para eles fonte de grandes alegrias, se bem que, algumas vezes, acompanhadas de não poucas dificuldades e angústias.

Em todos os tempos o cumprimento deste dever pôs à consciência dos cônjuges sérios problemas; mas, mais recentemente, com o desenvolver-se da sociedade, produziram-se modificações tais, que fazem aparecer questões novas que a Igreja não podia ignorar, tratando-se de matéria que tão de perto diz respeito à vida e à felicidade dos homens.

I. ASPECTOS NOVOS DO PROBLEMA E COMPETÊNCIA DO MAGISTÉRIO

Visão nova do problema

2. As mudanças que se verificaram foram efetivamente notáveis e de vários gêneros. Trata-se, antes de mais, do rápido desenvolvimento demográfico. Muitos são os que manifestam o receio de que a população mundial cresça mais rapidamente do que os recursos à sua disposição, com crescente angústia de tantas famílias e de povos em vias de desenvolvimento. De tal modo que é grande a tentação das Autoridades de contrapor a este perigo medidas radicais. Depois, as condições de trabalho e de habitação, do mesmo modo que as novas exigências, tanto no campo econômico como no da educação, não raro tornam hoje difícil manter convenientemente um número elevado de filhos.

Assiste-se também a uma mudança, tanto na maneira de considerar a pessoa da mulher e o seu lugar na sociedade, quanto no considerar o valor a atribuir ao amor conjugal no matrimônio, como ainda no apreço a dar ao significado dos atos conjugais, em relação com este amor.

Finalmente, deve-se sobretudo considerar que o homem fez progressos admiráveis no domínio e na organização racional das forças da natureza, de tal maneira que tende a tornar extensivo esse domínio ao seu próprio ser global: ao corpo, à vida psíquica, à vida social e até mesmo às leis que regulam a transmissão da vida.

3. O novo estado de coisas faz surgir novos quesitos. Assim, dadas as condições da vida hodierna e dado o significado que têm as relações conjugais para a harmonia entre os esposos e para a sua fidelidade mútua, não estaria indicada uma revisão das normas éticas vigentes até agora, sobretudo se se tem em consideração que elas não podem ser observadas sem sacrifícios, por vezes heróicos?

Mais ainda: estendendo o chamado "princípio de totalidade" a este campo, não se poderia admitir que a intenção de uma fecundidade menos exuberante, mas mais racionalizada, transforma a intervenção materialmente esterilizaste num sensato e legítimo controle dos nascimentos? Por outras palavras, não se poderia admitir que a fecundidade procriadora pertence ao conjunto da vida conjugal, mais do que a cada um dos seus atos? Pergunta-se também, se, dado o sentido de responsabilidade mais desenvolvido do homem moderno, não chegou para ele o momento de confiar à sua razão e à sua vontade, mais do que aos ritmos biológicos do seu organismo, a tarefa de transmitir a vida.

A competência do Magistério

4. Tais problemas exigiam do Magistério da Igreja uma reflexão nova e aprofundada sobre os princípios da doutrina moral do matrimônio: doutrina fundada sobre a lei natural, iluminada e enriquecida pela Revelação divina.

Nenhum fiel quererá negar que compete ao Magistério da Igreja interpretar também a lei moral natural. É incontestável, na verdade, como declararam muitas vezes os nossos predecessores, [1] que Jesus Cristo, ao comunicar a Pedro e aos Apóstolos a sua autoridade divina e ao enviá-los a ensinar a todos os povos os seus mandamentos, [2] os constituía guardas e intérpretes autênticos de toda a lei moral, ou seja, não só da lei evangélica, como também da natural, dado que ela é igualmente expressão da vontade divina e que a sua observância é do mesmo modo necessária para a salvação. [3]

Em conformidade com esta sua missão, a Igreja apresentou sempre, e mais amplamente em tempos recentes, um ensino coerente, tanto acerca da natureza do matrimônio, como acerca do reto uso dos direitos conjugais e acerca dos deveres dos cônjuges.[4]

Estudos especiais

5. A consciência desta mesma missão levou-nos a confirmar e a ampliar a Comissão de Estudo, que o nosso predecessor, de venerável memória, João XXIII tinha constituído, em março de 1963. Esta Comissão, que incluía também alguns casais de esposos, além de muitos estudiosos das várias matérias pertinentes, tinha por finalidade: primeiro, recolher opiniões sobre os novos problemas respeitantes à vida conjugal e, em particular, à regulação da natalidade; e depois, fornecer os elementos oportunos de informação, para que o Magistério pudesse dar uma resposta adequada à expectativa não só dos fiéis, mas mesmo da opinião pública mundial. [5]

Os trabalhos destes peritos, assim como os pareceres e os conselhos que se lhes vieram juntar, enviados espontaneamente ou adrede solicitados, de bom número dos nossos irmãos no episcopado, permitiram-nos ponderar melhor todos os aspectos deste assunto complexo. Por isso, do fundo do coração, exprimimos a todos o nosso vivo reconhecimento.

A resposta do Magistério

6. As conclusões a que tinha chegado a Comissão não podiam, contudo, ser consideradas por nós como definitivas, nem dispensar-nos de um exame pessoal do grave problema; até mesmo porque, no seio da própria Comissão, não se tinha chegado a um pleno acordo de juízos, acerca das normas morais que se deviam propor e, sobretudo, porque tinham aflorado alguns critérios de soluções que se afastavam da doutrina moral sobre o matrimônio, proposta com firmeza constante, pelo Magistério da Igreja.

Por isso, depois de termos examinado atentamente a documentação que nos foi preparada, depois de aturada reflexão e de insistentes orações, é nossa intenção agora, em virtude do mandato que nos foi confiado por Cristo, dar a nossa resposta a estes graves problemas.

II. PRINCÍPIOS DOUTRINAIS

Uma visão global do homem

7. O problema da natalidade, como de resto qualquer outro problema que diga respeito à vida humana, deve ser considerado numa perspectiva que transcenda as vistas parciais - sejam elas de ordem biológica, psicológica, demográfica ou sociológica - à luz da visão integral do homem e da sua vocação, não só natural e terrena, mas também sobrenatural e eterna. E, porque na tentativa de justificar os métodos artificiais de limitação dos nascimentos, houve muito quem fizesse apelo para as exigências, tanto do amor conjugal como de uma "paternidade responsável", convém precisar bem a verdadeira concepção destas duas grandes realidades da vida matrimonial, atendo-nos principalmente a tudo aquilo que, a este propósito, foi recentemente exposto, de forma altamente autorizada, pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes.

O amor conjugal

8. O amor conjugal exprime a sua verdadeira natureza e nobreza, quando se considera na sua fonte suprema, Deus que é Amor [6], "o Pai, do qual toda a paternidade nos céus e na terra toma o nome".[7]

O matrimônio não é, portanto, fruto do acaso, ou produto de forças naturais inconscientes: é uma instituição sapiente do Criador, para realizar na humanidade o seu desígnio de amor. Mediante a doação pessoal recíproca, que lhes é própria e exclusiva, os esposos tendem para a comunhão dos seus seres, em vista de um aperfeiçoamento mútuo pessoal, para colaborarem com Deus na geração e educação de novas vidas.

Depois, para os batizados, o matrimônio reveste a dignidade de sinal sacramental da graça, enquanto representa a união de Cristo com a Igreja.

AS CARACTERÍSTICAS DO AMOR CONJUGAL

9. Nesta luz aparecem-nos claramente as notas características do amor conjugal, acerca das quais é da máxima importância ter uma idéia exata.

É, antes de mais, um amor plenamente humano, quer dizer, ao mesmo tempo espiritual e sensível. Não é, portanto, um simples ímpeto do instinto ou do sentimento; mas é também, e principalmente, ato da vontade livre, destinado a manter-se e a crescer, mediante as alegrias e as dores da vida cotidiana, de tal modo que os esposos se tornem um só coração e uma só alma e alcancem juntos a sua perfeição humana.

É depois, um amor total, quer dizer, uma forma muito especial de amizade pessoal, em que os esposos generosamente compartilham todas as coisas, sem reservas indevidas e sem cálculos egoístas. Quem ama verdadeiramente o próprio consorte, não o ama somente por aquilo que dele recebe, mas por ele mesmo, por poder enriquecê-lo com o dom de si próprio.

É, ainda, amor fiel e exclusivo, até à morte. Assim o concebem, efetivamente, o esposo e a esposa no dia em que assumem, livremente e com plena consciência, o compromisso do vínculo matrimonial. Fidelidade que por vezes pode ser difícil; mas que é sempre nobre e meritória, ninguém o pode negar. O exemplo de tantos esposos, através dos séculos, demonstra não só que ela é consentânea com a natureza do matrimônio, mas que é dela, como de fonte, que flui uma felicidade íntima e duradoura.

É, finalmente, amor fecundo que não se esgota na comunhão entre os cônjuges, mas que está destinado a continuar-se, suscitando novas vidas. "O matrimônio e o amor conjugal estão por si mesmos ordenados para a procriação e educação dos filhos. Sem dúvida, os filhos são o dom mais excelente do matrimônio e contribuem grandemente para o bem dos pais". [8]

10. Sendo assim, o amor conjugal requer nos esposos uma consciência da sua missão de "paternidade responsável", sobre a qual hoje tanto se insiste, e justificadamente, e que deve também ser compreendida com exatidão. De fato, ela deve ser considerada sob diversos aspectos legítimos e ligados entre si.

Em relação com os processos biológicos, paternidade responsável significa conhecimento e respeito pelas suas funções: a inteligência descobre, no poder de dar a vida, leis biológicas que fazem parte da pessoa humana [9].

Em relação às tendências do instinto e das paixões, a paternidade responsável significa o necessário domínio que a razão e a vontade devem exercer sobre elas.

Em relação às condições físicas, econômicas, psicológicas e sociais, a paternidade responsável exerce-se tanto com a deliberação ponderada e generosa de fazer crescer uma família numerosa, como com a decisão, tomada por motivos graves e com respeito pela lei moral, de evitar temporariamente, ou mesmo por tempo indeterminado, um novo nascimento.

Paternidade responsável comporta ainda, e principalmente, uma relação mais profunda com a ordem moral objetiva, estabelecida por Deus, de que a consciência reta é intérprete fiel. O exercício responsável da paternidade implica, portanto, que os cônjuges reconheçam plenamente os próprios deveres, para com Deus, para consigo próprios, para com a família e para com a sociedade, numa justa hierarquia de valores.

Na missão de transmitir a vida, eles não são, portanto, livres para procederem a seu próprio bel-prazer, como se pudessem determinar, de maneira absolutamente autônoma, as vias honestas a seguir, mas devem, sim, conformar o seu agir com a intenção criadora de Deus, expressa na própria natureza do matrimônio e dos seus atos e manifestada pelo ensino constante da Igreja [10].

Respeitar a natureza e a finalidade do ato matrimonial

11. Estes atos, com os quais os esposos se unem em casta intimidade e através dos quais se transmite a vida humana, são, como recordou o recente Concílio, "honestos e dignos" [11]; e não deixam de ser legítimos se, por causas independentes da vontade dos cônjuges, se prevê que vão ser infecundos, pois que permanecem destinados a exprimir e a consolidar a sua união. De fato, como o atesta a experiência, não se segue sempre uma nova vida a cada um dos atos conjugais. Deus dispôs com sabedoria leis e ritmos naturais de fecundidade, que já por si mesmos distanciam o suceder-se dos nascimentos. Mas, chamando a atenção dos homens para a observância das normas da lei natural, interpretada pela sua doutrina constante, a Igreja ensina que qualquer ato matrimonial deve permanecer aberto à transmissão da vida [12].

Inseparáveis os dois aspectos: união e procriação

12. Esta doutrina, muitas vezes exposta pelo Magistério, está fundada sobre a conexão inseparável que Deus quis e que o homem não pode alterar por sua iniciativa, entre os dois significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado procriador.

Na verdade, pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher. Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal conserva integralmente o sentido de amor mútuo e verdadeiro e a sua ordenação para a altíssima vocação do homem para a paternidade. Nós pensamos que os homens do nosso tempo estão particularmente em condições de apreender o caráter profundamente razoável e humano deste princípio fundamental.

Fidelidade ao desígnio divino

13. Em boa verdade, justamente se faz notar que um ato conjugal imposto ao próprio cônjuge, sem consideração pelas suas condições e pelos seus desejos legítimos, não é um verdadeiro ato de amor e nega, por isso mesmo, uma exigência da reta ordem moral, nas relações entre os esposos. Assim, quem refletir bem, deverá reconhecer de igual modo que um ato de amor recíproco, que prejudique a disponibilidade para transmitir a vida que Deus Criador de todas as coisas nele inseriu segundo leis particulares, está em contradição com o desígnio constitutivo do casamento e com a vontade do Autor da vida humana. Usar deste dom divino, destruindo o seu significado e a sua finalidade, ainda que só parcialmente, é estar em contradição com a natureza do homem, bem como com a da mulher e da sua relação mais íntima; e, por conseguinte, é estar em contradição com o plano de Deus e com a sua vontade. Pelo contrário, usufruir do dom do amor conjugal, respeitando as leis do processo generativo, significa reconhecer-se não árbitros das fontes da vida humana, mas tão somente administradores dos desígnios estabelecidos pelo Criador. De fato, assim como o homem não tem um domínio ilimitado sobre o próprio corpo em geral, também o não tem, com particular razão, sobre as suas faculdades geradoras enquanto tais, por motivo da sua ordenação intrínseca para suscitar a vida, da qual Deus é princípio. "A vida humana é sagrada, recordava João XXIII; desde o seu alvorecer compromete diretamente a ação criadora de Deus" [13].

Vias ilícitas para a regulação dos nascimentos

14. Em conformidade com estes pontos essenciais da visão humana e cristã do matrimônio, devemos, uma vez mais, declarar que é absolutamente de excluir, como via legítima para a regulação dos nascimentos, a interrupção direta do processo generativo já iniciado, e, sobretudo, o aborto querido diretamente e procurado, mesmo por razões terapêuticas [14].

É de excluir de igual modo, como o Magistério da Igreja repetidamente declarou, a esterilização direta, quer perpétua quer temporária, tanto do homem como da mulher.[15]

É, ainda, de excluir toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação [16].

Não se podem invocar, como razões válidas, para a justificação dos atos conjugais tornados intencionalmente infecundos, o mal menor, ou o fato de que tais atos constituiriam um todo com os atos fecundos, que foram realizados ou que depois se sucederam, e que, portanto, compartilhariam da única e idêntica bondade moral dos mesmos. Na verdade, se é lícito, algumas vezes, tolerar o mal menor para evitar um mal maior, ou para promover um bem superior [17], nunca é lícito, nem sequer por razões gravíssimas, fazer o mal, para que daí provenha o bem [18]; isto é, ter como objeto de um ato positivo da vontade aquilo que é intrinsecamente desordenado e, portanto, indigno da pessoa humana, mesmo se for praticado com intenção de salvaguardar ou promover bens individuais, familiares, ou sociais. É um erro, por conseguinte, pensar que um ato conjugal, tornado voluntariamente infecundo, e por isso intrinsecamente desonesto, possa ser coonestado pelo conjunto de uma vida conjugal fecunda.

Liceidade dos meios terapêuticos

15. A Igreja, por outro lado, não considera ilícito o recurso aos meios terapêuticos, verdadeiramente necessários para curar doenças do organismo, ainda que daí venha a resultar um impedimento, mesmo previsto, à procriação, desde que tal impedimento não seja, por motivo nenhum, querido diretamente. [19]

Liceidade do recurso aos períodos infecundos

16. Contra estes ensinamentos da Igreja, sobre a moral conjugal, objeta-se hoje, como já fizemos notar mais acima (n. 3), que é prerrogativa da inteligência humana dominar as energias proporcionadas pela natureza irracional e orientá-las para um fim conforme com o bem do homem. Ora, sendo assim, perguntam-se alguns, se atualmente não será talvez razoável em muitas circunstâncias recorrer à regulação artificial dos nascimentos, uma vez que, com isso, se obtém a harmonia e a tranqüilidade da família e melhores condições para a educação dos filhos já nascidos. A este quesito é necessário responder com clareza: a Igreja é a primeira a elogiar e a recomendar a intervenção da inteligência, numa obra que tão de perto associa a criatura racional com o seu Criador; mas, afirma também que isso se deve fazer respeitando sempre a ordem estabelecida por Deus.

Se, portanto, existem motivos sérios para distanciar os nascimentos, que derivem ou das condições físicas ou psicológicas dos cônjuges, ou de circunstâncias exteriores, a Igreja ensina que então é lícito ter em conta os ritmos naturais imanentes às funções geradoras, para usar do matrimônio só nos períodos infecundos e, deste modo, regular a natalidade, sem ofender os princípios morais que acabamos de recordar [20].

A Igreja é coerente consigo própria, quando assim considera lícito o recurso aos períodos infecundos, ao mesmo tempo que condena sempre como ilícito o uso dos meios diretamente contrários à fecundação, mesmo que tal uso seja inspirado em razões que podem aparecer honestas e sérias. Na realidade, entre os dois casos existe uma diferença essencial: no primeiro, os cônjuges usufruem legitimamente de uma disposição natural; enquanto que no segundo, eles impedem o desenvolvimento dos processos naturais. É verdade que em ambos os casos os cônjuges estão de acordo na vontade positiva de evitar a prole, por razões plausíveis, procurando ter a segurança de que ela não virá; mas, é verdade também que, somente no primeiro caso eles sabem renunciar ao uso do matrimônio nos períodos fecundos, quando, por motivos justos, a procriação não é desejável, dele usando depois nos períodos agenésicos, como manifestação de afeto e como salvaguarda da fidelidade mútua.

Procedendo assim, eles dão prova de amor verdadeira e integralmente honesto.

Graves conseqüências dos métodos de regulação artificial da natalidade

17. Os homens retos poderão convencer-se ainda mais da fundamentação da doutrina da Igreja neste campo, se quiserem refletir nas conseqüências dos métodos da regulação artificial da natalidade. Considerem, antes de mais, o caminho amplo e fácil que tais métodos abririam à infïdelidade conjugal e à degradação da moralidade. Não é preciso ter muita experiência para conhecer a fraqueza humana e para compreender que os homens - os jovens especialmente, tão vulneráveis neste ponto - precisam de estímulo para serem fiéis à lei moral e não se lhes deve proporcionar qualquer meio fácil para eles eludirem a sua observância. É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira, respeitada e amada.

Pense-se ainda seriamente na arma perigosa que se viria a pôr nas mãos de autoridades públicas, pouco preocupadas com exigências morais. Quem poderia reprovar a um governo o fato de ele aplicar à solução dos problemas da coletividade aquilo que viesse a ser reconhecido como lícito aos cônjuges para a solução de um problema familiar? Quem impediria os governantes de favorecerem e até mesmo de imporem às suas populações, se o julgassem necessário, o método de contracepção que eles reputassem mais eficaz? Deste modo, os homens, querendo evitar dificuldades individuais, familiares, ou sociais, que se verificam na observância da lei divina, acabariam por deixar à mercê da intervenção das autoridades públicas o setor mais pessoal e mais reservado da intimidade conjugal.

Portanto, se não se quer expor ao arbítrio dos homens a missão de gerar a vida, devem-se reconhecer necessariamente limites intransponíveis no domínio do homem sobre o próprio corpo e as suas funções; limites que a nenhum homem, seja ele simples cidadão privado, ou investido de autoridade, é lícito ultrapassar. E esses mesmos limites não podem ser determinados senão pelo respeito devido à integridade do organismo humano e das suas funções naturais, segundo os princípios acima recordados e segundo a reta inteligência do "princípio de totalidade", ilustrado pelo nosso predecessor Pio XII. [21]

A Igreja, garantia dos autênticos valores humanos

18. É de prever que estes ensinamentos não serão, talvez, acolhidos por todos facilmente: são muitas as vozes, amplificadas pelos meios modernos de propaganda, que estão em contraste com a da Igreja. A bem dizer a verdade, esta não se surpreende de ser, à semelhança do seu divino fundador, "objeto de contradição"; [22] mas, nem por isso ela deixa de proclamar, com humilde firmeza, a lei moral toda, tanto a natural como a evangélica.

A Igreja não foi a autora dessa lei e não pode portanto ser árbitra da mesma; mas, somente depositária e intérprete, sem nunca poder declarar lícito aquilo que o não é, pela sua íntima e imutável oposição ao verdadeiro bem comum do homem.

Ao defender a moral conjugal na sua integridade, a Igreja sabe que está contribuindo para a instauração de uma civilização verdadeiramente humana; ela compromete o homem para que este não abdique da própria responsabilidade, para submeter-se aos meios da técnica; mais, ela defende com isso a dignidade dos cônjuges. Fiel aos ensinamentos e ao exemplo do Salvador, ela mostra-se amiga sincera e desinteressada dos homens, aos quais quer ajudar, agora já, no seu itinerário terrestre, "a participarem como filhos na vida do Deus vivo, Pai de todos os homens". [23]

III. DIRETIVAS PASTORAIS

A Igreja, Mãe e Mestra

19. A nossa palavra não seria a expressão adequada do pensamento e das solicitudes da Igreja, Mãe e Mestra de todos os povos, se, depois de termos assim chamado os homens à observância e respeito da lei divina, no que se refere ao matrimônio, ela os não confortasse no caminho de uma regulação honesta da natalidade, não obstante as difíceis condições que hoje afligem as famílias e as populações. A Igreja, de fato, não pode adotar para com os homens uma atitude diferente da do Redentor: conhece as suas fraquezas, tem compaixão das multidões, acolhe os pecadores, mas não pode renunciar a ensinar a lei que na realidade é própria de uma vida humana, restituída à sua verdade originária e conduzida pelo Espírito de Deus.[24]

Possibilidade de observância da lei divina

20. A doutrina da Igreja sobre a regulação dos nascimentos, que promulga a lei divina, parecerá, aos olhos de muitos, de difícil, ou mesmo de impossível atuação. Certamente que, como todas as realidades grandiosas e benéficas, ela exige um empenho sério e muitos esforços, individuais, familiares e sociais. Mais ainda: ela não seria de fato viável sem o auxílio de Deus, que apóia e corrobora a boa vontade dos homens. Mas, para quem refletir bem, não poderá deixar de aparecer como evidente que tais esforços são nobilitantes para o homem e benéficos para a comunidade humana.

Domínio de si mesmo

21. Uma prática honesta da regulação da natalidade exige, acima de tudo, que os esposos adquiram sólidas convicções acerca dos valores da vida e da família e que tendam a alcançar um perfeito domínio de si mesmos. O domínio do instinto, mediante a razão e a vontade livre, impõe, indubitavelmente, uma ascese, para que as manifestações afetivas da vida conjugal sejam conformes com a ordem reta e, em particular, concretiza-se essa ascese na observância da continência periódica. Mas, esta disciplina, própria da pureza dos esposos, longe de ser nociva ao amor conjugal, confere-lhe pelo contrário um valor humano bem mais elevado. Requer um esforço contínuo, mas, graças ao seu benéfico influxo, os cônjuges desenvolvem integralmente a sua personalidade, enriquecendo-se de valores espirituais: ela acarreta à vida familiar frutos de serenidade e de paz e facilita a solução de outros problemas; favorece as atenções dos cônjuges, um para com o outro, ajuda-os a extirpar o egoísmo, inimigo do verdadeiro amor e enraíza-os no seu sentido de responsabilidade no cumprimento de seus deveres. Além disso, os pais adquirem com ela a capacidade de uma influência mais profunda e eficaz para educarem os filhos; as crianças e a juventude crescem numa estima exata dos valores humanos e num desenvolvimento sereno e harmônico das suas faculdades espirituais e sensitivas.

Criar um ambiente favorável à castidade

22. Queremos nesta altura chamar a atenção dos educadores e de todos aqueles que desempenham tarefas de responsabilidade em ordem ao bem comum da convivência humana, para a necessidade de criar um clima favorável à educação para a castidade, isto é, ao triunfo da liberdade sã sobre a licenciosidade, mediante o respeito da ordem moral.

Tudo aquilo que nos modernos meios de comunicação social leva à excitação dos sentidos, ao desregramento dos costumes, bem como todas as formas de pornografia ou de espetáculos licenciosos, devem suscitar a reação franca e unanime de todas as pessoas solícitas pelo progresso da civilização e pela defesa dos bens do espírito humano. Em vão se procurará justificar estas depravações, com pretensas exigências artísticas ou científicas, [25] ou tirar partido, para argumentar, da liberdade deixada neste campo por parte das autoridades públicas.

APELO AOS GOVERNANTES

23. Nós queremos dizer aos governantes, que são os principais responsáveis pelo bem comum e que dispõem de tantas possibilidades para salvaguardar os costumes morais: não permitais que se degrade a moralidade das vossas populações; não admitais que se introduzam legalmente, naquela célula fundamental que é a família, práticas contrárias à lei natural e divina. Existe uma outra via, pela qual os Poderes públicos podem e devem contribuir para a solução do problema demográfico: é a via de uma política familiar providente, de uma sábia educação das populações, que respeite a lei moral e a liberdade dos cidadãos.

Estamos absolutamente cônscios das graves dificuldades em que se encontram os Poderes públicos a este respeito, especialmente nos países em vias de desenvolvimento. Dedicamos mesmo às suas preocupações legítimas a nossa Encíclica Populorum Progressio. Mas, com o nosso predecessor João XXIII, repetimos: "...Estas dificuldades não se podem vencer recorrendo a métodos e meios que são indignos do homem e que só encontram a sua explicação num conceito estritamente materialista do mesmo homem e da vida. A verdadeira solução encontra-se somente num progresso econômico e social que respeite e fomente os genuínos valores humanos, individuais e sociais".[26] Nem se poderá, ainda, sem injustiça grave, tornar a Providência divina responsável por aquilo que, bem ao contrário, depende de menos sensatez de governo, de um insuficiente sentido da justiça social, de monopólios egoístas, ou também de reprovável indolência no enfrentar os esforços e os sacrifícios necessários para garantir a elevação do nível de vida de uma população e de todos os seus membros. [27] Que todos os poderes responsáveis, como alguns louvavelmente já vem fazendo, reavivem os seus esforços, que não se deixe de ampliar o auxílio mútuo entre todos os membros da grande família humana: é um campo ilimitado este que se abre assim à atividade das grandes organizações internacionais.

AOS HOMENS DE CIÊNCIA

24. Queremos agora exprimir o nosso encorajamento aos homens de ciência, os quais "podem dar um contributo grande para o bem do matrimônio e da família e para a paz das consciências, se se esforçarem por esclarecer mais profundamente, com estudos convergentes, as diversas condições favoráveis a uma honesta regulação da procriação humana". [28] É para desejar muito particularmente que, segundo os votos já expressos pelo nosso predecessor Pio XII, a ciência médica consiga fornecer uma base suficientemente segura para a regulação dos nascimentos, fundada na observância dos ritmos naturais. [29] Assim, os homens de ciência, e de modo especial os cientistas católicos, contribuirão para demonstrar que, como a Igreja ensina, "não pode haver contradição verdadeira entre as leis divinas que regem a transmissão da vida e as que favorecem o amor conjugal autêntico". [30]

AOS ESPOSOS CRISTÃOS

25. E agora a nossa palavra dirige-se mais diretamente aos nossos filhos, particularmente àqueles que Deus chamou para servi-lo no matrimônio. A Igreja, ao mesmo tempo que ensina as exigências imprescritíveis da lei divina, anuncia a salvação e abre, com os sacramentos, os caminhos da graça, a qual faz do homem uma nova criatura, capaz de corresponder, no amor e na verdadeira liberdade, aos desígnios do seu Criador e Salvador e de achar suave o jugo de Cristo. [31]

Os esposos cristãos, portanto, dóceis à sua voz, lembrem-se de que a sua vocação cristã, iniciada com o Batismo, se especificou ulteriormente e se reforçou com o sacramento do Matrimônio. Por ele os cônjuges são fortalecidos e como que consagrados para o cumprimento fiel dos próprios deveres e para a atuação da própria vocação para a perfeição e para o testemunho cristão próprio deles, que têm de dar frente ao mundo.[32] Foi a eles que o Senhor confiou a missão de tornarem visível aos homens a santidade e a suavidade da lei que une o amor mútuo dos esposos com a sua cooperação com o amor de Deus, autor da vida humana.

Não pretendemos, evidentemente, esconder as dificuldades, por vezes graves, inerentes à vida dos cônjuges cristãos: para eles, como para todos, de resto, "é estreita a porta e apertado o caminho que conduz à vida". [33] Mas, a esperança desta vida, precisamente, deve iluminar o seu caminho, enquanto eles corajosamente se esforçam por "viver com sabedoria, justiça e piedade no tempo presente", [34] sabendo que "a figura deste mundo passa". [35]

Os esposos, pois, envidem os esforços necessários, apoiados na fé e na esperança que "não desilude, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações, pelo Espírito que nos foi dado"; [36] implorem com oração perseverante o auxílio divino; abeirem-se, sobretudo pela Santíssima Eucaristia, da fonte de graça e da caridade. E se, porventura, o pecado vier a vencê-los, não desanimem, mas recorram com perseverança humilde à misericórdia divina, que é outorgada no sacramento da Penitência. Assim, poderão realizar a plenitude da vida conjugal, descrita pelo Apóstolo: "Maridos, amai as vossas mulheres tal como Cristo amou a Igreja (...) Os maridos devem amar as suas mulheres como os seus próprios corpos. Aquele que ama a sua mulher, ama-se a si mesmo. Porque ninguém aborreceu jamais a própria carne, mas nutre-a e cuida dela, como também Cristo o faz com a sua Igreja (...) Este mistério é grande, mas eu digo isto quanto a Cristo e à Igreja. Mas, por aquilo que vos diz respeito, cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo; a mulher, por sua vez, reverencie o seu marido".[37]

APOSTOLADO NOS LARES

26. Entre os frutos que maturam mediante um esforço generoso de fidelidade à lei divina, um dos mais preciosos é que os cônjuges mesmos, não raro, experimentam o desejo de comunicar a outros a sua experiência. Deste modo, resulta que vem inserir-se no vasto quadro da vocação dos leigos uma forma nova e importantíssima de apostolado, do semelhante, por parte do seu semelhante: são os próprios esposos que assim se tornam apóstolos e guias de outros esposos. Esta é, sem dúvida, entre tantas outras formas de apostolado, uma daquelas que hoje em dia se apresenta como sendo das mais oportunas. [38]

AOS MÉDICOS E AO PESSOAL SANITÁRIO

27. Temos em altíssima estima os médicos e os demais membros do pessoal sanitário, aos quais estão a caráter, acima de todos os outros interesses humanos, as exigências superiores da sua vocação cristã. Perseverem, pois, no propósito de promoverem, em todas as circunstâncias, as soluções inspiradas na fé e na reta razão e esforcem-se por suscitar a convicção e o respeito no seu ambiente. Considerem depois, ainda, como dever profissional próprio, o de adquirirem toda a ciência necessária, neste campo delicado, para poderem dar aos esposos, que porventura os venham consultar, aqueles conselhos sensatos e aquelas sãs diretrizes, que estes, com todo o direito, esperam deles.

AOS SACERDOTES

28. Diletos filhos sacerdotes, que por vocação sois os conselheiros e guias espirituais das pessoas e das famílias, dirigimo-nos agora a vós, com confiança. A vossa primeira tarefa - especialmente para os que ensinam a teologia moral - é expor, sem ambigüidades, os ensinamentos da Igreja acerca do matrimônio. Sede, pois, os primeiros a dar exemplo, no exercício do vosso ministério, de leal acatamento, interno e externo, do Magistério da Igreja. Tal atitude obsequiosa, bem o sabeis, é obrigatória não só em virtude das razões aduzidas, mas sobretudo por motivo da luz do Espírito Santo, da qual estão particularmente dotados os Pastores da Igreja, para ilustrarem a verdade. [39] Sabeis também que é da máxima importância, para a paz das consciências e para a unidade do povo cristão, que, tanto no campo da moral como no do dogma, todos se atenham ao Magistério da Igreja e falem a mesma linguagem. Por isso, com toda a nossa alma, vos repetimos o apelo do grande Apóstolo São Paulo: "Rogo-vos, irmãos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que digais todos o mesmo e que entre vós não haja divisões, mas que estejais todos unidos, no mesmo espírito e no mesmo parecer". [40]

29. Não minimizar em nada a doutrina salutar de Cristo é forma de caridade eminente para com as almas. Mas, isso deve andar sempre acompanhado também de paciência e de bondade, de que o mesmo Senhor deu o exemplo, ao tratar com os homens. Tendo vindo para salvar e não para julgar,[41] Ele foi intransigente com o mal, mas misericordioso para com os homens.

No meio das suas dificuldades, que os cônjuges encontrem sempre na palavra e no coração do sacerdote o eco fiel da voz e do amor do Redentor.

Falai, pois, com confiança, diletos Filhos, bem convencidos de que o Espírito de Deus, ao mesmo tempo que assiste o Magistério no propor a doutrina, ilumina também internamente os corações dos fiéis, convidando-os a prestar-lhe o seu assentimento. Ensinai aos esposos o necessário caminho da oração, preparai-os para recorrerem com freqüência e com fé aos sacramentos da Eucaristia e da Penitência, sem se deixarem jamais desencorajar pela sua fraqueza.

AOS BISPOS

30. Queridos e Veneráveis Irmãos no Episcopado, com quem compartilhamos mais de perto a solicitude pelo bem espiritual do Povo de Deus, para vós vai o nosso pensamento reverente e afetuoso, ao terminarmos esta Encíclica. A todos queremos dirigir um convite insistente. À frente dos vossos sacerdotes, vossos colaboradores, e dos vossos fiéis, trabalhai com afinco e sem tréguas na salvaguarda e na santificação do matrimônio, para que ele seja sempre e cada vez mais, vivido em toda a sua plenitude humana e cristã. Considerai esta missão como uma das vossas responsabilidades mais urgentes, na hora atual. Ela envolve, como sabeis, uma ação pastoral coordenada, em todos os campos da atividade humana, econômica, cultural e social: só uma melhoria simultânea nestes diversos setores poderá tornar, não só tolerável, mas mais fácil e serena a vida dos pais e dos filhos no seio das famílias, mais fraterna e pacífica a convivência na sociedade humana, na fidelidade aos desígnios de Deus sobre o mundo.

APELO FINAL

31. Veneráveis Irmãos, diletíssimos Filhos e vós todos, homens de boa vontade: é grandiosa a obra à qual vos chamamos, obra de educação, de progresso e de amor, assente sobre o fundamento dos ensinamentos da Igreja, dos quais o sucessor de Pedro, com os seus Irmãos no Episcopado, é depositário e intérprete. Obra grandiosa, na verdade, para o mundo e para a Igreja, temos disso a convicção íntima, visto que o homem não poderá encontrar a verdadeira felicidade, à qual aspira com todo o seu ser, senão no respeito pelas leis inscritas por Deus na sua natureza e que ele deve observar com inteligência e com amor. Sobre esta obra nós invocamos, assim como sobre todos vós, e de um modo especial sobre os esposos, a abundância das graças do Deus de santidade e de misericórdia, em penhor das quais vos damos a nossa bênção apostólica.

Dada em Roma, junto de São Pedro, na Festa de São Tiago Apóstolo, 25 de julho do ano de 1968, sexto do nosso pontificado.

PAULUS PP. VI


 Notas

[1] Cf. Pio IX, Enc. Qui Pluribus, 9 de novembro de 1846, em Pio IX P. M. Acta, I, pp. 9-10; Pio X, Enc. Singulares Quadam, 24 de setembro de 1912, em AAS 4 (1912), p. 658; Pio XI, Enc. Casti Connubii, 31 de dezembro de 1930, em AAS 22 (1930), pp. 579-581; Pio XII, Alocução Magnificate Dominum, ao Episcopado do Mundo Católico, 2 de novembro de 1954, em AAS 46 (1954), pp. 671-672; João XXIII, Enc. Mater et Magistra, l5 de maio de 1961, em AAS 53 (1961), p. 457.

[2] Cf. Mt 28,18-19.

[3] Cf. Mt 7,21.

[4] Cf. Cathechismus Romanus Concilii Tridentini, p. II, c. VIII; Leão XIII, Enc. Arcanum, 10 de fevereiro de 1880, em Acta Leonis XIII, II (1881), p. 26-29; Pio XI, Enc. Divini Illius Magistri, 31 de dezembro de 1929, em AAS 22 (1930), p. 58-61; Enc. Casti Connubii, 31 de dezembro de 1930, em AAS 22 (1930), pp. 545-546; Pio XII, Alocução à União Italiana Médico-Psicológica, São Lucas, 12 de novembro de 1944, em "Discorsi e Radiomessagi", Alocução ao Congresso da União Católica Italiana das Parteiras, 29 de outubro de 1951, em AAS 43 (1951), pp. 835-854; Alocução ao Congresso do Sodalício Fronte da Família e da Associação das famílias numerosas, 28 de novembro de 1951, em AAS 43 (1951), pp. 857-859; Alocução ao 7° Congresso da Sociedade Internacional de Hematologia, l2 de setembro de 1958, em AAS 50 (1958), p. 734-735; João XXIII, Enc. Mater et Magistra, l5 de maio de 1961, em AAS 53 (1961), pp. 446-447; Codex Iuris Canonici, can. 1067; 1068; § 1-2; Conc. Ecum. Vaticano II, Const. Past. Gaudium et Spes, nn. 47-52.

[5] Cf. Paulo VI, Alocução ao Sacro Colégio, 23 de junho de 1964, em AAS 56 (1964), p. 588; Alocução à Comissão para o Estudo dos Problemas da População, da Família e da Natalidade, 27 de março de 1965, em AAS 57 (1965), p. 388; Alocução ao Congresso Nacional da Sociedade Italiana de Obstetrícia e Ginecologia, 29 de outubro de 1966, em AAS 59 (1966), p.1168.

[6] Cf. 1 Jo 4, 8.

[7] Cf. Ef 3, 15.

[8] Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Const. Past. Gaudium et Spes, n. 50.

[9] Cf. Santo Tomás de Aquino, S. Theol., I-II, q. 94, a. 2.

[10] Cf. Const. Past. Gaudium et Spes, nn. 50 e 51.

[11] Ibid., n. 49.

[12] Cf. Pio XI, Enc. Casti Connubii, 31 de dezembro de 1930, em AAS 22 (1930), p. 560; Pio XII, em AAS 43 (1951), p. 853.

[13] Cf. João XXIII, Enc. Mater et Magistra, em AAS 53 (1961), p. 449.

[14] Cf. Cathechismus Romanus Concilii Tridentini, pág. II, c. VIII; Pio XI, Enc. Casti Connubii, em AAS 22 (1930), pp. 562-564; Pio XII, Discorsi e Radiomessaggi, VI (1944), pp. 191-192; AAS 43 (1951), pp. 842-843; pp. 859-859; João XXIII, Enc. Pacem in Terris, 11 de abril de 1963, em AAS 55 (1963), pp. 259-260; Gaudium et Spes, n. 51.

[15] Cf. Pio XI, Enc. Casti Connubii, em AAS 22 (1930), p. 565; Decreto do Santo Ofício, 22 de fevereiro de 1940; em AAS 32 (1940); p. 73; Pio XII, AAS 43 (1951), pp. 843-844; AAS 50 (1958), pp. 734-935.

[16] Cf. Cathechismus Romanus Concilii Tridentini, p. II, c. VIII; Pio XI, Enc. Casti Connubii, em AAS 22 (1930), pp. 559-561; Pio XII AAS 43 (1951), p. 843; AAS 50 (1958), pp. 734-735; João XXIII, Enc. Mater et Magistra, em AAS 53 (1961), p. 447.

[17] Cf. Pio XII, Alocução ao Congresso Nacional da União dos Juristas Católicos, 6 de dezembro de 1953, em AAS 45 (1953), pp. 798-799.

[18] Cf. Rom 3, 8.

[19] Cf. Pio XII, Alocução aos Participantes do Congresso de Associação Italiana de Urologia, de 8 de outubro de 1953, em AAS 45 (1953), pp. 674-675; AAS (1958) pp. 734-735.

[20] Cf. Pio XII, AAS 43 (1951), p. 846.

[21] Cf. AAS 45 (1953), pp. 674-675; AAS 48 (1956), pp. 461-462.

[22] Cf. Lc 2, 34.

[23] Cf. Paulo VI, Enc. Populorum Progressio, 26 de março de 1967, n. 21.

[24] Cf. Rm, cap. 8.

[25] Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Decr. Inter Mirifica sobre os Meios de Comunicação Social, nn. 6-7.

[26] Cf. Enc. Mater et Magistra, em AAS 53 (1961), p. 447.

[27] Cf. Enc. Populorum Progressio, nn. 48-55.

[28] Cf . Const. Past. Gaudium et Spes, n. 52.

[29] Cf. AAS 43 (1951), p. 859.

[30] Cf. Const. Past. Gaudium et Spes, n. 51.

[31] Cf. Mt 11, 30.

[32] Cf. Const. Past. Gaudium et Spes, n. 48; Conc. Ecum. Vaticano II, Lumen Gentium, Const. Dogm., n. 35.

[33] Mt 7, 14; Cf. Hb 12, 11.

[34] Cf. Tt 2, 12.

[35] Cf.1 Cor 7, 31.

[36] Cf. Rm 5, 5.

[37] Ef 5, 25; 28-29; 32-33.

[38] Cf. Const. Dogm. Lumen Gentium, n. 35 e 41; Const. Past. Gaudium et Spes, nn. 48-49; Conc. Ecum. Vaticano II, Decr. Apostolicam Actuositatem , n.11.

[39] Cf. Const. Dogm. Lumen Gentium, n.25.

[40] Cf. 1 Cor 1, 10.

[41] Cf. Jo 3, 17.

Publicado em Playlists
Sexta, 26 Janeiro 2024 09:07

Donum vitae (1987)

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

 INSTRUÇÃO SOBRE O RESPEITO À VIDA HUMANA NASCENTE E A DIGNIDADE DA PROCRIAÇÃO

RESPOSTA A ALGUMAS QUESTÕES ATUAIS

PREÂMBULO

A Congregação para a Doutrina da Fé foi interpelada por diversas Conferências episcopais e, individualmente, por bispos, teólogos, médicos e cientistas, acerca da conformidade com os princípios da moral católica das técnicas biomédicas que consentem intervir na fase inicial da vida do ser humano e nos próprios processos da procriação. Fruto de ampla consulta e, em particular, de uma atenta avaliação das declarações de episcopados, a presente Instrução não pretende propor novamente todo o ensinamento da Igreja acerca da dignidade da vida humana nascente e da procriação. É seu desejo oferecer, à luz da precedente doutrina do Magistério, respostas específicas às principais interrogações que se levantam a esse respeito.

A exposição está organizada do seguinte modo: uma introdução recordará os princípios fundamentais de caráter antropológico e moral necessários para uma adequada avaliação dos problemas e para a elaboração das respostas a tais questões; a primeira parte terá como tema o respeito pelo ser humano a partir do primeiro momento da sua existência; a segunda parte abordará as questões morais suscitadas pelas intervenções da técnica na procriação humana; na terceira parte serão oferecidas algumas orientações quanto às relações que sobrevêm entre lei moral e lei civil, a propósito do respeito devido aos embriões e fetos humanos,[1*] com relação à legitimidade das técnicas de procriação artificial.

INTRODUÇÃO

1. PESQUISA BIOMÉDICA E ENSINAMENTO DA IGREJA

O dom da vida que Deus Criador e Pai confiou ao homem, exige que este tome consciência do seu valor inestimável e assuma a responsabilidade do mesmo: este princípio fundamental deve ser posto no centro da reflexão, a fim de esclarecer e resolver os problemas morais suscitados pelas intervenções artificiais na vida nascente e nos processos da procriação.

Graças ao progresso das ciências biológicas e médicas, o homem pode dispor de recursos terapêuticos sempre mais eficazes, mas pode adquirir também novos poderes sobre a vida humana em seu próprio início e nos seus primeiros estágios, com consequências imprevisíveis. Hoje, diversas técnicas permitem uma intervenção não apenas para assistir mas também para dominar os processos da procriação. Tais técnicas podem consentir ao homem « tomar nas mãos o próprio destino », mas expõem-no também « à tentação de ultrapassar os limites de um domínio razoável sobre a natureza ».[1] Por mais que possam constituir um progresso a serviço do homem, elas comportam também graves riscos. Desta forma, um urgente apelo é expresso por parte de muitos, a fim de que, nas intervenções sobre a procriação, sejam salvaguardados os valores e os direitos da pessoa humana. Os pedidos de esclarecimento e de orientação provêm não apenas dos fiéis, mas também da parte de todos aqueles que, de algum modo, reconhecem que a Igreja, « perita em humanidade », [2] tem uma missão a serviço da « civilização do amor » [3] e da vida.

Não é em nome de uma particular competência no campo das ciências experimentais que o Magistério da Igreja intervém. Após ter levado em consideração os dados da pesquisa e da técnica, em virtude da própria missão evangélica e do seu dever apostólico, ele pretende propor a doutrina moral correspondente à dignidade da pessoa e à sua vocação integral, expondo os critérios de juízo moral sobre as aplicações da pesquisa científica e da técnica, particularmente naquilo que diz respeito à vida humana e aos seus inícios. Tais critérios são o respeito, a defesa e a promoção do homem, o seu « direito primário e fundamental » à vida, [4] a sua dignidade de pessoa, dotada de uma alma espiritual, de responsabilidade moral [5] e chamada à comunhão beatífica com Deus.

Também neste campo, a intervenção da Igreja se inspira no amor que ela deve ao homem, ajudando-o a reconhecer e respeitar os seus direitos e os seus deveres. Tal amor alimenta-se nas fontes da caridade de Cristo: contemplando o mistério do Verbo Encarnado, a Igreja conhece também o « mistério do homem »; [6] anunciando o Evangelho da salvação, revela ao homem a sua dignidade e convida-o a descobrir plenamente a sua verdade. Assim, a Igreja repropõe a lei divina, realizando uma obra de verdade e de libertação.

Com efeito, é por bondade — para indicar o caminho da vida — que Deus dá ao homem os seus mandamentos e a graça de observá-los; como é também por bondade — para ajudá-los a perseverar no mesmo caminho — que Deus sempre oferece a todos os homens o seu perdão. Cristo tem compaixão de nossas fraquezas: Ele é nosso Criador e nosso Redentor. Que o seu Espírito abra os ânimos ao dom da paz de Deus e à compreensão dos seus preceitos.

2. CIÊNCIA E TÉCNICA A SERVIÇO DA PESSOA HUMANA

Deus criou o homem à sua imagem e semelhança: « homem e mulher ele os criou » (Gn 1, 27), confiando-lhes a missão de « dominar a terra » (Gn 1, 28). Tanto a pesquisa científica de base como a aplicada constituem uma significativa expressão deste senhorio do homem sobre a criação. A ciência e a técnica, preciosos recursos do homem quando são postos a seu serviço e promovem o seu desenvolvimento integral em benefício de todos, não podem indicar sozinhos o sentido da existência e do progresso humano. Sendo ordenadas ao homem, de quem recebem origem e incremento, é na pessoa e em seus valores morais que vão buscar a indicação da sua finalidade e a consciência dos seus limites.

Seria, portanto, ilusório reivindicar a neutralidade moral da pesquisa científica e das suas aplicações; por outro lado, não se pode deduzir os critérios de orientação somente da eficiência técnica, da utilidade que podem trazer a alguns em prejuízo de outros ou, pior ainda, das ideologias dominantes. A ciência e a técnica, portanto, por seu próprio significado intrínseco, exigem o respeito incondicionado aos critérios fundamentais da moralidade: isto é, devem estar a serviço da pessoa humana, dos seus direitos inalienáveis e do seu bem verdadeiro e integral, segundo o plano e a vontade de Deus.[7]

O rápido desenvolvimento das descobertas tecnológicas torna mais urgente esta exigência de respeito aos critérios mencionados: sem a consciência, a ciência só pode conduzir à ruína do homem. « A nossa época, mais do que nos séculos passados, precisa desta sabedoria para que se tornem mais humanas todas as novidades descobertas pelo homem. Realmente estará em perigo a sorte futura do mundo se não surgirem homens mais sábios » [8]

3. ANTROPOLOGIA E INTERVENÇÕES NO CAMPO BIOMÉDICO

Quais critérios morais devem ser aplicados para esclarecer os problemas hoje suscitados no âmbito da biomédica? A resposta a esta pergunta supõe uma adequada concepção da natureza da pessoa humana na sua dimensão corpórea.

Com efeito, somente seguindo a sua verdadeira natureza é que a pessoa humana pode realizar-se como « totalidade unificada »: [9] ora, esta natureza é simultaneamente corporal e espiritual. Por força da sua união substancial com uma alma espiritual, o corpo humano não pode ser considerado apenas como um conjunto de tecidos, órgãos e funções, nem pode ser avaliado com o mesmo critério do corpo dos animais. Ele é parte constitutiva da pessoa que através dele se manifesta e se exprime.

A lei moral natural exprime e prescreve as finalidades, os direitos e os deveres que se fundamentam na natureza corporal e espiritual da pessoa humana. Portanto, ela não pode ser concebida como uma normatividade simplesmente biológica, mas deve ser definida como a ordem racional segundo a qual o homem é chamado pelo Criador a dirigir e regular a sua vida e os seus atos e, em particular, a usar do próprio corpo e a dele dispor.[10]

De tais princípios, pode-se tirar uma primeira conseqüência: uma intervenção no corpo humano não atinge apenas tecidos, órgãos e suas funções, mas envolve também, em diversos níveis, a própria pessoa; ela comporta, pois, um significado e uma responsabilidade morais, de modo implícito talvez, porém real. João Paulo II reafirmava-o, com vigor, à Associação médica mundial: « Toda pessoa humana, na sua singularidade irrepetível, não é constituída apenas pelo espírito mas também pelo corpo; assim, no corpo e através do corpo atinge-se a pessoa mesma, na sua realidade concreta. Respeitar a dignidade do homem comporta, por conseguinte, salvaguardar esta identidade do homem corpore et anima unus, como afirmava o Concílio Vaticano II (Const. Gaudium et Spes, n. 14, 1). É sobre a base desta visão antropológica que devem ser encontrados os critérios fundamentais para a; decisões a tomar, quando se trata de intervenções não estritamente terapêuticas, por exemplo, aquelas que visam a melhoria da condição biológica humana ».[11]

A biologia e a medicina, em suas aplicações, concorrem para o bem integral da vida humana quando vêm em auxílio da pessoa atingido pela doença e enfermidade, no respeito à sua dignidade de criatura do Deus. Nenhum biólogo ou médico pode razoavelmente pretender, por força da sua competência científica, decidir sobre a origem e o destino dos homens. Esta doutrina deve ser aplicada, de modo particular, no âmbito da sexualidade e da procriação, no qual o homem e a mulher atuam os valores fundamentais do amor e da vida.

Deus, que é amor e vida, inscreveu no homem e na mulher a vocação a uma participação especial no seu mistério de comunhão pessoa e na sua obra de Criador e Pai.[12] Por isso o matrimônio possui bens 1 valores específicos de união e de procriação que não se podem compara com os que existem nas formas inferiores de vida. Tais valores e significados de ordem pessoal determinam, do ponto de vista moral, o sentido e os limites das intervenções artificiais na procriação e na origem da vida humana. Estas intervenções não devem ser recusadas pelo fato de serem artificiais. Como tais, elas demonstram as possibilidades da arte médica. Sob o aspecto moral, porém, devem ser avaliadas com referência à dignidade da pessoa humana, chamada a realizar a vocação divina ao dom do amor e ao dom da vida.

4. CRITÉRIOS FUNDAMENTAIS PARA UM JUÍZO MORAL

Os valores fundamentais conexos com as técnicas de procriação artificial humana são dois: a vida do ser humano chamado à existência e a originalidade da sua transmissão no matrimônio. O juízo moral acerca de tais métodos de procriação artificial, portanto, deverá ser formulado em referência a estes valores.

A vida física, pela qual tem início a caminhada humana no mundo, certamente não esgota em si todo o valor da pessoa, nem representa o bem supremo do homem que é chamado à eternidade. Todavia, de certo modo, ela constitui o seu valor « fundamental », exatamente porque sobre a vida física fundamentam-se e desenvolvem-se todos os outros valores da pessoa.[13] A inviolabilidade do direito do ser humano inocente à vida « desde o momento da concepção até à morte »,[14] é um sinal e uma exigência da inviolabilidade mesma da pessoa à qual o Criador concedeu o dom da vida.

Com respeito à transmissão das outras formas de vida no universo, a transmissão da vida humana tem uma sua originalidade, que deriva da originalidade própria da pessoa humana. « A transmissão da vida humana é confiada pela natureza a um ato pessoal e consciente e, como tal, sujeito às sacrossantas leis de Deus: leis imutáveis e invioláveis que devem ser reconhecidas e observadas. É por isso que não se pode usar meios e seguir métodos que podem ser lícitos na transmissão da vida das plantas e dos animais ».[15]

Atualmente, os progressos da técnica tornaram possível uma pro-criação sexual, mediante o encontro in vitro das células germinais previamente retiradas do homem e da mulher. Mas aquilo que é tecnicamente possível não é necessariamente, por esta mera razão, admissível do ponto de vista moral. Por isso, é indispensável a reflexão racional acerca dos valores fundamentais da vida e da procriação humana, para formular o juízo moral a respeito de tais intervenções da técnica no ser humano desde os primeiros estágios do seu desenvolvimento.

5. ENSINAMENTO DO MAGISTÉRIO

Por sua vez, o Magistério da Igreja, também neste campo, oferece à razão humana a luz da Revelação: a doutrina sobre o homem, ensinada pelo Magistério, contém muitos elementos que esclarecem os problemas que aqui são enfrentados.

Desde o momento da concepção, a vida de todo ser humano deve ser respeitada de modo absoluto, porque o homem é, na terra, a única criatura que Deus « quis por si mesma »,[16] e a alma espiritual de cada um dos homens é « imediatamente criada » por Deus; [17] todo o seu ser traz a imagem do Criador. A vida humana é sagrada porque desde o seu início comporta « a ação criadora de Deus » [18] e permanece para sempre em uma relação especial com o Criador, seu único fim.[19] Somente Deus é o Senhor da vida, desde o seu início até o seu fim: ninguém, em nenhuma circunstância, pode reivindicar para si o direito de destruir diretamente um ser humano inocente.[20]

A procriação humana exige uma colaboração responsável dos esposos com o amor fecundo de Deus; [21] o dom da vida humana deve realizar-se no matrimônio, através dos atos específicos e exclusivos dos esposos, segundo as leis inscritas nas suas pessoas e na sua união.[22]

I. O RESPEITO AOS EMBRIÕES HUMANOS

 Uma reflexão atenta sobre este ensinamento do Magistério e sobre os dados da razão acima relembrados permite responder aos múltiplos problemas morais suscitados pelas intervenções técnicas no ser humano nas fases iniciais da sua vida e nos processos da sua concepção.

1. QUE RESPEITO É DEVIDO AO EMBRIÃO HUMANO, TENDO EM CONTA A SUA NATUREZA E A SUA IDENTIDADE?

O ser humano deve ser respeitado como pessoa, desde o primeiro instante da sua existência.

A atuação de procedimentos de fecundação artificial tornou possível diversas intervenções nos embriões e nos fetos humanos. As finalidades que se buscam são de vários tipos: diagnosticas e terapêuticas, científicas e comerciais. Daí surgem graves problemas. Pode-se falar de um direito à experimentação em embriões humanos com fins de pesquisa científica? Que normas ou que legislação elaborar nesta matéria? A resposta a tais problemas supõe uma reflexão aprofundada sobre a natureza e a identidade próprias — fala-se de « estatuto » — do embrião humano.

Por sua parte, no Concílio Vaticano II a Igreja propôs novamente ao homem contemporâneo a sua doutrina constante e certa segundo a qual « a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção. O aborto como o infanticídio são crimes nefandos » [23] Mais recentemente a Carta dos direitos da família, publicada pela Santa Sé, reafirmava: « A vida humana deve ser respeitada e protegida de modo absoluto, desde o momento da concepção ».[24]

Esta Congregação tem conhecimento das discussões atuais acerca do início da vida humana, da individualidade do ser humano e da identidade da pessoa humana. Ela relembra os ensinamentos contidos na Declaração sobre o aborto provocado: « A partir do momento em que o óvulo é fecundado, inaugura-se uma nova vida que não é aquela do pai ou da mãe e sim de um novo ser humano que se desenvolve por conta própria. Nunca tornar-se-á humano se já não o é desde então. A esta evidência de sempre ... a ciência genética moderna fornece preciosas confirmações. Esta demonstrou que desde o primeiro instante encontra-se fixado o programa daquilo que será este vivente: um homem, este homem-indivíduo com as suas notas características já bem determinadas. Desde a fecundação tem início a aventura de uma vida humana, cujas grandes capacidades exigem, cada uma, tempo para organizar-se e para encontrar-se prontas a agir » [25] Esta doutrina permanece válida e, além disso, é confirmada — se isso fosse necessário — pelas recentes aquisições da biologia humana, que reconhece que no zigoto [2*] derivante da fecundação já está constituída a identidade biológica de um novo indivíduo humano.

É certo que nenhum dado experimental, por si só, pode ser suficiente para fazer reconhecer uma alma espiritual; todavia, as conclusões da ciência acerca do embrião humano fornecem uma indicação valiosa para discernir racionalmente uma presença pessoal desde esta primeira aparição de uma vida humana: como um indivíduo humano não seria pessoa humana? O Magistério não se empenhou expressamente em uma afirmação de índole filosófica, mas reafirma de maneira constante a condenação moral de qualquer aborto provocado. Este ensinamento não mudou e é imutável. [26]

O fruto da geração humana, portanto, desde o primeiro momento da sua existência, isto é, a partir da constituição do zigoto, exige o respeito incondicional que é moralmente devido ao ser humano na sua totalidade corporal e espiritual. O ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde aquele mesmo momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais, antes de tudo, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida.

Este conteúdo doutrinal oferece o critério fundamental para a solução dos diversos problemas suscitados pelo progresso das ciências biomédicas neste campo: uma vez que deve ser tratado como pessoa, o embrião também deverá ser defendido na sua integridade, tratado e curado, na medida do possível, como qualquer outro ser humano, no âmbito da assistência médica.

2. O DIAGNÓSTICO PRE-NATAL É MORALMENTE LÍCITO?

Se o diagnóstico pre-natal respeitar a vida e a integridade do embrião e do feto humano e se orientar para a sua salvaguarda ou para a sua cura individual, a resposta é afirmativa.

Com efeito, o diagnóstico pre-natal pode dar a conhecer as condições do embrião e do feto quando ainda se encontram no seio da mãe; possibilita algumas intervenções terapêuticas, médicas ou cirúrgicas com maior antecedência e mais eficazmente, ou permite a sua previsão.

Tal diagnóstico é lícito se os métodos empregados, com o consentimento dos pais devidamente informados, salvaguardarem a vida e a integridade do embrião e de sua mãe, sem fazê-los correr riscos desproporcionados.[27] Mas ele está gravemente em contraste com a lei moral quando contempla a eventualidade, dependendo dos resultados, de provocar um aborto: um diagnóstico que ateste a existência de uma deformação ou de uma doença hereditária não deve equivaler a uma sentença de morte. Por conseguinte, a mulher que solicitasse o diagnóstico com a determinada intenção de realizar o aborto caso o seu resultado confirmasse a existência de uma deformação ou anomalia, cometeria uma ação gravemente ilícita. Agiriam igualmente de modo contrário à moral o cônjuge, os parentes ou qualquer outra pessoa, que aconselhassem ou impusessem o diagnóstico à gestante, com a mesma intenção de, eventualmente, chegar ao aborto. Seria também responsável por colaboração ilícita o especialista que, ao efetuar o diagnóstico e ao comunicar o seu resultado, contribuísse voluntariamente para estabelecer ou favorecer o nexo entre diagnóstico pré-natal e aborto.

Por fim, deve-se condenar como violação do direito à vida com relação ao nascituro e como prevaricação contra os direitos e deveres prioritários dos cônjuges, uma diretriz ou programa das autoridades civis e sanitárias ou de organizações científicas que, em qualquer modo, favorecesse a conexão entre diagnóstico pre-natal e aborto ou ainda induzisse as gestantes a se submeterem ao diagnóstico pré-natal planejado com a finalidade de eliminar os fetos atingidos por deformações ou doenças hereditárias ou delas portadores.

3. AS INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS NO EMBRIÃO HUMANO SÃO LÍCITAS ?

Como para qualquer intervenção médica nos pacientes, devem ser consideradas lícitas as intervenções no embrião humano sob a condição de que respeitem a vida e a integridade do embrião, não comportem para ele riscos desproporcionados e sejam orientadas para a sua cura, para a melhoria das suas condições de saúde ou para a sua sobrevivência individual.

Qualquer que seja o tipo de terapia médica, cirúrgica ou de outro gênero, requer-se o consentimento livre e informado dos pais, segundo as regras deontológicas previstas para o caso das crianças. A aplicação deste princípio moral pode exigir cautelas delicadas e particulares, tratando-se de vida embrionária ou de fetos.

A legitimidade e os critérios de tais intervenções foram claramente expressos por João Paulo II: « Uma intervenção estritamente terapêutica que se proponha como objetivo a cura de diversas doenças, como as que se devem a defeitos cromossômicos, como regra geral deve ser considerada desejável, suposto que tenda a realizar a verdadeira promoção do bem-estar pessoal do indivíduo, sem prejudicar a sua integridade ou deteriorar as suas condições de vida. Uma tal intervenção, de fato, insere-se na lógica da tradição moral cristã »[28] .

4. COMO JULGAR MORALMENTE A PESQUISA E A EXPERIMENTAÇÃO [3*] COM EMBRIÕES E FETOS HUMANOS?

A pesquisa médica deve abster-se de intervenções em embriões vivos, a menos que haja a certeza moral de não causar dano nem à vida nem à integridade do nascituro e da mãe e contanto que os pais tenham consentido na intervenção, de modo livre e informado. Disso segue-se que qualquer pesquisa, ainda que limitada à mera observação do embrião, tornar-se-ia ilícita sempre que, por causa dos métodos empregados ou pelos efeitos produzidos, implicasse um risco para a integridade física ou para a vida do embrião.

No que diz respeito à experimentação, pressuposta a distinção geral entre a que tem finalidade não diretamente terapêutica e aquela claramente terapêutica para o sujeito mesmo, no caso concreto deve-se distinguir também entre a experimentação exercida em embriões ainda vivos e a que é levada a cabo com embriões mortos. Se estão vivos, viáveis ou não, eles devem ser respeitados como todas as pessoas humanas; a experimentação não diretamente terapêutica com embriões é ilícita. [29]

Nenhuma finalidade, ainda que nobre em si mesma, como a previsão de utilidade para a ciência, para outros seres humanos ou para a sociedade, pode, de modo algum, justificar a experimentação em embriões ou fetos humanos vivos, viáveis ou não, no seio materno ou fora dele. O consentimento informado, normalmente exigido para a experimentação clínica com o adulto, não pode ser concedido pelos pais, que não podem dispor nem da integridade física nem da vida do nascituro. Por outro lado, a experimentação em embriões e fetos comporta sempre o risco e até mesmo, na maioria das vezes, a previsão certa de um dano à sua integridade física, quando não da sua morte.

Usar o embrião humano ou o feto como objeto ou instrumento de experimentação representa um delito contra a sua dignidade de ser humano que tem direito ao mesmo respeito devido à criança já nascida e a toda pessoa humana. A Carta dos direitos da família, publicada pela Santa Sé, afirma: « O respeito pela dignidade do ser humano exclui qualquer forma de manipulação experimental ou exploração do embrião humano ».[30] A prática de se manter em vida embriões humanos, in vivo ou in vitro, para fins experimentais ou comerciais, é absolutamente contrária à dignidade humana.

No caso da experimentação claramente terapêutica, isto é, desde que se trate de terapias experimentais, empregadas em benefício do próprio embrião, com o fim de salvar-lhe a vida em uma tentativa extrema e na falta de outras terapias válidas, pode ser lícito o recurso a remédios ou procedimentos ainda não plenamente convalidados.[31]

Os cadáveres de embriões ou fetos humanos, voluntariamente abortados ou não, devem ser respeitados como os restos mortais dos outros seres humanos. De modo particular, não podem ser objeto de multilação ou autópsia se a sua morte não for assegurada e sem o consentimento dos pais ou da mãe. Além disso, deve-se sempre salvaguardar a exigência moral de que não tenha havido nenhuma cumplicidade com o aborto voluntário e que seja evitado o perigo de escândalo. Também no caso de fetos mortos, como no que diz respeito aos cadáveres de pessoas adultas, qualquer prática comercial deve ser considerada ilícita e deve ser proibida.

5. COMO JULGAR MORALMENTE O USO PARA FINS DE PESQUISA DOS EMBRIÕES OBTIDOS MEDIANTE A FECUNDAÇÃO IN VITRO?

Os embriões humanos obtidos in vitro são seres humanos e sujeitos de direito: a sua dignidade e o seu direito à vida devem ser respeitados desde o primeiro momento da sua existência. É imoral produzir embriões humanos destinados a serem usados como « material biológico » disponível.

Na prática habitual da fecudação in vitro, nem todos os embriões são transferidos para o corpo da mulher; alguns são destruídos. Assim como condena o aborto provocado, a Igreja proibe também o atentado contra a vida destes seres humanos. É necessário denunciar a particular gravidade da destruição voluntária dos embriões humanos obtidos in vitro, unicamente para fins de pesquisa, seja mediante fecundação artificial como por « fissão gemelar ». Agindo de tal forma, o pesquisador toma o lugar de Deus e, mesmo se não é consciente disso, faz-se senhor do destino de outrem, uma vez que escolhe arbitrariamente quem fazer viver e quem mandar à morte, suprimindo seres humanos indefesos.

Os métodos de observação e de experimentação que causam dano ou impõem riscos graves e desproporcionados aos embriões obtidos in vitro são moralmente ilícitos pelos mesmos motivos. Cada ser humano deve ser respeitado em si mesmo e não pode ser reduzido a mero e simples valor instrumental em proveito de outrem. Por isso não é conforme à moral expor deliberadamente à morte embriões humanos obtidos in vitro. Pelo fato de serem produzidos in vitro, estes embriões não transferidos para o corpo da mãe e denominados « excedentes », permanecem expostos a uma sorte absurda, sem possibilidade de que lhes sejam oferecidas vias seguras de sobrevivência a serem buscadas licitamente.

6. QUE JULGAMENTO DEVE SER FEITO ACERCA DOS OUTROS PROCEDIMENTOS DE MANIPULAÇÃO DE EMBRIÕES, LIGADOS ÀS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO HUMANA?

As técnicas de fecundação in vitro podem abrir possibilidade a outras formas de manipulação biológica ou genética dos embriões humanos, tais como as tentativas ou projetos de fecundação entre gametas humanos e animais e de gestação de embriões humanos em úteros de animais bem como a hipótese ou projeto de construção de úteros artificiais para o embrião humano. Estes procedimentos são contrários à dignidade de ser humano própria do embrião e, ao mesmo tempo, lesam o direito de cada pessoa a ser concebida e a nascer no matrimônio e pelo matrimônio.[32] Também as tentativas ou hipóteses destinadas a obter um ser humano sem conexão alguma com a sexualidade, mediante « fissão gemelar », clonagem ou parto gênese, devem ser consideradas contrárias à moral por se oporem à dignidade tanto da procriação humana como da união conjugal.

O próprio congelamento dos embriões, mesmo se executado para assegurar uma conservação em vida do embrião — crioconservação — constitui uma ofensa ao respeito devido aos seres humanos, uma vez que os expõe a graves riscos de morte ou de dano à sua integridade física, priva-os ao menos temporariamente da acolhida e da gestação maternas, pondo-os em uma situação suscetível de ulteriores ofensas e manipulações.

Algumas tentativas de intervenção no patrimônio cromossômico ou genético não são terapêuticas, mas visam produzir seres humanos selecionados segundo o sexo ou outras qualidades pré-estabelecidas. Estas manipulações são contrárias à dignidade pessoal do ser humano, à sua integridade e à sua identidade. De forma alguma, pois, podem ser justificadas em vista de eventuais consequências benéficas para a humanidade futura.[33] Cada pessoa deve ser respeitada por si mesma: nisso consiste a dignidade e o direito de todo ser humano, desde o seu princípio.

II. INTERVENÇÕES NA PROCRIAÇÃO HUMANA

Por « procriação artificial » ou « fecundação artificial » entende-se aqui os diversos procedimentos técnicos que visam obter uma concepção humana de maneira diversa da união sexual do homem e da mulher. A Instrução trata de fecundação de um óvulo em proveta (fecundação in vitro) e da inseminação artificial mediante a transferência, nas vias genitais da mulher, do esperma previamente recolhido.

Um ponto preliminar para o juízo moral acerca de tais técnicas é constituído pela consideração das circunstâncias e das conseqüências que elas comportam em relação ao respeito devido ao embrião humano. A consolidação da prática da fecundação in vitro exigiu inúmeras fecundações e destruições de embriões humanos. Ainda hoje, pressupõe habitualmente uma hiperovulação da mulher: vários óvulos são extraídos, fecundados e, a seguir, cultivados in vitro por alguns dias. Normalmente, nem todos são inoculados nas vias genitais da mulher; alguns embriões, comumente chamados « excedentes », são destruídos ou congelados. Entre os embriões implantados, às vezes alguns são sacrificados por diversas razões eugênicas, econômicas ou psicológicas. Tal destruição voluntária de seres humanos ou a sua utilização para diversos fins, em detrimento da sua integridade e da sua vida, é contrária à doutrina já recordada, a propósito do aborto provocado.

Freqüentemente verifica-se uma relação entre fecundação in vitro e eliminação voluntária de embriões humanos. Isso é significativo: com esta maneira de proceder, de finalidades aparentemente opostas, a vida e a morte acabam submetidas às decisões do homem que, dessa forma, vem a se constituir doador arbitrário de vida ou de morte. Esta dinâmica de violência e de domínio pode permanecer despercebida por parte daqueles mesmos que, querendo utilizá-la, a ela se sujeitam. Um juízo moral acerca do FIVET (fecundação in vitro e transferência do embrião) deve levar em consideração os dados de fato aqui recordados e a fria lógica que os liga: a mentalidade abortista que o tornou possível, conduz assim, inevitavelmente, ao domínio por parte do homem sobre a vida e a morte dos seus semelhantes, que pode levar a uma eugenia radical.

No entanto, abusos deste tipo não eximem de uma aprofundada e ulterior reflexão ética acerca das técnicas de procriação artificial consideradas em si mesmas, abstração feita, tanto quanto possível, da destruição dos embriões produzidos in vitro.

A presente Instrução, portanto, levará em consideração, em primeiro lugar, os problemas suscitados pela fecundação artificial heteróloga (II, 1-3),[4*] e, sucessivamente, os problemas conexos com a fecundação artificial homóloga (II, 4-6)[5*] .

Antes de formular o julgamento ético sobre cada uma delas, serão considerados os princípios e valores que determinam a avaliação moral de cada um destes procedimentos.

A. FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA

1. POR QUE A PROCRIAÇÃO HUMANA DEVE DAR-SE NO MATRIMÔNIO?

Todo ser humano deve ser acolhido como um dom e uma bênção de Deus. Todavia, do ponto de vista moral, uma procriação verdadeiramente responsável com relação ao nascituro, deve ser fruto do matrimônio.

Com efeito, a procriação humana possui características específicas, por força da dignidade pessoal dos pais e dos filhos: a procriação de uma nova pessoa, mediante a qual o homem e a mulher colaboram com a potência do Criador, deverá ser fruto e sinal da mútua doação pessoal dos esposos, do seu amor e da sua fidelidade. [34] A fidelidade dos esposos, na unidade do matrimônio, comporta o respeito recíproco do seu direito a se tornarem pai e mãe somente através um do outro.

O filho tem direito a ser concebido, levado no seio, posto no mundo e educado no matrimônio: é através da referência segura e reconhecida aos próprios pais que ele pode descobrir a própria identidade e amadurecer a própria formação humana.

Os pais encontram no filho uma confirmação e um complemento da sua doação recíproca: ele é a imagem viva do seu amor, o sinal permanente da sua união conjugal, a síntese vivente e indissolúvel da sua dimensão paterna e materna. [35]

Por força da vocação e das responsabilidades sociais da pessoa, o bem dos filhos e dos pais contribui para o bem da sociedade civil; a vitalidade e o equilíbrio da sociedade exigem que os filhos venham ao mundo no seio de uma família e que esta seja estavelmente fundada no matrimônio.

A tradição da Igreja e a reflexão antropológica reconhecem no matrimônio e na sua unidade indissolúvel o único lugar digno de uma procriação verdadeiramente responsável.

2. A FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA É CONFORME COM A DIGNIDADE DOS ESPOSOS E A VERDADE DO MATRIMÔNIO?

Através do FIVET e da inseminação artificial heteróloga, a concepção humana é obtida mediante o encontro dos gametas de ao menos um doador diverso dos esposos que são unidos pelo matrimônio. A fecundação artificial heteróloga é contrária à unidade do matrimônio, à dignidade dos esposos, à vocação própria dos pais e ao direito do filho a ser concebido e posto no mundo no matrimônio e pelo matrimônio. [36]

O respeito à unidade do matrimônio e à fidelidade conjugal exige que o filho seja concebido no matrimônio; o liame existente entre os cônjuges atribui aos esposos, de maneira objetiva e inalienável, o direito exclusivo a se tornarem pai e mãe somente através um do outro. [37] O recurso aos gametas de uma terceira pessoa, para se ter à disposição o esperma ou o óvulo, constitui uma violação do compromisso recíproco dos esposos e uma falta grave para com aquela propriedade essencial do matrimônio, que é a sua unidade.

A fecundação artificial heteróloga lesa os direitos do filho, priva-o da relação filial com as suas origens parentais e pode obstar o amadurecimento da sua identidade pessoal. Além disso, ela constitui uma ofensa à vocação comum dos esposos que são chamados à paternidade e maternidade: priva objetivamente a fecundidade conjugal da sua unidade e da sua integridade; realiza e manifesta uma ruptura entre função parental genética, função parental de gestação e responsabilidade educativa. Tal alteração das relações pessoais dentro da família repercute na sociedade civil: aquilo que ameaça a unidade e a estabilidade da família é fonte de dissensão, de desordem e de injustiças em toda a vida social.

Estas razões levam a um juízo moral negativo acerca da fecundação artificial heteróloga: é, portanto, moralmente ilícita a fecundação de uma esposa com o esperma de um doador que não seja o seu marido e a fecundação com o esperma do marido de um óvulo que não provém da sua mulher. Além disso, a fecundação artificial de uma mulher não casada, solteira ou viúva, seja quem for o doador, não pode ser justificada moralmente.

O desejo de ter um filho e o amor entre os esposos que desejam solucionar uma esterilidade não superável de outra forma, constituem motivos que merecem compreensão; mas as intenções subjetivamente boas não tornam a fecundação artificial heteróloga nem conforme com as propriedades objetivas e inalienáveis do matrimônio nem respeitosa dos direitos do filho e dos esposos.

3. A MATERNIDADE « SUBSTITUTIVA » [6*] É MORALMENTE LÍCITA?

Não, pelas mesmas razões que levam a recusar a fecundação artificial heteróloga: com efeito, ela é contrária à unidade do matrimônio e à dignidade da procriação da pessoa humana.

A maternidade substitutiva representa uma falta objetiva contra as obrigações do amor materno, da fidelidade conjugal e da maternidade responsável; ofende a dignidade e o direito do filho a ser concebido, levado no seio, posto no mundo e educado pelos próprios pais; em prejuízo da família, instaura uma divisão entre os elementos físicos, psíquicos e morais que a constituem.

B. FECUNDAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA

Declarada inaceitável a fecundação artificial heteróloga, pergunta-se como avaliar moralmente os procedimentos de fecundação artificial homóloga: FIVET e inseminação artificial entre esposos. Preliminarmente ocorre esclarecer uma questão de princípio.

4. DO PONTO DE VISTA MORAL, QUE LIAME (VÍNCULO) É EXIGIDO ENTRE PROCRIAÇÃO E ATO CONJUGAL?

a) O ensinamento da Igreja acerca do matrimônio e da procriação humana afirma « a conexão indivisível, que Deus quis e o homem não pode romper, entre os dois significados do ato conjugal: o significado unitivo e o procriador. Com efeito, o ato conjugal, por sua estrutura íntima, enquanto une os esposos com um vínculo profundíssimo, torna-os aptos para o geração de novas vidas, segundo leis inscritas no ser mesmo do homem e da mulher ». [38] Este princípio, fundamentado na natureza do matrimônio e na íntima conexão dos seus bens, comporta conseqüências bem conhecidas no plano da paternidade e maternidade responsáveis. « Salvaguardando ambos os aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal conserva integralmente o sentido do verdadeiro amor mútuo e a sua ordenação à altíssima vocação do homem para a paternidade ». [39]

A mesma doutrina relativa ao liame existente entre os significados do ato conjugal e entre os bens do matrimônio, esclarece o problema moral da fecundação artificial homóloga, uma vez que « nunca é permitido separar estes aspectos diversos, a ponto de excluir positivamente ou a intenção procriadora ou a relação conjugal ». [40]

A contracepção priva intencionalmente o ato conjugal da sua abertura à procriação e, dessa forma, realiza uma dissociação voluntária das finalidades do matrimônio. A fecundação artificial homóloga, buscando uma procriação que não é fruto de um específico ato de união conjugal, realiza objetivamente uma separação análoga entre os bens e os significados do matrimônio.

Portanto, a fecundação é querida licitamente quando é o termo de um « ato conjugal de per si apto para a geração da prole, ao qual, por sua natureza, se ordena o matrimônio, e com o qual os cônjuges se tornam uma só carne ».[41] Mas do ponto de vista moral a procriação é privada da sua perfeição própria quando não é querida como o fruto do ato conjugal, isto é, do gesto específico da união dos esposos.

b) O valor moral do íntimo liame existente entre os bens do matrimônio e entre os significados do ato conjugal funda-se na unidade do ser humano, unidade resultante do corpo e da alma espiritual. [42] Os esposos expressam reciprocamente o seu amor pessoal na « linguagem do corpo », que comporta claramente e, ao mesmo tempo, « significados esponsais » e parentais.[43] O ato conjugal, com o qual os esposos manifestam reciprocamente o dom de si, exprime simultaneamente a abertura ao dom da vida: é um ato indissoluvelmente corporal e espiritual. É em seu corpo e por meio dele que os esposos consumam o matrimônio e podem tornar-se pai e mãe. Para respeitar a linguagem dos corpos e a sua natural generosidade, a união conjugal deve acontecer no respeito pela abertura à procriação, e a procriação de uma pessoa deve ser o fruto e o termo do amor esponsal. Dessa forma, a origem do ser humano é o resultado de uma procriação « ligada à união não somente biológica mas também espiritual dos pais ligados pelo vínculo do matrimônio ».[44] Uma fecundação obtida fora do corpo dos esposos permanece privada, por isso mesmo, dos significados e valores que se exprimem na linguagem do corpo e na união das pessoas humanas.

c) Somente o respeito pelo liame existente entre os significados do ato conjugal e pela unidade do ser humano consente uma procriação conforme com a dignidade da pessoa. Na sua origem única e irrepetível, o filho deverá ser respeitado e conhecido como igual em dignidade pessoal àqueles que lhe dão a vida. A pessoa humana deve ser acolhida no gesto de união e de amor dos seus pais; a geração de um filho, por isso mesmo, deverá ser o fruto da doação recíproca, [45] que se realiza no ato conjugal, no qual os esposos cooperam com a obra do Amor Criador, como servidores e não como senhores.[46]

A origem de uma pessoa humana, na realidade, é o resultado de uma doação. O concebido deverá ser o fruto do amor dos seus pais. Não pode ser querido e concebido como o produto de uma intervenção de técnicas médicas e biológicas: isso equivaleria a reduzi-lo a se tornar objeto de uma tecnologia científica. Ninguém pode submeter a vinda ao mundo de uma criança a condições de eficiência técnica a serem avaliadas segundo parâmetros de controle e de domínio.

A relevância moral do liame existente entre os significados do ato conjugal e entre os bens do matrimônio, a unidade do ser humano e a dignidade da sua origem exigem que a procriação de uma pessoa humana deva ser buscada como o fruto do ato conjugal específico do amor entre os esposos. O nexo existente entre procriação e ato conjugal, por isso, revela-se de grande importância no plano antropológico e moral, e esclarece as posições do Magistério a propósito da fecundação artificial homóloga.

5. A FECUNDAÇÃO HOMÓLOGA IN VITRO É MORALMENTE LÍCITA?

A resposta a esta questão depende estritamente dos princípios que acabamos de recordar.

Não é possível ignorar, é certo, as legítimas aspirações dos esposos estéreis; para alguns o recurso ao FIVET homólogo aparece como o único meio de obter um filho, desejado sinceramente: pergunta-se se em tais situações a globalidade da vida conjugal não baste para assegurar a adequada dignidade da procriação humana. Reconhece-se que o FIVET certamente não pode suprir a ausência das relações conjugais [47] e não pode ser preferido aos atos específicos da união conjugal, considerados os riscos que se podem verificar para o filho e os incômodos do processo. Mas pergunta-se, na impossibilidade de remediar de outro modo a esterilidade, que é causa de sofrimento, se a fecundidade homóloga in vitro não possa constituir um auxílio, quando não uma terapia, pelo que poder-se-ia admitir a sua liceidade moral.

O desejo de um filho — ou, pelo menos, a disponibilidade para transmitir a vida — é um requisito necessário, do ponto de vista moral, para uma procriação humana responsável. Mas esta boa intenção não é suficiente para dar um juízo moral positivo acerca da fecundação in vitro entre os esposos. O processo do FIVET deve ser julgado em si mesmo e não pode tomar emprestada a sua qualificação moral definitiva nem do conjunto da vida conjugal na qual ele se inscreve, nem dos atos conjugais que o possam preceder ou seguir.[48]

Já foi recordado como nas circunstâncias em que habitualmente é praticado, o FIVET implica a destruição de seres humanos, fato esse contrário à já mencionada doutrina sobre a iliceidade do aborto. [49] Mas mesmo no caso em que se tomassem todas as cautelas para evitar a morte dos embriões humanos, o FIVET homólogo efetua a dissociação dos gestos que, pelo ato conjugal, são destinados à fecundação humana. A natureza mesma do FIVET homólogo, portanto, deverá também ser considerada, abstraindo-se o liame com o aborto provocado.

 O FIVET homólogo realiza-se fora do corpo dos cônjuges mediante gestos de terceiros, cuja competência e actividade técnica determinam o sucesso da intervenção; ele entrega a vida e a identidade do embrião ao poder dos médicos e dos biólogos e instaura um domínio da técnica sobre a origem e o destino da pessoa humana. Uma tal relação de domínio é, em si, contrária à dignidade e à igualdade que deve ser comum a pais e filhos.

A concepção in vitro é o resultado da ação técnica que preside a fecundação; ela não é nem obtida de fato, nem pretendida positivamente como a expressão e o fruto de um ato específico da união conjugal. Por isso, no FIVET homólogo, embora considerado no contexto das relações conjugais de fato existentes, a geração da pessoa humana é objetivamente privada da sua perfeição própria: isto é, a de ser o termo e o fruto de um ato conjugal no qual os esposos possam fazer-se « cooperadores de Deus para o dom da vida a uma nova pessoa ». [50]

Essas razões permitem compreender porque o ato de amor conjugal é considerado no ensinamento da Igreja como o único lugar digno da procriação humana. Pelas mesmas razões o assim chamado « caso simples », isto é, um processo de FIVET homólogo que seja livre de qualquer compromisso com a prática abortiva da destruição de embriões e com a masturbação, permanece uma técnica moralmente ilícita porque priva a procriação humana da dignidade que lhe é própria e conatural.

É certo que o FIVET homólogo não é agravado por toda aquela negatividade ética que se encontra na procriação extraconjugal; a família e o matrimônio continuam a constituir o âmbito do nascimento e da educação dos filhos. Todavia, em conformidade com a doutrina tradicional relativa aos bens do matrimônio e à dignidade da pessoa, a Igreja permanece contrária, do ponto de vista moral, à fecundação homóloga « in vitro »; esta é, em si mesma, ilícita e contrária à dignidade da procriação e da união conjugal, mesmo quando se tomam todas as providências para evitar a morte do embrião humano.

Embora não podendo ser aprovada a modalidade em que é obtida a concepção humana no FIVET, toda criança que vem ao mundo deverá, em qualquer caso, ser acolhida como um dom vivo da Bondade divina e deverá ser educada com amor.

6. COMO JULGAR DO PONTO DE VISTA MORAL A INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA?

A inseminação artificial homóloga, dentro do matrimónio, não pode ser admitida, com exceção do caso em que o meio técnico resulte não substitutivo do ato conjugal, mas se configure como uma facilitação e um auxílio para que aquele atinja a sua finalidade natural.

O ensinamento do Magistério a este propósito já foi explicitado:[51] ele não é apenas expressão de circunstâncias históricas particulares, mas se baseia na doutrina da Igreja sobre a conexão entre união conjugal e procriação, e na consideração da natureza pessoal do ato conjugal e da procriação humana. « O ato conjugal, na sua estrutura natural, é uma ação pessoal, uma cooperação simultânea e imediata dos cônjuges, a qual, pela natureza mesma dos agentes e pela propriedade do ato, é a expressão do dom recíproco que, segundo a palavra da Escritura, realiza a união "em uma só carne" ».[52] Portanto, a consciência moral « não proíbe necessariamente o uso de alguns meios artificiais destinados unicamente ou a facilitar o ato natural ou a fazer com que o ato natural, normalmente realizado, atinja o seu fim próprio ». [53] Se o meio técnico facilita o ato conjugal ou o ajuda a atingir os seus objetivos naturais, ele pode ser moralmente aceito. Sempre que, ao contrário, a intervenção se substituir ao ato conjugal, ela é moralmente ilícita.

A inseminação artificial substitutiva do ato conjugal é proibida em razão da dissociação voluntariamente exercida entre os dois significados do ato conjugal. A masturbação mediante a qual obtém-se normalmente o esperma, é um outro sinal de tal dissociação: também quando é efetuado em vista da procriação, o gesto permanece privado do seu significado unitivo: « falta-lhe ... a relação sexual exigida pela ordem moral, aquela que realiza "o sentido integral da doação mútua e da procriação humana" no contexto do verdadeiro amor ».[54]

7. QUE CRITÉRIO MORAL DEVE SER PROPOSTO A RESPEITO DA INTERVENÇÃO DO MÉDICO NA PROCRIAÇÃO HUMANA?

A ação do médico não deve ser avaliada apenas em relação com a sua dimensão técnica, mas também e sobretudo em relação com a sua finalidade, que é o bem das pessoas e a sua saúde corporal e psíquica. Os critérios morais para a intervenção médica na procriação são deduzidos da dignidade tanto das pessoas humanas, como da sua sexualidade e origem.

A medicina que queira ser ordenada ao bem integral da pessoa deve respeitar os valores especificamente humanos da sexualidade.[55] " O médico encontra-se ao serviço das pessoas e da procriação humana: não possui a faculdade de dispor delas nem de decidir a seu respeito. A intervenção médica respeita a dignidade das pessoas quando visa ajudar o ato conjugal, seja facilitando-lhe a realização plena, seja permitindo que alcance o seu fim, uma vez que tenha sido realizado normalmente. [56]

Algumas vezes, ao contrário, acontece que a intervenção médica substitui-se técnicamente ao ato conjugal, a fim de obter uma procriação que não é nem o resultado nem o fruto deste último. Em tal caso, a ação médica não se encontra, como seria seu dever, ao serviço da união conjugal, mas apropria-se da função procriadora e contradiz, dessa forma, a dignidade e os direitos inalienáveis dos esposos e do nascituro.

A humanização da medicina, hoje insistentemente pedida por todos, exige o respeito da dignidade integral da pessoa humana, em primeiro lugar no ato e no momento em que os esposos transmitem a vida a uma nova pessoa. É lógico, portanto, dirigir também um premente apelo aos médicos e pesquisadores católicos para que dêem um testemunho exemplar do respeito devido ao embrião humano e à dignidade da procriação. O pessoal médico e paramédico dos hospitais e clínicas católicos é especialmente convidado a observar as obrigações morais contratuais, muitas vezes mesmo de forma estatutária. Os responsáveis por estes hospitais e clínicas católicos e que freqüentemente são religiosos, estarão particularmente atentos em garantir e promover uma exata observância das normas morais recordadas na presente Instrução.

8. O SOFRIMENTO DA ESTERILIDADE CONJUGAL

O sofrimento dos esposos que não podem ter filhos ou que temem pôr no mundo um filho excepcional, é um sofrimento que todos devem compreender e avaliar adequadamente.

Por parte dos esposos, o desejo de um filho é natural: exprime a vocação à paternidade e à maternidade, inscrita no amor conjugal. Este desejo pode ser ainda mais forte se o casal é atingido por uma esterilidade que pareça incurável. Todavia, o matrimônio não confere aos esposos um direito a ter um filho, mas tão somente o direito a realizar aqueles atos naturais que, de per si, são ordenados à procriação. [57]

Um verdadeiro e próprio direito ao filho seria contrário à sua dignidade e à sua natureza. O filho não é algo devido e não pode ser considerado como objeto de propriedade; ele é um dom, « o maior » [58] e o mais gratuito dom do matrimônio, e é testemunho vivo da doação recíproca dos seus pais. A este título, o filho tem direito — como já se recordou — a ser o fruto do ato específico do amor conjugal dos seus pais e tem também o direito de ser respeitado como pessoa desde o momento da sua concepção.

Todavia, a esterilidade, seja qual for a sua causa e o seu prognóstico, é certamente uma dura provação. A comunidade dos fiéis é chamada a iluminar e apoiar o sofrimento daqueles que não podem realizar uma legítima aspiração à maternidade e à paternidade. Os esposos que se encontram nesta dolorosa situação são chamados a descobrir nela a oportunidade para uma particular participação na cruz do Senhor, fonte de fecundidade espiritual. Os casais estéreis não devem esquecer que « mesmo quando a procriação não é possível, nem por isso a vida conjugal perde o seu valor. Com efeito, a esterilidade física pode ser ocasião, para os esposos, de prestar outros importantes serviços à vida das pessoas humanas, tais como a adoção, as várias formas de obras educativas, o auxilio a outras famílias, às crianças pobres e excepcionais ». [59]

Muitos pesquisadores empenham-se na luta contra a esterilidade. Salvaguardando plenamente a dignidade da procriação humana, alguns chegaram a resultados que, precedentemente, pareciam inatingíveis. Os homens de ciência, portanto, devem ser encorajados a prosseguir as suas pesquisas, com o escopo de prevenir as causas da esterilidade e de poder remediá-las, de modo que os casais estéreis possam conseguir procriar, no respeito da sua dignidade pessoal e na do nascituro.

III. MORAL E LEI CIVIL

VALORES E OBRIGAÇÕES MORAIS QUE A LEGISLAÇÃO CIVIL DEVE RESPEITAR E RATIFICAR NESTA MATÉRIA

O direito inviolável à vida de todo indivíduo humano inocente, os direitos da família e da instituição matrimonial constituem valores morais fundamentais, porque dizem respeito à condição natural e à vocação integral da pessoa humana; ao mesmo tempo, são elementos constitutivos da sociedade civil e do seu ordenamento jurídico.

Por este motivo, as novas possibilidades técnicas, abertas neste campo da biomédica, exigem a intervenção das autoridades políticas e do legislador, uma vez que um recurso incontrolado a tais técnicas poderia levar a conseqüências imprevisíveis e prejudiciais para a sociedade civil. A referência à consciência de cada um e à auto-regulamentação dos pesquisadores não pode ser suficiente para o respeito dos direitos pessoais e da ordem pública. Se o legislador, responsável pelo bem-comum, abdicasse da sua vigilância, poderia vir a ser expropriado das suas prerrogativas por parte de pesquisadores que pretendessem governar a humanidade em nome das descobertas biológicas e dos presumidos processos de « melhoria » que poderiam delas derivar. A « eugenia » e as discriminações entre os seres humanos poderiam encontrar-se legitimadas. Isso constituiria uma violência e uma ofensa grave contra a igualdade, a dignidade e os direitos fundamentais da pessoa humana.

A intervenção da autoridade política deve ser inspirada nos princípios racionais que regulamentam as relações entre lei civil e lei moral. Função da lei civil é garantir o bem-comum das pessoas através do reconhecimento e defesa dos direitos fundamentais, da promoção da paz e da moralidade pública.[60] Em nenhum âmbito de vida a lei civil pode substituir-se à consciência, nem pode ditar normas naquilo que ultrapassa a sua competência; às vezes, ela deve tolerar, em vista da ordem pública, aquilo que não pode proibir sem que disso derive um dano mais grave. Todavia, os direitos inalienáveis da pessoa deverão ser reconhecidos e respeitados por parte da sociedade civil e da autoridade política: tais direitos do homem não dependem nem dos indivíduos singularmente, nem dos pais e tampouco representam uma concessão da sociedade e do Estado. Eles pertencem à natureza humana e são inerentes à pessoa por força do ato criador do qual ela se origina.

Entre estes direitos fundamentais, é necessário recordar, a este propósito: a) o direito à vida e à integridade física de todo ser humano, desde o momento da concepção até à morte; b) os direitos da família e do matrimônio como instituição e, neste âmbito, o direito, para o filho, de ser concebido, posto no mundo e educado por seus pais. Sobre cada um desses temas é necessário desenvolver aqui algumas considerações ulteriores.

Em várias nações, algumas leis autorizaram a supressão direta de inocentes: no momento em que uma lei positiva priva uma categoria de seres humanos da proteção que a legislação civil deveria conceder-lhes, o Estado nega a igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não põe a sua força ao serviço dos direitos de cada um dos cidadãos, e, particularmente, de quem é mais fraco, são ameaçados os fundamentos mesmos de um Estado de direito. Por conseguinte, a autoridade política não pode aprovar que seres humanos sejam chamados à existência mediante processos tais que os exponham aos gravíssimos riscos acima recordados. O reconhecimento eventualmente concedido pela lei positiva e pelas autoridades políticas às técnicas de transmissão artificial da vida e às experimentações conexas tornaria mais ampla a brecha aberta pela legislação do aborto.

Como conseqüência do respeito e da proteção que devem ser assegurados ao nascituro a partir do momento da sua concepção, a lei deverá prever apropriadas sanções penais para toda violação deliberada dos seus direitos. A lei não poderá tolerar — antes, deverá proibir expressamente — que seres humanos, ainda que em estágio embrionário, sejam tratados como objeto de experimentação, sejam mutilados ou destruídos, sob o pretexto de que seriam supérfluos ou incapazes de se desenvolver normalmente.

A autoridade política é obrigada a assegurar à instituição familiar, sobre a qual se baseia a sociedade, a proteção jurídica a que ela tem direito. Pelo fato mesmo de estar a serviço das pessoas, a autoridade política deverá estar também a serviço da família. A lei civil não poderá conceder a sua garantia àquelas técnicas de procriação artificial que, em benefício de terceiros (médicos, biólogos, poderes econômicos ou governamentais), subtraem aquilo que constitui um direito inerente à relação entre os esposos e, por isso, não poderá legalizar a doação de gametas entre pessoas que não estejam legitimamente unidas em matrimônio.

Além disso, a legislação deverá proibir, em razão do apoio devido à família, os bancos de embriões, a inseminação post mortem e a « maternidade substitutiva ».

Pertence aos deveres da autoridade pública agir de modo que a lei civil seja regulada pelas normas fundamentais da lei moral, naquilo que diz respeito aos direitos do homem, da vida humana e da instituição familiar. Os políticos deverão esforçar-se, através de sua intervenção junto à opinião pública, para obter na sociedade o consenso mais vasto possível acerca de tais pontos essenciais e para consolidá-lo sempre que correr o risco de enfraquecer-se ou de vir a desaparecer.

Em muitos países, a legalização do aborto e a tolerância jurídica para com os casais não unidos pelo matrimônio tornam mais difícil obter o respeito aos direitos fundamentais recordados nesta Instrução. Oxalá os Estados não assumam a responsabilidade de tornar ainda mais graves estas situações de injustiça, socialmente prejudiciais. Pelo contrário, é de se desejar que as nações e os Estados tomem consciência de todas as implicações culturais, ideológicas e políticas, ligadas às técnicas de procriação artificial e saibam encontrar a sabedoria e a coragem necessárias para emanar leis mais justas e respeitosas da vida humana e da instituição familiar.

Hoje, aos olhos de muitos, a legislação civil de numerosos Estados confere uma legitimação indevida a certas práticas; ela demonstra-se incapaz de garantir aquela moralidade que é conforme com as exigências naturais da pessoa humana e com as « leis não escritas », impressas pelo Criador no coração do homem. Todos os homens de boa vontade devem esforçar-se, especialmente no âmbito da sua profissão e no exercício dos seus direitos civis, para que sejam reformadas as leis civis moralmente inaceitáveis e corrigidas as práticas ilícitas. Além disso, deve ser incentivada e reconhecida a « objeção de consciência » em face de tais leis. Mais ainda, começa a se impor, com acuidade, à consciência moral de muitos, especialmente entre os especialistas das ciências biomédicas, a exigência em prol de uma resistência passiva à legitimação de práticas contrárias à vida e à dignidade do homem.

CONCLUSÃO

A difusão das tecnologias de intervenção nos processos da procriação humana suscita gravíssimos problemas morais com relação ao respeito devido ao ser humano desde a sua concepção e à dignidade da pessoa, bem como à da sua sexualidade e da transmissão da vida.

Com o presente documento, a Congregação para a Doutrina da Fé, cumprindo o seu dever de promover e tutelar o ensinamento da Igreja em uma matéria tão grave, dirige um novo e premente apelo a todos aqueles que, em razão da sua função e do seu empenho, podem exercer uma influência positiva para que, na família e na sociedade, seja atribuído o devido respeito à vida e ao amor: aos responsáveis pela formação das consciências e da opinião pública, aos cultores da ciência e aos profissionais da medicina, aos juristas e aos políticos. Ela augura que todos compreendam a incompatibilidade existente entre o reconhecimento da dignidade da pessoa humana e o desprezo pela vida e pelo amor, entre a fé no Deus vivo e a pretensão de querer decidir arbitrariamente sobre a origem e a sorte de um ser humano.

A Congregação para a Doutrina da Fé dirige, particularmente, um confiante apelo e um encorajamento aos teólogos e, sobretudo, aos moralistas, para que aprofundem e tornem sempre mais acessível aos fiéis o conteúdo do ensinamento do Magistério da Igreja, à luz de uma válida antropologia em matéria de sexualidade e matrimônio, no contexto da necessária abordagem interdisciplinar. Dessa forma, poder-se-á compreender sempre melhor os motivos e a validade deste ensinamento. Defendendo o homem contra os excessos do seu próprio poder, a Igreja de Deus recorda-lhe os títulos da sua verdadeira nobreza; somente assim poder-se-á assegurar à humanidade de amanhã a possibilidade de viver e de amar com aquela dignidade e liberdade que derivam do respeito pela verdade. As precisas indicações que são oferecidas na presente Instrução não pretendem, pois, paralisar o esforço de reflexão, mas antes favorecer um seu impulso renovado, na irrenunciável fidelidade à doutrina da Igreja.

À luz da verdade acerca do dom da vida humana e dos princípios morais que dela derivam, cada um é convidado a agir como o bom samaritano, no âmbito da responsabilidade que lhe é própria, e a reconhecer como seu próximo também o menor entre os filhos dos homens (cf. Lc 10, 29-37). A palavra de Cristo encontra aqui uma ressonância nova e particular: « Tudo o que fizerdes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes » (Mt 25, 40).

O Sumo Pontífice João Paulo II, no decurso da Audiência concedida ao abaixo-assinado Prefeito após a reunião plenária desta Congregação, aprovou a presente Instrução e ordenou a sua publicação.

Roma, na sede da Congregação para a Doutrina da Fé, 22 de fevereiro de 1987, Festa da Cátedra do Apóstolo São Pedro.

JOSEPH Card. RATZINGER
Prefeito

ALBERTO BOVONE
Arcebispo tit. de Cesaréia de Numídia
Secretário


Notas

[1*] Os termos « zigoto », « pre-embrião », « embrião » e « feto » podem indicar, na terminologia da biologia, estágios sucessivos do desenvolvimento de um ser humano. A presente Instrução usa livremente estes termos, atribuindo-lhes uma idêntica relevância ética, para indicar o fruto, visível ou não, da geração humana, desde o primeiro momento da sua existência até o nascimento. A razão de tal uso será esclarecida no texto (cf. I, 1).

[1] João Paulo II, Discurso aos participantes do 81. Congresso da Sociedade Italiana de Medicina Interna e do 82. Congresso da Sociedade Italiana de Cirurgia Geral, 27 de outubro de 1980: AAS 72 (1980) 1126.

[2] Paulo VI, Discurso à Assembléia Geral das Nações Unidas, 4 de outubro de 1965: AAS 57 (1965) 878; Encicl. Populorum Progressio, 13: AAS 59 (1967) 263.

[3] Paulo VI, Homilia durante a Missa de encerramento do Ano Santo, 25 de dezembro de 1975: AAS 68 (1976) 145; João Paulo II, Encicl. Dives in Misericordia, 30: AAS 72 (1980) 1224.

[4] João Paulo II, Discurso aos participantes da 35ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, 29 de outubro de 1983: AAS 76 (1984) 390.

[5] Cf. Declar. Dignitatis Humanae, 2.

[6] Const. past. Gaudium et Spes, 22; João Paulo II, Encicl. Redemptor Hominis, 8: AAS 71 (1979) 270-272.

[7] Cf. Const. past. Gaudium et Spes, 35.

[8] Const. past. Gaudium et Spes, 15; cf. também Paulo VI, Encicl. Populorum Progressio, 20: AAS 59 (1967) 267; João Paulo II, Encicl. Redemptor Hominis, 15: AAS 71 (1979) 286-289; Exort. Apost. Familiaris Consortio, 8: AAS 74 (1982) 89.

[9]  João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris Consortio, 11: AAS 74 (1982) 92.

[10] Cf. Paulo VI, Encicl. Humanae Vitae, 10: AAS 60 (1968) 487-488.

[11] João Paulo II, Discurso aos participantes da 35ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, 29 de outubro de 1983: AAS 76 (1984) 393.

[12] Cf. João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris Consortio, 11: AAS 74 (1982) 91-92 cf. também Const. Past. Gaudium et Spes, 50.

[13] Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração sobre o aborto provocado, 9: AAS 66 (1974) 736-737.

[14] João Paulo II, Discurso aos participantes da 35ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, 29 de outubro de 1983: AAS 76 (1984) 390.

[15] João XXIII, Encicl. Mater et Magistra, III: AAS 53 (1961) 447.

[16] Const. past. Gaudium et Spes, 24.

[17] Cf. Pio XII, Encicl. Humani Generis: AAS 42 (1950) 575; Paulo VI, Professio Fidei: AAS 60 (1968) 436.

[18] João XXIII, Encicl. Mater et Magistra, III: AAS 53 (1961) 447; cf. João Paulo II, Discurso aos sacerdotes participantes de um seminário de estudo sobre « A procriação responsável », 17 de setembro de 1983, Insegnamenti di Giovanni Paolo II, VI, 2 (1983) 562: « Na origem de cada pessoa humana encontra-se um ato criador de Deus: nenhum homem vem à existência por acaso; ele é sempre o termo do amor criativo de Deus ».

[19] Cf. Const. past. Gaudium et Spes, 24.

[20] Cf. Pio XII, Discurso à União Medico-Biológica « São Lucas », 12 de novembro de 1944: Discorsi e Radiomessaggi VI (1944-1945) 191-192.

[21] Cf. Const. past. Gaudium et Spes, 50.

[22] Cf. Const. past. Gaudium et Spes, 51: « Por isso a moralidade da maneira de agir, quando se trata de harmonizar o amor conjugal com a transmissão responsável da vida, não depende apenas da intenção sincera e da reta apreciação dos motivos, mas deve ser determinada segundo critérios objetivos tirados da natureza da pessoa e de seus atos, critérios esses que respeitam o sentido integral da doação mútua e da procriação humana no contexto do verdadeiro amor ».

[23] Const. past. Gaudium et Spes, 51.

[24] Santa Sé, Carta dos direitos da família, 4: L'Osservatore Romano, ed. diária, 25 de novembro de 1983.

[25] Sagrada congregação para a Doutrina da Fé, Declaração sobre o aborto provocado, 12-13: AAS 66 (1974), 738.

[2*] O zigoto é a célula resultante da fusão dos núcleos dos dois gametas.

[26] Cf. Paulo VI, Discurso aos participantes do XXIII Congresso Nacional dos juristas Católicos Italianos, 9 de dezembro de 1972: AAS 64 (1972) 777.

[27] A obrigação de evitar riscos desproporcionados comporta um autêntico respeito pelos seres humanos e a retidão das intenções terapêuticas. Ela implica que o médico « deverá avaliar atentamente, antes de tudo, as eventuais consequências negativas que o uso necessário de uma determinada técnica de pesquisa pode ter para o concebido e evitar o recurso a procedimentos diagnósticos acerca de cuja finalidade e substancial inocuidade não se tenham suficientes garantias. E se, como freqüentemente acontece nas opções humanas, um coeficiente de risco tiver de ser enfrentado, o médico deverá ter a preocupação de verificar que ele seja compensado por uma verdadeira urgência do diagnóstico e pela importância dos resultados a serem obtidos em favor do próprio concebido » (João Paulo II, Discurso aos participantes do Congresso do « Movimento pela Vida », 3 de dezembro de 1982: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, V, 3 [1982] 1512). Este esclarecimento sobre o « risco proporcionado » deve ser tido em consideração também nos passos sucessivos da presente Instrução, sempre que ocorrer esta palavra.

[28] João Paulo II, Discurso aos participantes da 35. Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, 29 de outubro de 1983: AAS 76 (1984) 392.

[3*] Uma vez que as palavras « pesquisa » e « experimentação » são usadas freqüentemente de modo equivalente e ambíguo, julga-se necessário precisar o significado que lhes é atribuído no presente documento.

1) Por pesquisa entende-se qualquer procedimento indutivo-dedutivo, que visa promover a observação sistemática de um dado fenômeno em campo humano ou verificar uma hipótese surgida de precedentes observações.

2) Por experimentação entende-se toda pesquisa na qual o ser humano (nos diversos estágios da sua existência: embrião, feto, criança ou adulto) representa o objeto mediante o qual ou no qual pretende-se verificar o efeito, por enquanto desconhecido ou ainda não de todo conhecido, de um determinado tratamento (por exemplo, farmacológico, teratogênico, cirúrgico, etc.).

[29] Cf. João Paulo II, Discurso aos participantes de um Congresso da Pontifícia Academia das Ciências, 23 de outubro de 1982: AAS 75 (1983) 37: «Condeno do modo mais explícito e formal as manipulações experimentais feitas no embrião humano, porque o ser humano, desde o momento de sua concepção até à morte, não pode ser explorado por nenhuma razão ».

[30] Santa Sé, Carta dos direitos da família, 4b: L'Osservatore Romano, ed. diária, 25 de novembro de 1983.

[31] Cf. João Paulo II, Discurso aos participantes do Congresso do « Movimento pela Vida », 3 de dezembro de 1982: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, V, 3 (1982) 1511: « E inaceitável toda forma de experimentação no feto que possa prejudicar sua integridade ou piorar-lhe as condições, a menos que se trate de uma tentativa extrema de salvá-lo da morte ». Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração sobre a eutanásia, 4: AAS 72 (1980) 550: « Na falta de outros recursos, é lícito recorrer, com o consentimento do enfermo, aos meios postos à disposição pela medicina mais avançada, mesmo que estejam em estado experimental e nem sempre sejam isentos de algum risco ».

[32] Ninguém pode reivindicar, antes de existir, um direito subjetivo a iniciar a existência; todavia, é legítimo afirmar o direito da criança a ter uma origem plenamente humana através da concepção conforme à natureza pessoal do ser humano. A vida é um dom que deve ser concedido de maneira digna tanto do sujeito que a recebe como dos que a transmitem. Este esclarecimento deve ser levado em consideração também acerca do que será afirmado a propósito da procriação artificial humana.

[33] João Paulo II, Discurso aos participantes da 35. Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, 29 de outubro de 1983: AAS 76 (1984) 391.

[4*]  Com a denominação de Fecundação ou procriação artificial heteróloga, a Instrução entende aquelas técnicas destinadas a obter artificialmente uma concepção humana, a partir de gametas provenientes de ao menos um doador diverso dos esposos que são unidos em matrimônio. Tais técnicas podem ser de dois tipos:

a) FIVET heterólogo: a técnica destinada a obter uma concepção humana através do encontro in vitro de gametas retirados de ao menos um doador diverso dos dois esposos unidos em matrimônio.

b) Inseminação artificial heteróloga: a técnica destinada a obter uma concepção humana através da transferência para as vias genitais da mulher do esperma previamente recolhido de um doador que não é o marido.

[5*] Por Fecundação ou procriação artificial homóloga a Instrução entende a técnica destinada a obter uma concepção humana a partir dos gametas de dois esposos unidos em matrimônio. A fecundação artificial homóloga pode ser realizada de duas maneiras:

a) FIVET homólogo: a técnica destinada a obter uma concepção humana mediante o encontro in vitro dos gametas dos esposos unidos em matrimônio.

b) Inseminação artificial homóloga: a técnica destinada a obter uma concepção humana mediante a transferência para as vias genitais de uma mulher casada do esperma previamente recolhido do marido.

[34] Cf. Const. past. Gaudium et Spes, 50.

[35] Cf. João Paulo II, Exort. apost. Familiaris consortio, 14: AAS 74 (1982) 96.

[36] Cf. Pio XII, Discurso aos participantes do IV Congresso Internacional dos Médicos Católicos, 29 de setembro de 1949: AAS 41 (1949) 559. Segundo o plano do Criador, «o homem abandona seu pai e sua mãe, une-se à sua mulher e os dois tornam-se urna só carne » (Gn 2, 24). A unidade do matrimônio, ligada à ordem da criação, é uma verdade acessível à razão natural. A Tradição e o Magistério da Igreja referem-se freqüentemente ao livro do Gênesis, seja diretamente como através dos trechos do Novo Testamento que a ele se referem: Mt 19, 4-6; Mc 10, 5-8; Ef 5, 31. Cf. Atenágoras, Legatio pro christianis, 33: PG 6, 965-967; S. João Crisóstomo, In Matthaeum homiliae LXII, 19, 1: PG 58, 597; S. Leão Magno, Epist. ad Rusticum, 4: PL 54, 1204; Inocêncio III, Epist. Gaudemus in Domino: DS 778; II Concílio de Lião, IV ses.: DS 860; Concílio de Trento, XXIV ses.: DS 1798. 1802; Leão XIII, Encicl. Arcanum divinae Sapientiae: AAS 12 (1879/80) 388-391; Pio XI, Encicl. Casti Connubii: AAS 22 (1930) 546-547; Concílio Vaticano II, Cost. past. Gaudium et Spes, 48; João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris consortio, 19: AAS 74 (1982) 101-102; C.I.C., an. 1056.

[37] Cf. Pio XII, Discurso aos participantes do IV Congresso Internacional dos Médicos Católicos, 29 de setembro de 1949: AAS 41 (1949) 560; Discurso às congressistas da União Católica Italiana de Obstretas, 29 de outubro de 1951: AAS 43 (1951) 850;C.I.C., cân. 1134.

[6*] Com a denominação de « mãe substitutiva » a Instrução entende indicar:

a) a mulher que mantém em gestação um embrião transplantado em seu útero e que lhe é geneticamente estranho, porque obtido mediante a união de gametas de « doadores », com o compromisso de entregar a criança, uma vez nascida, a quem encomendou ou contratou tal gestação;

b) a mulher que mantém em gestação um embrião para cuja concepção contribuiu com a doação de seu próprio óvulo, fecundado mediante inseminação com o esperma de um homem diverso de seu próprio marido, com o compromisso de entregar o filho, uma vez nascido, a quem encomendou ou contratou a gestação.

[38] Paulo VI, Encicl. Humanae vitae, 12: AAS 60 (1968) 488-489.

[39] Loc. cit.: ibid. 489.

[40] Pio XII, Discurso aos participantes do II Congresso Mundial de Nápoles sobre a fecundidade e esterilidade humanas, 19 de maio de 1956: AAS 48 (1956) 470.

[41] C.I.C., cân. 1061. Segundo este Cânon, o ato conjugal é aquele pelo qual o matrimônio é consumado se os dois esposos « entre si (o) realizaram de modo humano ».

[42] Cf. Const. past. Gaudium et Spes, 14.

[43] Cf. João PAULO II, Audiência geral, 16 de janeiro de 1980: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, III, 1 (1980) 148-152.

[44] João Paulo II, Discurso aos participantes da 35ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, 29 de outubro de 1983: AAS 76 (1984) 393.

[45] Cf. Const. past. Gaudium et Spes, 51.

[46] Cf. Const. past. Gaudium et Spes, 50.

<p [47]Cf. Pio XII, Discurso aos participantes do IV Congresso Internacional dos Médicos Católicos, 29 de setembro de 1949: AAS 41 (1949) 560: «Seria falso pensar que a possibilidade de se recorrer a este meio (fecundação artificial) possa tornar válido o matrimônio entre pessoas incapazes de contraí-lo por causa do impedimentum impotentiae ».

[48] Uma questão análoga é tratada por PAULO VI, Encicl. Humanae vitae, 14: AAS 60 (1968) 490-491.

[49] Cf. acima: I, 1 ss.

[50] João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris consortio, 14: AAS 74 (1982) 96.

[51] Cf. Resposta do Santo Ofício, 17 de março de 1897: DS 3323; Pio XII, Discurso aos participantes do IV Congresso Internacional dos Médicos católicos, 29 de setembro de 1949: AAS 41 (1949) 560; Discurso às congressistas da União Católica Italiana de Obstetras, 29 de outubro de 1951: AAS 43 (1951) 850; Discurso aos participantes do II Congresso Mundial de Nápoles sobre a fertilidade e esterilidade humanas, 19 de maio de 1956: AAS 48 (1956) 471-473; Discurso aos participantes do VII Congresso Internacional da Sociedade Internacional de Hematologia, 12 de setembro de 1958: AAS 50 (1958) 733; João XXIII, Encicl. Mater et Magistra, III: AAS 53 (1961) 447.

[52] Pio XII, Discurso às congressistas da União Católica Italiana de Obstretas, 29 de outubro de 1951: AAS 43 (1951) 850.

[53] Pio XII, Discurso aos participantes do IV Congresso Internacional dos Médicos Católicos, 29 de setembro de 1949: AAS 41 (1949) 560.

[54] Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração sobre algumas questões de ética sexual, 9: AAS 68 (1976) 86, que cita a Constituição pastoral Gaudium et Spes, n. 51; cf. Decreto do Santo Ofício, 2 de agosto de 1929: AAS 21 (1929) 490; Pio XII, Discurso aos participantes do XXVI Congresso promovido pela Sociedade Italiana de Urologia, 8 de outubro de 1953: AAS 45 (1953) 578.

[55] Cf. João XXIII, Encicl. Mater et Magistra, III: AAS 53 (1961) 447.

[56] Cf. Pio XII, Discurso aos participantes do IV Congresso Internacional dos Médicos Católicos, 29 de setembro 1949: AAS 41 (1949) 560.

[57] Cf. Pio XII, Discurso aos participantes do II Congresso Mundial de Nápoles sobre a fertilidade e a esterilidade humanas, 19 de maio de 1956: AAS 48 (1956) 471-473.

[58] Const. past. Gaudium et Spes, 50.

[59] João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris consortio, 14: AAS 74 (1982) 97.

[60] Cf. Declar. Dignitatis humanae, 7.

 

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Sexta, 12 Janeiro 2024 16:35

Persona humana (1975)

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

DECLARAÇÃO
PERSONA HUMANA

SOBRE ALGUNS PONTOS DE ÉTICA SEXUAL

1. A pessoa humana, segundo os dados da pesquisa científica contemporânea, é tão profundamente afectada pela sexualidade, que esta deve ser considerada como um dos factores que conferem à vida de cada um dos indivíduos os traços principais que a distinguem. É do sexo, efectivamente, que a pessoa humana recebe aqueles caracteres que, no plano biológico, psicológico e espiritual, a fazem homem e mulher, condicionando por isso, em grande escala, a sua consecução da maturidade e a sua inserção na sociedade. É essa a razão de as coisas referentes ao sexo, como cada um poderá facilmente verificar, nos nossos dias serem assunto frequente e abertamente tratado nos livros, nas revistas e nas publicações periódicas, bem como pelos outros meios de comunicação social.

Nestes últimos tempos, aumentou a corrupção dos costumes de que é um dos mais graves índices uma desmesurada exaltação do sexo; ao mesmo tempo, pela difusão dos meios de comunicação social e dos espectáculos, ela tem vindo a invadir o campo da educação e a infectar a mentalidade geral.

Se é verdade que, neste contexto, tem havido educadores, pedagogos ou moralistas, que puderam contribuir para fazer compreender e integrar na vida os valores próprios de um e outro sexo, outros, em contraposição, propuseram concepções e modo de comportamento contrários às verdadeiras exigências morais do ser humano, indo mesmo até ao ponto de favorecer um hedonismo licencioso.

Daqui veio como resultado que, mesmo entre os cristãos, pontos de doutrina, critérios morais e maneiras de viver, até há pouco fielmente conservados, no espaço de poucos anos foram fortemente abalados; e são em grande número hoje em dia aqueles que, perante tantas opiniões largamente difundidas em oposição com o doutrina que eles receberam da Igreja, chegam a perguntar-se o que é que devem ainda manter como verdadeiro.

2. A Igreja não pode ficar indiferente diante de uma tal confusão dos espíritos e de um semelhante relaxamento dos costumes. Trata-se, na verdade, de um problema da máxima importância para a vida pessoal dos cristãos e para a vida social do nosso tempo.[1]

Os Bispos são levados a verificar cada dia as dificuldades crescentes que experimentam os fiéis para tomar consciência da sã doutrina moral, particularmente em matéria sexual, assim como os pastores para a expor com eficácia. Eles sabem que são chamados, em virtude do seu múnus pastoral, a corresponder às necessidades dos fiéis das suas greis, pelo que se refere a este ponto bem grave; e já foram publicados importantes documentos sobre esta mesma matéria por alguns deles ou por inteiras Conferências Episcopais. Entretanto, dado que as opiniões erróneas e os desvios que delas resultam continuam a alastrar por toda a parte, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, no exercício da sua função relativamente à Igreja universal[2] e por mandato recebido do Sumo Pontífice, julgou necessário publicar a presente Declaração.

3. Os homens do nosso tempo estão cada vez mais persuadidos de que a dignidade e vocação da pessoa humana exigem que, à luz da sua própria inteligência, eles descubram os valores inscritos na sua natureza, os desenvolvam incessantemente e os tornem realidade nas suas vidas, para um progresso sempre maior.

Em matéria moral, porém, o homem não pode emitir juízos de valor segundo o seu alvedrio pessoal: « no fundo da própria consciência, o homem descobre efectivamente uma lei que ele não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer ... O homem tem no coração uma lei inscrita pelo próprio Deus; a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado ».[3]

Além disso, a nós cristãos, Deus pela sua revelação deu-nos a conhecer o seu desígnio de salvação e propôs-nos Cristo, Salvador e Santificador, com a sua doutrina e com o seu exemplo, como a Lei suprema e imutável da vida. Foi o mesmo Cristo que disse: « Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas, pelo contrário terá a luz da vida ».[4]

Não poderá haver, portanto, verdadeira promoção da dignidade do homem, senão com o respeito da ordem essencial da sua natureza. Na história da civilização, certamente, muitas condições concretas e necessidades da vida humana mudaram e continuarão a mudar ainda; mas, toda e qualquer evolução dos costumes, assim como todo e qualquer género de vida, devem ser sempre mantidos dentro dos limites que impõem os princípios imutáveis fundados nos elementos constitutivos e nas relações essenciais de toda a pessoa humana, elementos e relações que transcendem as contingências históricas.

Tais princípios fundamentais, que a razão pode apreender, acham-se contidos na « lei divina, eterna, objectiva e universal, com a qual Deus, no desígnio da sua sabedoria e amor, ordena, dirige e governa o universo inteiro e os caminhos da comunidade humana. Desta sua lei, Deus torna o homem participante, de modo que este, segundo a suave disposição da divina Providência, possa conhecer cada vez mais a verdade imutável ».[5] E esta lei divina é acessível ao nosso conhecimento.

4. É sem razão, pois, que muitos pretendem hoje em dia que, para servir de regra às acções particulares, não se pode encontrar na natureza humana nem na lei revelada outra norma absoluta e imutável senão aquela que se exprime na lei geral da caridade e do respeito pela dignidade humana. Como prova desta asserção, aduzem eles que naquilo que correntemente se designa por normas da lei natural ou preceitos da Sagrada Escritura, mais não se há-de ver do que expressões determinadas de uma forma de cultura particular num certo momento da história.

Na realidade, porém, a Revelação divina e, na sua ordem própria, a sabedoria filosófica, ao fazerem ressaltar exigências autênticas da humanidade, manifestam por isso mesmo, necessariamente, a existência de leis imutáveis inscritas nos elementos constitutivos da natureza humana e que se demonstram idênticas em todos os seres dotados de razão.

Mais ainda: Cristo instituiu a sua Igreja como « coluna e sustentáculo da verdade ».[6] Com a assistência do Espírito Santo ela conserva ininterruptamente e transmite sem erros as verdades de ordem moral, e interpreta autenticamente, não apenas a lei positiva revelada, « mas também os princípios de ordem moral que dimanam da natureza humana »[7] e que se referem ao pleno desenvolvimento e à santificação do homem. Ora, efectivamente, no decurso de toda a sua história, a Igreja manteve sempre um certo número de preceitos da lei natural como possuindo um valor absoluto e imutável, e viu na sua transgressão uma contradição com a doutrina e com o espírito do Evangelho.

5. Dado que a ética sexual, concerne a certos valores fundamentais da vida humana e da vida crista, a ela se aplica igualmente esta doutrina geral. Existem, quanto a este assunto, princípios e normas que, sem hesitações, a Igreja tem vindo a transmitir sempre no seu ensinamento, por muitos opostos que lhes tenham podido ser as opiniões e os costumes do mundo. Tais princípios e tais normas não têm, de maneira nenhuma, a sua origem num determinado tipo de cultura, mas sim no conhecimento da lei divina e da natureza humana. Não podem, portanto, ser considerados como algo caducado, nem postos em dúvida, sob o pretexto de uma nova situação cultural.

Foram esses princípios que inspiraram os conselhos e directrizes dadas pelo II Concílio do Vaticano, para uma educação e uma organização da vida social que tenha em conta a dignidade igual do homem e da mulher, com o respeito das suas diferenças.[8]

Ao falar da « sexualidade humana e do poder gerador do homem », o Concílio pôs em relevo que « eles superam de modo admirável o que se encontra nos graus inferiores da vida ».[9] Depois, aplicou-se o mesmo Concílio, particularmente, a expor os princípios e critérios que dizem respeito à sexualidade humana no matrimónio e que têm o seu fundamento na finalidade da função específica do mesmo.

Ele declara, efectivamente, quanto a este ponto, que a bondade moral dos actos próprios da vida conjugal, ordenados em conformidade com a verdadeira dignidade humana, « não depende apenas da sinceridade da intenção e da apreciação dos motivos; mas deve determinar-se também por critérios objectivos, assumidos da natureza da pessoa e dos seus actos; critérios que respeitem, num contexto de autêntico amor, o sentido da mútua doação e da procriação humana ».[10]

Estas últimas palavras resumem com brevidade a doutrina do Concílio – mais desenvolvida anteriormente na mesma Constituição[11] – sobre a finalidade do acto sexual e sobre o critério principal da sua moralidade: é o respeito pela sua finalidade que garante a tal acto a própria honestidade.

Este mesmo princípio, que a Igreja deduz da Revelação divina e da sua interpretação autêntica da lei natural, fundamenta também aquela sua doutrina tradicional, segundo a qual o uso da função sexual não tem o seu verdadeiro sentido e a sua rectidão moral senão no matrimónio legítimo.[12]

6. A presente Declaração não intenta tratar de todos os abusos da faculdade sexual, nem de tudo aquilo que implica a prática da castidade. Ela tem por objecto apenas recordar a doutrina da Igreja acerca de alguns pontos particulares, atendendo à urgente necessidade de se opor a erros graves e a maneiras de proceder aberrantes, por não poucos largamente difundidos.

7 São numerosos aqueles que em nossos dias reivindicam o direito à união sexual antes do matrimónio, pelo menos naqueles casos em que uma intenção firme de o contrair e uma afeição de algum modo já conjugal existente na psicologia de ambas as pessoas demandam esse complemento que elas reputam conatural; isso, principalmente, quando a celebração do matrimónio se acha impedida pelas circunstâncias e essa relação íntima se afigura necessária para que o amor seja conservado.

Uma tal opinião opõe-se à doutrina cristã, segundo a qual é no contexto do matrimónio que se deve situar todo o acto genital do homem. Com efeito, seja qual for o grau de firmeza de propósitos daqueles que se entregam a estas relações prematuras, permanece o facto de tais relações não permitirem garantir na sua sinceridade e na sua fidelidade a relação interpessoal de um homem e de uma mulher, e principalmente o facto de os não protegerem contra as veleidades e caprichos das paixões. Na verdade, é uma união estável aquela que Jesus quis e da qual ele restabeleceu as primigénias exigências, tendo como ponto de partida as diferenças sexuais: « Não lestes que o Criador, desde o princípio, os fez homem e mulher, e disse: – Por isso deixa d homem pai e mãe e une-se com a sua mulher e os dois formam uma só carne? – Portanto, já não são dois, mas uma só carne. Não separe, pois, o homem o que Deus uniu ».[13] São Paulo é ainda mais explícito, quando se detém a explicar que, se os celibatários e as viúvas não podem viver em continência, eles não têm outra alternativa senão optar pela união estável do matrimónio: « É melhor casar-se do que abrasar-se ».[14] Pelo matrimónio, de facto, o amor dos esposos é assumido naquele amor com que Cristo ama irrevogavelmente a Igreja,[15] ao passo que a união corporal na imoralidade [16] profana o templo do Espírito Santo que o cristão se tornou. A união carnal, por conseguinte, não é legítima se entre o homem e a mulher não se tiver instaurado, primeiro e dê maneira definitiva, uma comunidade de vida.

Foi isto o que a Igreja sempre entendeu e ensinou[17] encontrando também na reflexão ponderada dos homens e nas lições da história uma concordância profunda com a sua doutrina.

Como ensina a experiência, para que a união sexual possa corresponder verdadeiramente às exigências da sua finalidade própria e da dignidade humana, o amor tem de contar com uma salvaguarda na estabilidade do matrimónio. Tais exigências demandam um contrato conjugal sancionado e garantido pela sociedade, contrato este que instaura um estado de vida de capital importância tanto para a união exclusiva do homem e da mulher quanto para o bem da sua família e da comunidade humana. O mais das vezes, efectivamente, as relações pré-matrimoniais excluem a perspectiva da prole; o que se pretende fazer passar como um amor conjugal não poderá assim – ao passo que o deveria absolutamente – vir a desenvolver-se num amor paterno e materno. Ou então se o faz, isso será certamente com detrimento dos filhos que se verão privados de um ambiente estável, em que eles deveriam criar-se e desenvolver-se como convém e poder encontrar a via e os meios para a própria inserção na sociedade.

O consenso que se dão mutuamente as pessoas que desejam unir-se em matrimónio, portanto, deve ser manifestado exteriormente e de uma forma que o torne válido perante a sociedade. E quanto aos fiéis, é segundo as leis da Igreja que deve ser expresso o seu consentimento para a instauração de uma comunidade de vida conjugal, consentimento que fará do seu matrimónio um Sacramento de Cristo.

8. Nos nossos dias, em contradição com o ensino constante do Magistério e com o sentir moral do povo cristão, há alguns que, fundando-se em observações de ordem psicológica, chegam a julgar com indulgência, e até mesmo a desculpar completamente, as relações homossexuais em determinadas pessoas.

Eles fazem uma distinção – ao que parece não sem fundamento – entre os homossexuais cuja tendência provém de uma educação falseada, de uma falta de evolução sexual normal, de um hábito contraído, de maus exemplos ou de outras causas análogas: tratar-se-ia de uma tendência que é transitória, ou pelo menos não-incurável; e aqueles outros homossexuais que são tais definitivamente, por força de uma espécie de instinto inato ou de uma constituição patológica considerada incurável.

Ora, quanto a esta segunda categoria de sujeitos, alguns concluem que a sua tendência é de tal maneira natural que deve ser considerada como justificante, para eles, das relações homossexuais numa sincera comunhão de vida e de amor análoga ao matrimónio, na medida em que eles se sintam incapazes de suportar uma vida solitária.

Certamente, na actividade pastoral estes homossexuais assim hão-de ser acolhidos com compreensão e apoiados na esperança de superar as próprias dificuldades pessoais e a sua inadaptação social. A sua culpabilidade há-de ser julgada com prudência. No entanto, nenhum método pastoral pode ser empregado que, pelo facto de esses actos serem julgados conformes com a condição de tais pessoas, lhes venha a conceder uma justifição moral. Segundo a ordem moral objectiva, as relações homossexuais são actos destituídos da sua regra essencial e indispensável. Elas são condenadas na Sagrada Escritura como graves depravações e apresentadas aí também como uma consequência triste de uma rejeição de Deus.[18] Este juízo exarado na Escritura Sagrada não permite, porém, concluir que todos aqueles que sofrem de tal anomalia são por isso pessoalmente responsáveis; mas atesta que os actos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados e que eles não podem, em hipótese nenhuma, receber qualquer aprovação.

9. Com frequência, hoje, põe-se em dúvida ou nega-se expressamente a doutrina tradicional católica segundo a qual a masturbação constitui uma grave desordem moral. A psicologia e a sociologia, diz-se, demonstram que, sobretudo entre os jovens, ela é um fenómeno normal da evolução da sexualidade. Nisso não haveria falta real e grave senão na medida em que o sujeito cedesse deliberadamente a uma autosatisfação fechada sobre si mesma (« ipsatio » — « ipsação »), porque então nesse caso o acto seria radicalmente contrário à comunhão amorosa entre duas pessoas de sexo diferente, sendo esta, como afirmam alguns, aquilo que constitui o principal objectivo no uso da faculdade sexual.

Esta opinião contradiz a doutrina e a prática pastoral da Igreja católica. Seja qual for o valor de certos argumentos de ordem biológica ou filosófica de que se serviram algumas vezes os teólogos, de facto, tanto o Magistério da Igreja, na linha de uma tradição constante, quanto o sentir moral dos fiéis, afirmaram sem hesitações que a masturbação é um acto intrínseca e gravemente desordenado.[19] A razão principal disso é a seguinte: qualquer que seja o motivo que o determine, o uso deliberado da faculdade sexual fora das relações conjugais normais contradiz essencialmente a sua finalidade. Falta-lhe, de facto, a relação sexual requerida pela ordem moral, aquela relação que realiza « o sentido integral de uma doação recíproca e da procriação humana, num contexto de autêntico amor ».[20] É para essa relação regular que se deve reservar todo o exercício deliberado da sexualidade. Mesmo que não se possa assegurar que a Sagrada Escritura reprova este pecado sob uma designação distinta, a tradição da Igreja compreendeu com justeza que ele se achava condenado no Novo Testamento quando aí se fala da « impureza », da « impudicícia », ou de outros vícios contrários à castidade e à continência.

Os inquéritos sociológicos podem indicar a frequência dessa desordem segundo os lugares, segundo a população ou segundo as circunstâncias que eles tomam como objecto de observação; e assim anotam-se os factos. Mas os factos não constituem um critério que permita julgar o valor moral dos actos humanos.[21] A frequência do fenómeno em questão há-de, certamente, ser posta em relação com a fraqueza inata do homem, consequência do pecado original, mas igualmente com a perda do sentido de Deus, com a depravação dos costumes gerada pela comercialização do vício, com a licenciosidade desenfreada de tantos e tantos espectáculos e publicações, bem como com o menosprezo do pudor, resguardo da castidade.

Quanto a esta matéria da masturbação, a psicologia moderna oferece numerosos dados válidos e úteis para formular um juízo mais equitativo acerca da responsabilidade moral e para orientar a acção pastoral. Ajuda a ver como a imaturidade da adolescência, que às vezes pode prolongar-se para além desta idade, o desequilíbrio psíquico ou o hábito contraído podem influir sobre o comportamento, atenuando o carácter deliberado do acto, e fazer com que, subjectivamente, nele não haja sempre falta grave. Entretanto, a ausência de responsabilidade grave não se pode presumir de maneira geral; isso seria desconhecer a capacidade moral das pessoas.

No ministério pastoral deverá ser tomado em consideração, para se formar um juízo adequado nos casos concretos, o comportamento habitual das pessoas na sua totalidade, não apenas quanto à prática da caridade e da justiça, mas também quanto à preocupação por observar o preceito particular da castidade. Deverá aquilatar-se, nomeadamente, se se adoptam os meios necessários, naturais e sobrenaturais que, com a sua longa experiência, a ascética cristã recomenda para conseguir o domínio das paixões e fazer progredir na virtude.

10. O respeito pela lei moral, no campo da sexualidade, bem como a prática da castidade, não se acham pouco comprometidos, sobretudo entre os cristãos menos fervorosos, pela tendência actual para reduzir ao mínimo, se não mesmo para negar, a realidade do pecado grave, ao menos na existência concreta dos homens.

Alguns chegam mesmo ao extremo de afirmar que o pecado mortal, que separa o homem de Deus, só se verifica quando há uma rejeição formal e directamente oposta ao apelo do mesmo Deus, ou no egoísmo que, completa e deliberadamente, se fecha ao amor do próximo. Só então se daria a opção fundamental, quer dizer, aquela decisão que compromete totalmente a pessoa e que seria necessária para constituir o pecado mortal. Por ela, o homem tomaria ou ratificaria no âmago de sua personalidade uma atitude fundamental em relação a Deus ou em relação aos outros homens. As acções chamadas periféricas (das quais se diz que não comportam, em geral, uma escolha plenamente decisiva), essas, ao contrário, não chegariam até ao ponto de mudar uma opção fundamental; e isso tanto menos, observa-se ainda, quando tais acções, como sucede muitas vezes, procedem de hábitos contraídos. Deste modo, elas podem debilitar a opção fundamental, mas não mudá-la completamente. Ora, segundo estes autores, uma mudança da opção fundamental em relação a Deus verifica-se mais dificilmente no domínio da actividade sexual em que o homem, em geral, não transgride de maneira plenamente deliberada e responsável a ordem moral, mas prevalentemente sob a influência da sua paixão, da sua fraqueza, da sua imaturidade e, algumas vezes mesmo, da ilusão de testemunhar assim o seu amor para com o próximo; e a isto vem juntar-se com frequência a pressão do meio social.

Na realidade, é sem dúvida a opção fundamental que define, em última análise, a disposição moral de uma pessoa. No entanto, a opção fundamental pode ser mudada totalmente por actos particulares, sobretudo quando estes tenham sido preparados – come acontece muitas vezes – com actos anteriores mais superficiais. Em todo o caso não é verdade que um só destes actos particulares não possa ser suficiente para que haja pecado mortal.

Segundo a doutrina da Igreja, o pecado mortal que se opõe a Deus não consiste apenas na resistência formal e directa ao preceito da caridade; ele verifica-se igualmente naquela oposição ao amor autêntico que está incluída em toda a transgressão deliberada, em matéria grave, de cada uma das leis morais.

O próprio Jesus Cristo indicou o duplo mandamento do amor como fundamento da vida moral; mas deste mandamento « dependem toda a Lei e os Profetas »:[22] ele engloba, por conseguinte, todos os outros preceitos particulares. Com efeito, ao jovem rico que lhe perguntava — « Mestre, que hei-de fazer de bom para obter a vida eterna? » — Jesus respondeu: « Se queres entrar na vida eterna, observa os mandamentos ...: não matar, não cometer adultério, não roubar, não levantar falso testemunho, honra pai e mãe e ama o próximo como a ti mesmo ».[23]

O homem, portanto, peca mortalmente, não só quando ás suas acções procedem do desprezo directo do amor de Deus e do próximo, mas também quando ele, consciente e livremente, faz a escolha de um objecto gravemente desordenado, seja qual for o motivo dessa sua eleição. Nessa escolha, de facto, como se disse acima, está incluído o desprezo pelo mandamento divino: o homem aparta-se de Deus e perde a caridade. Ora bem: segundo a tradição cristã e a doutrina da Igreja, e conforme o reconhece também a recta razão, ã ordem moral da sexualidade comporta para a vida humana valores tão elevados, que toda a violação directa da mesma ordem é objectivamente grave.[24]

É verdade que nas faltas de ordem sexual, tendo em vista as suas condições especiais e as suas causas, sucede mais facilmente que não lhes seja dado plenamente um consentimento livre; o que há-de levar a proceder com cautela em todo o juízo a fazer quanto à responsabilidade subjectiva de tais faltas. É caso para recordar em particular aquelas palavras da Sagrada Escritura: « o homem olha a aparência, ao passo que Deus olha o coração ».[25] Entretanto, o recomendar esta prudência assim no ajuizar sobre a gravidade subjectiva de um acto pecaminoso particular, não equivale de maneira nenhuma a sustentar que em matéria sexual não se cometem pecados mortais.

Os pastores de almas, pois, devem dar mostras de paciência e de bondade; não lhes é permitido, porém, tornar vãos os mandamentos de Deus, nem reduzir desmedidamente a responsabilidade das pessoas: « Não minimizar em nada a doutrina salutar de Cristo é forma de caridade eminente para com as almas. Mas isso deve andar sempre acompanhado também da paciência e da bondade, de que o próprio Senhor deu o exemplo, ao tratar com os homens. Tendo vindo para salvar e não para julgar, Ele foi intransigente com o mal, mas misericordioso para com as pessoas ».[26]

11. Como ficou dito anteriormente, a presente Declaração propõe-se chamar a atenção dos fiéis, nas circunstâncias actuais, para certos erros e modos de proceder de que eles devem guardar-se. A virtude da castidade, porém, não se limita a evitar as faltas indicadas; ela tem ainda exigências positivas e mais elevadas. É uma virtude que marca toda a personalidade no seu comportamento, tanto interior como exterior.

A castidade há-de distinguir as pessoas segundo os diferentes estados de vida: umas, na virgindade ou no celibato consagrado, maneira eminente de se dedicar mais facilmente só a Deus, com um coração não dividido;[27] outras, da maneira que determina para elas a lei moral, conforme forem casados ou celibatários. Entretanto, em todo e qualquer estado de vida a castidade não se reduz a uma atitude exterior; ela deve tornar puro o coração do homem, segundo aquelas palavras de Cristo: « Ouvistes o que foi dito: "Não cometerás adultério". Eu, porém, digo-vos: — todo aquele que olhar uma mulher com mau desejo, já cometeu adultério com ela em seu coração ».[28]

A castidade está incluída naquela « continência » que São Paulo menciona entre os dons do Espírito Santo, ao mesmo tempo que condena a luxúria como um vício particularmente indigno para o cristão e que exclui do Reino de Deus.[29] « Esta é a vontade de Deus: que vos santifiqueis, que vos abstenhais da fornicação, que saiba cada um possuir o próprio corpo em santidade e em honra, sem se deixar levar por paixões desregradas, como fazem os gentios, que não conhecem a Deus; que ninguém nesta matéria use de fraude ou de violência para com o próprio irmão ... Deus, de facto, não nos chamou a viver na impureza, mas na santidade. Quem despreza estes preceitos, portanto, não despreza um homem, mas aquele Deus que também difunde o seu Espírito Santo em vós ».[30] « A fornicação e qualquer outra impureza ou baixa cobiça não sejam sequer mencionadas entre vós, como é próprio dos santos ... Porque, sabei-o bem, nenhum fornicador, ou impudico, ou avarento, que equivale a um idólatra, será herdeiro no reino de Cristo e de Deus. Que ninguém vos iluda com vãs palavras: por causa desses vícios abate-se a ira de Deus sobre os desobedientes. Não queirais, pois, acomunar-vos a eles. Em tempos, éreis trevas, mas, agora, sois luz no Senhor. Procedei, pois, como filhos da luz ».[31]

Apóstolo precisa, além disso, a razão propriamente crista para praticar a castidade, quando condena o pecado de fornicação, não somente na medida em que esta acção prejudica o próximo ou a ordem social, mas também porque o fornicador ofende a Cristo que o resgatou com o seu sangue e do qual é membro, e o Espírito Santo de quem ele é templo: « Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo?... Qualquer outro pecado que o homem cometer é exterior ao seu corpo; mas o fornicador é contra o seu próprio corpo que peca. Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós, que vos foi dado por Deus, e que vós não sois senhores de vós mesmos? Na verdade, fostes comprados a elevado preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo ».[32]

Quanto mais os fiéis compreenderem a valor da castidade e a função necessária da mesma, nas suas vidas de homens e de mulheres, tanto melhor eles captarão, por uma espécie de instinto espiritual, as exigências e os conselhos e melhor saberão aceitar e cumprir, dóceis ao ensino da Igreja, aquilo que a consciência recta lhes ditar nos casos concretos.

12. O Apóstolo São Paulo descreve com termos bem vigorosos o doloroso conflito que existe no interior do homem escravo do pecado, entre a « lei da sua razão » e « uma outra lei nos seus membros » que o retém cativo.[33] Entretanto o homem pode alcançar ser liberto do « seu corpo de morte » pela graça de Jesus Cristo.[34] Desta graça gozam os homens que ela própria justificou, aqueles mesmos que a lei do Espírito de vida em Cristo Jesus libertou da lei do pecado e da morte.[35] É por isso que o Apóstolo os incita: « Não deixeis, pois, que o pecado reine no vosso corpo mortal, de modo que obedeçais às suas concupiscências ».[36]

Esta libertação, se bem que dá a aptidão para servir numa vida nova, não suprime a concupiscência proveniente do pecado original, nem as incitações para o mal de um mundo que « está todo sob o jugo do Maligno ».[37] Assim, o Apóstolo estimula os fiéis a superar as tentações apoiados na força de Deus,[38] e a resistir às « ciladas do Demónio »[39] pela fé e pela oração vigilante[40] e por uma austeridade de vida que submeta o corpo ao serviço do Espírito.[41]

Viver a vida cristã seguindo na esteira de Cristo exige que cada um « renuncie a si mesmo e tome a sua cruz todos os dias »,[42] sustido pela esperança da recompensa: « Porque ... se morrermos com Ele, também com Ele viveremos; se perseverarmos, reinaremos com Ele ».[43]

Na linha destes convites instantes, os fiéis, também hoje, e mesmo mais do que nunca, devem empregar os meios que a Igreja sempre recomendou para levar uma vida casta: a disciplina dos sentidos e da mente, a vigilância e a prudência para evitar as ocasiões de quedas, a guarda do pudor, a moderação nas diversões, as ocupações sãs, o recurso frequente à oração e aos sacramentos da Penitência e da Eucaristia, Os jovens, sobretudo, devem ter o cuidado de fomentar a sua devoção à Imaculada Mãe de Deus e propor-se como modelo a vida dos Santos e daqueles outros fiéis cristãos, particularmente dos jovens, que se distinguiram na prática da virtude da castidade.

Importa, em particular, que todos tenham um conceito elevado da virtude da castidade, da sua beleza e da sua força de irradiação. É uma virtude que enobrece o ser humano e que capacita para um amor verdadeiro, desinteressado, generoso e respeitoso para com os outros.

13. Incumbe aos Bispos ensinar aos fiéis a doutrina moral que diz respeito à sexualidade, sejam quais forem as dificuldades que o cumprimento deste dever encontre nas ideias e nos costumes difundidos em nossos dias. Esta doutrina tradicional terá de ser aprofundada, expressa de maneira apta para esclarecer as consciências perante as novas situações criadas e enriquecida com discernimento por aquilo que pode ser dito de verdadeiro e de útil sobre o sentido e o valor de sexualidade humana. No entanto, os princípios e as normas de vida moral reafirmados na presente Declaração devem ser fielmente mantidos e ensinados. Importará, especialmente, procurar fazer com que os fiéis compreendam que a Igreja os mantém, não como inveteradas e invioláveis « tabus », nem em virtude de preconceitos maniqueus, conforme se ouve repetir muitas vezes, mas sim porque ela sabe com certeza que eles correspondem à ordem divina da criação e ao espírito de Cristo e, por conseguinte, também à dignidade humana.

Faz parte da missão dos Bispos, igualmente, velar por que nas Faculdade de Teologia e nos Seminários seja exposta uma doutrina sã, à luz da fé e sob a direcção do Magistério da Igreja. Eles devem cuidar, ainda, de que os confessores esclareçam as consciências e de que o ensino catequístico seja ministrado em perfeita fidelidade à doutrina católica.

Aos Bispos, aos sacerdotes e aos seus colaboradores compete pôr de sobreaviso os fiéis contra as opiniões erróneas frequentemente propostas em livros, em revistas e em conferências públicas.

Os pais em primeiro lugar, como também os educadores da juventude, hão-de esforçar-se por conduzir os seus filhos e os seus educandos à maturidade psicológica, afectiva e moral, em conformidade com a sua idade, por meio de uma educação integral. Para isso dar-lhes-ão uma informação prudente e adaptada à sua idade e procurarão assiduamente formar-lhes a vontade para os costumes cristãos, não só com conselhos, mas sobretudo com o exemplo da sua própria vida e mediante a ajuda de Deus que lhes alcançará a oração. E hão-de ter também o cuidado de os proteger de numerosos perigos de que os jovens não chegam a suspeitar.

Os artistas, os escritores e todos aqueles que dispõem dos meios de comunicação social devem exercitar a sua profissão de acordo com a sua fé cristã, conscientes da enorme influência que podem exercer. Hão-de ter sempre presente que « todos devem respeitar a primazia absoluta da ordem moral objectiva »[44] e que não se pode dar a preferência sobre ela a nenhum pretenso objectivo estético, a vantagens materiais ou ao êxito. Quer se trate de criações artísticas ou literárias, quer se trate de espectáculos ou de informações, cada um no seu campo próprio deve dar mostras de tacto, de discreção, de moderação e de um justo sentido dos valores. Deste modo, longe de favorecer mais ainda a licença dos costumes, hão-de contribuir para a refrear e mesmo para sanear o clima moral da sociedade.

Todos os fiéis leigos, por seu turno, em virtude do seu direito e do seu dever de apostolado, tomarão a peito trabalhar no mesmo sentido.

Finalmente, convém recordar a todos que o II Concílio do Vaticano « declara que as crianças e os adolescentes têm direito a ser estimulados a apreciar rectamente os valores morais e a prestar-lhes a sua adesão pessoal, bem como a conhecer e a amar a Deus mais perfeitamente. Por isso, pede encarecidamente a todos os que governam os povos, ou que estão à frente da educação, que providenciem a fim de que a juventude nunca se veja privada deste sagrado direito ».[1]

Em Audiência concedida ao abaixo assinado Prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, a 7 de Novembro de 1975, o Sumo Pontífice, por divina providência Papa Paulo VI, aprovou esta Declaração « sobre alguns pontos de ética sexual » confirmou-a e ordenou que a mesma fosse publicada.

Dado em Roma, na sede da Sagrada Congregação para a Doutrina de Fé, no dia 29 de Dezembro do ano de 1975.

Franjo Cardeal Seper
Prefeito

+ Jerónimo Hamer
Arcebispo titular de Lorium
Secretário


Notas

[1] Cfr. II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, n. 47: AAS 58 (1966); p. 1067.

[2] Cfr. Const. Apost. Regimini Ecclesiae Universae, de 15 de Agosto de 1967, n. 29: AAS 59 (1967), p. 897.

[3] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, n. 16: AAS 58 (1966); p. 1037.

[4] Jo. 8, 12.

[5] II Conc. Ecum. do Vaticano, Decl. sobre a Liberdade Religiosa, Dignitatis Humanae, n. 3: AAS 58 (1966); p. 931.

[6] 1 Tim. 3, 15.

[7] II Conc. Ecum. do Vaticano, Decl. sobre a Liberdade Religiosa,  Dignitatis Humanae, n. 14: AAS 58 (1966); p. 940; cfr. Pio XI, Enc. Casti Connubii, de 31 de Dezembro de 1930: AAS 22 (1930), pp. 579-580; Pio XII, Alocução de 2 de Novembro de 1954: AAS 46 (1954), pp. 671-672; João Paulo XXIII, Enc. Mater et Magistra, de .15 de Maio de 1961: AAS 53 (1961), p. 457; Paulo VI, Enc. Humanae Vitae, de 25 de Julho de 1968, n. 4: AAS 60 (1968), p. 483.

[8] Cfr. II Conc. Ecum. do Vaticano, Decl. sobre a Educação Cristã, Gravissimum Educationis, nn. 1 e 8: AAS 58 (1966); pp. 729-730; 734-736. Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, nn. 29, 60 e 67: AAS 58 (1966), pp. 1048-1049; 1080-1081; 1088-1089.

[9] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, n. 51: AAS 58 (1966), p. 1072.

[10] Ibid., cfr. também n. 49: l. c., pp. 1069-1070.

[11] Ibid., nn. 49 e 50: l. c., pp. 1069-1072.

[12] A presente Declaração não se detém longamente a expor as normas morais da vida sexual dentro do matrimónio: tais normas foram claramente ensinadas nas Encíclicas Casti Connubii e Humanae Vitae.

[13] Cfr. Mt. 19, 4-6.

[14] 1 Cor. 7, 9.

[15] Cfr. Ef. 5, 25-32.

[16] A união sexual fora do matrimónio é formalmente condenada: 1 Cor. 5, 1; 6, 9; 7, 2; 10, 8; Ef. 5, 5; 1 Tim. 1, 10; Hebr. 13, 4; e, com razões explícitas: 1 Cor. 6, 12-20.

[17] Cfr. Inocêncio IV, Ep. Sub catholicae professione, de 6 de Março de 1254: DS 835; Pio II, Propôs, damn. in Ep. Cum sicut accepimus, de 14 de Novembro de 1459: DS 1367; Decretos do Santo Ofício, de 24 de Setembro de 1665: DS 2045; de 2 de Março de 1679: DS 2148; Pio XI, Enc. Casti Connubii: AAS 22 (1930), pp. 558-559.

[18] Rom. 1, 24-27: « Por isso é que Deus os abandonou, em poder da concupiscência dos seus corações, à impureza; de maneira que eles desonram em si mesmos os próprios corpos; eles que trocaram a verdade divina pela mentira, e que adoraram e serviram à criatura de preferência ao Criador, o qual é bendito pelos séculos. Amen. Por isso é que Deus os entregou em poder das paixões ignominiosas: as suas mulheres mudaram o uso natural por relações que são contra a natureza; do mesmo modo os homens, também, deixando o uso natural da mulher, inflamaram-se na mútua concupiscência uns dos outros, praticando torpezas homens com homens. E assim receberam em si mesmos a retribuição devida pelos seus desvarios ». Veja-se ainda o que o mesmo São Paulo escreve acerca dos « masculorum concubitores » em 1 Cor. 6, 10 e 1 Tim. 1, 10.

[19] Cfr. Leão IX, Ep. Ad splendidum nitentis, no ano de 1054: DS 687-688; Decreto do Santo Ofício de 2 de Março de 1679: DS 2149; Pio XII, Alocução de 8 de Outubro de 1953: AAS 45 (1953), pp. 677-678; e Discurso de 19 de Maio de 1956: AAS 48 (1956), pp. 472-473.

[20] II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, Gaudium et Spes, n. 51: AAS 58 (1966), p. 1072.

[21] « Se os inquéritos sociológicos nos são úteis, para conhecermos melhor a mentalidade ambiente, as preocupações e as necessidades daqueles aos quais nós anunciamos a Palavra de Deus, bem como as resistências que a razão moderna lhe opõe, com o sentimento amplamente difundido de que, fora da ciência, não existiria nenhuma outra forma legítima de saber, entretanto as conclusões de tais inquéritos não poderiam constituir por si mesmas um critério determinante de verdade » (Paulo VI, Exort. Apost. Quinque iam anni, de 8 de Dezembro de 1970: AAS 63 [1971], p. 102).

[22] Mt. 22, 40.

[23] Mt. 19, 16-19.

[24] Cfr. as notas anteriores sob os nn. 17 e 19; e ainda Decreto do Santo Ofício, de 18 de Março de 1666: DS 2060; Paulo VI, Enc. Humanae Vitae, nn. 13 e 14: AAS 60 (1968), pp. 489-490.

[25] 1 Sam. 16, 7.

[26] Paulo VI, Enc. Humanae Vitae, n. 29: AAS 60 (1968), p. 501.

[27] Cfr. 1 Cor. 7, 7. 34; Conc. Ecum. de Trento, Sess. XXIV, can. 10: DS 1810; II Conc. Ecum. do Vaticano, Const. dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, nn. 42, 43-44: AAS 51 (1965), pp. 47-51; Synodus Episcoporum, De Sacerdotio ministeriali, pars II, 4: AAS 63 (1971), pp. 915-916.

[28] Mt. 5, 28.

[29] Cfr. Gál. 5, 19-23; 1 Cor. 6, 9-11.

[30] 1 Tess. 4, 3-8; cfr. Col. 3, 5-7; 1 Tim. 1, 10.

[31] Ef. 5, 3-8; cfr. 4, 18-19.

[32] 1 Cor. 6, 15. 18-19.

[33] Cfr. Rom. 7, 23.

[34] Cfr. Rom. 7, 24-25.

[35] Cfr. Rom. 8, 2.

[36] Rom. 6, 12.

[37] 1 Jo. 5, 19.

[38] Cfr. 1 Cor. 10, 13.

[39] Ef. 6, 11.

[40] Cfr. Ef. 6, 16. 18.

[41] Cfr. 1 Cor. 9, 27.

[42] Lc. 9, 23.

[43] 2 Tim. 2, 11-12.

[44] II Conc. Ecum. do Vaticano, Decr. sobre os Meios de Comunicação Social, Inter Mirifica, n. 6: AAS 56 (1964), p. 174.

[45] II Conc. Ecum. do Vaticano, Decl. sobre a Educação Cristã, Gravissimum Educationis, n. 1: AAS 58 (1966), p. 730.

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