Mostrando itens por marcador: sacramento
FC!#556 - Sobre os Sacramentos: Eucaristia (Santo Ambrósio)
1. No Antigo Testamento, os sacerdotes costumavam entrar freqüentemente na primeira tenda; na segunda tenda, porém, o sumo sacerdote entrava uma só vez por ano. É isso evidentemente que o apóstolo Paulo explica aos hebreus, acolhendo textos do Antigo Testamento. Na segunda tenda, havia o maná, e aí também havia a vara de Aarão, que tinha secado e depois novamente brotado, e o altar do incenso (Hb 9,2-7).
2. A que leva isso? A fazer-vos compreender o que seja a segunda tenda, na qual o sacerdote vos introduziu, na qual o sumo sacerdote costumava entrar uma só vez por ano, isto é, ao batistério onde a vara de Abraão floresceu. Antes estava seca, depois brotou de novo (cf. Nm 17,8). Também tu estavas seco e começaste a brotar de novo na água corrente da fonte. Estavas seco pelos pecados, estavas seco pelos erros e faltas, mas já começaste a dar fruto, pois estás plantado junto à corrente d’água (Sl 1,3).
3. Talvez digas: “O que importa ao povo se a vara sacerdotal tinha secado e brotou de novo?” O que é o próprio povo, senão um povo sacerdotal? A quem foi dito: “Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, povo santo” (1Pd 2,9), como diz o apóstolo Pedro? Cada um é ungido para o sacerdócio, ungido para o reino, mas trata-se de reino espiritual e sacerdócio espiritual.
4. Também na segunda tenda havia o altar do incenso. O altar do incenso é aquele que costuma espalhar bom odor. Portanto, também vós sois o bom odor de Cristo, pois em vós já não existe nenhum tipo de faltas, nenhum odor de erro mais grave.
2. 5. Depois disso, devíeis vos aproximar do altar. Aproximaste-vos, os anjos olharam, viram que vos aproximá-veis e de repente viram resplandecer aquela condição humana, que outrora estava suja pela tenebrosa sujeira dos pecados. Então disseram: “Quem é esta que sobe do deserto alvejada?” (Ct 8,5). Portanto, também os anjos ficam admirados. Queres saber até que ponto eles se admiram?Escuta o apóstolos Pedro dizendo que nos foram concedidas coisas que até os anjos desejam ver. Ouve ainda: “O que olho não viu, nem ouvido ouviu, é o que preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2,9).
6. Portanto, reconhece aquilo que recebeste. O santo profeta Davi viu e desejou essa graça. Queres saber quanto ele a desejou? Escuta novamente o que ele disse: “Asperge-me com o hissopo e serei purificado; lavar-me-ás, e me tornarei mais branco do que a neve” (Sl 50,9). Por quê? Porque a neve, embora seja branca, torna-se negra e se corrompe imediatamente com qualquer sujeira; esta graça que recebeste, se conservares o que recebeste, será contínua e perpétua.
7. Vinhas, portanto, desejando, por teres visto tal graça; vinhas ao altar, desejando receber o sacramento. Tua alma diz: “Aproximar-me-ei do altar de Deus, do Deus que alegra a minha juventude” (Sl 42,4). Depuseste a velhice dos pecados, assumiste a juventude da graça. Foi isso que te concederam os sacramentos celestes. De novo, escuta o que Davi diz: “Tua juventude se renovará como a da águia” (Sl 102,5). Tu começaste a ser boa águia que se lança para o céu e despreza o que é terreno. As boas águias estão em torno do altar: de fato, “onde está o corpo, aí estão também as águias” (Mt 24,28). O altar tem a forma do corpo e o corpo de Cristo está no altar. Vós sois águias renovadas pela ablução da falta.
8. Vieste até o altar, olhaste os sacramentos postos sobre o altar e te admiraste dessa própria criatura; todavia, é uma criatura solene e conhecida.
9. Alguém poderá perguntar: “Deus concedeu tão grande graça aos judeus, fazendo-lhes chover o maná do céu” (cf Ex 16,13-15). O que mais ele deu aos seus fiéis? O que mais ele deu àqueles aos quais mais prometeu?
10. Recebe o que digo: os mistérios dos cristãos são mais antigos do que os dos judeus e os sacramentos dos cristãos são mais divinos do que os dos judeus. De que modo? Escuta. Quando os judeus começaram a existir? Certamente desde Judá, bisneto de Abraão, ou, se queres assim entender, desde a Lei, isto é, desde que mereceram receber o direito de Deus. É, portanto, por causa do bisneto de Abraão, que foram chamados judeus no tempo do santo Moisés. Deus, então fez chover do céu o maná para os judeus que murmuravam. Mas para ti, a figura desses sacramentos veio antes, no tempo de Abraão, quando ele reuniu trezentos e dezoito servos, perseguiu os inimigos e arrancou seu neto do cativeiro. Então voltou vitorioso, e o sacerdote Melquisedec veio ao seu encontro e ofereceu pão e vinho (cf. Gn 14,14-18). Quem tinha o pão e o vinho? Abraão não tinha. Quem os tinha? Melquisedec. É ele, portanto, o autor dos sacramentos. Quem é Melquisedec, que significa rei de justiça, rei de paz? (Hb 7,2). Quem é esse rei de justiça? É possível que algum homem possa ser rei de justiça? Quem é, portanto, rei de justiça, senão a justiça de Deus? Quem é a paz de Deus, a sabedoria de Deus? (cf. 1Cor 1,30). Aquele que pode dizer: “Dou-vos a minha paz, deixo-vos a minha paz” (Jo 14,27).
11. Portanto, de início, compreende que esses sacramentos que recebes são mais antigos do que os sacramentos que os judeus dizem ter, e que o povo cristão começou antes que o povo dos judeus começasse, nós por predestinação, eles por nome.
12. Melquisedec, portanto, ofereceu pão e vinho. Quem é Melquisedec? “Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem início dos dias, nem fim de sua vida, semelhante ao Filho de Deus” (Hb 7,3). Isso consta na epístola aos Hebreus. Sem pai e sem mãe, diz ela. O Filho de Deus nasceu sem mãe pela geração celeste, pois ele nasceu unicamente de Deus Pai. Por outro lado, nasceu sem pai, quando nasceu da virgem. Ele, de fato, não foi gerado por sêmen de homem, mas nasceu do Espírito Santo e da virgem Maria; saído de seio virginal. Semelhante em tudo ao Filho de Deus, Melquisedec era também sacerdote, pois também Cristo é sacerdote e a ele se diz: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec” (Sl 109,4).
13. Quem é, portanto, o autor dos sacramentos, senão o Senhor Jesus? Esses sacramentos vieram do céu, pois todo desígnio vem do céu. Entretanto, é um grande e divino milagre Deus ter feito chover do céu o maná para o povo, de modo que o povo não trabalhava e comia.
14. Talvez digas: “Meu pão é comum. Mas este pão é pão antes das palavras sacramentais; depois da consagração, o pão se transforma em carne de Cristo. Demonstremos isso. Como pode ser que o pão pode se tornar corpo de Cristo? Com quais palavras se fez a consagração e com palavras de quem? Do Senhor Jesus. Com efeito, todo o resto que se diz antes, é dito pelo sacerdote: louva-se a Deus, dirige-se-lhe oração, pede-se pelo povo, pelos reis (cf. 2Tm 2,12) e pelos outros. No momento em que se realiza o venerável sacramento, o sacerdote já não usa as suas próprias palavras, mas as palavras de Cristo. Portanto, é a palavra de Cristo que produz o sacramento.
15. Qual é a palavra de Cristo? É aquela pela qual todas as coisas foram feitas. O Senhor ordenou e o céu foi feito. O Senhor ordenou, e a terra foi feita. O Senhor ordenou, e os mares foram feitos. O Senhor ordenou e toda criatura foi criada. Vês, portanto, como é eficaz a palavra de Cristo! Se há tanta força na palavra do Senhor Jesus, de modo que as coisas que não existiam começassem a existir, tanto mais é eficaz para que aquela coisa que existiu se transformasse em outra coisa. O céu não existia, o mar não existia, a terra não existia; ouve, porém, o que diz Davi: “Ele disse, e foram feitas; ele ordenou, e foram criadas” (Sl 32,9; 148,5).
16. Portanto, para te responder, antes da consagração não era o Corpo de Cristo, mas te digo que depois da consagração já é corpo de Cristo. Ele disse, e foi feito; ele ordenou, e foi criado. Tu também existias, mas eras uma velha criatura; depois que foste consagrado, começaste a ser uma nova criatura. Queres saber quão grande é a nova criatura? Todo “aquele que está em Cristo é nova criatura” (2Cor 5,17).
17. Escuta, portanto, como a palavra de cristo costuma mudar toda criatura e muda, quando quer, as leis da natureza. Perguntas como? Escuta. Antes de tudo, tomemos o exemplo de seu nascimento. É natural que não se gere homem, a não ser de um homem e de uma mulher, através da relação conjugal. Mas porque o Senhor quis, porque escolheu esse sacramento, Cristo nasceu do Espírito Santo e de uma virgem, isto é, “o homem Jesus Cristo é mediador entre Deus e os homens” (1Tm 2,5). Vês, portanto, que um homem nasceu de uma virgem contra as leis e ordem da natureza.
18. Escuta outra coisa. O povo dos judeus estava encurralado pelos egípcios, sem saída por causa do mar. Por ordem divina, a vara de Moisés tocou as águas e as ondas se dividiram (cf. Ex 14,21), não certamente conforme o costume de sua natureza, mas conforme a graça da ordem divina. Escuta outra coisa. O povo estava com sede e foi até à fonte. A fonte era amarga, o santo Moisés lançou madeira na fonte, e a fonte que era amarga se tornou doce, isto é, mudou o habitual de sua natureza e recebeu a doçura da graça (cf. Ex 15,23-25). Escuta também um quarto exemplo. O ferro do machado caíra na água e, segundo sua habitude de ferro, afundou. Eliseu jogou a madeira e o ferro imediatamente subiu e veio à tona (cf. 2Rs 6,5-6), certamente contra a habitude do ferro, pois é matéria mais pesada do que o elemento das águas.
19. Tudo isso não faz com que entendas o que a palavra celeste realiza? Se a palavra celeste age na fonte terrena, se age em outras coisas, não agirá nos sacramentos celestes? Aprendeste, portanto, que o pão se transforma em corpo de Cristo, e que é o vinho, que é a água que se derrama no cálice, mas que pela consagração celeste se transforma em sangue.
20. Talvez digas: “Não vejo aparência de sangue”. Mas há o símbolo. Do mesmo modo como assumiste o símbolo da morte, assim também bebes o símbolo do precioso sangue, para que não haja nenhum horror de sangue derramado e, no entanto, se realize o preço da redenção. Aprendeste, portanto, que aquilo que recebes é o corpo de Cristo.
21. Queres saber mediante quais palavras celestes se consagra? Escuta quais são as palavras. O sacerdote diz: “Faze para nós com que esta oferta seja aprovada, espiritual, aceitável, porque é a figura do corpo e do sangue de nosso Senhor Jesus Cristo. O qual, antes de sua paixão, tomou o pão em suas santas mãos, olhou para o céu, para ti, Pai santo, Deus todo-poderoso e eterno, deu graças, o abençoou, o partiu, e partindo o deu a seus apóstolos e discípulos, dizendo: ‘Tomai e comei disso todos, porque isto é o meu corpo que será partido para muitos’.”
22. Presta atenção. “Do mesmo modo, tomou também o cálice depois da ceia, antes de sua paixão, olhou para o céu, para ti, Pai santo, Deus todo-poderoso e eterno, deu graças, o abençoou, deu a seus apóstolos e discípulos, dizendo: ‘Tomai e bebei disso todos, porque este é o meu sangue’ ” (cf. Mt 26,26-28; Lc 22,19s; 1Cor 11,23ss). Vê que são todas palavras do evangelista até “tomai”, se-ja o corpo, seja o sangue. A partir daí, são palavras de Cristo: “Tomai e bebei disso todos, porque este é o meu sangue”.
23. Repara também nos pormenores. O qual, antes de sua paixão, tomou o pão em suas santas mãos. Antes da consagração, é pão; mas quando as palavras de Cristo aparecem, é corpo de Cristo. Escuta então o que ele diz: “Tomai e comei disso todos, porque isto é o meu corpo”. Antes das palavras de Cristo, também o cálice está cheio de vinho e de água; do momento em que as palavras de Cristo são usadas, isso torna-se o sangue que redimiu o povo. Vede, portanto, de quais maneiras a palavra de Cristo tem poder para transformar tudo. Além disso, o próprio Senhor Jesus testemunhou-nos que recebemos seu corpo e seu sangue. Por acaso, devemos duvidar da fidelidade do seu testemunho?
24. Volta comigo agora ao meu assunto. De fato, é grande e venerável que o maná tenha chovido do céu para os judeus. Mas procura entender. O que é maior: o maná do céu ou o Corpo de Cristo?Sem dúvida, o corpo de Cristo, que é o criador do céu. Com efeito, aquele que comeu o maná, morreu; quem comer este corpo terá a remissão dos pecados e “não morrerá para sempre” (cf. Jo 6,49-59).
25. Não é sem razão que dizes: “Amém”, confessando em espírito que recebes o corpo de Cristo. Quando te apresentas, o sacerdote te diz: “Corpo de Cristo”, e tu respondes: “Amém”, isto é, “é verdadeiro”. O que a língua confessa, que a convicção o conserve. Para que saibas: este é o sacramento, cuja figura veio antes.
26. Conhece então qual é a grandeza do sacramento. Vê o que ele diz: “Todas as vezes que fizerdes isso, fazei-o em minha memória, até o dia em que eu retornar” (cf. 1Cor 11,26).
27. O sacerdote também diz: “Celebrando, pois, a memória de sua gloriosíssima paixão, da ressurreição dos infernos e da ascensão ao céu, nós te oferecemos esta hóstia imaculada, hóstia espiritual, hóstia incruenta, este pão santo e o cálice da vida eterna, e te pedimos e suplicamos para que aceites esta oferta no teu sublime altar pelas mãos dos teus anjos, assim como dignaste aceitar as ofertas do teu servo o justo Abel, o sacrifício do nosso patriarca Abraão e o que te ofereceu o sumo sacerdote Melquisedec”.
28. Portanto, todas as vezes que o recebes, o que é que o apóstolo te diz? Todas as vezes que o recebemos, anunciamos a morte do Senhor (1Cor 11,26). Se (anunciamos) a morte, anunciamos a remissão dos pecados. Se, todas as vezes que o sangue é derramado, é derramado para a remissão dos pecados, devo recebê-lo sempre, para que perdoe sempre os meus pecados. Eu que peco sempre, devo sempre ter um remédio.
29. Até agora e também hoje, nós vos demos os esclarecimentos que nos foi possível, amanhã e sábado, porém, falaremos o quanto possível sobre a oração dominical e a ordem da oração. Que o Senhor nosso Deus vos conserve a graça que vos deu e que ele se digne iluminar mais plenamente os vossos olhos que ele abriu, por seu Filho unigênito, rei e salvador, Senhor nosso Deus, pelo qual e com o qual, ele tem o louvor, a honra, a glória, a majestade, o poder, com o Espírito Santo, desde os séculos, agora e sempre, e pelos séculos dos séculos. Amém.
Os Sete Sacramentos da Igreja: A Eucaristia - CIC §1322-§1419
SEGUNDA PARTE
A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
SEGUNDA SEÇÃO
OS SETE SACRAMENTOS DA IGREJA
CAPÍTULO PRIMEIRO
OS SACRAMENTOS DA INICIAÇÃO CRISTÃ
ARTIGO 3
O SACRAMENTO DA EUCARISTIA
1322. A sagrada Eucaristia completa a iniciação cristã. Aqueles que foram elevados à dignidade do sacerdócio real pelo Batismo e configurados mais profundamente com Cristo pela Confirmação, esses, por meio da Eucaristia, participam, com toda a comunidade, no próprio sacrifício do Senhor.
1323. «O nosso Salvador instituiu na última ceia, na noite em que foi entregue, o sacrifício eucarístico do seu corpo e sangue, para perpetuar pelo decorrer dos séculos, até voltar, o sacrifício da cruz, confiando à Igreja, sua esposa amada, o memorial da sua morte e ressurreição: sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade, banquete pascal em que se recebe Cristo, a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da glória futura» (145).
I. A Eucaristia – fonte e cume da vida eclesial
1324. A Eucaristia é «fonte e cume de toda a vida cristã» (146). «Os restantes sacramentos, assim como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagrada Eucaristia e a ela se ordenam. Com efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa» (147).
1325. «A comunhão de vida com Deus e a unidade do povo de Deus, pelas quais a Igreja é o que é, são significados e realizados pela Eucaristia. Nela se encontra o cume, ao mesmo tempo, da acção pela qual Deus, em Cristo, santifica o mundo, e do culto que no Espírito Santo os homens prestam a Cristo e, por Ele, ao Pai» (148).
1326. Enfim, pela celebração eucarística, unimo-nos desde já à Liturgia do céu e antecipamos a vida eterna, quando «Deus for tudo em todos» (1 Cor 15, 18 ).
1327. Em síntese, a Eucaristia é o resumo e a súmula da nossa fé: «A nossa maneira de pensar está de acordo com a Eucaristia: e, por sua vez, a Eucaristia confirma a nossa maneira de pensar» (149).
II. Como se chama este sacramento?
1328. A riqueza inesgotável deste sacramento exprime-se nos diferentes nomes que lhe são dados. Cada um destes nomes evoca alguns dos seus aspectos. Chama-se:
Eucaristia, porque é acção de graças a Deus. As palavras« eucharistein» (Lc 22, 19; 1 Cor 11, 24) e «eulogein» (Mt 26, 26; Mc 14, 22) lembram as bênçãos judaicas que proclamam – sobretudo durante a refeição – as obras de Deus: a criação, a redenção e a santificação.
1329. Ceia do Senhor (150), porque se trata da ceia que o Senhor comeu com os discípulos na véspera da sua paixão e da antecipação do banquete nupcial do Cordeiro (151) na Jerusalém celeste.
Fracção do Pão, porque este rito, próprio da refeição dos judeus, foi utilizado por Jesus quando abençoava e distribuía o pão como chefe de família (152), sobretudo aquando da última ceia (153) . É por este gesto que os discípulos O reconhecerão depois da sua ressurreição (154) e é com esta expressão que os primeiros cristãos designarão as suas assembleias eucarísticas (155). Querem com isso significar que todos os que comem do único pão partido, Cristo, entram em comunhão com Ele e formam um só corpo n'Ele (156).
Assembleia eucarística («sýnaxis»), porque a Eucaristia é celebrada em assembleia de fiéis, expressão visível da Igreja (157).
1330. Memorial da paixão e ressurreição do Senhor.
Santo Sacrifício, porque actualiza o único sacrifício de Cristo Salvador e inclui a oferenda da Igreja; ou ainda santo Sacrifício da Missa, «Sacrifício de louvor» (Heb 13, 15) (158), Sacrifício espiritual (159) Sacrifício puro (160) e santo, pois completa e ultrapassa todos os sacrifícios da Antiga Aliança.
Santa e divina Liturgia, porque toda a liturgia da Igreja encontra o seu centro e a sua expressão mais densa na celebração deste sacramento; no mesmo sentido se lhe chama também celebração dos Santos Mistérios. Fala-se igualmente do Santíssimo Sacramento, porque é o sacramento dos sacramentos. E, com este nome, se designam as espécies eucarísticas guardadas no sacrário.
1331. Comunhão, pois é por este sacramento que nos unimos a Cristo, o qual nos torna participantes do seu corpo e do seu sangue, para formarmos um só corpo (161); chama-se ainda as coisas santas («tà hágia»; «sancta») (162) – é o sentido primário da «comunhão dos santos» de que fala o Símbolo dos Apóstolos – , pão dos anjos, pão do céu, remédio da imortalidade (163), viático...
1332. Santa Missa, porque a liturgia em que se realiza o mistério da salvação termina com o envio dos fiéis («missio»), para que vão cumprir a vontade de Deus na sua vida quotidiana.
III. A Eucaristia na economia da salvação
OS SINAIS DO PÃO E DO VINHO
1333. No centro da celebração da Eucaristia temos o pão e o vinho que, pelas palavras de Cristo e pela invocação do Espírito Santo, se tornam o corpo e o sangue do mesmo Cristo. Fiel à ordem do Senhor, a Igreja continua a fazer, em memória d'Ele e até à sua vinda gloriosa, o que Ele fez na véspera da sua paixão: «Tomou o pão...», «Tomou o cálice com vinho...». Tornando-se misteriosamente o corpo e o sangue de Cristo, os sinais do pão e do vinho continuam a significar também a bondade da criação. Por isso, no ofertório [apresentação das oferendas], nós damos graças ao Criador pelo pão e pelo vinho (164), fruto «do trabalho do homem», mas primeiramente «fruto da terra» e «da videira», dons do Criador. A Igreja vê no gesto de Melquisedec, rei e sacerdote, que «ofereceu pão e vinho» (Gn 14, 18), uma prefiguração da sua própria oferenda (165).
1334. Na Antiga Aliança, o pão e o vinho são oferecidos em sacrifício entre as primícias da terra, em sinal de reconhecimento ao Criador. Mas também recebem uma nova significação no contexto do Êxodo: os pães ázimos que Israel come todos os anos na Páscoa, comemoram a pressa da partida libertadora do Egipto; a lembrança do maná do deserto recordará sempre a Israel que é do pão da Palavra de Deus que ele vive (166). Finalmente, o pão de cada dia é o fruto da terra prometida, penhor da fidelidade de Deus às suas promessas. O «cálice de bênção» (1 Cor 10, 16), no fim da ceia pascal dos judeus, acrescenta à alegria festiva do vinho uma dimensão escatológica – a da expectativa messiânica do restabelecimento de Jerusalém. Jesus instituiu a sua Eucaristia dando um sentido novo e definitivo à bênção do pão e do cálice.
1335. Os milagres da multiplicação dos pães, quando o Senhor disse a bênção, partiu e distribuiu os pães pelos seus discípulos para alimentar a multidão, prefiguram a superabundância deste pão único da sua Eucaristia (167). O sinal da água transformada em vinho em Caná (168) já anuncia a «Hora» da glorificação de Jesus. E manifesta o cumprimento do banquete das núpcias no Reino do Pai, onde os fiéis beberão do vinho novo (169) tornado sangue de Cristo.
1336. O primeiro anúncio da Eucaristia dividiu os discípulos, tal como o anúncio da paixão os escandalizou: «Estas palavras são insuportáveis! Quem as pode escutar?» (Jo 6, 60). A Eucaristia e a cruz são pedras de tropeço. É o mesmo mistério e não cessa de ser ocasião de divisão. «Também vos quereis ir embora?» (Jo 6, 67): esta pergunta do Senhor ecoa através dos tempos, como convite do seu amor a descobrir que só Ele tem «palavras de vida eterna» (Jo 6, 68) e que acolher na fé o dom da sua Eucaristia é acolhê-1'O a Ele próprio.
A INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA
1337. Tendo amado os seus, o Senhor amou-os até ao fim. Sabendo que era chegada a hora de partir deste mundo para regressar ao Pai, no decorrer duma refeição, lavou-lhes os pés e deu-lhes o mandamento do amor (170). Para lhes deixar uma garantia deste amor, para jamais se afastar dos seus e para os tornar participantes da sua Páscoa, instituiu a Eucaristia como memorial da sua morte e da sua ressurreição, e ordenou aos seus Apóstolos que a celebrassem até ao seu regresso, «constituindo-os, então, sacerdotes do Novo Testamento» (171).
1338. Os três evangelhos sinópticos e São Paulo transmitiram-nos a narração da instituição da Eucaristia. Por seu lado, São João refere as palavras de Jesus na sinagoga de Cafarnaum, palavras que preparam a instituição da Eucaristia: Cristo designa-se a si próprio como o pão da vida, descido do céu (172).
1339. Jesus escolheu a altura da Páscoa para cumprir o que tinha anunciado em Cafarnaum: dar aos seus discípulos o seu corpo e o seu sangue:
«Veio o dia dos Ázimos, em que devia imolar-se a Páscoa. [Jesus] enviou então a Pedro e a João, dizendo: "Ide preparar-nos a Páscoa, para que a possamos comer" [...]. Partiram pois, [...] e prepararam a Páscoa. Ao chegar a hora, Jesus tomou lugar à mesa, e os Apóstolos com Ele. Disse-lhes então: "Tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa, antes de padecer. Pois vos digo que não voltarei a comê-la, até que ela se realize plenamente no Reino de Deus". [...] Depois, tomou o pão e, dando graças, partiu-o, deu-lho e disse-lhes: "Isto é o Meu corpo, que vai ser entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim". No fim da ceia, fez o mesmo com o cálice e disse: "Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós"» (Lc 22, 7-20) (173).
1340. Celebrando a última ceia com os seus Apóstolos, no decorrer do banquete pascal, Jesus deu o seu sentido definitivo à Páscoa judaica. Com efeito, a passagem de Jesus para o seu Pai, pela sua morte e ressurreição – a Páscoa nova – é antecipada na ceia e celebrada na Eucaristia, que dá cumprimento a Páscoa judaica e antecipa a Páscoa final da Igreja na glória do Reino.
«FAZEI ISTO EM MEMÓRIA DE MIM»
1341. Ao ordenar que repetissem os seus gestos e palavras, «até que Ele venha» (1 Cor 11, 26), Jesus não pede somente que se lembrem d'Ele e do que Ele fez. Tem em vista a celebração litúrgica, pelos apóstolos e seus sucessores, do memorial de Cristo, da sua vida, morte, ressurreição e da sua intercessão junto do Pai.
1342. Desde o princípio, a Igreja foi fiel à ordem do Senhor. Da Igreja de Jerusalém está escrito:
«Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações. [...] Todos os dias frequentavam o templo, como se tivessem uma só alma, e partiam o pão em suas casas; tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração» (Act 2, 42.46).
1343. Era sobretudo «no primeiro dia da semana», isto é, no dia de domingo, dia da ressurreição de Jesus, que os cristãos se reuniam «para partir o pão» (Act 20, 7). Desde esses tempos até aos nossos dias, a celebração da Eucaristia perpetuou-se, de maneira que hoje a encontramos em toda a parte na Igreja com a mesma estrutura fundamental. Ela continua a ser o centro da vida da Igreja.
1344. Assim, de celebração em celebração, anunciando o mistério pascal de Jesus «até que Ele venha» (1Cor 11, 26), o Povo de Deus em peregrinação «avança pela porta estreita da cruz» (174) para o banquete celeste, em que todos os eleitos se sentarão à mesa do Reino.
IV. A celebração litúrgica da Eucaristia
A MISSA DE TODOS OS SÉCULOS
1345. Desde o século II, temos o testemunho de São Justino, mártir, sobre as grandes linhas do desenrolar da celebração eucarística. Permaneceram as mesmas até aos nossos dias, em todas as grandes famílias litúrgicas. Eis o que ele escreve, cerca do ano 155, para explicar ao imperador pagão Antonino Pio (138-161) o que fazem os cristãos:
«No dia que chamam Dia do Sol, realiza-se a reunião num mesmo lugar de todos os que habitam a cidade ou o campo.
Lêem-se as memórias dos Apóstolos e os escritos dos Profetas, tanto quanto o tempo o permite.
Quando o leitor acabou, aquele que preside toma a palavra para incitar e exortar à imitação dessas belas coisas.
Em seguida, levantamo-nos todos juntamente e fazemos orações» (175) «por nós mesmos [...] e por todos os outros, [...] onde quer que estejam, para que sejamos encontrados justos por nossa vida e acções, e fiéis aos mandamentos, e assim obtenhamos a salvação eterna.
Terminadas as orações, damo-nos um ósculo uns aos outros.
Depois, apresenta-se àquele que preside aos irmãos pão e uma taça de água e vinho misturados.
Ele toma-os e faz subir louvor e glória ao Pai do universo, pelo nome do Filho e do Espírito Santo, e dá graças (em grego: eucharistian) longamente, por termos sido julgados dignos destes dons.
Quando ele termina as orações e acções de graças, todo o povo presente aclama: Ámen.
[...] Depois de aquele que preside ter feito a acção de graças e de o povo ter respondido, aqueles a que entre nós chamamos diáconos distribuem a todos os que estão presentes pão, vinho e água "eucaristizados" e também os levam aos ausentes» (176).
1346. A liturgia eucarística processa-se em conformidade com uma estrutura fundamental, que se tem conservado através dos séculos até aos nossos dias. Desdobra-se em dois grandes momentos, que formam basicamente uma unidade:
– a reunião, a liturgia da Palavra, com as leituras, a homilia e a oração universal;
– a liturgia eucarística, com a apresentação do pão e do vinho, a acção de graças consecratória e a comunhão.
Liturgia da Palavra e liturgia eucarística constituem juntas "um só e mesmo acto de culto" (177). Com efeito, a mesa posta para nós na Eucaristia é, ao mesmo tempo, a da Palavra de Deus e a do corpo do Senhor (178).
1347. Não é esse também o dinamismo da refeição pascal de Jesus Ressuscitado com os seus discípulos? Enquanto caminhavam, Ele explicava-lhes as Escrituras; depois, pondo-Se à mesa com eles, «tomou o pão, proferiu a bênção, partiu-o e deu-lho» (179).
A SEQUÊNCIA DA CELEBRAÇÃO
1348. Todos se reúnem. Os cristãos acorrem a um mesmo lugar para a assembleia eucarística. A sua cabeça está o próprio Cristo, que é o actor principal da Eucaristia. Ele é o Sumo-Sacerdote da Nova Aliança. É Ele próprio que preside invisivelmente a toda a celebração eucarística. E é em representação d'Ele (agindo «in persona Christi capitis – na pessoa de Cristo-Cabeça»), que o bispo ou o presbítero preside à assembleia, toma a palavra depois das leituras, recebe as oferendas e diz a oração eucarística. Todos têm a sua parte activa na celebração, cada qual a seu modo: os leitores, os que trazem as oferendas, os que distribuem a comunhão e todo o povo cujo Ámen manifesta a participação.
1349. A liturgia da Palavra comporta «os escritos dos Profetas», quer dizer, o Antigo Testamento, e «as Memórias dos Apóstolos» ou seja, as suas epístolas e os evangelhos. Depois da homilia, que é uma exortação a acolher esta Palavra como o que ela é na realidade, Palavra de Deus(180), e a pô-la em prática, vêm as intercessões por todos os homens, segundo a palavra do Apóstolo: «Recomendo, antes de tudo, que se façam preces, orações, súplicas e acções de graças, por todos os homens, pelos reis e por todos os que exercem autoridade» (1 Tm 2, 1-2).
1350. A apresentação das oferendas (ofertório): traz-se então para o altar, por vezes processionalmente, o pão e o vinho que vão ser oferecidos pelo sacerdote em nome de Cristo no sacrifício eucarístico, no qual se tornarão o seu corpo e o seu sangue. É precisamente o mesmo gesto que Cristo fez na última ceia, «tomando o pão e o cálice». «Só a Igreja oferece esta oblação pura ao Criador, oferecendo-Lhe em acção de graças o que provém da sua criação» (181). A apresentação das oferendas no altar assume o gesto de Melquisedec e põe os dons do Criador nas mãos de Cristo. É Ele que, no seu sacrifício, leva à perfeição todas as tentativas humanas de oferecer sacrifícios.
1351. Desde o princípio, com o pão e o vinho para a Eucaristia, os cristãos trazem as suas ofertas para a partilha com os necessitados. Este costume, sempre actual, da colecta (182) inspira-se no exemplo de Cristo, que Se fez pobre para nos enriquecer (183):
«Os que são ricos e querem, dão, cada um conforme o que a si mesmo se impôs; o que se recolhe é entregue àquele que preside e ele, por seu turno, presta assistência aos órfãos, às viúvas, àqueles que a doença ou qualquer outra causa priva de recursos, aos prisioneiros, aos imigrantes, numa palavra, a todos os que sofrem necessidade» (184).
1352. A anáfora: Com a oração eucarística, oração de acção de graças e de consagração, chegamos ao coração e cume da celebração:
no prefácio, a Igreja dá graças ao Pai, por Cristo, no Espírito Santo, por todas as suas obras: pela criação, redenção e santificação. Toda a comunidade une, então, as suas vozes àquele louvor incessante que a Igreja celeste – os anjos e todos os santos – cantam ao Deus três vezes Santo:
1353. na epiclese, pede ao Pai que envie o seu Espírito Santo (ou o poder da sua bênção)(185)sobre o pão e o vinho, para que se tornem, pelo seu poder, o corpo e o sangue de Jesus Cristo, e para que os que participam na Eucaristia sejam um só corpo e um só espírito. (Algumas tradições litúrgicas colocam a epiclese depois da anamnese);
na narração da instituição, a força das palavras e da acção de Cristo e o poder do Espírito Santo tomam sacramentalmente presentes, sob as espécies do pão e do vinho, o corpo e o sangue do mesmo Cristo, o seu sacrifício oferecido na cruz de uma vez por todas;
1354. na anamnese que se segue, a Igreja faz memória da paixão, ressurreição e regresso glorioso de Cristo Jesus: e apresenta ao Pai a oferenda do seu Filho, que nos reconcilia com Ele:
nas intercessões, a Igreja manifesta que a Eucaristia é celebrada em comunhão com toda a Igreja do céu e da terra, dos vivos e dos defuntos, e na comunhão com os pastores da Igreja: o Papa, o bispo da diocese, o seu presbitério e os seus diáconos, e todos os bispos do mundo inteiro com as suas Igrejas.
1355. Na comunhão, precedida da Oração do Senhor e da fracção do pão, os fiéis recebem «o pão do céu» e «o cálice da salvação», o corpo e o sangue de Cristo, que Se entregou «para a vida do mundo» (Jo 6, 51):
Porque este pão e este vinho foram, segundo a expressão antiga, «eucaristizados» (186), «chamamos a este alimento Eucaristia; e ninguém pode tomar parte nela se não acreditar na verdade do que entre nós se ensina, se não recebeu o banho para a remissão dos pecados e o novo nascimento e se não viver segundo os preceitos de Cristo» (187).
V. O sacrifício sacramental: acção de graças, memorial, presença
1356. Se os cristãos celebram a Eucaristia desde as origens e sob uma forma que, na sua substância não mudou através da grande diversidade dos tempos e das liturgias, é porque sabem que estão ligados pela ordem do Senhor, dada na véspera da sua paixão: «Fazei isto em memória de Mim» (1 Cor 11, 24-25).
1357. Esta ordem do Senhor, cumprimo-la celebrando o memorial do seu sacrifício. E fazendo-o, oferecemos ao Pai o que Ele próprio nos deu: os dons da sua criação, o pão e o vinho, transformados, pelo poder do Espírito Santo e pelas palavras de Cristo, no corpo e no sangue do mesmo Cristo: assim Cristo torna-se real e misteriosamente presente.
1358. Temos, pois, de considerar a Eucaristia
– como acção de graças e louvor ao Pai,
– como memorial sacrificial de Cristo e do Seu corpo,
– como presença de Cristo pelo poder da sua Palavra e do seu Espírito.
A ACÇÃO DE GRAÇAS E O LOUVOR AO PAI
1359. A Eucaristia, sacramento da nossa salvação realizada por Cristo na cruz, é também um sacrifício de louvor em acção de graças pela obra da criação. No sacrifício eucarístico, toda a criação, amada por Deus, é apresentada ao Pai, através da morte e ressurreição de Cristo. Por Cristo, a Igreja pode oferecer o sacrifício de louvor em acção de graças por tudo o que Deus fez de bom, belo e justo, na criação e na humanidade.
1360. A Eucaristia é um sacrifício de acção de graças ao Pai, uma bênção pela qual a Igreja exprime o seu reconhecimento a Deus por todos os seus benefícios, por tudo o que Ele fez mediante a criação, a redenção e a santificação. Eucaristia significa, antes de mais, «acção de graças».
1361. A Eucaristia é também o sacrifício de louvor, pelo qual a Igreja canta a glória de Deus em nome de toda a criação. Este sacrifício de louvor só é possível através de Cristo: Ele une os fiéis à sua pessoa, ao seu louvor e à sua intercessão, de maneira que o sacrifício de louvor ao Pai ë oferecido por Cristo e com Cristo, para ser aceite em Cristo.
O MEMORIAL SACRIFICIAL DE CRISTO E DO SEU CORPO, A IGREJA
1362. A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, a actualização e a oferenda sacramental do seu único sacrifício, na liturgia da Igreja que é o seu corpo. Em todas as orações eucarísticas encontramos, depois das palavras da instituição, uma oração chamada anamnese ou memorial.
1363. No sentido que lhe dá a Sagrada Escritura, o memorial não é somente a lembrança dos acontecimentos do passado, mas a proclamação das maravilhas que Deus fez pelos homens (188). Na celebração litúrgica destes acontecimentos, eles tomam-se de certo modo presentes e actuais. É assim que Israel entende a sua libertação do Egipto: sempre que se celebrar a Páscoa, os acontecimentos do Êxodo tornam-se presentes à memória dos crentes, para que conformem com eles a sua vida.
1364. O memorial recebe um sentido novo no Novo Testamento. Quando a Igreja celebra a Eucaristia, faz memória da Páscoa de Cristo, e esta torna-se presente: o sacrifício que Cristo ofereceu na cruz uma vez por todas, continua sempre actual (189): «Todas as vezes que no altar se celebra o sacrifício da cruz, no qual "Cristo, nossa Páscoa, foi imolado", realiza-se a obra da nossa redenção» (190).
1365. Porque é o memorial da Páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício. O carácter sacrificial da Eucaristia manifesta-se nas próprias palavras da instituição: «Isto é o meu corpo, que vai ser entregue por vós» e «este cálice é a Nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós» (Lc 22, 19-20). Na Eucaristia, Cristo dá aquele mesmo corpo que entregou por nós na cruz, aquele mesmo sangue que «derramou por muitos em remissão dos pecados» (Mt 26, 28).
1366. A Eucaristia é, pois, um sacrifício, porque representa (torna presente) o sacrifício da cruz, porque é dele o memorial e porque aplica o seu fruto:
Cristo «nosso Deus e Senhor [...], ofereceu-Se a Si mesmo a Deus Pai uma vez por todas, morrendo como intercessor sobre o altar da cruz, para realizar em favor deles [homens] uma redenção eterna. No entanto, porque após a sua morte não se devia extinguir o seu sacerdócio (Heb 7, 24-27), na última ceia, "na noite em que foi entregue" (1 Cor 11, 13). [...] Ele [quis deixar] à Igreja, sua esposa bem-amada, um sacrifício visível (como o exige a natureza humana), em que fosse representado o sacrifício cruento que ia realizar uma vez por todas na cruz, perpetuando a sua memória até ao fim dos séculos e aplicando a sua eficácia salvífica à remissão dos pecados que nós cometemos cada dia» (191).
1367. O sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício: «É uma só e mesma vítima e Aquele que agora Se oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora Se ofereceu a Si mesmo na cruz; só a maneira de oferecer é que é diferente» (192). E porque «neste divino sacrifício, que se realiza na missa, aquele mesmo Cristo, que a Si mesmo Se ofereceu outrora de modo cruento sobre o altar da cruz, agora está contido e é imolado de modo incruento [...], este sacrifício é verdadeiramente propiciatório» (193).
1368. A Eucaristia é igualmente o sacrifício da Igreja. A Igreja, que é o corpo de Cristo, participa na oblação da sua Cabeça. Com Ele, ela própria é oferecida integralmente. Ela une-se à sua intercessão junto do Pai em favor de todos os homens. Na Eucaristia, o sacrifício de Cristo torna-se também o sacrifício dos membros do seu corpo. A vida dos fiéis, o seu louvor, o seu sofrimento, a sua oração, o seu trabalho unem-se aos de Cristo e à sua oblação total, adquirindo assim um novo valor. O sacrifício de Cristo presente sobre o altar proporciona a todas as gerações de cristãos a possibilidade de se unirem à sua oblação.
Nas catacumbas, a Igreja é frequentemente representada como uma mulher em oração, de braços estendidos em atitude orante. Como Cristo, que estendeu os braços na cruz, assim, por Ele, com Ele e n'Ele, a Igreja oferece-se e intercede por todos os homens.
1369. Toda a Igreja está unida à oblação e intercessão de Cristo. Encarregado do ministério de Pedro na Igreja, o Papa está associado a toda e qualquer celebração da Eucaristia, na qual é nomeado como sinal e servidor da unidade da Igreja universal. O bispo do lugar é sempre responsável pela Eucaristia, mesmo quando presidida por um presbítero; o seu nome é citado nela para significar a sua presidência da Igreja particular, no meio do presbitério e com a assistência dos diáconos. A comunidade intercede também por todos os ministros que, por ela e com ela, oferecem o sacrifício eucarístico:
«Seja tida como legítima somente aquela Eucaristia que é presidida pelo bispo ou por quem ele encarregou» (194).
«É pelo ministério dos presbíteros que o sacrifício espiritual dos fiéis se consuma em união com o sacrifício de Cristo. Mediador único, que é oferecido na Eucaristia de modo incruento e sacramental, pelas mãos deles, em nome de toda a Igreja, até quando o mesmo Senhor voltar» (195).
1370. À oblação de Cristo unem-se não só os membros que estão ainda neste mundo, mas também os que já estão na glória do céu: é em comunhão com a santíssima Virgem Maria e fazendo memória d'Ela, assim como de todos os santos e de todas as santas, que a Igreja oferece o sacrifício eucarístico. Na Eucaristia, a Igreja, com Maria, está como que ao pé da cruz, unida à oblação e à intercessão de Cristo.
1371. O sacrifício eucarístico é também oferecido pelos fiéis defuntos, «que morreram em Cristo e não estão ainda de todo purificados» (196), para que possam entrar na luz e na paz de Cristo:
«Enterrai este corpo não importa onde! Não vos dê isso qualquer cuidado! Tudo o que vos peço é que vos lembreis de mim diante do altar do Senhor, onde quer que estejais» (197).
«Depois [na anáfora], nós rezamos pelos santos padres e bispos falecidos, e em geral por todos aqueles que morreram antes de nós, certos de que isso será de grande proveito para as almas em favor das quais tal súplica se faz, enquanto está presente a vítima santa e temível [...]. Apresentando a Deus as nossas súplicas pelos que morreram, tenham embora sido pecadores, nós [...] apresentamos Cristo imolado pelos nossos pecados, tornando assim propício, para eles e para nós, o Deus que é amigo dos homens» (198).
1372. Santo Agostinho resumiu admiravelmente esta doutrina que nos incita a uma participação cada vez mais perfeita no sacrifício do nosso Redentor que celebramos na Eucaristia:
«Toda esta cidade resgatada, ou seja, a assembleia e sociedade dos santos, é oferecida a Deus como um sacrifício universal pelo Sumo-Sacerdote que, sob a forma de servo, foi ao ponto de Se oferecer por nós na sua paixão, para fazer de nós corpo duma tal Cabeça [...] Tal é o sacrifício dos cristãos: "Nós que somos muitos, formamos em Cristo um só corpo" (Rm 12, 5). E este sacrifício, a Igreja não cessa de o renovar no sacramento do altar bem conhecido dos fiéis, em que lhe é mostrado que ela própria é oferecida naquilo que oferece» (199).
A PRESENÇA DE CRISTO PELO PODER DA SUA PALAVRA E DO ESPÍRITO SANTO
1373. «Jesus Cristo, que morreu, que ressuscitou, que está à direita de Deus, que intercede por nós» (Rm 8, 34), está presente na sua Igreja de múltiplos modos (200): na sua Palavra, na oração da sua Igreja, «onde dois ou três estão reunidos em Meu nome» (Mt 18, 20), nos pobres, nos doentes, nos prisioneiros (201), nos seus sacramentos, dos quais é o autor, no sacrifício da missa e na pessoa do ministro. Mas está presente «sobretudo sob as espécies eucarísticas» (202).
1374. O modo da presença de Cristo sob as espécies eucarísticas é único. Ele eleva a Eucaristia acima de todos os sacramentos e faz dela «como que a perfeição da vida espiritual e o fim para que tendem todos os sacramentos» (203). No santíssimo sacramento da Eucaristia estão «contidos, verdadeira, real e substancialmente, o corpo e o sangue, conjuntamente com a alma e a divindade de nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, Cristo completo» (204). «Esta presença chama-se "real", não a título exclusivo como se as outras presenças não fossem "reais", mas por excelência, porque é substancial, e porque por ela se torna presente Cristo completo, Deus e homem» (205).
1375. É pela conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo que Ele Se torna presente neste sacramento. Os Padres da Igreja proclamaram com firmeza a fé da mesma Igreja na eficácia da Palavra de Cristo e da acção do Espírito Santo, para operar esta conversão. Assim, São João Crisóstomo declara:
«Não é o homem que faz com que as coisas oferecidas se tomem corpo e sangue de Cristo, mas o próprio Cristo, que foi crucificado por nós. O sacerdote, figura de Cristo, pronuncia estas palavras, mas a sua eficácia e a graça são de Deus. Isto é o Meu corpo, diz ele. Esta palavra transforma as coisas oferecidas» (206).
E Santo Ambrósio diz a respeito da mesma conversão:
Estejamos bem convencidos de que «isto não é o que a natureza formou, ruas o que a bênção consagrou, e de que a força da bênção ultrapassa a da natureza, porque pela bênção a própria natureza é mudada» (207). «A Palavra de Cristo, que pôde fazer do nada o que não existia, não havia de poder mudar coisas existentes no que elas ainda não eram? Porque não é menos dar às coisas a sua natureza original do que mudá-la» (208).
1376. O Concílio de Trento resume a fé católica declarando: «Porque Cristo, nosso Redentor, disse que o que Ele oferecia sob a espécie do pão era verdadeiramente o seu corpo, sempre na Igreja se teve esta convicção que o sagrado Concílio de novo declara: pela consagração do pão e do vinho opera-se a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue; a esta mudança, a Igreja católica chama, de modo conveniente e apropriado, transubstanciação» (209).
1377. A presença eucarística de Cristo começa no momento da consagração e dura enquanto as espécies eucarísticas subsistirem. Cristo está presente todo em cada uma das espécies e todo em cada uma das suas partes, de maneira que a fracção do pão não divide Cristo (210).
1378. O culto da Eucaristia. Na liturgia da Missa, nós exprimimos a nossa fé na presença real de Cristo sob as espécies do pão e do vinho, entre outras maneiras, ajoelhando ou inclinando-nos profundamente em sinal de adoração do Senhor. «A Igreja Católica sempre prestou e continua a prestar este culto de adoração que é devido ao sacramento da Eucaristia, não só durante a missa, mas também fora da sua celebração: conservando com o maior cuidado as hóstias consagradas, apresentando-as aos fiéis para que solenemente as venerem, e levando-as em procissão» (211).
1379. A sagrada Reserva (sacrário) era, ao princípio, destinada a guardar, de maneira digna, a Eucaristia, para poder ser levada aos doentes e ausentes, fora da missa. Pelo aprofundamento da fé na presença real de Cristo na sua Eucaristia, a Igreja tomou consciência do sentido da adoração silenciosa do Senhor, presente sob as espécies eucarísticas, por isso que o sacrário deve ser colocado num lugar particularmente digno da igreja; deve ser construído de tal modo que sublinhe e manifeste a verdade da presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento.
1380. É de suma conveniência que Cristo tenha querido ficar presente à sua Igreja deste modo único. Uma vez que estava para deixar os seus sob forma visível, Cristo quis dar-nos a sua presença sacramental; e visto que ia sofrer na cruz para nos salvar, quis que tivéssemos o memorial do amor com que nos amou «até ao fim» (Jo 13, 1), até ao dom da própria vida. Com efeito, na sua presença eucarística, Ele fica misteriosamente no meio de nós, como Aquele que nos amou e Se entregou por nós (212), e permanece sob os sinais que exprimem e comunicam este amor:
«A Igreja e o mundo têm grande necessidade do culto eucarístico. Jesus espera-nos neste sacramento do amor. Não regateemos o tempo para estar com Ele na adoração, na contemplação cheia de fé e disposta a reparar as faltas graves e os pecados do mundo. Que a nossa adoração não cesse jamais» (213).
1381. «A presença do verdadeiro corpo e do verdadeiro sangue de Cristo neste sacramento, "não a apreendemos pelos sentidos, diz São Tomás, mas só pela fé, que se apoia na autoridade de Deus". É por isso que, comentando o texto de São Lucas 22, 19 "Isto é o Meu corpo que será entregue por vós", São Cirilo de Alexandria declara: "Não vás agora perguntar-te se isso é verdade; mas acolhe com fé as palavras do Senhor, porque Ele, que é a verdade, não mente"» (214):
«Adoro te devote, latens Deitas, | Adoro-te com devoção, ó Deus que te escondes, |
Visus, tactus, gustus in Te fallitur | Visão, tacto e paladar em ti falham, |
VI. O banquete pascal
1382. A Missa é, ao mesmo tempo e inseparavelmente, o memorial sacrificial em que se perpetua o sacrifício da cruz e o banquete sagrado da comunhão do corpo e sangue do Senhor. Mas a celebração do sacrifício eucarístico está toda orientada para a união íntima dos fiéis com Cristo pela comunhão. Comungar é receber o próprio Cristo, que Se ofereceu por nós.
1383. O altar, à volta do qual a Igreja se reúne na celebração da Eucaristia, representa os dois aspectos dum mesmo mistério: o altar do sacrifício e a mesa do Senhor, e isto tanto mais que o altar cristão é o símbolo do próprio Cristo, presente no meio da assembleia dos seus fiéis, ao mesmo tempo como vítima oferecida para a nossa reconciliação e como alimento celeste que se nos dá. «Com efeito, o que é o altar de Cristo senão a imagem do corpo de Cristo?» – pergunta Santo Ambrósio (216); e noutro passo: «O altar representa o corpo [de Cristo], e o corpo de Cristo está sobre o altar» (217). A liturgia exprime esta unidade do sacrifício e da comunhão em numerosas orações. Assim, a Igreja de Roma reza na sua anáfora:
«Humildemente Vos suplicamos, Deus todo-poderoso, que esta nossa oferenda seja apresentada pelo vosso santo Anjo no altar celeste, diante da vossa divina majestade, para que todos nós, participando deste altar pela comunhão do santíssimo corpo e sangue do vosso Filho, alcancemos a plenitude das bênçãos e graças do céu»» (218)
«TOMAI TODOS E COMEI»: A COMUNHÃO
1384. O Senhor dirige-nos um convite insistente a que O recebamos no sacramento da Eucaristia: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós» (Jo 6, 53).
1385. Para responder a este convite, devemos preparar-nos para este momento tão grande e santo. São Paulo exorta a um exame de consciência: «Quem comer o pão ou beber do cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se, pois, cada qual a si mesmo e então coma desse pão e beba deste cálice; pois quem come e bebe, sem discernir o corpo do Senhor, come e bebe a própria condenação» (1Cor 11, 27-29). Aquele que tiver consciência dum pecado grave deve receber o sacramento da Reconciliação antes de se aproximar da Comunhão.
1386. Perante a grandeza deste sacramento, o fiel só pode retomar humildemente e com ardente fé a palavra do centurião (219) : «Domine, non sum dignus, ut intres sub tectum meum, sed tantum dic verbum, et sanabitur anima mea – Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma [só] palavra e serei salvo» (220). E na divina liturgia de São João Crisóstomo, os fiéis oram no mesmo Espírito:
«Faz-me comungar hoje, ó Filho de Deus, na tua ceia mística. Porque eu não revelarei o segredo aos teus inimigos, nem te darei o beijo de Judas. Mas, como o ladrão, eu te suplico: Lembra-Te de mim, Senhor, no teu Reino» (221).
1387. Para se prepararem convenientemente para receber este sacramento, os fiéis devem observar o jejum prescrito na sua Igreja (222). A atitude corporal (gestos, traje) deve traduzir o respeito, a solenidade, a alegria deste momento em que Cristo Se torna nosso hóspede.
1388. É conforme ao próprio sentido da Eucaristia que os fiéis, se tiverem as disposições requeridas (223), recebam a Comunhão quando participam na missa (224): «Recomenda-se vivamente aquela mais perfeita participação na missa em que os fiéis, depois da comunhão do sacerdote, recebem, do mesmo sacrifício, o corpo do Senhor» (225).
1389. A Igreja impõe aos fiéis a obrigação de «participar na divina liturgia nos domingos e dias de festa» (226) e de receber a Eucaristia ao menos uma vez em cada ano, se possível no tempo pascal (227) preparados pelo sacramento da Reconciliação. Mas recomenda-lhes vivamente que recebam a santa Eucaristia aos domingos e dias de festa, ou ainda mais vezes, mesmo todos os dias.
1390. Graças à presença sacramental de Cristo sob cada uma das espécies, a comunhão apenas sob a espécie de pão permite receber todo o fruto de graça da Eucaristia. Por razões pastorais, esta maneira de comungar estabeleceu-se legitimamente como a mais habitual no rito latino. «A sagrada Comunhão tem uma forma mais plena, enquanto sinal, quando é feita sob as duas espécies. Com efeito, nesta forma manifesta-se mais perfeitamente o sinal do banquete eucarístico» (228). É a forma habitual de comungar, nos ritos orientais.
OS FRUTOS DA COMUNHÃO
1391. A Comunhão aumenta a nossa união com Cristo. Receber a Eucaristia na comunhão traz consigo, como fruto principal, a união íntima com Cristo Jesus. De facto, o Senhor diz: «Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele» (Jo 6, 56). A vida em Cristo tem o seu fundamento no banquete eucarístico: «Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo Pai, também o que Me come viverá por Mim» (Jo 6, 57):
«Quando, nas festas do Senhor, os fiéis recebem o corpo do Filho, proclamam uns aos outros a boa-nova de que lhes foram dadas as arras da vida, como quando o anjo disse a Maria de Magdala: "Cristo ressuscitou!". Eis que também agora a vida e a ressurreição são conferidas àquele que recebe Cristo» (229).
1392. O que o alimento material produz na nossa vida corporal, realiza-o a Comunhão, de modo admirável, na nossa vida espiritual. A comunhão da carne de Cristo Ressuscitado, «vivificada pelo Espírito Santo e vivificante» (230), conserva, aumenta e renova a vida da graça recebida no Batismo. Este crescimento da vida cristã precisa de ser alimentado pela Comunhão eucarística, pão da nossa peregrinação, até à hora da morte, em que nos será dado como viático.
1393. A Comunhão afasta-nos do pecado. O corpo de Cristo que recebemos na Comunhão é «entregue por nós» e o sangue que nós bebemos é «derramado pela multidão, para remissão dos pecados». É por isso que a Eucaristia não pode unir-nos a Cristo sem nos purificar, ao mesmo tempo, dos pecados cometidos, e nos preservar dos pecados futuros:
«Sempre que O recebemos, anunciamos a morte do Senhor (231). Se nós anunciamos a morte do Senhor, anunciamos a remissão dos pecados. Se, de cada vez que o seu sangue é derramado, é derramado para remissão dos pecados, eu devo recebê-lo sempre, para que sempre Ele perdoe os meus pecados. Eu que peco sempre, devo ter sempre um remédio» (232).
1394. Tal como o alimento corporal serve para restaurar as forças perdidas, assim também a Eucaristia fortifica a caridade que, na vida quotidiana, tende a enfraquecer-se; e esta caridade vivificada apaga os pecados veniais (233). Dando-Se a nós, Cristo reaviva o nosso amor e torna-nos capazes de quebrar as ligações desordenadas às criaturas e de nos radicarmos n'Ele.
«Uma vez que Cristo morreu por nós por amor, quando nós fazemos memória da sua morte no momento do sacrifício, pedimos que esse amor nos seja dado pela vinda do Espírito Santo; suplicamos humildemente que, em virtude desse amor pelo qual Cristo quis morrer por nós, também nós, recebendo a graça do Espírito Santo, possamos considerar o mundo como crucificado para nós e sermos nós próprios crucificados para o mundo; [...] tendo recebido o dom do amor, morramos para o pecado e vivamos para Deus» (234).
1395. Pela mesma caridade que acende em nós, a Eucaristia preserva-nos dos pecados mortais futuros. Quanto mais participarmos na vida de Cristo e progredirmos na sua amizade, mais difícil nos será romper com Ele pelo pecado mortal. A Eucaristia não está ordenada ao perdão dos pecados mortais. Isso é próprio do sacramento da Reconciliação. O que é próprio da Eucaristia é ser o sacramento daqueles que estão na plena comunhão da Igreja.
1396. A unidade do corpo Místico: a Eucaristia faz a Igreja. Os que recebem a Eucaristia ficam mais estreitamente unidos a Cristo. Por isso mesmo, Cristo une todos os fiéis num só corpo: a Igreja. A Comunhão renova, fortalece e aprofunda esta incorporação na Igreja já realizada pelo Batismo. No Batismo fomos chamados a formar um só corpo (235). A Eucaristia realiza esta vocação: «O cálice da bênção que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque participamos desse único pão» (1 Cor 10, 16-17):
«Se sois o corpo de Cristo e seus membros, é o vosso sacramento que está colocado sobre a mesa do Senhor, é o vosso sacramento que recebeis. Vós respondeis «Ámen» [«Sim, é verdade!»] àquilo que recebeis e, ao responder, o subscreveis. Tu ouves esta palavra: «O corpo de Cristo»; e respondes: «Ámen», Então, sê um membro de Cristo, para que o teu «Ámen» seja verdadeiro» (326).
1397. A Eucaristia compromete-nos com os pobres: Para receber, na verdade, o corpo e o sangue de Cristo entregue por nós, temos de reconhecer Cristo nos mais pobres, seus irmãos (237):
«Saboreaste o sangue do Senhor e não reconheces sequer o teu irmão. Desonras esta mesa, se não julgas digno de partilhar o teu alimento aquele que foi julgado digno de tomar parte nesta mesa. Deus libertou-te de todos os teus pecados e chamou-te para ela; e tu nem então te tornaste mais misericordioso» (238).
1398. A Eucaristia e a unidade dos cristãos. Perante a grandeza deste mistério, Santo Agostinho exclama: «O sacramentum pietatis! O signum unitatis! O vinculum caritatis! – Ó sacramento da piedade, ó sinal da unidade, ó vínculo da caridade!» Quanto mais dolorosas se fazem sentir as divisões da Igreja que rompem a comum participação na mesa do Senhor, tanto mais prementes são as orações que fazemos ao Senhor para que voltem os dias da unidade completa de todos os que crêem n' Ele.
1399. As Igrejas orientais que não estão em comunhão plena com a Igreja Católica celebram a Eucaristia com um grande amor. «Essas Igrejas, embora separadas, têm verdadeiros sacramentos; e principalmente, em virtude da sucessão apostólica, o sacerdócio e a Eucaristia, por meio dos quais continuam unidos a nós por vínculos estreitíssimos» (240). Portanto, «uma certa comunhão in sacris é não só possível, mas até aconselhável em circunstâncias oportunas e com aprovação da autoridade eclesiástica» (241).
1400. As comunidades eclesiais saídas da Reforma, separadas da Igreja Católica, «não [conservaram] a genuína e íntegra substância do mistério eucarístico, sobretudo por causa da falta do sacramento da Ordem» (242). É por esse motivo que a intercomunhão eucarística com estas comunidades não é possível para a Igreja Católica. No entanto, estas comunidades eclesiais, «quando na santa ceia fazem memória da morte e ressurreição do Senhor, professam que a vida é significada na comunhão com Cristo e esperam a sua vinda gloriosa» (243).
1401. Se urgir uma grave necessidade, segundo o juízo do Ordinário os ministros católicos podem ministrar os sacramentos (Eucaristia, Penitência, Unção dos Enfermos) aos outros cristãos que não estão em plena comunhão com a Igreja Católica, mas que os pedem por sua livre vontade: requer-se, nesse caso, que manifestem a fé católica em relação a estes sacramentos e que se encontrem nas devidas disposições (244).
VII. A Eucaristia – «Penhor da futura glória»
1402. Numa antiga oração, a Igreja aclama assim o mistério da Eucaristia: «O sacrum convivium in quo Christus sumitur: recolitur memoria passionis eius; mens impletur gratia et futurae gloriae nobis pignus datur – Ó sagrado banquete, em que se recebe Cristo e se comemora a sua paixão, em que a alma se enche de graça e nos é dado o penhor da futura glória» (245). Se a Eucaristia é o memorial da Páscoa da Senhor, se pela nossa comunhão no altar somos cumulados da «plenitude das bênçãos se graças do céu» (246), a Eucaristia é também a antecipação da glória celeste.
1403. Na última ceia, o próprio Senhor chamou a atenção dos seus discípulos para a consumação da Páscoa no Reino de Deus: «Eu vos digo que não voltarei a beber deste fruto da videira, até o dia em que beberei convosco o vinho novo no Reino do meu Pai» (Mt 26, 29) (247). Sempre que a Igreja celebra a Eucaristia, lembra-se desta promessa, e o seu olhar volta-se para «Aquele que vem» (Ap 1, 4). Na sua oração, ela clama pela sua vinda: «Marana tha» (1Cor 16, 22), «Vem, Senhor Jesus!» (Ap 22, 20), «que a Tua graça venha e que este mundo passe!» (248).
1404. A Igreja sabe que, desde já, o Senhor vem na sua Eucaristia e que está ali, no meio de nós. Mas esta presença é velada. E é por isso que nós celebramos a Eucaristia «expectantes beatam spem et adventum Salvatoris nostri Jesu Christi – enquanto aguardamos a feliz esperança e a vinda de Jesus Cristo nosso Salvador» (249), pedindo a graça de ser acolhidos «com bondade no vosso Reino, onde também nós esperamos ser ser recebidos, para vivermos [...] eternamente na vossa glória, quando enxugardes todas as lágrimas dos nossos olhos; e, vendo-Vos tal como sois, Senhor nosso Deus, seremos para sempre semelhantes a Vós e cantaremos sem fim os vossos louvores, por Jesus Cristo nosso Senhor» (250).
1405. Desta grande esperança – dos novos céus e da nova terra, onde habitará a justiça (251) – não temos garantia mais segura nem sinal mais manifesto do que a Eucaristia. Com efeito, cada vez que se celebra este mistério, «realiza-se a obra da nossa redenção» (252) e nós «partimos o mesmo pão, que é remédio de imortalidade, antídoto para não morrer, mas viver em Jesus Cristo para sempre» (253).
Resumindo:
1406. Jesus diz: «Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente [...] Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna [...], permanece em Mim, e Eu nele» (Jo 6, 51.54.56).
1407. A Eucaristia é o coração e o cume da vida da Igreja, porque nela Cristo associa a sua Igreja e todos os seus membros ao seu sacrifício de louvor e de acção de graças, oferecido ao Pai uma vez por todas na cruz; por este sacrifício, Ele derrama as graças da salvação sobre o seu corpo, que é a Igreja.
1408. A celebração eucarística inclui sempre: a proclamação da Palavra de Deus, a acção de graças a Deus Pai por todos os seus benefícios, sobretudo pelo dom do seu Filho, a consagração do pão e do vinho e a participação no banquete litúrgico pela recepção do corpo e do sangue do Senhor Estes elementos constituem um só e mesmo acto de culto.
1409. A Eucaristia é o memorial da Páscoa de Cristo, isto é, da obra do salvação realizada pela vida, morte e ressurreição de Cristo, obra tornada presente pela acção litúrgica.
1410. É o próprio Cristo, sumo e eterno sacerdote da Nova Aliança, que, agindo pelo ministério dos sacerdotes, oferece o sacrifício eucarístico. E é ainda o mesmo Cristo, realmente presente sob as espécies do pão e do vinho, que é a oferenda do sacrifício eucarístico.
1411. Só os sacerdotes validamente ordenados podem presidir à Eucaristia e consagrar o pão e o vinho, para que se tornem o corpo e o sangue do Senhor:
1412. Os sinais essenciais do sacramento eucarístico são o pão de trigo e o vinho da videira, sobre os quais é invocada a bênção do Espírito Santo, e o sacerdote pronuncia as palavras da consagração ditas por Jesus durante a última ceia: «Isto é o meu corpo, que será entregue por vós... Este é o cálice do meu sangue...».
1413. Pela consagração, opera-se a transubstanciação do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo. Sob as espécies consagradas do pão e do vinho, o próprio Cristo, vivo e glorioso, está presente de modo verdadeiro, real e substancial, com o seu corpo e o seu sangue, com a sua alma e a sua divindade (254).
1414. Enquanto sacrifício, a Eucaristia é oferecida também em reparação dos pecados dos vivos e dos defuntos e para obter de Deus benefícios espirituais ou temporais.
1415. Aquele que quiser receber Cristo na Comunhão eucarística deve encontrar-se em estado de graça. Se alguém tiver consciência de ter pecado mortalmente, não deve aproximar-se da Eucaristia sem primeiro ter recebido a absolvição no sacramento da Penitência.
1416. A sagrada Comunhão do corpo e sangue de Cristo aumenta a união do comungante com o Senhor perdoa-lhe os pecados veniais e preserva-o dos pecados graves. E uma vez que os laços da caridade entre o comungante e Cristo são reforçados, a recepção deste sacramento reforça a unidade da Igreja, corpo Místico de Cristo.
1417. A Igreja recomenda vivamente aos fiéis que recebam a sagrada Comunhão quando participam na celebração da Eucaristia; e impõe-lhes a obrigação de o fazerem ao menos uma vez por ano.
1418. Uma vez que Cristo em pessoa está presente no Sacramento do Altar; devemos honrá-Lo com culto de adoração. «A visita ao Santíssimo Sacramento é uma prova de gratidão, um sinal de amor e um dever de adoração para com Cristo nosso Senhor» (255).
1419. Tendo passado deste mundo para o Pai, Cristo deixou-nos na Eucaristia o penhor da glória junto d'Ele: a participação no santo sacrifício identifica-nos com o seu coração, sustenta as nossas forças ao longo da peregrinação desta vida, faz-nos desejar a vida eterna e desde já nos une à Igreja do céu, à Santíssima Virgem e a todos os santos.
Notas
1. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 65, a. 1. c: Ed. Leon. 12, 56-57.
2. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 65. a. 3. c: Ed. Leon. 12, 60.
3. Paulo VI, Const. Ap. Divinae consortium naturae: AAS 63 (1971) 657: cf. Ordo initiationis christianae adultorum, Praenotanda 1-2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1972) p. 7 [Iniciação cristã dos adultos, Segunda Edição, Preliminares, 1-2 (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1996) p. 9-10]
4. Cf. Concílio de Florença, Decretum pro Armenis: DS 1314: CIC can 204, § 1. 849; CCEO can 675 § 1.
5. CatRom 2, 2, 5, p. 179.
6. Cf. Rm 6, 3-4; Cl 2, 12.
7. São Justino, Apologia 1, 61: CA 1, 168 (PG 6, 421).
8. Cf. Heb 10, 32.
9 Cf. 1 Ts 5, 5.
10. São Gregório Nazianzo, Oratio 40, 3-4: SC 358, 202-204 (PG 36, 361-364).
11. Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 283 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 315].
12. Cf. Gn 1, 2.
13. Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p. 283 [A tradução oficial portuguesa desta oração não inclui a metáfora da «concepção»: «Logo no princípio do mundo, o vosso Espírito pairava sobre as águas, prefigurando o seu poder de santificar»: Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 315].
14. Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 283 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. 3151.
15. Vigília Pascal, Bênção da água: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 283 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 315].
16. Cf. Mt 3, 13.
17. Cf. Mc 16, 15-16.
18. Cf. Mt 3, 15.
19. CL Fl 2, 7.
20. Cf. Mt 3, 16-17.
21. Cf. Mc 10, 38; Lc 12, 50.
22. Cf. Jo 19, 34.
23. Cf.. 1 Jo 5, 6-8.
24. Santo Ambrósio, De sacramentis 2, 2, 6: CSEL73, 27-28 (PL16, 425-426).
25. Cf. Act 2, 41: 8, 12-13; 10, 48; 16, 15.
26. Cf. Cl 2, 12.
27. Cf. Gl 3, 27.
28. Cf. 1 Cor 6, 11; 12, 13.
29. Cf. 1 Pe 23; Ef 5, 26.
30. Santo Agostinho, In Iohannis evangelium tractatus 80, 3: CCL 36, 529 (PL 35, 1840).
31. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 64: AAS 56 (1964) 117.
32. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 65: AAS 56 (1964) 117; cf. Ibid., 37-40: AAS 56 (1964) 110-111.
33. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 14: AAS 58 (1966) 963: CIC can. 851.865 866.
34. Cf. CIC can. 851, 2. 868.
35. Cf. Rm 6, 17.
36. Cf. Ordo Baptismi parvulorum, 62 (Typis Polyglottis Vaticanis 1969) p. 32 [Celebração do Baptismo das crianças, 62, Segunda edição típica (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1994), p.61).
37. Cf. Gl 3, 27.
38. Cf. Fl 2, 15.
39. CIC can.864; cf. CCEO. can.679.
40. II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 14: AAS 58 (1966) 962-963; cf. Ordo initiationis christianae adultorum, Praenotanda 19 (Typis Polyglottis Vaticanis 1972) p. 11 Iniciação cristã dos adultos. Segunda Edição, Preliminares, 19 (Coimbra, Gráfica de Coimbra - Conferência Episcopal Portuguesa. 1996) p. 26-27); Ibid., De tempore catechumenatus eiusque ritibus 98, p. 36 [Ibid.. O tempo do catecumenado e os seus ritos 98. p. 66].
41. II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 14: AAS 58 (1966) 963.
42. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 14: AAS 57 (1965) 19: cf. CIC can. 206.788.
43. Cf. Concílio de Trento, Sess. 5ª, Decretum de peccato originali, can. 4: DS 1514.
44. Cf. Cl 1, 12-14.
45. Cf. CIC can. 867: CCEO can. 868. § 1.
46. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15-16; Ibid., 41: AAS 57 (1965) 47; Id., Const. past. Gaudium et spes, 48: AAS 58 (1966) 1067-1069; CIC can. 774. § 2. 1136.
47. Cf. Act 16, 15. 33; 18, 8; 1 Cor 1, 16.
48. Cf. Sagrada Congregação da Doutrina da Fé, Instr. Pastoralis actio, 4: AAS 72 (1980) 1139.
49. Cf. Mc 16, 16.
50. Cf. CIC can. 872-874.
51. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 67: AAS 56 (1964) 118.
52. Cf. CIC can. 861, § 1; CCEO can. 677, § 1.
53. Cf. CIC can. 861, § 2.
54. Cf. 1 Tm 2, 4.
55 Cf. Mc 16, 16.
56. Cf. Jo 3, 5.
57. Cf. Mt 28, 20. Cf. Concílio de Trento, Sess. 7°, Decretum de sacramentis, Canones de sacramento Baptismi, can. 5: DS 1618; II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 14: AAS 57 (1965) 18: ID., Decr. Ad gentes, 5: AAS 58 (1966) 951-952.
58. Cf. Mc 16, 16.
59. II Concílio do Vaticano, Const. past. Gaudium et spes. 22: AAS 58 (1966) 1043; cf. In.. Const. dogm. Lumen Gentium, 16: AAS 57 (1965) 20; In. Decr. Ad gentes, 7: AAS 58 (1966) 955.
60. Cf. Act 2, 38: Jo 3, 5.
61. Cf. Concílio de Florença, Decretum pro Armenis: DS 1316.
62. Concílio de Trento, Decretum de peccato originali, can. 5: DS 1515.
63. Cf. 2 Cor 5, 17.
64. Cf. Gl 4, 5-7.
65. Cf. 2 Pe 1, 4.
66. Cf. 1 Cor 6, 15; 12, 27.
67. Cf. Rm 8, 17.
68. Cf. 1 Cor 6, 19.
69. Cf. 1 Cor 6, 19.
70. Cf. 2 Cor 5, 15.
71. Cf. Ef 5, 21: 1 Cor 16, 15-16.
72. Cf. Jo 13, 12-15.
73. Cf. Heb 13, 17.
74. Cf. 1 Ts 5, 12-13.
75. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 37: AAS 57 (1965) 42-43; CIC can. 208-223: CCEO can 675, § 2.
76. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium. 11: AAS 57 (1965) 16.
77. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 17: AAS 57 (1965) 21; Id., Decr. Ad gentes. 7: AAS 58 (1966) 956; Ibid., 23: AAS 58 (1966) 974-975.
78. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 3: AAS 57 (1965) 93.
79. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 22: AAS 57 (1965)105.
80. Cf. Rm 8, 29.
81. Cf. Concílio de Trento, Sess. 7ª, Decretum de sacramentis, Canones de sacramentis in genere, can. 9: DS 1609: Ibid., Canones de sacramento Baptismi. can. 6: DS 1619.
82. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11:AAS 57 (1965) 16.
83. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 10: AAS 57 (1965) 15-16.
84. Cf. Santo Agostinho, Epistula 98, 5: CSEL 34, 527 (PL 33, 362).
85. Cf. Ef 1, 13-14; 2 Cor 1, 21-22.
86. Santo Ireneu de Lião, Demonstratio praedicationis apostolicae, 3: SC 62, 32.
87. Oração Eucarística I ou Cânone Romano: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 454 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 521].
88. Cf. Concílio de Trento, Sess. Decretum de sacramentis, Canones de sacramentis in genere, can. 9: DS 1609; Ibid., Canones de sacramento Baptismi. can.11: DS 1624.
89. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 16: AAS 57 (1965) 20.
90. Cf. Ordo Confirmationis, Praenotanda 1 (Typis Polyglottis Vaticanas 1973) p. 16 [Celebração da Confirmação, Preliminares 1 (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p. 21].
91. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15: cf. Ordo Confirmationis, Praenotanda 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 16 [Celebração da Confirmação, Preliminares 2 (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p. 21].
92. Cf. Is 11. 2.
93. Cf. Lc 4, 16-22; Is 61, 1.
94. Cf. Mt 3, 13-17; Jo 1, 33-34.
95. Cf. Ez 36, 25-27; Jo 3, 1-2.
96. Cf. Lc 12, 12; Jo 3, 5-8: 7, 37-39; 16, 7-15; Act 1, 8.
97. Cf. Jo 20, 22.
98. Cf. Act 2, 1-4.
99. Cf. Act 2, 17-18.
100. Cf. Act 2, 38.
101. Cf. Act 8, 15-17; 19, 5-6.
102. Cf. Heb 6, 2.
103. Paulo VI. Const. ap. Divinae consortium naturae: AAS 63 (1971) 659.
104. Cf. São Cipriano de Cartago, Epistula 73, 21: CSEL 3/2, 795; (1996), CCL 3C. 556 (PL 3, 1169).
105. Cf. CCEO can. 695, § 1. 696. § 1.
106. Cf. Santo Hipólito de Roma, Traditio apostolica, 21: ed. B. Botte (Münster i.W. 1989) p. 50 e 52.
107. Cf. Dt 11, 14; etc.
108. Cf. Sl 23, 5: 104, 15.
109. Cf. Is 1, 6: Lc 10, 34.
110. Cf. 2 Cor 2, 15.
111. Cf. Gn 38, 18; Cf . 8, 6.
112. Cf. Gn 41, 42.
113. Cf. Dt 32. 34.
114. Cf. 1 Rs 21, 8.
115. Cf. Jr 32, 10.
116. Cf. Is 29, 11.
117. Cf. Jo 6, 27.
118. Cf. Ef 1, 13; 4, 30.
119. Cf. Ap 7, 2-3; 9. 4; Ez 9, 4-6.
120. Pontificale iuxta ritum Syrorum Occidentalium id est Antiochiae, Pars I, Versio latina (Typis Polyglottis Vaticanis 1941) p. 36-37.
121. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 71: AAS 56 (1964) 118.
122. Cf. CIC can. 866.
123. Ordo Confirmationis, 25 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973). p. 26 [Celebração da Confirmação, 25 (Coimbra, Gráfica de Coimbra — Conferência Episcopal Portuguesa, 1991) p. 33].
124. Paulo VI. Const. Ap. Divinae consortium naturae: AAS 63 (1971) 657 [Celebração da Confïrmação, Const. ap. sobre o Sacramento da Confirmação (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa. 1991) p. 19].
125. Rituale per le Chiese orientali di rito bizantino in lingua greca, Pars 1 (Libreria Editrice Vaticana 1954) p. 36.
126 Cf. Santo Hipólito, Traditio apostolica, 21: ed. B. Botte (Münster i.W. 1989) p. 54.
127. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15.
128. Cf. Concílio de Florença, Decretum por Armenis: DS 1319: II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15; Ibid., 12: AAS 57 (1965) 16.
129. Santo Ambrósio, De mysteriis, 7, 42: CSEL 73, 106 (PL 16, 402-403).
130. Cf. Concílio de Trento, Decretum de sacramentis. Canones de sacramentis in genere, can. 9: DS 1609.
131.Cf. Lc 24, 48-49.
132. São Tomás de Aquino, Summa theologiae 3, q. 72, a. 5. ad 2: Ed. Leon. 12. 130.
133. Cf. CIC can. 889. § 1.
134. CIC can. 890.
135. Cf. CIC can. 891.883. 3.
136. São Tomás de Aquino, Summa theologiae 3, q. 72. a. 8, ad 2: Ed. Leon. 12. 133.
137. Ordo Confirmationis, Praenotanda 3 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 16 [Celebração da Confirmação, Preliminares 3 (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa. 1991) p. 12].
138. Cf. Act 1, 14.
139. Cf. Ordo Confirmationis, Praenotanda 5 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 17 [Celebração da Confirmação, Preliminares 5 (Coimbra, Gráfica de Coimbra – Conferência Episcopal Portuguesa. 1991) p. 22]: Ibid., 6: (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 17 [(Coimbra, Gráfica de Coimbra - Conferência Episcopal Portuguesa. 1991) 22]: CIC can 893, § 1-2.
140. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 26: AAS 57 (1465) 32.
141. Cf. CIC can. 883, § 2.
142. Cf. CIC can. 882.
143. Cf. CIC. can. 884, § 2.
144. Cf. CIC can 883, 3.
145. II Concílio do Vaticano, Sacrosactum concilium, 47: .AAS 56 (1964) 113.
146. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 11: AAS 57 (1965) 15.
147. II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 5: AAS 58 (1966) 997.
148. Sagrada Congregação dos Ritos, Instr. Eucharisticum mysterium, 6: AAS 59 (1967) 545.
149. Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses 4, 18, 5: SC 100, 610 (PG 7, 1028).
150. Cf. 1 Cor 11, 20.
151. Cf. Ap 19, 9.
152. Cf. Mt 14, 19; 15, 36; Mc 8, 6.19.
153. Cf. Mt 26, 26: 1 Cor 11, 24.
154. Cf. Lc 24, 13-35.
155. Cf. Act 2, 42.46: 20, 7.11.
156. Cf. 1 Cor 10, 16-17.
157. Cf. 1 Cor 11, 17-34.
158. Cf. Sl 116, 13.17.
159. Cf. 1 Pe 2, 5. '
160. Cf. Ml 1, 11.
161. Cf. 1 Cor 10, 16-17.
162. Cf. Constitutiones apostolicae 8, 13, 12: SC: 336, 208 (Funk, Didascalia et Constitutiones Apostolorum 1, 516); Didaké 9,5: SC 248, 178 (Funk, Patres apostolici 1, 22); Ibid. 10, 6: SC 248. 180 (Funk, Patres apostolici 1, 24).
163. Santo Inácio de Antioquia, Epistula ad Ephesios 20, 2: SC 10 bis, 76 (Funk 1, 230).
164. Cf. Sl 104, 13-15.
165. Cf. Oração Eucarística 1 ou Cânone Romano, 95: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p. 453 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. 521].
166. Cf. Dt 8, 3.
167. Cf. Mt 14, 13-21; 15, 32-39.
168. Cf. Jo 2, 11.
169. Cf. Mc 14, 25.
170. Cf. Jo 13, 1-17.
171. Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de ss. Missae Sacrificio, c. 1: DS 1740.
172. Cf. Jo 6, 13
173. Cf. Mt 26, 17-29; Mc 14, 12-25; 1 Cor 11, 23-25.
174. II Concílio do Vaticano, Decr. Ad gentes, 1: AAS 58 (1966) 947.
175. São Justino, Apologia, 1. 67: CA 1. 184-186 (PG 6. 429).
176. São Justino, Apologia, 1. 65: CA 1, 176-180 (PG 6. 428)
177. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 56: AAS 56 (1964) 115.
178. Cf. III Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 21: AAS 58 (1966) 827.
179. Cf. Lc 24, 13-35.
180. Cf. 1 Ts 2, 13.
181. Santo Ireneu de Lião, Adversus haereses 4. 18, 4: SC 100, 606 (PG 7, 1027): cf. Mt 1. 11.
182. Cf. 1 Cor 16, 1.
183. Cf. 2 Cor 8, 9.
184. São Justino, Apologia, 1. 67, 6: CA 1, 186-188 (PG 6, 429).
185. Cf. Oração Eucarística 1 ou Cânone Romano, 90: Missale Romarum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970). p.451 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 518].
186 São Justino, Apologia, 1, 65: CA 1, 180 (PG 6, 428).
187. São Justino, Apologia, 1, 66, 1-2: CA 1. 180 (PG 6, 428).
188. Cf. Ex 13. 3.
189. Cf. Heb 7, 25-27.
190. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6.
191. Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de ss. Missae Sacrificio, c. 1: DS 1740.
192. Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de ss. Missae Sacrificio, c. 2: DS 1743.
193. Ibid.
194. Santo Inácio de Antioquia, Epistula Ad Smyrnaeos 8, 1: SC 10bis. 138 (Funk 1, 282).
195. II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 2: AAS 58 (1966) 993.
196. Concílio de Trento, Sess. 22ª, Doctrina de ss. Missae Sacrificio, c. 2: DS 1743.
197. Santo Agostinho, Confissões 9, II, 27: CCL 27, 149 (PL 32, 775): palavras de Santa Mónica, antes de morrer, a Santo Agostinho e ao seu irmão.
198. São Cirilo de Jerusalém, Catecheses mystagogicae 5, 9-10: SC 126, 158-160 (PG 30, 1116-1117).
199. Santo Agostinho, De Civitate Dei 10, 6: CSEL 40/1, 456 (PL 41, 284).
200. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 48: AAS 57 (1965) 53.
201. Cf. Mt 25, 31-46
202. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 7: AAS 56 (1964) 100-101.
203. São Tomás de Aquino, Summa theologiae 3, q. 73, a. 3, c: Ed. Leon. 12, 140.
204. Concílio de Trento, Sess. 13ª, Decretum de s.s. Eucharistia, can. 1: Ds 1651.
205. Paulo VI, Enc. Mysterium fidei: AAS 57 (1965) 764.
206. São João Crisóstomo, De proditione Iudae homilia 1, 6: PG 49, 380.
207. Santo Ambrósio, De mysteriis 9, 50: CSEL 73, 110 (PL 16, 405).
208. Ibid.. 9, 52: CSEL 73, 112 (PL 16, 407).
209. Concílio de Trento, Sess. 13ª, Decretum de ss. Eucharista, c. 4: DS 1642.
210. Cf. Concílio de Trento, Sess. 13ª, Decretum de ss. Eucharista. c. 3: DS 1641.
211. Paulo VI, Enc. Mysterium fidei: AAS 57 (1965) 769.
212. Cf. Gl 2, 20.
213. João Paulo II, Ep. Dominicae Cenae, 3: AAS 72 (1980) 119; cf. Enchiridion Vaticanum 7, 177.
214. Paulo VI, Enc. Mysterium fidei: AAS 57 (1965) 757; cf. São Tomás de Aquino, Summa theologiae, 3. q. 75, a. 1. c: Ed. Leon. 12, 156; São Cirilo de Alexandria, Commentarius in Lucam 22, 19: PG 72, 912.
215. AHMA 50, 589.
216. Santo Ambrósio, De Sacramentis, 5, 7: CSEL 73, 61 (PL 16, 447).
217 Santo Ambrósio, De Sacramentis, 4, 7: CSEL73. 49 (PL 16. 437).
218. Oração Eucarística I ou Cânone Romano, 96: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanas 1970). p.453 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992. 521].
219. Cf. Mt 8, 8.
220. Rito da Comunhão. 133: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p.474 [Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992, 546).
221. Liturgia Bizantina. Anáfora de São João Crisóstomo, Prece antes da Comunhão: F. E. Brightman, Liturgies Eastern and Western (Oxford 1896) p. 394 (PG 63, 920).
222. Cf. CIC can. 919.
223. Cf. CIC can. 916-917: AAS 75 (1983 II), pp. 165-166.
224. Os fiéis, no mesmo dia. só podem receber a ss. Eucaristia uma segunda vez. Comissão Pontifícia para a Interpretação Autêntica do Código de Direito Canónico, Responsa ad proposita dubia, 1: AAS 76 (1984) 746.
225. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 55: AAS 56 (1964) 115.
226. Cf. Decr. Ecclesiarum Orientalium, 15: AAS 57 (1965) 81.
227. Cf. CIC can. 920.
228. Instrução geral do Missal Romano, 240: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p.68 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 51].
229. Fanqîth. Breviarium iuxta ritum Ecclesiae Antiochenae Syrorum, v. 1 (Mossul 1886) p. 237 a-b.
230. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 5: AAS 58 (1966)997.
231. Cf. I Cor 11, 26.
232. Santo Ambrósio, De Sacramentis, 4. 28: CSEL 73, 57-58 (PL 16, 446).
233. Cf. Concílio de Trento, Sess. 13ª. Decretum de ss. Eucharista, c. 2: DS 1638.
234. São Fulgêncio de Ruspas, Contra gesta Fabiani 28, 17: CCL 91A, 813-814 (PL 65, 789).
235. Cf. 1 Cor 12, 13.
236. Santo Agostinho, Sermão 272: PL 38, 1247.
237. Cf. Mt 25, 40.
238 São João Crisóstomo, In epistulam I ad Corinthios, homilia 27. 5: PG 61, 230.
239. Santo Agostinho, In Iohannis evangelium tractatus 26, 13: CCL 36. 266 (PL 35, 1613): cf. II Concílio do Vaticano, Const. Sacrosanctum Concilium, 47: AAS 56 (1964) 113.
240. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 15: AAS 57 (1965) 102.
241. II Concílio do Vaticano, Decr, Unitatis redintegratio, 15: AAS 57 (1965) 102: ef. CIC can.844, § 3.
242. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 22: AAS 57 (1965) 106.
243. II Concílio do Vaticano, Decr. Unitatis redintegratio, 22: AAS 57 (1965) 106.
244. Cf. CIC can. 844. § 4.
245. Na solenidade do santíssimo corpo e sangue de Cristo, Antífona do «Magnificat» das Vésperas II: Liturgia Horarum, editio typica, v. 3 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 502 [Liturgia das Horas. v. 3 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 621].
246. Oração Eucarística I ou Cânone Romano. 96: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p.453 [Missal Romano. Gráfica de Coimbra 1992, 521].
247. Cf. Lc 22, 18: Mc 14. 25.
248. Didaké 10, 6: SC 248, 180 (Funk, Patres apostolici 1, 24).
249. Rito de Comunhão, 126 [Embolismo depois do Pai Nosso]: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p.472 [a tradução oficial portuguesa difere um pouco: «enquanto esperamos a vinda gloriosa de Jesus Cristo nosso Salvador»: Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 5451: cf. Tt 2, 13.
250. Oração Eucarística III, 116: Missale Romanum, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970), p. 465 [Missal Romano, Gráfica de Coimbra 1992, 535].
251. Cf. 2 Pe 3, 13.
252. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 3: AAS 57 (1965) 6.
253. Santo Inácio de Antiquia, Epistula ad Ephesios, 20, 2: SC l0bis. 76 (Funk 1, 230).
254. Cf. Concílio de Trento, Sess. 13ª, Decretum de ss. Eucharistae. c. 3: DS 1640; Ibid., can. 1: DS 1651.
255. Paulo VI, Enc. Mysterium fidei: AAS 57 (1965) 771.
Os Sete Sacramentos da Igreja: A Confirmação - CIC §1285-§1321
SEGUNDA PARTE
A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
SEGUNDA SEÇÃO
OS SETE SACRAMENTOS DA IGREJA
CAPÍTULO PRIMEIRO
OS SACRAMENTOS DA INICIAÇÃO CRISTÃ
ARTIGO 2
O SACRAMENTO DA CONFIRMAÇÃO
1285. Com o Batismo e a Eucaristia, o sacramento da Confirmação constitui o conjunto dos «sacramentos da iniciação cristã», cuja unidade deve ser salvaguardada. Por isso, é preciso explicar aos fiéis que a recepção deste sacramento é necessária para a plenitude da graça batismal (90). Com efeito, os batizados «pelo sacramento da Confirmação, são mais perfeitamente vinculados à Igreja, enriquecidos com uma força especial do Espírito Santo e deste modo ficam mais estritamente obrigados a difundir e a defender a fé por palavras e obras, como verdadeiras testemunhas de Cristo» (91).
I. A Confirmação na economia da salvação
1286. No Antigo Testamento, os profetas anunciaram que o Espírito do Senhor repousaria sobre o Messias esperado (92), em vista da sua missão salvífica (93). A descida do Espírito Santo sobre Jesus, aquando do seu batismo por João, foi o sinal de que era Ele o que havia de vir, de que era o Messias, o Filho de Deus (94). Concebido pelo poder do Espírito Santo, toda a sua vida e toda a sua missão se realizam numa comunhão total com o mesmo Espírito Santo, que o Pai Lhe dá «sem medida» (Jo 3, 34).
1287. Ora, esta plenitude do Espírito não devia permanecer unicamente no Messias: devia ser comunicada a todo o povo messiânico (95). Repetidas vezes, Cristo prometeu esta efusão do Espírito promessa que cumpriu, primeiro no dia de Páscoa (97) e depois, de modo mais esplêndido, no dia de Pentecostes (98). Cheios do Espírito Santo, os Apóstolos começaram a proclamar «as maravilhas de Deus» (Act 2, 11) e Pedro declarou que esta efusão do Espírito era o sinal dos tempos messiânicos (99). Aqueles que então acreditaram na pregação apostólica, e se fizeram batizar, receberam, por seu turno, o dom do Espírito Santo (100).
1288. «A partir de então, os Apóstolos, para cumprirem a vontade de Cristo, comunicaram aos neófitos, pela imposição das mãos, o dom do Espírito para completar a graça do Batismo (101). É por isso que, na Epístola aos Hebreus, se menciona, entre os elementos da primeira instrução cristã, a doutrina sobre os Batismos e também sobre a imposição das mãos (102). A imposição das mãos é justificadamente reconhecida, pela Tradição católica, como a origem do sacramento da Confirmação que, de certo modo, perpetua na Igreja a graça do Pentecostes» (103).
1289. Bem cedo, para melhor significar o dom do Espírito Santo, se acrescentou à imposição das mãos uma unção com óleo perfumado (crisma). Esta unção ilustra o nome de «cristão», que significa «ungido»,e que vai buscar a sua origem ao próprio nome de Cristo, aquele que «Deus ungiu com o Espírito Santo» (Act 10, 38). E este rito da unção mantém-se até aos nossos dias, tanto no Oriente como no Ocidente. É por isso que, no Oriente, este sacramento se chama crismação (= unção do crisma), ou myron, que significa «crisma». No Ocidente, o nome de Confirmação sugere que este sacramento confirma o Batismo e, ao mesmo tempo, consolida a graça batismal.
DUAS TRADIÇÕES: O ORIENTE E O OCIDENTE
1290. Nos primeiros séculos, a Confirmação constitui geralmente uma única celebração com o Batismo, formando com ele, segundo a expressão de São Cipriano, um «sacramento duplo» (104). Entre outras razões, a multiplicação dos batismos de crianças, e isto em qualquer tempo do ano, e a multiplicação das paróquias (rurais), ampliando as dioceses, deixaram de permitir a presença do bispo em todas as celebrações batismais. No Ocidente, porque se desejava reservar ao bispo o completar do Batismo, instaurou-se a separação, no tempo, dos dois sacramentos. O Oriente conservou unidos os dois sacramentos, de tal modo que a Confirmação é dada pelo sacerdote que batiza. Este, no entanto, só o pode fazer com o «myron» consagrado por um bispo (105).
1291. Um costume da Igreja de Roma facilitou a expansão da prática ocidental, graças a uma dupla unção com o santo crisma, depois do batismo: a unção já feita pelo sacerdote ao neófito ao sair do banho batismal é completada por uma segunda unção, feita pelo bispo na fronte de cada um dos novos batizados (106). A primeira unção com o santo crisma, feita pelo sacerdote, ficou ligada ao rito batismal e significa a participação do batizado nas funções profética, sacerdotal e real de Cristo. Se o Batismo é conferido a um adulto, há apenas uma unção pós-batismal: a da Confirmação.
1292. A prática das Igrejas do Oriente sublinha mais a unidade da iniciação cristã. A da Igreja latina exprime, com maior nitidez, a comunhão do novo cristão com o seu bispo, garante e servidor da unidade da sua Igreja, da sua catolicidade e da sua apostolicidade; e assim, a ligação com as origens apostólicas da Igreja de Cristo.
II. Os sinais e o rito da Confirmação
1293. No rito deste sacramento, convém considerar o sinal da unção e o que essa unção designa e imprime: o selo espiritual.
A unção, na simbologia bíblica e antiga, é rica de numerosas significações: o óleo é sinal de abundância (107) e de alegria (108), purifica (unção antes e depois do banho) e torna ágil (unção dos atletas e lutadores): é sinal de cura, pois suaviza as contusões e as feridas (109) e torna radiante de beleza, saúde e força.
1294. Todos estes significados da unção com óleo se reencontram na vida sacramental. A unção antes do Batismo, com o óleo dos catecúmenos, significa purificação e fortalecimento; a unção dos enfermos exprime cura e conforto. A unção com o santo crisma depois do Batismo, na Confirmação e na Ordenação, é sinal duma consagração. Pela Confirmação, os cristãos, quer dizer, os que são ungidos, participam mais na missão de Jesus Cristo e na plenitude do Espírito Santo de que Ele está repleto, a fim de que toda a sua vida espalhe «o bom odor de Cristo» (110)
1295. Por esta unção, o confirmando recebe «a marca», o selo do Espírito Santo. O selo é o símbolo da pessoa (111), sinal da sua autoridade (112), da sua propriedade sobre um objeto (113). Era assim que se marcavam os soldados com o selo do seu chefe e também os escravos com o do seu dono. O selo autentica um acto jurídico (114) ou um documento (115) e, eventualmente, torna-o secreto (116).
1296. O próprio Cristo se declara marcado com o selo do Pai (117). O cristão também está marcado com um selo: «Foi Deus que nos concedeu a unção, nos marcou também com o seu selo e depôs as arras do Espírito em nossos corações» (2 Cor 1, 21-22) (118). Este selo do Espírito Santo marca a pertença total a Cristo, a entrega para sempre ao seu serviço, mas também a promessa da proteção divina na grande prova escatológica (119).
A CELEBRAÇÃO DA CONFIRMAÇÃO
1297. Um momento importante que precede a celebração da Confirmação, mas que, de certo modo, faz parte dela, é a consagração do santo crisma. É o bispo que, em Quinta-Feira Santa, no decorrer da missa crismal, consagra o santo crisma para toda a sua diocese. Nas Igrejas do Oriente, esta consagração é mesmo reservada ao Patriarca:
A liturgia de Antioquia exprime assim a epiclese da consagração do santo crisma (myron, em grego): «[Pai (...), envia o Teu Espírito Santo] sobre nós e sobre este óleo que está diante de nós e consagra-o, para que seja para todos os que com ele forem ungidos e marcados, myron santo, myron sacerdotal, myron real, unção de alegria, a veste da luz, o manto da salvação, o dom espiritual, a santificação das almas e dos corpos, a felicidade imperecível, o selo indelével, o escudo da fé, o capacete invencível contra todas as obras do Adversário» (120).
1298. Quando a Confirmação é celebrada separadamente do Batismo, como acontece no rito romano, a Liturgia do sacramento começa pela renovação das promessas do Batismo e pela profissão de fé dos confirmandos. Assim se evidencia claramente que a Confirmação se situa na continuação do Batismo (121). No caso do Batismo dum adulto, este recebe imediatamente a Confirmação e participa na Eucaristia (122).
1299. No rito romano, o bispo estende as mãos sobre o grupo dos confirmandos, gesto que, desde o tempo dos Apóstolos, é sinal do dom do Espírito. E o bispo invoca assim a efusão do Espírito:
«Deus todo-poderoso, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, pela água e pelo Espírito Santo, destes uma vida nova a estes vossos servos e os libertastes do pecado, enviai sobre eles o Espírito Santo Paráclito; dai-lhes, Senhor, o espírito de sabedoria e de inteligência, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de ciência e de piedade, e enchei-os do espírito do vosso temor. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo» (123).
1300. Segue-se o rito essencial do sacramento. No rito latino, «o sacramento da Confirmação é conferido pela unção do santo crisma sobre a fronte, feita com a imposição da mão, e por estas palavras: «Accipe signaculum doni Spiritus Sancti – Recebe por este sinal o Espírito Santo, o Dom de Deus» (124). Nas Igrejas orientais de rito bizantino, a unção do myron faz-se depois duma oração de epiclese, sobre as partes mais significativas do corpo: a fronte, os olhos, o nariz, os ouvidos, os lábios, o peito, as costas, as mãos e os pés, sendo cada unção acompanhada da fórmula: «Σφραγίζ δωραζ Πυεύματζ Άγίoυ» («Signaculum doni Spiritus Sancti – Selo do dom que é o Espírito Santo» ) (125).
1301. O ósculo da paz, com que termina o rito do sacramento, significa e manifesta a comunhão eclesial com o bispo e com todos os fiéis (126).
III. Os efeitos da Confirmação
1302. Ressalta desta celebração que o efeito do sacramento da Confirmação é uma efusão especial do Espírito Santo, tal como outrora foi concedida aos Apóstolos, no dia de Pentecostes.
1303. Por esse facto, a Confirmação proporciona crescimento e aprofundamento da graça batismal:
– enraíza-nos mais profundamente na filiação divina, que nos leva a dizer « Abba! Pai!» (Rm 8, 15);
– une-nos mais firmemente a Cristo;
– aumenta em nós os dons do Espírito Santo;
– torna mais perfeito o laço que nos une à Igreja (127);
– dá-nos uma força especial do Espírito Santo para propagarmos e defendermos a fé, pela palavra e pela acção, como verdadeiras testemunhas de Cristo, para confessarmos com valentia o nome de Cristo, e para nunca nos envergonharmos da cruz (128):«Lembra-te, pois, de que recebeste o sinal espiritual, o espírito de sabedoria e de entendimento, o espírito de conselho e de fortaleza, o espírito de ciência e de piedade, o espírito do santo temor, e guarda o que recebeste. Deus Pai marcou-te com o seu sinal, o Senhor Jesus Cristo confirmou-te e pôs no teu coração o penhor do Espírito» (129).
1304. Tal como o Batismo, de que é a consumação, a Confirmação é dada uma só vez. Com efeito, a Confirmação imprime na alma uma marca espiritual indelével, o «caráter» (130), que é sinal de que Jesus Cristo marcou um cristão com o selo do seu Espírito, revestindo-o da fortaleza do Alto, para que seja sua testemunha (131).
1305. O «caráter» aperfeiçoa o sacerdócio comum dos fiéis, recebido no Batismo, e «o confirmado recebe a força de confessar a fé de Cristo publicamente e como em virtude dum encargo oficial (quasi ex officio)» (132).
IV. Quem pode receber este sacramento?
1306. Todo o batizado ainda não confirmado pode e deve receber o sacramento da Confirmação (133). Uma vez que Batismo, Confirmação e Eucaristia formam uma unidade, segue-se que «os fiéis têm obrigação de receber este sacramento no tempo devido» (134), porque, sem a Confirmação e a Eucaristia, o sacramento do Batismo é, sem dúvida, válido e eficaz, mas a iniciação cristã fica incompleta.
1307. O costume latino, desde há séculos, aponta «a idade da discrição» como ponta de referência para se receber a Confirmação. Em perigo de morte, porém, devem confirmar-se as crianças, mesmo que ainda não tenham atingido a idade da discrição (135).
1308. Se por vezes se fala da Confirmação como «sacramento da maturidade cristã», não deve, no entanto, confundir-se a idade adulta da fé com a idade adulta do crescimento natural, nem esquecer-se que a graça batismal é uma graça de eleição gratuita e imerecida, que não precisa duma «ratificação» para se tornar efectiva. São Tomás recorda isso mesmo:
«A idade do corpo não constitui um prejuízo para a alma. Por isso, mesmo na infância, o homem pode receber a perfeição da idade espiritual de que fala a Sabedoria (4, 8): «A velhice honrada não é a que dão os longos dias, nem se avalia pelo número dos anos». E foi assim que muitas crianças, graças à fortaleza do Espírito Santo que tinham recebido, lutaram corajosamente e até ao sangue por Cristo» (136).
1309. A preparação para a Confirmação deve ter por fim conduzir o cristão a uma união mais íntima com Cristo e a uma familiaridade mais viva com o Espírito Santo, com a sua acção, os seus dons e os seus apelos, para melhor assumir as responsabilidades apostólicas da vida cristã. Desse modo, a catequese da Confirmação deve esforçar-se por despertar o sentido de pertença à Igreja de Jesus Cristo, tanto à Igreja universal como à comunidade paroquial. Esta última tem uma responsabilidade particular na preparação dos confirmandos (137).
1310. Para receber a Confirmação é preciso estar em estado de graça. Convém recorrer ao sacramento da Penitência para ser purificado, em vista do dom do Espírito Santo. E uma oração mais intensa deve preparar para receber com docilidade e disponibilidade a força e as graças do Espírito Santo (138).
1311. Tanto para a Confirmação, como para o Batismo, convém que os candidatos procurem a ajuda espiritual dum padrinho ou de uma madrinha. É conveniente que seja o mesmo do Batismo, para marcar bem a unidade dos dois sacramentos (139).
V. O ministro da Confirmação
1312. O ministro originário da Confirmação é o bispo (140).
No Oriente, é ordinariamente o sacerdote que batiza quem imediatamente confere a Confirmação, numa só e mesma celebração. Fá-lo, no entanto, com o santo crisma consagrado pelo patriarca ou pelo bispo, o que exprime a unidade apostólica da Igreja, cujos laços são reforçados pelo sacramento da Confirmação. Na Igreja latina aplica-se a mesma disciplina nos batismos de adultos ou quando é admitido à plena comunhão com a Igreja um batizado de outra comunidade cristã, que não tenha recebido validamente o sacramento da Confirmação (141).
1313. No rito latino, o ministro ordinário da Confirmação é o bispo (142). Mesmo que o bispo possa, em caso de necessidade, conceder a presbíteros a faculdade de administrar a Confirmação (143), é conveniente que seja ele mesmo a conferi-la, não se esquecendo de que foi por esse motivo que a celebração da Confirmação foi separada, no tempo, da do Batismo. Os bispos são os sucessores dos Apóstolos e receberam a plenitude do sacramento da Ordem. A administração deste sacramento feita por eles, realça que ele tem como efeito unir mais estreitamente aqueles que o recebem à Igreja, às suas origens apostólicas e à sua missão de dar testemunho de Cristo.
1314. Se um cristão estiver em perigo de morte, qualquer sacerdote pode conferir-lhe a Confirmação (144). De facto, é vontade da Igreja que nenhum dos seus filhos, mesmo pequenino, parta deste mundo sem ter sido levado à perfeição pelo Espírito Santo com o dom da plenitude de Cristo.
Resumindo:
1315. «Quando os Apóstolos que estavam em Jerusalém ouviram dizer que a Samaria recebera a Palavra de Deus, enviaram-lhe Pedro e João. Quando chegaram lá, rezaram pelos samaritanos para que recebessem o Espírito Santo, que ainda não tinha descido sobre eles. Apenas tinham sido batizados em nome do Senhor Jesus. Então impunham-lhes as mãos e eles recebiam o Espírito Santo» (Act 8, 14-17).
1316. A Confirmação completa a graça batismal; ela é o sacramento que dá o Espírito Santo, para nos enraizar mais profundamente na filiação divina, incorporar-nos mais solidamente em Cristo, tornar mais firme o laço que nos prende à Igreja, associar-nos mais à sua missão e ajudar-nos a dar testemunho da fé cristã pela palavra, acompanhada de obras.
1317. A Confirmação, tal como o Batismo, imprime na alma do cristão um sinal espiritual ou caráter indelével; é por isso que só se pode receber este sacramento uma vez na vida.
1318. No Oriente, este sacramento é administrado imediatamente a seguir ao Batismo e é seguido da participação na Eucaristia; esta tradição põe em relevo a unidade dos três sacramentos da iniciação cristã. Na Igreja latina, este sacramento é administrado quando se atinge a idade da razão e ordinariamente a sua celebração é reservada ao bispo, significando assim que este sacramento vem robustecer o vínculo eclesial.
1319. O candidato à Confirmação, que atingiu a idade da razão, deve professar a fé, estar em estado de graça, ter a intenção de receber o sacramento e estar preparado para assumir o seu papel de discípulo e testemunha de Cristo, na comunidade eclesial e nos assuntos temporais.
1320. O rito essencial da Confirmação é a unção com o santo crisma na fronte do batizado (no Oriente também em outros órgãos dos sentidos), com a imposição da mão do ministro e as palavras: «Accipe signaculum doni Spiritus Sancti – Recebe por este sinal o Espírito Santo, o Dom de Deus» (no rito Romano) ou: «Signaculum doni Spiritus Sancti – Selo do dom que é o Espírito Santo» (no rito Bizantino).
1321. Quando a Confirmação é celebrada separadamente do Batismo, a sua ligação com este sacramento é expressa, entre outras coisas, pela renovação dos compromissos batismais. A celebração da Confirmação no decorrer da Eucaristia contribui para sublinhar a unidade dos sacramentos da iniciação cristã.
Os Sete Sacramentos da Igreja: O Batismo - CIC §1210-§1284
SEGUNDA PARTE
A CELEBRAÇÃO DO MISTÉRIO CRISTÃO
SEGUNDA SEÇÃO
OS SETE SACRAMENTOS DA IGREJA
1210. Os sacramentos da nova Lei foram instituídos por Cristo e são em número de sete, a saber: o Batismo, a Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem e o Matrimônio. Os sete sacramentos tocam todas as etapas e momentos importantes da vida do cristão: outorgam nascimento e crescimento, cura e missão à vida de fé dos cristãos. Há aqui uma certa semelhança entre as etapas da vida natural e as da vida espiritual (1).
1211. Seguindo esta analogia, exporemos primeiro os três sacramentos da iniciação cristã (capítulo primeiro), depois os sacramentos de cura (capítulo segundo) e finalmente os que estão ao serviço da comunhão e da missão dos fiéis (capítulo terceiro). Esta ordem não é, certamente, a única possível, mas permite ver que os sacramentos formam um organismo, no qual cada sacramento particular tem o seu lugar vital. Neste organismo, a Eucaristia ocupa um lugar único, como «sacramento dos sacramentos»: «todos os outros sacramentos estão ordenados para este, como para o seu fim» (2).
CAPÍTULO PRIMEIRO
OS SACRAMENTOS DA INICIAÇÃO CRISTÃ
1212. Através dos sacramentos da iniciação cristã – Batismo, Confirmação e Eucaristia são lançados os alicerces de toda a vida cristã. «A participação na natureza divina, dada aos homens pela graça de Cristo, comporta uma certa analogia com a origem, crescimento e sustento da vida natural. Nascidos para uma vida nova pelo Batismo, os fiéis são efectivamente fortalecidos pelo sacramento da Confirmação e recebem na Eucaristia o Pilo da vida eterna Assim. por estes sacramentos da iniciação cristã, eles recebem cada vez mais riquezas da vida divina e avançam para a perfeição da caridade» (3).
ARTIGO 1
O SACRAMENTO DO BATISMO
1213. O santo Batismo é o fundamento de toda a vida cristã, o pórtico da vida no Espírito («vitae spiritualis ianua – porta da vida espiritual») e a porta que dá acesso aos outros sacramentos. Pelo Batismo somos libertos do pecado e regenerados como filhos de Deus: tornamo-nos membros de Cristo e somos incorporados na Igreja e tornados participantes na sua missão (4). «Batismos est sacramentam regeneratiorais per aquam in Verbo – O Batismo pode definir-se como o sacramento da regeneração pela água e pela Palavra» (5).
I. Como se chama este sacramento?
1214. Chama-se Batismo, por causa do rito central com que se realiza: batizar (batizeis, em grego) significa «mergulhar», «imergir». A «imersão» na água simboliza a sepultura do catecúmeno na morte de Cristo, de onde sai pela ressurreição com Ele (6) como «nova criatura» (2 Cor 5, 17; Gl 6, 15).
1215. Este sacramento é também chamado «banho da regeneração e da renovação no Espírito Santo» (Tt 3, 5), porque significa e realiza aquele nascimento da água e do Espírito, sem o qual «ninguém pode entrar no Reino de Deus» (Jo 3, 5).
1216. «Este banho é chamado iluminação, porque aqueles que recebem este ensinamento [catequético] ficam com o espírito iluminado...» (7). Tendo recebido no Batismo o Verbo, «luz verdadeira que ilumina todo o homem» (Jo 1, 9), o batizado, «depois de ter sido iluminado» (8), tornou-se «filho da luz» (9) e ele próprio «luz» (Ef 5, 8):
«O Batismo é o mais belo e magnífico dos dons de Deus [...] Chamamos-lhe dom, graça, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo e tudo o que há de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles que não trazem nada: graça, porque é dado mesmo aos culpados: baptismo, porque o pecado é sepultado nas águas; unção, porque é sagrado e régio (como aqueles que são ungidos); iluminação, porque é luz irradiante; veste, porque cobre a nossa vergonha; banho, porque lava; selo, porque nos guarda e é sinal do senhorio de Deus» (10).
II. O Batismo na economia da salvação
AS PREFIGURAÇÕES DO BATISMO NA ANTIGA ALIANÇA
1217. Na liturgia da Vigília Pascal, a quando da bênção da água baptismal, a Igreja faz solenemente memória dos grandes acontecimentos da história da salvação que prefiguravam já o mistério do Batismo:
«Senhor nosso Deus: pelo vosso poder invisível, realizais maravilhas nos vossos sacramentos. Ao longo dos tempos, preparastes a água para manifestar a graça do Batismo» (11).
1218. Desde o princípio do mundo, a água, esta criatura humilde e admirável, é a fonte da vida e da fecundidade. A Sagrada Escritura vê-a como «incubada» pelo Espírito de Deus (12):
«Logo no princípio do mundo, o vosso Espírito pairava sobre as águas, para que já desde então concebessem o poder de santificar» (13).
1219. A Igreja viu na arca de Noé uma prefiguração da salvação pelo Batismo. Com efeito, graças a ela, «um pequeno grupo, ao todo oito pessoas, foram salvas pela água» (1 Pe 3, 20):
«Nas águas do dilúvio, destes-nos uma imagem do Batismo, sacramento da vida nova, porque as águas significam ao mesmo tempo o fim do pecado e o princípio da santidade» (14).
1220. Se a água de nascente simboliza a vida, a água do maré um símbolo da morte. Por isso é que podia prefigurar o mistério da cruz. E por este simbolismo, o Batismo significa a comunhão com a morte de Cristo.
1221. É sobretudo a travessia do Mar Vermelho, verdadeira libertação de Israel da escravidão do Egipto, que anuncia a libertação operada pelo Batismo:
«Aos filhos de Abraão fizestes atravessar a pé enxuto o Mar Vermelho, para que esse povo, liberto da escravidão, fosse a imagem do povo santo dos batizados» (15).
1222. Finalmente, o Batismo é prefigurado na travessia do Jordão, graças à qual o povo de Deu- recebe o dom da terra prometida à descendência de Abraão, imagem da vida eterna. A promessa desta herança bem-aventurada cumpre-se na Nova Aliança.
O BATISMO DE CRISTO
1223. Todas as prefigurações da Antiga Aliança encontram a sua realização em Jesus Cristo. Ele começa a sua vida pública depois de Se ter feito batizar por São João Baptista no Jordão (16). E depois da sua ressurreição, confere esta missão aos Apóstolos: «Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações; batizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e ensinai-os a cumprir tudo quanto vos mandei» (Mt 28, 19-20) (17).
1224. Nosso Senhor sujeitou-se voluntariamente ao Batismo de São João, destinado aos pecadores, para cumprir toda a justiça (18). Este gesto de Jesus é uma manifestação do seu «aniquilamento» (19). O Espírito que pairava sobre as águas da primeira criação, desce então sobre Cristo como prelúdio da nova criação e o Pai manifesta Jesus como seu «Filho muito amado» (20).
1225. Foi na sua Páscoa que Cristo abriu a todos os homens as fontes do Batismo. De facto, Ele já tinha falado da sua paixão, que ia sofrer em Jerusalém, como dum «baptismo» com que devia ser batizado (21). O sangue e a água que manaram do lado aberto de Jesus crucificado (22) são tipos do Batismo e da Eucaristia, sacramentos da vida nova (23): desde então, é possível «nascer da água e do Espírito» para entrar no Reino de Deus (Jo 3, 5).
«Repara: Onde é que foste batizado, de onde é que vem o Batismo, senão da cruz de Cristo, da morte de Cristo? Ali está todo o mistério: Ele sofreu por ti. Foi n'Ele que tu foste resgatado, n'Ele que foste salvo» (24).
O BATISMO NA IGREJA
1226. Desde o dia de Pentecostes que a Igreja vem celebrando e administrando o santo Batismo. Com efeito, São Pedro declara à multidão, abalada pela sua pregação: «convertei-vos e peça cada um de vós o Batismo em nome de Jesus Cristo, para vos serem perdoados os pecados. Recebereis então o dom do Espírito Santo» (Act 2, 38). Os Apóstolos e os seus colaboradores oferecem o Batismo a quem quer que acredite em Jesus: judeus, pessoas tementes a Deus, pagãos (25). O Batismo aparece sempre ligado à fé: «Acredita no Senhor Jesus e serás salvo juntamente com a tua família», declara São Paulo ao seu carcereiro em Filipos. E a narrativa continua: «o carcereiro [...] logo recebeu o Batismo, juntamente com todos os seus» (Act 16, 31-33).
1227. Segundo o apóstolo São Paulo, pelo Batismo o crente comunga na morte de Cristo; é sepultado e ressuscita com Ele:
«Todos nós, que fomos batizados em Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte. Fomos sepultados com Ele pelo baptismo na morte, para que, assim como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, também nós vivamos uma vida nova» (Rm 6, 3-4) (26).
Os batizados «revestem-se de Cristo» (27). Pelo Espírito Santo, o Batismo é um banho que purifica, santifica e justifica (28).
1228. O Batismo é, pois, um banho de água, no qual «a semente incorruptível» da Palavra de Deus produz o seu efeito vivificador (29). Santo Agostinho dirá do Batismo: «Accedit verbum ad elementum, et fit sacramentam – Junta-se a palavra ao elemento material e faz-se o sacramento» (30).
III. Como se celebra o sacramento do Batismo?
A INICIAÇÃO CRISTÃ
1229. Desde o tempo dos Apóstolos que tornar-se cristão requer um caminho e uma iniciação com diversas etapas. Este itinerário pode ser percorrido rápida ou lentamente. Mas deverá sempre incluir certos elementos essenciais: o anúncio da Palavra, o acolhimento do Evangelho que implica a conversão, a profissão de fé, o Batismo, a efusão do Espírito Santo, o acesso à comunhão eucarística.
1230. Esta iniciação tem variado muito no decurso dos séculos e segundo as circunstâncias. Nos primeiros séculos da Igreja, a iniciação cristã conheceu grande desenvolvimento, com um longo período de catecumenato e uma série de ritos preparatórios que escalonavam liturgicamente o caminho da preparação catecumenal, desembocando na celebração dos sacramentos da iniciação cristã.
1231. Nas regiões onde o Batismo das crianças se tomou largamente a forma habitual da celebração deste sacramento, esta transformou-se num acto único, que integra, de um modo muito abreviado, as etapas preliminares da iniciação cristã. Pela sua própria natureza, o Batismo das crianças exige um catecumenato pós-baptismal. Não se trata apenas da necessidade duma instrução posterior ao Batismo mas do desenvolvimento necessário da graça baptismal no crescimento da pessoa. É o espaço próprio da catequese.
1232. O II Concílio do Vaticano restaurou, para a Igreja latina, «o catecumenato dos adultos, distribuído em várias fases» (31). O respectivo ritual encontra-se no Ordo initiationis christianae adultorum (1972). Aliás, o Concílio permitiu que, «para além dos elementos de iniciação próprios da tradição cristã», se admitam, em terras de missão, «os elementos de iniciação usados por cada um desses povos, na medida em que puderem integrar-se no rito cristão» (32).
1233. Hoje em dia, portanto, em todos os ritos latinos e orientais, a iniciação cristã dos adultos começa com a sua entrada no catecumenato, para atingir o ponto culminante na celebração única dos três sacramentos, Batismo, Confirmação e Eucaristia (33). Nos ritos orientais, a iniciação cristã das crianças na infância começa no Batismo, seguido imediatamente da Confirmação e da Eucaristia, enquanto no rito romano a mesma iniciação prossegue durante os anos de catequese, para terminar, mais tarde, com a Confirmação e a Eucaristia, ponto culminante da sua iniciação cristã (34).
A MISTAGOGIA DA CELEBRAÇÃO
1234. O sentido e a graça do sacramento do Batismo aparecem claramente nos ritos da sua celebração. Seguindo, com participação atenta, os gestos e as palavras desta celebração, os fiéis são iniciados nas riquezas que este sacramento significa e realiza em cada novo batizado.
1235. O sinal da cruz, no princípio da celebração, manifesta a marca de Cristo impressa naquele que vai passar a pertencer-Lhe, e significa a graça da redenção que Cristo nos adquiriu pela sua cruz.
1236. O anúncio da Palavra de Deus ilumina com a verdade revelada os candidatos e a assembleia e suscita a resposta da fé, inseparável do Batismo. Na verdade, o Batismo é, de modo particular, o «sacramento da fé», uma vez que é a entrada sacramental na vida da fé.
1237. E porque o Batismo significa a libertação do pecado e do diabo, seu instigador, pronuncia-se sobre o candidato um ou vários exorcismos. Ele é ungido com o óleo dos catecúmenos ou, então, o celebrante impõe-lhe a mão e ele renuncia expressamente a Satanás. Assim preparado, pode professar a fé da Igreja, à qual será «confiado» pelo Batismo (35).
1238. A água baptismal é então consagrada por uma oração de epiclese (ou no próprio momento, ou na Vigília Pascal). A Igreja pede a Deus que, pelo seu Filho, o poder do Espírito Santo desça a esta água, para que os que nela forem batizados «nasçam da água e do Espírito» (Jo 3, 5).
1239. Segue-se o rito essencial do sacramento: o baptismo propriamente dito, que significa e realiza a morte para o pecado e a entrada na vida da Santíssima Trindade, através da configuração com o mistério pascal de Cristo. O Batismo é realizado, do modo mais significativo, pela tríplice imersão na água baptismal; mas, desde tempos antigos, pode também ser conferido derramando por três vezes água sobre a cabeça do candidato.
1240. Na Igreja latina, esta tríplice infusão é acompanhada pelas palavras do ministro: «N., eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo». Nas liturgias orientais, estando o catecúmeno voltado para o Oriente, o sacerdote diz: «O servo de Deus N. é batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo»; e à invocação de cada pessoa da Santíssima Trindade, mergulha-o e retira-o da água.
1241. A unção com o santo crisma, óleo perfumado que foi consagrado pelo bispo, significa o dom do Espírito Santo ao novo batizado. Ele tornou-se cristão, quer dizer, «ungido» pelo Espírito Santo, incorporado em Cristo, que foi ungido sacerdote, profeta e rei (36).
1242. Na liturgia das Igrejas do Oriente, a unção pós-baptismal é o sacramento da Crismação (Confirmação). Na liturgia romana, anuncia uma segunda unção com o santo Crisma, que será dada pelo bispo: o sacramento da Confirmação que, por assim dizer, «confirma» e completa a unção baptismal.
1243. A veste branca simboliza que o batizado «se revestiu de Cristo» (37): ressuscitou com Cristo. A vela, acesa no círio pascal, significa que Cristo iluminou o neófito. Em Cristo, os batizados são «a luz do mundo» (Mt 5, 14) (38).
O recém-batizado é agora filho de Deus no seu Filho Único e pode dizer a oração dos filhos de Deus: O Pai-Nosso.
1244. A primeira Comunhão eucarística. Tornado filho de Deus, revestido da veste nupcial, o neófito é admitido «ao banquete das núpcias do Cordeiro» e recebe o alimento da vida nova, o corpo e sangue de Cristo. As Igrejas orientais conservam uma consciência viva da unidade da iniciação cristã, dando a sagrada Comunhão a todos os novos batizados e confirmados, mesmo às criancinhas, lembrando a palavra do Senhor: «Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis» (Mc 10, 14). A Igreja latina, que reserva o acesso à sagrada Comunhão para aqueles que atingiram o uso da razão, exprime a abertura do Batismo em relação à Eucaristia aproximando do altar a criança recém-batizada para a oração do Pai Nosso.
1245. A celebração do Batismo conclui-se com a bênção solene. Aquando do Batismo de recém-nascidos, a bênção da mãe ocupa um lugar especial.
IV. Quem pode receber o Batismo?
1246. «Todo o ser humano ainda não batizado – e só ele – é capaz de receber o Batismo» (39)
O BATISMO DOS ADULTOS
1247. Desde os princípios da Igreja, o Batismo dos adultos é a situação mais corrente nas terras onde o anúncio do Evangelho ainda é recente. O catecumenato (preparação para o Batismo) tem, nesse caso, um lugar importante; sendo iniciação na fé e na vida cristã, deve dispor para o acolhimento do dom de Deus no Batismo, Confirmação e Eucaristia.
1248. O catecumenato, ou formação dos catecúmenos, tem por finalidade permitir a estes, em resposta à iniciativa divina e em união com uma comunidade eclesial, conduzir à maturidade a sua conversão e a sua fé. Trata-se duma «formação e de uma aprendizagem de toda a vida cristã», mediante a qual os discípulos se unem com Cristo seu mestre. Por conseguinte, sejam os catecúmenos convenientemente iniciados no mistério da salvação, na prática dos costumes evangélicos, e, com ritos sagrados a celebrar em tempos sucessivos, sejam introduzidos na vida da fé, da Liturgia e da caridade do povo de Deus» (40).
1249. Os catecúmenos «estão já unidos à Igreja», já são da casa de Cristo, e, não raro, eles levam já uma vida de fé, de esperança e de caridade» (41). «A mãe Igreja já os abraça como seus, com amor e solicitude» (42).
O BATISMO DAS CRIANÇAS
1250. Nascidas com uma natureza humana decaída e manchada pelo pecado original, as crianças também têm necessidade do novo nascimento no Batismo para serem libertas do poder das trevas e transferidas para o domínio da liberdade dos filhos de Deus (44), a que todos os homens são chamados. A pura gratuidade da graça da salvação é particularmente manifesta no Batismo das crianças. Por isso, a Igreja e os pais privariam, a criança da graça inestimável de se tornar filho de Deus, se não lhe conferissem o Batismo pouco depois do seu nascimento (45).
1251. Os pais cristãos reconhecerão que esta prática corresponde, também, ao seu papel de sustentar a vida que Deus lhes confiou (46).
1252. A prática de batizar as crianças é tradição imemorial da Igreja. Explicitamente atestada desde o século II, é no entanto bem possível que, desde o princípio da pregação apostólica, quando «casas» inteiras receberam o Batismo se tenham batizado também as crianças (48).
FÉ E BATISMO
1253. O Batismo é o sacramento da fé (49). Mas a fé tem necessidade da comunidade dos crentes. Só na fé da Igreja é que cada um dos fiéis pode crer. A fé que se requer para o Batismo não é uma fé perfeita e amadurecida, mas um princípio chamado a desenvolver-se. Ao catecúmeno ou ao seu padrinho pergunta-se: «Que pedis à Igreja de Deus?» E ele responde: «A fé!».
1254. Em todos os batizados, crianças ou adultos, a fé deve crescer depois do Batismo. É por isso que a Igreja celebra todos os anos, na Vigília Pascal, a renovação das promessas do Batismo. A preparação para o Batismo conduz apenas ao umbral da vida nova. O Batismo é a fonte da vida nova em Cristo, donde jorra toda a vida cristã.
1255. Para que a graça baptismal possa desenvolver-se, é importante a ajuda dos pais. Esse é também o papel do padrinho ou da madrinha, que devem ser pessoas de fé sólida, capazes e preparados para ajudar o novo batizado, criança ou adulto, no seu caminho de vida cristã (50). O seu múnus é um verdadeiro ofício eclesial (51). Toda a comunidade eclesial tem uma parte de responsabilidade no desenvolvimento e na defesa da graça recebida no Batismo.
V. Quem pode batizar?
1256. São ministros ordinários do Batismo o bispo e o presbítero, e, na Igreja latina, também o diácono (52). Em caso de necessidade, qualquer pessoa, mesmo não batizada, desde que tenha a intenção requerida, pode batizar utilizando a fórmula baptismal trinitária (53). A intenção requerida é a de querer fazer o que faz a Igreja quando batiza. A Igreja vê a razão desta possibilidade na vontade salvífica universal de Deus (54) e na necessidade do Batismo para a salvação (55).
VI. A necessidade do Batismo
1257. O próprio Senhor afirma que o Batismo é necessário para a salvação (56). Por isso, ordenou aos seus discípulos que anunciassem o Evangelho e batizassem todas as nações (57). O Batismo é necessário para a salvação de todos aqueles a quem o Evangelho foi anunciado e que tiveram a possibilidade de pedir este sacramento (58). A Igreja não conhece outro meio senão o Batismo para garantir a entrada na bem-aventurança eterna. Por isso, tem cuidado em não negligenciar a missão que recebeu do Senhor de fazer «renascer da água e do Espírito» todos os que podem ser batizados. Deus ligou a salvação ao sacramento do Batismo; mas Ele próprio não está prisioneiro dos seus sacramentos.
1258. Desde sempre, a Igreja tem a firme convicção de que aqueles que sofrem a morte por causa da fé, sem terem recebido o Batismo, são batizados pela sua morte por Cristo e com Cristo. Este Batismo de sangue, tal como o desejo do Batismo ou Batismo de desejo, produz os frutos do Batismo, apesar de não ser sacramento.
1259. Para os catecúmenos que morrem antes do Batismo, o seu desejo explícito de o receber, unido ao arrependimento dos seus pecados e à caridade, garante-lhes a salvação, que não puderam receber pelo sacramento.
1260. «Com efeito, já que Cristo morreu por todos e a vocação última de todos os homens é realmente uma só, a saber, a divina, devemos manter que o Espírito Santo a todos dá a possibilidade de se associarem a este mistério pascal, por um modo só de Deus conhecido» (59). Todo o homem que, na ignorância do Evangelho de Cristo e da sua Igreja, procura a verdade e faz a vontade de Deus conforme o conhecimento que dela tem, pode salvar-se. Podemos supor que tais pessoas teriam desejado explicitamente o Batismo se dele tivessem conhecido a necessidade.
1261. Quanto às crianças que morrem sem Batismo, a Igreja não pode senão confiá-las à misericórdia de Deus, como o faz no rito do respectivo funeral. De facto, a grande misericórdia de Deus, «que quer que todos os homens se salvem» (1 Tm 2, 4), e a ternura de Jesus para com as crianças, que O levou a dizer: «Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis» (Mc 10, 14), permitem-nos esperar que haja um caminho de salvação para as crianças que morrem sem Batismo. Por isso, é mais premente ainda o apelo da Igreja a que não se impeçam as criancinhas de virem a Cristo, pelo dom do santo Batismo.
VII. A graça do Batismo
1262. Os diferentes efeitos do Batismo são significados pelos elementos sensíveis do rito sacramental. A imersão na água evoca os simbolismos da morte e da purificação, mas também da regeneração e da renovação. Os dois efeitos principais são, pois, a purificação dos pecados e o novo nascimento no Espírito Santo (60).
PARA A REMISSÃO DOS PECADOS
1263. Pelo Batismo todos os pecados são perdoados: o pecado original e todos os pecados pessoais, bem como todas as penas devidas ao pecado (61). Com efeito, naqueles que foram regenerados, nada resta que os possa impedir de entrar no Reino de Deus: nem o pecado de Adão, nem o pecado pessoal, nem as consequências do pecado, das quais a mais grave é a separação de Deus.
1264. No batizado permanecem, no entanto, certas consequências temporais do pecado, como os sofrimentos, a doença, a morte, ou as fragilidades inerentes à vida, como as fraquezas de carácter, etc., assim como uma inclinação para o pecado a que a Tradição chama concupiscência ou, metaforicamente, a «isca» ou «aguilhão» do pecado («fomes peccati»): «Deixada para os nossos combates, a concupiscência não pode fazer mal àqueles que, não consentindo nela, resistem corajosamente pela graça de Cristo. Bem pelo contrário, "aquele que tiver combatido segundo as regras será coroado" (2 Tm 2, 5)» (62).
«UMA NOVA CRIATURA»
1265 O Batismo não somente purifica de todos os pecados, como faz também do neófito «uma nova criatura» (63), um filho adoptivo de Deus (64), tornado «participante da natureza divina» (65), membro de Cristo (66) e co-herdeiro com Ele (67), templo do Espírito Santo (68).
1266. A Santíssima Trindade confere ao batizado a graça santificante, a graça da justificação, que
– o torna capaz de crer em Deus, esperar n'Ele e O amar, pelas virtudes teologais;
– lhe dá o poder de viver e agir sob a moção do Espírito Santo e pelos dons do Espírito Santo;
– lhe permite crescer no bem, pelas virtudes morais. Assim, todo o organismo da vida sobrenatural do cristão tem a sua raiz no santo Batismo.
INCORPORADOS NA IGREJA, CORPO DE CRISTO
1267. O Batismo faz de nós membros do corpo de Cristo. «Desde então [...], somos nós membros uns dos outros.» (Ef 4, 25). O Batismo incorpora na Igreja. Das fontes baptismais nasce o único povo de Deus da Nova Aliança, que ultrapassa todos os limites naturais ou humanos das nações, das culturas, das raças e dos sexos: «Por isso é que todos nós fomos batizados num só Espírito, para formarmos um só corpo» (1 Cor 12, 13).
1268. Os batizados tornaram-se «pedras vivas» para «a edificação dum edifício espiritual, para um sacerdócio santo» (1 Pe 2, 5). Pelo Batismo, participam no sacerdócio de Cristo, na sua missão profética e real, são «raça eleita, sacerdócio de reis, nação santa, povo que Deus tornou seu», para anunciar os louvores d'Aquele que os «chamou das trevas à sua luz admirável» (1 Pe 2, 9). O Batismo confere a participação no sacerdócio comum dos fiéis.
1269. Feito membro da Igreja, o batizado já não se pertence a si próprio (69) mas Aquele que morreu e ressuscitou por nós (70). A partir daí, é chamado a submeter-se aos outros (71), a servi-los (72) na comunhão da Igreja, a ser «obediente e dócil» aos chefes da Igreja (73) e a considerá-los com respeito e afeição (74). Assim como o Batismo é fonte de responsabilidade e deveres, assim também o batizado goza de direitos no seio da Igreja: direito a receber os sacramentos, a ser alimentado com a Palavra de Deus e a ser apoiado com outras ajudas espirituais da Igreja (75).
1270. Os batizados, «regenerados [pelo Batismo] para serem filhos de Deus, devem confessar diante dos homens a fé que de Deus receberam por meio da Igreja» e participar na actividade apostólica e missionária do povo de Deus (77).
O VÍNCULO SACRAMENTAL DA UNIDADE DOS CRISTÃOS
1271. O Batismo constitui o fundamento da comunhão entre todos os cristãos, mesmo com aqueles que ainda não estão em plena comunhão com a Igreja Católica: «Pois aqueles que crêem em Cristo e foram devidamente batizados, estão numa certa comunhão, embora não perfeita, com a Igreja Católica justificados no Batismo pela fé, são incorporados em Cristo, e, por isso, com direito se honram com o nome de cristãos e justamente são reconhecidos pelos filhos da Igreja Católica como irmãos no Senhor» (78). «O Batismo, pois, constitui o vínculo sacramental da unidade vigente entre todos os que por ele foram regenerados» (79).
UMA MARCA ESPIRITUAL INDELÉVEL...
1272. Incorporado em Cristo pelo Batismo, o batizado é configurado com Cristo (80). O Batismo marca o cristão com um selo espiritual indelével («charactere») da sua pertença a Cristo. Esta marca não é apagada por nenhum pecado, embora o pecado impeça o Batismo de produzir frutos de salvação (81). Ministrado uma vez por todas, o Batismo não pode ser repetido.
1273. Incorporados na Igreja pelo Batismo, os fiéis receberam o carácter sacramental que os consagra para o culto religioso cristão (82). O selo baptismal capacita e compromete os cristãos a servir a Deus mediante uma participação viva na santa liturgia da Igreja, e a exercer o seu sacerdócio baptismal pelo testemunho duma vida santa e duma caridade eficaz (83).
1274. O «selo do Senhor» («dominicus character») (84) é o selo com que o Espírito Santo nos marcou «para o dia da redenção» (Ef 4, 30) (85). «O Batismo é, efectivamente, o selo da vida eterna» (86). O fiel que tiver «guardado o selo» até ao fim, quer dizer, que tiver permanecido fiel às exigências do seu Batismo, poderá partir «marcado pelo sinal da fé» (87), com a fé do seu Batismo, na expectativa da visão bem-aventurada de Deus – consumação da fé – e na esperança da ressurreição.
Resumindo
1275. A iniciação cristã faz-se pelo conjunto de três sacramentos: o Batismo, que é o princípio da vida nova; a Confirmação, que é a consolidação da mesma vida; e a Eucaristia, que alimenta o discípulo com o corpo e sangue de Cristo, em vista da sua transformação n'Ele.
1276. «Ide, pois, fazei discípulos de todas as nações, batizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinai-os a cumprir tudo quanto vos mandei» (Mt 28, 19-20).
1277. O Batismo constitui o nascimento para a vida nova em Cristo. Segundo a vontade do Senhor; ele é necessário para a salvação, como a própria Igreja, na qual o Batismo introduz.
1278. O rito essencial do Batismo consiste em mergulhar na água o candidato ou em derramar água sobre a sua cabeça, pronunciando a invocação da Santíssima Trindade, isto é, do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
1279. O fruto do Batismo ou graça baptismal é uma realidade rica que inclui: a remissão do pecado original e de todos os pecados pessoais; o renascimento para uma vida nova, pela qual o homem se torna filho adoptivo do Pai, membro de Cristo, templo do Espírito Santo. Por esse facto, o batizado é incorporado na Igreja, corpo de Cristo, e tornado participante do sacerdócio de Cristo.
1280. O Batismo imprime na alma um sinal espiritual indelével, o carácter; que consagra o batizado para o culto da religião cristã. Por causa do carácter; o Batismo não pode ser repetido (88).
1281. Os que sofrem a morte por causa da fé, os catecúmenos e todos aqueles que, sob o impulso da graça, sem conhecerem a Igreja, procuram sinceramente a Deus e se esforçam por cumprir a sua vontade, podem salvar-se, mesmo sem terem recebido o Batismo (89).
1282. Desde os tempos mais antigos, o Batismo é administrado às crianças, visto ser uma graça e um dom de Deus que não supõem méritos humanos; as crianças são batizadas na fé da Igreja. A entrada na vida cristã dá acesso à verdadeira liberdade.
1283. Quanto às crianças que morrem sem Batismo, a Liturgia da Igreja convida-nos a ter confiança na misericórdia divina e a rezar pela sua salvação.
1284. Em caso de necessidade, qualquer pessoa pode batizar, desde que tenha a intenção de fazer o que a Igreja faz e derrame água sobre a cabeça do candidato, dizendo: «Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo».
Casamento e Sacrifício (2024)
A seguinte playlist é uma reprodução da palestra do Pe. José Eduardo, da Diocese de Osasco-SP, que aborda a relação entre o casamento e a Quaresma, partindo do texto bíblico de Efésios 5. Ele explora como o sacramento do matrimônio é essencial na fé católica, comparando a união entre marido e mulher com a união entre Cristo e a Igreja. Destaca a importância do sacrifício no amor conjugal, refletindo sobre como muitas vezes o amor é mal compreendido como oposto ao sacrifício. O casamento demanda renúncia, entrega e imolação, e isso é um processo de santificação. O padre discute a necessidade de colocar o cônjuge antes de si mesmo, praticando atos de amor e sacrifício diários, ressaltando, ainda, que o casamento requer virtude e uma constante disposição para se doar ao outro, mesmo quando isso implica renunciar aos próprios desejos e vontades.
Confira abaixo o texto da transcrição da palestra (gerada automaticamente), com todo o seu conteúdo capitulado por mim nos episódios que se seguem. Você pode assistir à palestra no canal do Pe. José Eduardo, que te convido a curtir e se inscrever.
Ao Pe. José Eduardo o meu muito obrigado por permitir que reproduzíssemos aqui o seu conteúdo.
Transcrição da palestra
Muito bem. Eu fico muito contente de estar aqui nesse primeiro pós-encontro do ano de 24, do nosso ECC, já, digamos assim, avançado o tempo da Quaresma, para poder falar um pouco sobre, justamente, a relação entre matrimônio e Quaresma. Eu vou ao texto clássico que é Efésios, capítulo cinco, a partir do versículo 21, quando São Paulo diz:
"Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo, as mulheres o sejam aos maridos como ao Senhor. Pois o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja. Seu corpo, no qual ele é o Salvador. Por outro lado, como a Igreja se submete a Cristo, que as mulheres se submetam em tudo a seus maridos. 25 Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo também amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de santificar, pela palavra, aquela que ele purifica pelo banho da água, pois ele quis apresentá la a si mesmo, toda bela, sem mancha nem ruga, ou qualquer reparo, mas santa e sem defeito. É assim que os maridos devem amar suas esposas como amam o seu próprio corpo. Aquele que ama sua esposa está amando a si mesmo. Ninguém jamais odiou a própria carne. Pelo contrário, alimenta. É cercada de cuidado, como Cristo faz para a igreja. E nós somos membros do seu corpo. Por isso, o homem deixará o seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher. E os dois serão uma só carne. Esse mistério é grande, eu digo com referência a Cristo e a Igreja. Enfim, cada um de vós também ame a sua esposa como a si mesmo. E que a esposa tenha respeito pelo marido".
São Paulo, aqui nos apresenta uma doutrina sobre o sacramento do matrimônio, que justamente é como que o núcleo, o coração da fé da Igreja, na realidade desse sacramento. Vocês sabem que para a Igreja Católica, o casamento não é apenas uma união natural para boa parte das igrejas protestantes. O matrimônio não é um sacramento. É tão somente uma união natural entre um homem e uma mulher que se tornam uma só carne.
Para a Igreja Católica, o matrimônio é um sacramento, por quê? Porque São Paulo aqui nos diz de maneira categórica Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo amou a Igreja e se entregou a si mesmo por ela, a fim de apresentá la a si mesmo, sem mancha, nem ruga, nem defeito, mas gloriosa. E diz Pelo banho da palavra, com a água, ou seja, o matrimônio não é uma união tão somente natural.
É uma união sobrenatural que São Paulo compara com a união entre Cristo e a Igreja, fazendo referência ao batismo.
A sacramentalidade do matrimônio, aliás, nasce do santo batismo. É o sacramento do batismo que demanda que o matrimônio seja um sacramento. Caso contrário, se um batizado, que é chamado à união com Deus, a santidade é chamado à contemplação, tivesse que se casar, o casamento seria um impedimento para que ele se santificasse, pois ele seria uma união natural. Ou seja, a melhor coisa seria, de fato, cada um buscar a Deus por conta própria.
Uma vez batizado, porque naquela união tão somente carnal, tão somente humana, ele encontraria mais empecilhos do que ajuda para chegar à união com Deus. Mas como o matrimônio é um sacramento, logo a consequência disso é que tudo o que diz respeito ao matrimônio, tudo favorece a união com Cristo. Uma vez que meu cônjuge é para mim a representação sacramental de Jesus Cristo, dizendo com outras palavras digamos que duas pessoas, dois cristãos, vão ao cartório e façam o chamado casamento civil.
E o homem, que é uma mulher? Se dois pagãos fizerem um casamento, esse casamento inclusive seria válido. Mas como o casamento natural seria um homem que ama uma mulher tão somente. Nada mais além disso. Agora, quando dois batizados se unem de maneira válida, aquela união não é uma união meramente natural. Um se torna a representação de Cristo para o outro.
Assim como, por exemplo, Jesus ficou na Eucaristia para que, comungando, nós aprendêssemos o que é a união com Deus. Porque na comunhão é o que acontece. Nós estamos mais do que nunca unidos ao próprio Deus e procuramos amá lo enquanto nós comungamos. Naqueles minutos que Cristo fica em nós antes de começar o processo digestivo, nós ficamos ali amando Cristo, amando Cristo na Eucaristia.
Para aprender, inclusive a fazer a mesma coisa, quando nós não comungamos. Quando nós vamos rezar por nós, vamos fazer isso mesmo. Amar Jesus pela união que é proporcionada pela fé. Quando eu faço um ato de fé, eu me uno a Cristo. E se eu o amo, eu estou orando. A oração é esse desfrutar do amor de Deus em Cristo é amar Deus em Cristo mediante a fé.
Nós, católicos, temos a graça de termos a via da fé e a via dos sacramentos. Então eu posso amar Cristo quando eu comungo. Eu posso amar Cristo pela oração. E nós vamos crescendo na espiritualidade na medida em que nós vamos mergulhando mais e mais nesse amor sobrenatural. Nesse amor espiritual por Deus.
Só que para os casados existe um terceiro elemento. Uma terceira maneira de união com Cristo é a união com o seu cônjuge. Vejam que grande coisa é o matrimônio ser um sacramento, porque ele te transforma numa espécie de ícone de Jesus Cristo, de representação de Cristo. Portanto, quando você ama o seu cônjuge, você está no mesmo ato, Amando a Deus, está aprendendo a amar Deus?
É claro que não é a mesma coisa. Eucaristia, porque o seu cônjuge não é a presença substancial de Cristo. Ele não é Cristo em pessoa. Porém Ele é assumido por Cristo de tal modo que se torna, por assim dizer, uma imagem dele. E quando você o ama, é quando você a ama. O que acontece é que esse ato de amor tende a ser um ato sobrenatural.
Se você de fato é cristão, isso significa que o seu cônjuge para você se torna um muito sagrado, porque você passa a venerar a quem você passa a secundar, a quem você passa a amar com todo o seu coração. Jesus diz Aliás, Paulo diz Maridos, amai as vossas mulheres como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela.
Então é aqui que vem o nexo com o mistério que nós celebramos nessa Quaresma e que de algum modo, revela uma faceta de como a espiritualidade quaresmal pode nos fazer aprofundar mais na espiritualidade matrimonial, justamente pela entrega que um cônjuge tem que ter pelo outro.
Hoje nós vivemos um tempo em que as pessoas não conseguem entender o amor como sacrifício. Parece que o amor é o oposto o sacrifício, ou seja, eu tinha uma amiga que morava na Itália há muito tempo e mora na Itália até hoje, mas há muito tempo nós conversávamos e essa senhora me dizia Padre, eu estou incomodando, como não está incomodando, Mas eu não quero ser um sacrifício para o Senhor.
Eu digo essa desculpa, mas não tem problema. Quer dizer, conversar com uma pessoa, dar o atendimento a uma pessoa remotamente é um sacrifício. Eu tenho que ficar ali parado, parar tudo que eu estou fazendo, dar atenção para aquela pessoa. Eu não sacrifício, mas isso não significa que eu faça sacrifício com desgosto contra minha vontade, ou que isso seja oposto A caridade, que eu tenha que ter com a alma dela.
Não, pelo contrário, por que eu tenho caridade com a alma dela? Porque eu a amo sobrenaturalmente. Eu me sacrifico por ela. É assim com qualquer pessoa que eu preciso atender, né? Então, por exemplo, ouvir confissões não é a coisa mais agradável do mundo. Você fica ali naquela janelinha e uma pessoa com a voz bem baixa começa a contar um negócio nos mínimos detalhes.
E leva o tempo. Leva o tempo e você tem que fazer uma energia psicológica para escutar aquela pessoa, para não perder nada do que ela diz com ela. Sai. Você está meio cadavérico, porque o nível de atenção que ela te demandou é muito grande. Então, psicologicamente, você fica exausto. Agora, isso é contrário ao amor, muito pelo contrário, Nós fazemos isso por amor, por um amor sobrenatural, por um amor que é, por assim dizer, a essência mesma do mandamento da caridade.
O mesmo vale para o matrimônio. Só que as pessoas não entendem assim, as pessoas pensam assim Eu tenho que casar com uma pessoa com quem eu curta, estar junto com quem seja sempre legal, estar junto com quem eu vou viver, uma espécie de paraíso de história encantada. E o que acontece? Acontece que isso não existe. Isso é uma ilusão.
Por exemplo, hoje se fala bastante sobre a compatibilidade entre os cônjuges. Será que o seu cônjuge é compatível com você? Será que ele é incompatível com você? Vamos fazer terapia para conseguirmos compatibilizar a nossa relação, porque o problemas disso? O problema é que uma das coisas mais impossível é que um homem seja compatível com uma mulher. Do ponto de vista psicológico.
As duas maneiras de ser não são idênticas. São psicologias de certo modo opostas. Sei lá. Mas além de isso ser impossível, seria extremamente indesejável. Por quê? Porque nós somos cristãos e nós precisamos ser desafiados todos os dias a combater os nossos defeitos. Ou seja, você se casou e não se agregou a um companheiro de crime, alguém que será cúmplice de todos os seus defeitos.
Portanto, para nós, o fato de que o cônjuge demande de mim sacrifício, entrega e imolação é altamente santificante. Porque eu estou sendo tratado por Cristo através da disciplina conjugal.
Esses dias, por exemplo, eu via um pequeno pequeno rio do Instagram de um casal em que o rapaz dizia assim Quando o homem se casa, ele volta a ter nove anos de idade. E aí ele ilustrava e diz Olha, se eu encontrar com os meus amigos na rua e um deles falar para mim vamos tomar uma cerveja, você pode ir.
Ele vai dizer pera aí que eu vou perguntar. E aí ele vai perguntar para a esposa Olha, aquele meu amigo já tem tanto tempo que a gente não vê que a gente não se cruza, que a gente não conversa. Então será que eu podia ir tomar uma cerveja com ele no sábado, na hora do almoço? Parece uma criança pedindo autorização à mãe.
Por que é assim? E porque é que tem que ser assim? Inclusive, né? Porque você tem um compromisso. Ou seja, quando Jesus diz no Evangelho que quem não for como criança não entrará no reino dos céus, então isso também vale para o matrimônio, porque você aprende que você não pode fazer o que você quer. Você precisa sempre se reportar a outra pessoa, e isso se aplica a todas as circunstâncias da vida matrimonial.
Você tem que ter consideração por aquela pessoa. Veja, Uma das maiores graças que Deus me concedeu na minha vida foi não ter me casado. Celibato é um dom de Deus. Por quê? Porque o celibato traz uma leveza para a vida. Ou seja, eu entro em casa e não preciso dar atenção a ninguém, literalmente. Eu fico conversando com os meus pensamentos.
Eu tenho uma liberdade interior e exterior um pouco maior. Se eu fosse casado, não podia ser assim. Você tem que chegar, você tem que perguntar. Você tem que conversar, você tem que dar atenção, você tem que dar comida, você tem que fazer alguma coisa, você tem que cuidar, porque o casamento demanda é essa entrega. E essa entrega comporta um peso.
É por isso que não há casamento que fique em pé sem virtude, porque, paradoxalmente, há isso no Evangelho. Quanto mais eu sou criança, tanto mais eu sou maduro. Ou seja, eu encaro essas demandas da vida conjugal de maneira positiva e não de mau grado. Por exemplo, existem homens que não amadurecem. Então eles casam e querem ter ainda uma certa vida de solteiros, querem ter as suas amigas, querem ter as suas noites de futebol, querem ter os seus happy hours de trabalho enquanto a sua mulher está em casa.
Parece que ele está sendo mais adulto porque ele tem mais liberdade, mas na verdade ele é muito imaturo e não tem virtude porque não compreende que o peso do casamento, o peso da responsabilidade assumida, conquanto comporte algo de sacrifício, é bom e santificante. É sinal de responsabilidade e de amor. O mesmo vale para as situações mais corriqueiras quando, por exemplo, você precisa se esforçar para fazer algo contra a vontade, mas para o bem do seu cônjuge, esse sacrifício às vezes é muito difícil e, sei lá, você tem que ir visitar a tia chata da sua mulher.
Aí você pega 100 quilômetros de estrada para ver a tia chata e tem que se esforçar para não fazer cara feia, para ser simpático, para sorrir, para fazer aquilo com alegria, com generosidade, com dedicação. Isso é sacrifício. E esse tipo de sacrifício, de amor demanda de você virtudes. Ou seja, você tem que ter uma certa firmeza, uma certa capacidade de resistência.
Você precisa, de alguma maneira, aprender a se negar, a dizer não e o próprio gosto, a própria vontade. Se deixar de lado o mesmo em relação ao marido, quando você, por exemplo, precisa, pelas circunstâncias, sei lá, dar atenção para aquele homem porque ele está doente. Homem doente é o bicho mais carente do mundo. Aí vira um bebê de seis meses.
A largada você tem que ir lá e fazer e cuidar e dar atenção e se desdobrar, etc. É um sacrifício, é um sacrifício mesmo, mas é um sacrifício que é resultado do amor, que é uma característica do amor e que deve existir em todo o casamento cristão, que faz parte. Quando, por exemplo, eu renuncio num momento de tensão, a ganhar a briga para não perder o cônjuge.
Isso é muito importante. Uma vez eu conheci um homem muito introvertido que se casou com uma advogada e era tremenda a vida dos dois, porque a mulher tinha argumento para tudo. Ela sabia dar nó, um pingo d'água ímpar. Rodava o marido o tempo todo e esse homem já não sabia mais o que fazer. Por quê? Ela sempre tem razão.
Esses dias eu vi uma outra esquete de um casal em que a mulher perguntava para o marido se nós. Se você ficasse perdido numa ilha deserta, você preferia ir comigo ou sozinho.
Aí o marido perguntou ao marido. Respondeu sozinho Ficou brava. Aí ele disse Mas pera aí que eu te explico. É porque só o tempo que a gente ia gastar para ficar discutindo quem é que errou, quem é que não tem razão? Naquela situação eu teria construído um barco, eu já teria saído de lá, já teria caçado o peixe, eu teria feito 1001 coisas, etc, etc, etc.
É uma verdade, uma verdade dita de um modo cômico, mas é uma verdade. Ou seja, muitas vezes eu preciso renunciar a ter razão, tendo razão, eu preciso dar o braço a torcer por caridade, não porque eu quero tudo no preto, no branco, e isso demanda de mim uma grande humildade. Se eu não for humilde, eu não suporto isso.
Eu não me torno amargurado, ressentido, sempre queixume. Sinto que é, de fato o padrão que a gente vê mundo afora. Padrão de pessoas que não sabem se dar, não sabem se entregar, não sabem se sacrificar e por porque não sabem se sacrificar, não sabem se entregar porque não têm virtude, porque são seres invertebrados, porque são gente. Nós, ambulantes.
Na década de 80 eu tinha um filme chamado A Coisa que era uma gosma que saía sim, e afogando as pessoas. Tem gente que não é virtuoso e a coisa é uma gosma, não tem estrutura e muitas vezes não tem culpa de não ter estrutura. Às vezes ele vem de uma família disfuncional, às vezes vem de uma história traumatizante.
Às vezes não teve ocasião de aprender de verdade as virtudes na sua família. E aí tudo fica muito mais difícil. Mas nós cristãos, não podemos negligenciar a nossa estrutura interior. Então, nós estamos na Quaresma, eu preciso me examinar, eu me sacrifico positivamente pelo meu esposo ou pela minha esposa. Eu me sacrifico positivamente. O que significa isso? Não apenas quando ele demanda de mim um sacrifício, quando ela demanda de mim um sacrifício, mas voluntariamente, quando eu faço algo a mais pelo bem do casamento, eu me sacrifico positivamente.
Por exemplo, ele tem que acordar mais cedo. Você poderia ficar dormindo, poxa, mas custa fazer um sacrifício de lá, passar um café, conversar um pouquinho, dar um beijo dele? Embora, fazer um sacrifício sozinho não dói. Não custa. Faz toda a diferença. Às vezes você sabe que se você fizer algo pela sua esposa, que vai te custar alguma coisa, mas isso não é nada tão absurdo assim.
Às vezes eu dizer assim: "Olha, toma aqui R$ 200 pra você ficar bonita, vai gastar lá no salão", você ganha um mês com aquilo, aquilo te deixa feliz e realizado, A casa fica florescente. É um pequeno sacrifício, mas faz toda a diferença, faz toda a diferença. É claro que quando nós falamos de nos sacrificarmos, nós estamos primeiramente nos referindo ao sacrifício, que é a mortificação cristã.
Tem como valor sobrenatural no sentido de O primeiro alvo das minhas orações tem que ser o meu cônjuge. Eu tenho que rezar por ele, eu tenho que entregar lo a Deus, Eu tenho que entregar o meu casamento a Deus, e isso significa que eu tenho que me mortificar. Eu tenho que fazer alguma penitência pelo meu casamento, coisa que muitas pessoas descuidam de fazer, de oferecer um jejum, de oferecer uma pequena contrariedade que seja um café sem açúcar que você vai tomar para quem isso é sacrifício, que seja um pequeno incômodo que você faça contrariando o seu gosto, pois, porém, estas mortificações da convivência são muito exigentes e são um marcador de que nós estamos de
fato vivendo. Esse amor entrega esse amor sacrifical que Cristo nos ensinou no Evangelho. Tem uma crítica muito, portanto, vejam, eu necessito, eu necessito todo dia pensar no meu cônjuge antes de mim. Algumas pessoas são infantis, imaturas e não conseguem isso porque elas estão autocentradas demais e supervalorizam os seus sentimentos, os seus estados de ânimo. Então se sentem carentes, querem uma atenção desmedida, são pessoas assim, pesadas, excessivamente.
Precisariam ser um pouco mais leves no modo de se relacionar concretamente. Eu me lembro agora de um rapaz que, depois de um casamento recente, veio se confidenciar comigo e disse Padre, eu não aguento mais porque a minha esposa parece uma menina, ela tem que eu tenho que ficar olhando para ela o tempo todo. Eu tenho que ficar mimando ela o tempo todo, eu tenho que ficar paparicando a o tempo todo e obviamente isso é esgotado por.
Mas em situações normais, não me refiro a situações patológicas, por exemplo, de uma pessoa que regride psicologicamente a uma idade muito pequena e que fica arranjando encrenca por picuinhas. Mas numa situação normal, eu preciso aprender a colocar o meu cônjuge antes de mim, ou seja, o que vai agradá lo, o que vai favorecê lo, o que trará satisfação para ele.
Eu preciso reparar, por exemplo, quando o meu cônjuge está preocupado em ajudar, que ele seja sincero, porque às vezes ele guarda as coisas porque não quer, já sabe com quem casou, então já sabe que vai ter um bate boca, ser e falar. Então ele prefere não falar para não ter bate boca, se não vai virar cobrança ao invés de virar ajuda.
Então eu preciso aprender a facilitar a sua sinceridade. Então, quando ele vem me contar um fracasso ou uma dificuldade talvez financeira, pela qual naquele momento esteja passando, ou ela. O mesmo vale para os dois. É preciso dizer, saber dizer Nós estamos juntos, nós vamos superar. Conta comigo. Você não está sozinho, não fica nervoso. Calma, tudo bem. Você pode ter um vulcão por dentro querendo explodir, mas você sabe deixar o seu sentimento de lado para de algum modo poder entregar se por ele, por ela.
É difícil. A gente fica falando ele, ela, ele é assim, o cônjuge que é ele ou ela, tanto faz. É preciso colocar o próprio estado de ânimo de lado. Isso é sacrifício, é aprender a secundar os sentimentos do cônjuge. Por exemplo, depois de um certo tempo, a vida íntima fica um tanto monótona, porque não há grandes novidades, não existem atlânticos a serem descobertos e muitos casais deixam literalmente a monotonia reinar e ficam tempos sem terem o ato conjugal.
Muitas vezes por caridade, o cônjuge precisa chegar no outro e dizer Ei, e aí? Talvez ele não esteja com vontade, talvez não seja a coisa mais satisfatória para ele naquele momento, mas ele precisa aprender a ter essa disponibilidade ativa de quem, de alguma maneira, facilita para o cônjuge o acesso àquilo que ele tem direito. Aliás, porque o casamento tem, como dizia o Papa Francisco na encíclica Amoris Laetitia, Intrinsecamente, a linguagem da entrega corpórea.
Então é necessário muitas vezes facilitar, propor, ir ao encontro. O casal precisa se amar de maneira positiva. O que significa isso? Tem que ter afeto. É necessário que haja beijos, abraços, afagos, toque. É necessário que haja isso. Caso contrário, o esfriamento vai aumentando as distâncias. Isso se torna visível até para quem está do lado de fora. Você nota que aqueles dois parece duas estátuas, um ao lado do outro.
Não tem química, não tem entrosamento, não tem desejo de um pelo outro fazer o cônjuge sentir se desejado é um ato de caridade.
Na medida em que os anos vão passando, a manutenção dessa entrega, dessa disposição requer muito mais renúncia, muito mais sacrifício. Então, muitas vezes você talvez quisesse ficar um tempo sozinho com seus pensamentos, encucado, mas aí você vai e dá atenção. Então você não tinha vontade nenhuma de trocar algum afago. Mas é justamente nesse momento que você vai fazer o sacrifício de um abraço, de um beijo, de um eu te amo, de uma manifestação de cuidado, de atenção.
Nem sempre isso vai sair de maneira espontânea, mas a espontaneidade será algo sacrificada. Ou seja, não é um negócio que é feito à revelia da vontade, mas é a vontade que se empenha a fazer algo que de repente, não sairia de maneira tão espontânea assim. São sacrifícios, pequenos atos de entrega, pequenos atos de renúncia que nos ajudam e que nos questionam e que nos fazem pensar será que eu não posso viver o amor conjugal de uma maneira um pouco mais ativa, de uma maneira um pouco mais engajada?
Será que não estou o meu casamento descuidado? Será que ele não está se tornando um casamento, assim como uma sala largada à qual eu não dou atenção? Quanto eu estou me empenhando de fato para que essa relação seja interessante, seja íntima, seja amorosa? Eu preciso me fazer essas perguntas e isso vai a detalhes muito simples, como por exemplo Será que o meu tom de voz não podia ser um pouco mais afetuoso, menos instigante, menos irritado?
Será que eu não poderia ter atitudes um pouco mais proativas, vivas, que causassem uma resposta positiva do meu cônjuge? Enfim, tudo isso significa que cada um precisa tomar o casamento como seu. Esse casamento é meu. Eu quero levar essa pessoa que está comigo a sério. Eu vou amando a pra valer. Para construir um relacionamento não apenas duradouro, mas com maiores chances de realização mútua.
Repito, tudo isso exige virtude e virtude. Se exercita contrariando um pouco as tendências naturais e os movimentos espontâneos da nossa vontade. Era isso que eu tinha para compartilhar com vocês hoje.
Reconciliatio et Paenitentia (1984)
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
RECONCILIATIO ET PAENITENTIA
DE SUA SANTIDADE
JOÃO PAULO II
AO EPISCOPADO, AO CLERO E AOS FIÉIS SOBRE A
RECONCILIAÇÃO E A PENITÊNCIA
NA MISSÃO DA IGREJA HOJE
INTRODUÇÃO
ORIGEM E SIGNIFICADO DO DOCUMENTO
1. Falar de Reconciliação e Penitência, para os homens e mulheres do nosso tempo, é convidá-los a reencontrar, traduzidas na sua linguagem, as próprias palavras com que o nosso Salvador e Mestre Jesus Cristo quis iniciar a sua pregação: «Convertei-vos e acreditai no Evangelho», (1) ou seja, acolhei o anúncio jubiloso do amor, da adopção como filhos de Deus e, consequentemente, da fraternidade.
Porque é que a Igreja propõe de novo este tema e este convite?
A ânsia de conhecer melhor e de compreender o homem de hoje e o mundo contemporâneo, de lhe decifrar o enigma e desvendar o seu mistério, de discernir os fermentos de bem ou de mal que nele se agitam, leva muitos, de há um certo tempo a esta parte, a fixar no mesmo homem e neste mundo um olhar interrogativo. É o olhar do historiador e do sociólogo, do filósofo e do teólogo, do psicólogo e do humanista, do poeta e do místico; e é, sobretudo, o olhar preocupado, se bem que carregado de esperança, do pastor.
Um tal olhar revela-se, de modo exemplar, em cada uma das páginas da importante Constituição pastoral do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo contemporâneo, particularmente na sua ampla e perspicaz introdução. Esse olhar revela-se, de igual modo, em alguns Documentos emanados da sabedoria e da caridade pastoral dos meus veneráveis Predecessores, cujos luminosos pontificados ficaram marcados pelo acontecimento histórico e profético que foi esse Concílio Ecuménico.
Como os outros olhares, também o olhar do pastor descobre, infelizmente, entre diversas características do mundo e da humanidade do nosso tempo, a existência de numerosas, profundas e dolorosas divisões.
Um mundo despedaçado
2. Estas divisões manifestam-se nas relações entre as pessoas e entre os grupos, como também ao nível das colectividades mais amplas: Nações contra Nações, e blocos de países contrapostos, numa árdua busca de hegemonia. Na raiz das rupturas não é difícil identificar conflitos que, em vez de serem resolvidos mediante o diálogo, se agudizam no confronto e na oposição.
Ao indagar sobre os elementos geradores de divisão, observadores atentos apontam os mais variados: desde a crescente disparidade entre grupos, classes sociais e países, aos antagonismos ideológicos, nem por sombras extintos; desde a contraposição dos interesses económicos às polarizações políticas; desde as divergências tribais à s discriminações por motivos sócio-religiosos. De resto, algumas realidades, bem à vista de todos, constituem como que o rosto lastimoso da divisão, de que são fruto e de que acentuam a gravidade, com irrefutável realismo. Podem recordar-se, entre tantos outros dolorosos fenómenos sociais do nosso tempo:
- o espezinhar dos direitos fundamentais da pessoa humana, sendo o primeiro entre eles o direito à vida e a uma digna qualidade de vida; e isso apresenta-se mais escandaloso, na medida em que coexiste com uma retórica, nunca antes conhecida, sobre os mesmos direitos;
- as insídias e as pressões contra a liberdade dos indivíduos e das colectividades, sem excluir a liberdade de manter, professar e praticar a própria fé, que é mesmo das mais atingidas e ameaçadas;
- as várias formas de discriminação: racial, cultural, religiosa, etc.;
- a violência e o terrorismo;
- o uso da tortura e as formas injustas e ilegítimas de repressão;
- a acumulação de armas convencionais ou atómicas, a corrida aos armamentos, com despesas bélicas que poderiam servir para aliviar a miséria imerecida de povos social e economicamente em condições deprimentes;
- a distribuição iníqua dos recursos do mundo e dos bens da civilização, que atinge o seu cúmulo num tipo de organização social, por força da qual a distância entre as condições humanas dos ricos e dos pobres aumenta cada vez mais. (2) A potência avassaladora desta divisão faz do mundo em que vivemos um mundo despedaçado, (3) até mesmo nos seus fundamentos.
Por outro lado, uma vez que a Igreja, sem se identificar com o mundo, nem ser do mundo, está inserida no mundo e está em diálogo com o mundo, (4) não é para admirar que se notem na sua própria estrutura repercussões e sinais da divisão que dilacera a sociedade humana. Para além das cisões entre as Comunidades cristãs que de há séculos a contristam, a Igreja experimenta hoje no seu seio, aqui e além, divisões entre as suas próprias componentes, causadas pela diversidade de pontos de vista e de escolhas, no campo doutrinal e pastoral. (5) Também estas divisões podem, por vezes, parecer irremediáveis.
Por mais impressionantes que se apresentem tais lacerações à primeira vista, só observando-as em profundidade se consegue individuar a sua raiz: esta encontra-se numa ferida no íntimo do homem. À luz da fé chamamos-lhe pecado, começando pelo pecado original, que cada um traz consigo desde o nascimento, como uma herança recebida dos primeiros pais, até aos pecados que cada um comete, abusando da própria liberdade.
Nostalgia de reconciliação
3. E, no entanto, o mesmo olhar indagador, se é suficientemente perspicaz, captará no seio da divisão um desejo inconfundível, da parte dos homens de boa vontade e dos verdadeiros cristãos, de recompor as fracturas, de cicatrizar as lacerações e de instaurar, a todos os níveis, uma unidade essencial. Este desejo comporta, em muitos casos, uma verdadeira nostalgia de reconciliação, mesmo quando não é usada tal palavra.
Para alguns, trata-se como que de uma utopia, a qual poderia tornar-se a alavanca ideal para uma verdadeira transformação da sociedade; para outros, apresenta-se, ao contrário, como o objecto de uma árdua conquista e, portanto, uma meta a atingir, através de um sério empenhamento de reflexão e de acção. Em qualquer caso, a aspiração a uma reconciliação sincera e consistente é, sem sombra de dúvida, um móbil fundamental da nossa sociedade, como que reflexo de um irreprimível desejo de paz; e é-o tão vigorosamente — por mais paradoxal que pareça — quanto mais perigosos são os próprios factores de divisão.
A reconciliação, todavia, não poderá ser menos profunda do que se apresenta a divisão. A nostalgia da reconciliação e a própria reconciliação serão plenas e eficazes, na medida em que atingirem — para a curar — aquela dilaceração primordial, que é a raiz de todas as outras, ou ou seja, o pecado.
A visão do Sínodo
4. Portanto, todas as instituições ou organizações, que se destinam ao serviço do homem e interessadas em salvá-lo nas suas dimensões fundamentais, hão-de volver um olhar penetrante para a reconciliação, para aprofundar o seu significado e todo o seu alcance e tirar daí as necessárias consequências para a acção.
A um olhar assim não podia eximir-se a Igreja de Jesus Cristo. Com dedicação de Mãe e inteligência de Mestra, ela, solícita e atenta, aplica-se em captar na sociedade, com os sinais da divisão, também aqueles outros não menos eloquentes e significativos da busca de uma reconciliação. A Igreja sabe, de facto, que lhe foi dada, especialmente a ela, a possibilidade e lhe está confiada a missão de tornar conhecido o sentido verdadeiro, profundamente religioso, e as dimensões integrais da reconciliação, contribuindo assim, já só com isso, para esclarecer os termos essenciais da questão da unidade e da paz.
Os meus Predecessores não cessaram de pregar a reconciliação e de convidar a pô-la em prática a humanidade inteira, bem como cada sector e cada parcela da comunidade humana que viam dilacerada e dividida. (6) E eu próprio, por um impulso interior, que obedecia ao mesmo tempo — estou certo disso — à inspiração do Alto e aos apelos da humanidade, em dois momentos diversos, ambos solenes e bem importantes, quis pôr em foco a tema da reconciliação: em primeiro lugar, convocando a VI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos; e, em segundo lugar, fazendo dele o ponto central do Ano Jubilar, proclamado para celebrar o 1950° aniversário da Redenção. (7) E quando houve de designar um tema para o Sínodo encontrei-me plenamente de acordo com o que tinha sido sugerido por muitos dos meus Irmãos no Episcopado, ou seja, quanto ao tão fecundo tema de reconciliação, em estreita ligação com o da penitência. (8)
O termo e o próprio conceito de penitência são bastante complexos. Se a relacionarmos com a metánoia, a que se referem os Sinópticos, a penitência significa então a íntima mudança do coração sob o influxo da Palavra de Deus e na perspectiva do Reino. (9) Mas penitência quer dizer também mudar de vida, em coerência com a mudança do coração; e, neste sentido, o fazer penitência completa-se com o produzir frutos condignos de arrependimento: (10) é a existência toda que se torna penitêncial, aplicada numa contínua caminhada em tensão para o que é melhor. Fazer penitência, no entanto, só será algo de autêntico e eficaz se se traduzir em actos e gestos de penitência. Neste sentido, penitência significa, no vocabulário cristão teológico e espiritual, a ascese, isto é, o esforço concreto e quotidiano do homem, amparado pela graça de Deus, por perder a própria vida, por Cristo, como único modo de a ganhar: (11) esforço por se despojar do homem velho e revestir-se do novo; (12) por superar em si mesmo o que é carnal, para que prevaleça o que é espiritual; (13) e esforço por se elevar continuamente das coisas de cá de baixo para as lá do alto, onde está Cristo. (14) A penitência, portanto, é a conversão que passa do coração as obras e, por conseguinte, à vida toda do cristão.
Em cada um destes significados, a penitência anda intimamente ligada com a reconciliação, uma vez que reconciliar-se com Deus, consigo mesmo e com os outros pressupõe que se supera a ruptura radical, que é o pecado; ora isto só se realiza através da transformação interior ou conversão, que frutifica na vida mediante os actos de penitência.
O documento-base do Sínodo (chamado também Lineamenta = Esboço), preparado só com a finalidade de apresentar o tema, acentuando alguns dos seus aspectos fundamentais, permitiu as Comunidades eclesiais, que existem pelo mundo, reflectir durante quase dois anos, sobre estes aspectos de uma questão — qual é a da conversão e da reconciliação — que interessa a todos; e, além disso, de a ela ir buscar um renovado dinamismo para a vida e para o apostolado cristão. A reflexão foi mais aprofundada depois, na preparação imediata para os trabalhos sinodais, graças ao Documento de trabalho («Instrumentum laboris»), enviado a seu tempo aos Bispos e aos seus colaboradores. E, por fim, durante um mês inteiro, os Padres sinodais, assistidos por todos aqueles que foram chamados para a Assembleia propriamente dita, com grande sentido de responsabilidade trataram do mesmo tema e dos problemas, numerosos e variados, com ele conexos. Do debate, do estudo em comum e da assídua e cuidadosa indagação promanou um amplo e precioso tesouro, que as Propostas («Propositiones») finais resumem na sua essência.
A visão do Sínodo não ignora os actos de reconciliação (alguns dos quais passam quase inobservados na sua verificação quotidiana) que, embora em graus diversos, servem para acabar com as muitas tensões, para superar os muitos conflitos e para vencer as pequenas e grandes divisões, restabelecendo a unidade. A preocupação principal do Sínodo, porém, era a de encontrar, no âmago destes actos dispersos, a raiz escondida, uma reconciliação «fontal», por assim dizer, operante no coração e na consciência do homem.
O carisma e, simultaneamente, a originalidade da Igreja, no que respeita à reconciliação, qualquer que seja o nível em que deva ser posta em prática, residem no facto de a mesma Igreja ir sempre buscar a sua origem àquela reconciliação fontal. Em virtude da sua missão essencial, a Igreja sente-se, de facto, no dever de chegar até as raizes da laceração primordial do pecado, para aí operar o saneamento e restabelecer como que uma reconciliação, também ela primordial, que seja o princípio eficaz de toda a verdadeira reconciliação. Foi isto que a Igreja teve em vista e propôs, mediante o Sínodo.
Desta reconciliação nos fala a Sagrada Escritura, convidando-nos a fazer todos os esforços para alcançá-la; (15) mas diz-nos, por outro lado, que ela é, primeiro que tudo, um dom misericordioso de Deus ao homem. (16) A história da Salvação — a salvação de toda a humanidade, como a de cada homem, em qualquer momento — é a história admirável de uma reconciliação: aquela reconciliação pela qual Deus, que é Pai, no Sangue e na Cruz do Seu Filho feito homem, reconciliou consigo o mundo, fazendo nascer assim una nova família de reconciliados.
A reconciliação torna-se necessária porque se deu a ruptura do pecado, da qual derivaram todas as outras formas de ruptura no íntimo do homem e à sua volta. A reconciliação, portanto, para ser total exige necessariamente a libertação do pecado, rejeitado nas suas raízes mais profundas. Por isso, há uma estreita ligação interna, que une conversão e reconciliação: é impossível dissociar as duas realidades, ou falar de uma sem falar da outra.
O Sínodo falou, ao mesmo tempo, da reconciliação de toda a família humana e da conversão do coração de cada pessoa, do seu regresso a Deus, querendo confirmar e proclamar que a união entre os homens não se poderá realizar sem a mudança interior de cada um. A conversão pessoal é o caminho necessário para a concórdia entre as pessoas. (17) Quando a Igreja anuncia a boa nova da reconciliação ou se propõe torná-la realidade através dos Sacramentos, desempenha um verdadeiro papel profético, denunciando os males do homem na sua nascente contaminada indicando a raiz das divisões e infundindo a esperança de poder superar as tensões e os conflitos, para chegar à fraternidade, à concórdia e à paz, em todos os níveis e em todas as camadas da sociedade humana. Ela transforma uma condição histórica de ódio e de violência numa civilização de amor; ela proporciona a todos o princípio evangélico e sacramental daquela reconciliação «fontal», da qual brotam todos os outros gestos ou actos de reconciliação, mesmo a nível social. É desta reconciliação, fruto da conversão, que trata a presente Exortação Apostólica.
Com efeito, como já aconteceu depois das três precedentes Assembleias sinodais, também desta vez os próprios Padres quiseram deixar nas mãos do Bispo de Roma, Pastor universal da Igreja e Chefe do Colégio episcopal, na sua qualidade de Presidente do Sínodo, as conclusões do próprio trabalho. Aceitei, como grave e grato dever do meu ministério, a tarefa de colher na imensa riqueza do Sínodo para apresentar ao Povo de Deus, qual fruto do mesmo Sínodo, uma mensagem doutrinal e pastoral sobre o tema da penitência e da reconciliação. Tratarei, pois, na primeira parte, da Igreja no desempenho da sua missão reconciliadora e na actividade de conversão dos corações, pelo abraço renovado entre o homem e Deus, entre o homem e o seu irmão e entre o homem e tudo o que foi criado; na segunda parte, será indicada a causa radical de todas as dilacerações ou divisões entre os homens e, antes de mais, em relação com Deus: o pecado; por fim, apontarei aqueles meios que permitem à Igreja promover e suscitar a plena reconciliação dos homens com Deus e, consequentamente, dos homens entre si.
O Documento que agora confio aos filhos da Igreja, bem como a todos aqueles que, crentes ou não, olham a mesma Igreja com interesse e ânimo sincero, pretende ser a resposta que se impõe a tudo aquilo que o Sínodo me pediu. Entretanto, ele é também — faço questão de o declarar, para satisfazer a um imperativo de verdade e de justiça — obra do mesmo Sínodo. O conteúdo destas páginas, de facto, dele é proveniente: da sua preparação remota ou próxima, do Documento de trabalho, das intervenções na «Sala Sinodal», nas reuniões de grupo («circuli minores») e, sobretudo, das sessenta e três Propostas («Propositiones»): encontra-se aqui o fruto do trabalho conjunto dos Padres, entre os quais não faltavam os representantes das Igrejas Orientais, cujo património teológico, espiritual e litúrgico é tão rico e venerável, também pelo que respeita à matéria que aqui nos interessa. Além disso, o Conselho da Secretaria do Sínodo, em duas importantes sessões, avaliou os resultados e as orientações da Assembleia sinodal, logo que esta terminou, pôs em evidência a dinâmica das referidas Propostas («Propositiones») e traçou as linhas julgadas mais idóneas, para a estrutura do presente Documento. Estou grato a todos aqueles que realizaram este trabalho, enquanto, fiel à minha missão, quero aqui transmitir aquilo que, no tesouro doutrinal e pastoral do Sínodo, me parece providencial para a vida de tantos homens, nesta hora, a um tempo magnífica e difícil, da história.
Convém fazê-lo — e afigura-se algo especialmente significativo — enquanto está ainda viva a recordação do Ano Santo, todo ele vivido sob o signo da penitência, conversão e reconciliação. Que esta minha Exortação, confiada aos Irmãos no Episcopado e aos seus colaboradores Presbíteros e Diáconos, aos Religiosos e Religiosas, a todos os Fiéis e aos homens e mulheres de consciência recta, possa constituir não apenas um instrumento de purificação, de enriquecimento e aprofundamento da própria fé pessoal, mas também um fermento capaz de estimular no coração do mundo, a paz e a fraternidade, a esperança e a alegria, valores que brotam do Evangelho acolhido, meditado e vivido, dia a dia, olhando para o exemplo de Maria, Mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual aprouve a Deus reconciliar consigo todas as coisas. (18)
PRIMEIRA PARTE
CONVERSÃO E RECONCILIAÇÃO: TAREFA E COMPROMISSO DA IGREJA
CAPÍTULO PRIMEIRO: UMA PARÁBOLA DA RECONCILIAÇÃO
5. Ao iniciar esta Exortação Apostólica, vem-me à mente aquela página extraordinária de São Lucas, que já procurei ilustrar num Documento precedente. (19) Refiro-me à parábola do filho pródigo.(20)
Do irmão que se tinha perdido...
«Um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao Pai: "Pai, dá-me a parte da herança que me compete", conta Jesus ao apresentar as dramáticas vicissitudes daquele jovem: a aventurosa partida da casa paterna, a dissipação de todos os seus bens numa vida dissoluta e vazia, os dias tenebrosos da distância e da fome e, pior ainda, da dignidade perdida, da humilhação e da vergonha; e, por fim, a nostalgia da própria casa, a coragem de regressar e o acolhimento do pai. Este, certamente, não tinha esquecido o filho; ao contrário, conservara intactos o afecto e a estima para com ele. E assim, esperara-o sempre; e agora abraça-o, enquanto inicia a grande festa do regresso «daquele que estava morto e voltou à vida, se tinha perdido e foi encontrado».
O homem, — cada um dos homens — é este filho pródigo: fascinado pela tentação de se separar do Pai para viver de modo independente a própria existência; caído na tentação; desiludido do nada que, como miragem, o tinha deslumbrado; sozinho, desonrado e explorado no momento em que tenta construir um mundo só para si; atormentado, mesmo no mais profundo da própria miséria, pelo desejo de voltar à comunhão com o Pai. Como o pai da parábola, Deus fica à espreita do regresso do filho, abraça-o à sua chegada e põe a mesa para o banquete do novo encontro, com que se festeja a reconciliação.
O que nesta parábola sobressai mais é o acolhimento festivo e amoroso do pai ao filho que regressa: imagem da misericórdia de Deus sempre pronto a perdoar. Assentemos desde já nisto: a reconciliação é principalmente um dom do Pai celeste.
...ao irmão que ficara em casa
6. Mas a parábola faz entrar em cena também o irmão mais velho, que recusa ocupar o seu lugar no banquete. Reprocha ao irmão mais novo os seus extravios e ao pai o acolhimento que lhe dispensou, enquanto a ele, morigerado e trabalhador, fiel ao pai e à casa, nunca foi permitido — diz ele — fazer uma festa com os amigos. Sinal de que não compreende a bondade do pai. Enquanto este irmão, demasiado seguro de si mesmo e dos próprios méritos, ciumento e desdenhoso, cheio de azedume e de raiva, não se converteu e se reconciliou com o pai e com o irmão, o banquete ainda não era, no sentido pleno, a festa do encontro e do convívio recuperado.
O homem — cada um dos homens — é também este irmão mais velho. O egoísmo torna-o ciumento, endurece-lhe o coração, cega-o e leva-o a fechar-se aos outros e a Deus. A benignidade e a misericórdia do pai irritam-no e incomodam-no; a felicidade do irmão reencontrado tem um sabor amargo para ele. (21) Também sob este aspecto ele precisa de se converter para se reconciliar.
A parábola do filho pródigo é, antes de mais, a história inefável do grande amor de um Pai — Deus — que oferece ao filho, que a Ele retorna, o dom da reconciliação plena. E ao evocar, na figura do irmão mais velho, o egoísmo que divide os irmãos entre si, ela torna-se também a história da família humana: mostra a nossa situação e indica o caminho a percorrer. O filho pródigo, com a sua ânsia de conversão, de regresso aos braços do pai e de perdão, representa aqueles que pressentem no fundo da própria consciência a nostalgia de uma reconciliação a todos os níveis e sem reserva, e têm a intuição, com íntima certeza, de que ela só será possível, se derivar de uma primeira e fundamental reconciliação: aquela reconciliação que leva o homem da distância à amizade filial com Deus, do qual reconhece a misericórdia infinita. Lida, porém, na perspectiva do outro filho, a parábola retrata a situação da família humana dividida pelos egoísmos, põe em evidência a dificuldade em secundar o desejo e a nostalgia de uma só família reconciliada e unida; e, por conseguinte, apela para a necessidade de uma profunda transformação dos corações, pela redescoberta da misericórdia do Pai e pela vitória sobre a incompreensão e a hostilidade entre irmãos.
À luz desta inesgotável parábola da misericórdia que apaga o pecado, a Igreja, acolhendo o apelo que nela está contido, compreende a sua missão de empenhar-se, seguindo as pegadas do Senhor, pela conversão dos corações e pela reconciliação dos homens com Deus e entre si, duas realidades que estão intimamente conexas.
CAPÍTULO SEGUNDO: NAS FONTES DA RECONCILIAÇÃO
À luz de Cristo Reconciliador
7. Como se deduz da parábola do filho pródigo, a reconciliação é um dom de Deus e uma iniciativa sua. Mas a nossa fé ensina-nos que esta iniciativa se concretiza no mistério de Cristo redentor e reconciliador, que liberta o homem do pecado sob todas as suas formas. O próprio São Paulo não hesita em resumir em tal tarefa e função a incomparável missão de Jesus de Nazaré, Verbo e Filho de Deus feito homem.
Também nós podemos partir deste mistério central da economia da salvação e ponto-chave da cristologia do Apóstolo. «Se, de facto, sendo nós inimigos, fomos reconciliados com Deus, mediante a morte do Seu Filho — escreve ele aos Romanos — muito mais, agora que estamos reconciliados, seremos salvos pela sua vida. E não só isto; mas também nos gloriamos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual, agora, obtivemos a reconciliação». (22) Sendo assim, uma vez que «Deus nos reconciliou consigo por meio de Cristo» Paulo sente-se inspirado a exortar os cristãos de Corinto: «Reconciliai-vos com Deus».(23)
De tal missão reconciliadora mediante a morte na Cruz, falava noutros termos o evangelista João, ao observar que Cristo devia morrer «para que fossem reconduzidos à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos». (24)
São Paulo permite-nos, ainda, alargar a nossa visão da obra de Cristo a dimensões cósmicas, quando escreve que n'Ele o Pai reconciliou consigo todas as criaturas, as do céu e as da terra. (25) Pode dizer-se de Cristo Redentor, justamente, que «no tempo da ira foi feito reconciliação», (26) e que, se Ele é «a nossa paz», (27) é também a nossa reconciliação.
É com toda a razão que a sua paixão e morte, sacramentalmente renovadas na Eucaristia, são chamadas pela Liturgia «sacrifício de reconciliação»: (28) reconciliação com Deus e com os irmãos, dado que o próprio Jesus ensina que a reconciliação fraterna deve realizar-se antes do sacrifício. (29)
A partir destas e de outras significativas passagens do Novo Testamento, é legitimo, portanto, fazer convergir as reflexões sobre todo o mistério de Cristo, em torno da sua missão de Reconciliador. Há que proclamar, portanto, mais uma vez, a fé da Igreja no acto redentor de Cristo, no mistério pascal da sua morte e ressurreição, enquanto causa da reconciliação do homem, no seu duplo aspecto de libertação do pecado e de comunhão de graça com Deus.
E exactamente perante o quadro doloroso das divisões e das dificuldades da reconciliação entre os homens, convido a olhar para o mistério da Cruz («mysterium Crucis»), como para o drama mais alto, no qual Cristo conhece e sofre profundamente o drama da divisão do homem em relação a Deus, ao ponto de clamar com o Salmista: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?»; (30) e realiza ao mesmo tempo a nossa reconciliação. O olhar fixo no mistério do Gólgota deve fazer-nos recordar sempre aquela dimensão «vertical» da divisão e da reconciliação, que diz respeito à relação homem-Deus, e que, numa visão de fé, prevalece sempre sobre a dimensão «horizontal», isto é, sobre a realidade da divisão e sobre a necessidade da reconciliação entre os homens. Sabemos, de facto, que tal reconciliação entre os homens não é e não pode ser senão o fruto do acto redentor de Cristo, morto e ressuscitado para destroçar o reino do pecado, restabelecer a aliança com Deus e abater assim o muro de separação, (31) que o pecado tinha erguido entre os homens.
A Igreja reconciliadora
8. Mas — como dizia São Leão Magno, ao falar, da paixão de Cristo — «tudo aquilo que o Filho de Deus fez e ensinou para a reconciliação do mundo, nós não o conhecemos somente pela história das suas acções passadas, mas sentimo-lo, também, na eficácia do que Ele realiza no presente». (32) Sentimos a reconciliação, operada na sua humanidade, na eficácia dos sagrados mistérios celebrados pela sua Igreja, pela qual Ele se entregou a si mesmo, constituindo-a sinal e, conjuntamente, instrumento de salvação. é isto que afirma São Paulo, ao escrever que Deus deu aos Apóstolos de Cristo uma participação na sua obra reconciliadora. «Deus - diz ele - confiou-nos o ministério da reconciliação ... as palavras da reconciliação». (33)
Nas mãos e na boca dos Apóstolos, seus mensageiros, o Pai depôs misericordiosamente um ministério de reconciliação, que eles exercem de maneira singular, em virtude do poder de agir «in persona Christi». Mas também a toda a comunidade dos fiéis, à inteira estrutura da Igreja, é confiada a mensagem da reconciliação, ou seja, a obrigação de fazer todo o possível para testemunhar a reconciliação e para a actuar no mundo.
Pode dizer-se que também o Concílio Vaticano II, ao definir a Igreja como «sacramento ou sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano», e ao indicar como sua função própria a de obter a «plena unidade em Cristo» para os «homens, hoje mais intimamente ligados por vários vínculos», (34) reconhecia que a mesma Igreja deve tender, sobretudo, para reconduzir os homens à plena reconciliação.
Em íntima conexão com a missão de Cristo, a missão da Igreja, assaz rica e complexa, pode, portanto, resumir-se na tarefa, central para ela, da reconciliação do homem: com Deus, consigo mesmo, com os irmãos e com toda a criação; e isto de maneira permanente, porque — como já disse uma outra vez — «a Igreja é, por sua natureza, sempre reconciliadora». (35)
A Igreja é reconciliadora, na medida em que proclama a mensagem da reconciliação, como sempre fez na sua história, desde o Concílio apostólico de Jerusalém (36) até ao último Sínodo dos Bispos e ao recente Jubileu da Redenção. A originalidade desta proclamação está no facto de que, para a Igreja, a reconciliação está estreitamente ligada à conversão do coração: é esta a via necessária para o entendimento entre os seres humanos.
A Igreja é reconciliadora, ainda, na medida em que mostra ao homem os caminhos e lhe oferece os meios para a referida reconciliação em quatro dimensões. Os caminhos são exactamente os da conversão do coração e da vitória sobre o pecado, seja ele o egoísmo ou a injustiça, a prepotência ou a exploração de outrem, o apego aos bens materiais ou a busca desenfreada do prazer. Os meios são os da fiel e amorosa escuta da Palavra de Deus, da oração pessoal e comunitária e, sobretudo, dos Sacramentos, verdadeiros sinais e instrumentos de reconciliação, entre os quais sobressai, precisamente sob este aspecto, aquele a que, com razão, costumamos chamar o Sacramento da Reconciliação ou da Penitência, ao qual voltarei em seguida.
A Igreja reconciliada
9. O meu venerável Predecessor Paulo VI teve o mérito de esclarecer que, para ser evangelizadora, a Igreja deve começar por se mostrar ela própria evangelizada, isto é, aberta ao anúncio pleno e integral da Boa Nova de Jesus Cristo, para a escutar e pôr em prática. (37) Também eu, coligindo num documento orgânico as reflexões da IV Assembleia Geral do Sínodo, falei de uma Igreja que se catequiza na medida em que faz catequese. (38)
Não hesito agora em retomar, aqui neste ponto, o paralelismo, porquanto ele se aplica ao tema que estou a tratar, para afirmar que a Igreja, para ser reconciliadora, deve começar por ser uma Igreja reconciliada. Nesta expressão simples e linear está subjacente a convicção de que a Igreja, para anunciar e propôr de modo cada vez mais eficaz ao mundo a reconciliação, deve tornar-se cada vez mais uma comunidade (ainda que fosse o «pequeno rebanho» dos primeiros tempos) de discípulos de Cristo, unidos no empenho em se converterem continuamente ao Senhor e em viverem como homens novos no espírito e na prática da reconciliação.
Perante os nossos contemporâneos, tão sensíveis à prova dos testemunhos concretos de vida, a Igreja é chamada a dar o exemplo da reconciliação, antes de mais no seu interior; e para isto, todos devemos esforçar-nos por apaziguar os ânimos, moderar as tensões, superar as divisões, sanar as feridas eventualmente infligidas entre irmãos, quando se agudiza o contraste entre opções no campo do opinável, e procurar de preferência estar unidos naquilo que é essencial para a fé e a vida cristã, segundo a antiga máxima: In dubiis libertas, in necessariis unitas, in omnibus caritas (liberdade naquilo que é duvidoso, unidade no que é necessário e caridade em todas as coisas).
É segundo este mesmo critério, que a Igreja deve actuar também no que se refere à sua dimensão ecuménica. De facto, para ser inteiramente reconciliada, a Igreja sabe que deve prosseguir na busca da unidade entre aqueles que se prezam de chamar-se cristãos, mas se encontram separados entre si, mesmo como Igrejas ou Comunhões, e da Igreja de Roma. Esta procura uma unidade que, para ser fruto e expressão de verdadeira reconciliação, não quer seja fundamentada nem na dissimulação dos aspectos que dividem, nem em compromissos tão fáceis quanto superficiais e frágeis. A unidade deve ser o resultado de uma verdadeira conversão de todos, do perdão recíproco, do diálogo teológico e das relações fraternais, da oração e da plena docilidade à acção do Espírito Santo, que é também Espírito de reconciliação.
Por fim, a Igreja, para poder dizer-se plenamente reconciliada, sente o dever de se aplicar cada vez mais em levar o Evangelho a todos os povos, promovendo o «diálogo da salvação» (39)com aqueles vastos sectores da humanidade que, no mundo contemporâneo, não compartilham a sua fé e que, devido a um crescente secularismo, até mesmo se mantêm distantes dela e lhe opõem uma indiferença fria, quando não a hostilizam e perseguem. A Igreja sente o dever de repetir a todos com São Paulo: «Reconciliai-vos com Deus». (40)
Em qualquer caso, a Igreja promove uma reconciliação na verdade, pois sabe bem que não são possíveis nem a reconciliação nem a unidade, fora ou contra a verdade.
CAPÍTULO TERCEIRO: A INICIATIVA DE DEUS E O MINISTÉRIO DA IGREJA
10. Comunidade reconciliada e reconciliadora, a Igreja não pode esquecer que na origem do seu dom e da sua missão de reconciliação se encontra a iniciativa, cheia de amor compassivo e de misericórdia, daquele Deus que é amor (41) e que por amor criou os homens: (42) criou-os, com o fim de viverem em amizade com Ele e em comunhão entre si.
A reconciliação vem de Deus
Deus é fiel ao seu desígnio eterno mesmo quando o homem, induzido pelo Maligno (43) e arrastado pelo seu orgulho, abusa da liberdade que lhe foi dada para amar e procurar generosamente o bem, recusando a obediência ao seu Senhor e Pai; mesmo quando o homem, em vez de responder com amor ao amor de Deus, se opõe a Ele como a um seu rival, iludindo-se e presumindo das suas forças, com a consequente ruptura das relações com Aquele que o criou. Não obstante esta prevaricação do homem, Deus permanece fiel no amor. A narração do jardim do éden leva-nos, certamente, a meditar sobre as consequências funestas da rejeição do Pai, que se traduz na desordem interna do homem e na ruptura da harmonia entre o homem e a mulher e entre irmão e irmão. (44) Também é significativa a parábola evangélica dos dois filhos que se afastam do pai, de maneira diversa, cavando um abismo entre si. A recusa do amor de Deus e dos seus dons de amor está sempre na raiz das divisões da humanidade.
Mas nós sabemos que Deus, «rico em misericórdia» (45) tal como o pai da parábola, não fecha o coração a nenhum dos seus filhos. Espera-os, procura-os, vai alcançá-los precisamente no ponto em que a recusa da comunhão os aprisiona no isolamento e na divisão e chama-os a reunirem-se à volta da sua mesa, na alegria da festa do perdão e da reconciliação.
Esta iniciativa de Deus concretiza-se e manifesta-se no acto redentor de Cristo, que se irradia no mundo mediante o ministério da Igreja.
De acordo com a nossa fé, de facto, o Verbo de Deus fez-se carne e veio habitar a terra dos homens, entrou na história do mundo, assumindo-a e recapitulando-a em si. (46) Ele revelou-nos que Deus é amor e deu-nos o «mandamento novo» (47) do amor, comunicando-nos, ao mesmo tempo, a certeza de que o caminho do amor está aberto a todos os homens, de tal modo que não é vão o esforço para instaurar a fraternidade universal. (48) Vencendo, com a sua morte na Cruz, o mal e a força do pecado, pela sua obediência cheia de amor trouxe a salvação a todos e tornou-se para todos «reconciliação». N'Ele, Deus reconciliou o homem consigo.
A Igreja, continuando o anúncio de reconciliação que Cristo apregoou nas aldeias da Galileia e de toda a Palestina, (49) não cessa de convidar a humanidade inteira a converter-se e a acreditar na Boa Nova; ela fala em nome de Cristo, fazendo seu o apelo do Apóstolo Paulo, que já recordámos: «Nós somos ... embaixadores ao serviço de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Suplicamo-vos, pois, em nome de Cristo: Reconciliai-vos com Deus». (50)
Quem aceita este apelo entra na economia da reconciliação e faz a experiência da verdade contida naquele outro anúncio de São Paulo, segundo o qual Cristo «é a nossa paz, ele que fez de dois povos um só, destruindo o muro de separação, isto é, de inimizade que constituía a barreira (...) estabelecendo a paz para reconciliar uns e outros com Deus». (51) Embora este texto diga directamente respeito à superação da divisão religiosa entre Israel, como povo eleito do Antigo Testamento, e os outros povos, todos chamados a fazer parte da Nova Aliança, ele contém, todavia, a afirmação da nova universalidade espiritual, querida por Deus e por Ele realizada, mediante o sacrifício do seu Filho, o Verbo feito homem, sem limites nem exclusões de qualquer género, para todos aqueles que se convertem e acreditam em Cristo. Todos, portanto, somos chamados a usufruir dos frutos desta reconciliação querida por Deus: todos e cada um dos homens, todos e cada um dos povos.
A Igreja, grande sacramento de reconciliação
11. A Igreja tem a missão de anunciar esta reconciliação e de ser o seu sacramento no mundo. A Igreja é sacramento, isto é, sinal e instrumento de reconciliação, por diversos títulos, de valor diferente, mas todos convergentes para a obtenção daquilo que a iniciativa divina de misericórdia quer conceder aos homens.
É-o, acima de tudo, pela sua própria existência de comunidade reconciliada, que testemunha e representa no mundo a obra de Cristo.
É-o, depois, pelo seu serviço de guardiã e intérprete da Sagrada Escritura, que é Boa Nova de reconciliação, na medida em que faz conhecer de geração em geração o desígnio de amor de Deus e indica a cada um as vias da reconciliação universal em Cristo.
É-o, por fim, pelos sete Sacramentos que, de um modo peculiar a cada um deles, «perfazem a Igreja». (52) Efectivamente, uma vez que comemoram e renovam o mistério da Páscoa de Cristo, todos os Sacramentos são fonte de vida para a Igreja e, nas mãos dela, instrumento de conversão a Deus e de reconciliação dos homens.
Outros caminhos de reconciliação
12. A missão reconciliadora é própria de toda a Igreja, mesmo e sobretudo daquela já foi admitida à plena participação da glória divina, com a Virgem Maria e com os Anjos e os Santos, os quais contemplam e adoram o Deus três vezes santo. Igreja do Céu, Igreja da Terra e Igreja do Purgatório estão misteriosamente unidas nesta cooperação com Cristo para reconciliar o mundo com Deus.
A primeira via desta acção salvadora é a oração. Sem dúvida a Virgem Santíssima, Mãe de Cristo e da Igreja, (53) e os Santos, que já chegaram ao termo da caminhada terrena e à posse da glória de Deus, sustentam, com a sua intercessão, os seus irmãos peregrinos no mundo, no empenho de conversão, de fé, de recuperação após cada queda, de actividade para fazer crescer a comunhão e a paz na Igreja e no mundo. É no mistério da Comunhão dos Santos, que a reconciliação universal é actuada na sua forma mais profunda e mais frutuosa para a salvação de todos.
Há, depois, uma outra via: a da pregação. Discípula do único Mestre Jesus Cristo, a Igreja, por sua vez como Mãe e Mestra, não se cansa de propor aos homens a reconciliação e não hesita em denunciar a maldade do pecado, em proclamar a necessidade da conversão, em convidar e em pedir aos homens que «se deixem reconciliar». Na realidade, é essa a sua missão profética no mundo de hoje, como no de ontem: é a mesma missão do seu Mestre e Cabeça, Jesus. Como ele, a Igreja há-de realizar sempre tal missão com sentimentos de amor misericordioso e levar a todos as palavras do perdão e o convite à esperança, que vêm da Cruz.
Há ainda a via, tantas vezes difícil e árdua, da acção pastoral para trazer cada um dos homens — sejam eles quem forem e onde quer que se encontrem — ao caminho, por vezes longo, do retorno ao Pai na comunhão com todos os irmãos.
Há, por fim, a via do testemunho, quase sempre silencioso, que nasce duma dupla consciência da Igreja: a de ser em si «indefectivelmente santa», (54) mas ao mesmo tempo necessitada de continuar «a purificar-se, dia a dia, até que Cristo a faça comparecer na sua presença, gloriosa, sem mancha nem ruga», dado que, por causa dos nossos pecados, por vezes «o seu rosto resplandece menos» aos olhos de quem a vê. (55) Este testemunho não pode deixar de assumir duas manifestações fundamentais: ser sinal daquela caridade universal que Jesus Cristo deixou como herança aos seus seguidores, como prova da pertença ao seu Reino; e traduzir-se em factos sempre novos de conversão e de reconciliação no interior e no exterior da Igreja, com a superação das tensões, com o perdão recíproco e com o crescimento no espírito de fraternidade e de paz, que tem de ser propagado no mundo inteiro. Percorrendo esta via a Igreja poderá actuar validamente para fazer com que nasça aquilo a que o meu Predecessor Paulo VI chamava «a civilização do amor».
SEGUNDA PARTE
O AMOR MAIOR DO QUE O PECADO
O drama do homem
13. Como escreve o Apóstolo São João «se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós próprios e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele que é fiel e justo perdoar-nos-á os pecados». (56) Estas palavras inspiradas, escritas nos alvores da Igreja, introduzem melhor do que qualquer outra expressão humana a reflexão sobre o pecado, que está intimamente relacionada com o discurso sobre a reconciliação. Elas apreendem o problema do pecado no seu horizonte antropológico, enquanto parte integrante da verdade acerca do homem, mas inserem-no imediatamente no horizonte divino, no qual o pecado é confrontado com a verdade do amor de Deus, justo, generoso e fiel, que se manifesta sobretudo pelo perdão e pela redenção. Por isso, o próprio São João escreve pouco depois que «se (o nosso coração) de alguma coisa nos acusa, Deus é maior do que o nosso coração». (57)
Reconhecer o próprio pecado, ou melhor — indo mais ao fundo na consideração da própria personalidade — reconhecer-se pecador, capaz de pecar e de ser induzido ao pecado, é o princípio indispensável do retorno a Deus. É a experiência exemplar de David, que depois de «ter feito o mal aos olhos do Senhor», repreendido pelo profeta Natan, (58) exclama: «Reconheço a minha culpa, o meu pecado está sempre diante de mim. Pequei contra Vós, só contra Vós; pratiquei aquilo que é mal aos vossos olhos». (59) De resto, Jesus põe na boca e no coração do filho pródigo aquelas palavras significativas: «Pai, pequei contra o Céu e contra ti». (60)
Na realidade, reconciliar-se com Deus supõe e inclui o apartar-se com lucidez e determinação do pecado, no qual se caiu. Supõe e inclui, portanto, o fazer penitência no sentido mais pleno do termo: arrepender-se, manifestar o arrependimento, assumir a atitude concreta do arrependido, que é a de quem se coloca no caminho do regresso ao Pai. Isto é uma lei geral, que cada um deve seguir na situação particular em que se encontra. A exposição sobre o pecado e a conversão, de facto, não pode ser desenvolvida somente em termos abstractos.
Na condição concreta do homem pecador, em que não pode haver conversão sem reconhecimento do próprio pecado, o ministério de reconciliação da Igreja intervém, em qualquer hipótese, com uma finalidade claramente penitencial, isto é, para levar o homem ao «conhecimento de si», segundo a expressão de Santa Catarina de Sena, (61) ao desapego do mal, ao restabelecimento da amizade com Deus, à reordenação interior e à nova conversão eclesial. Acrescente-se que, para além do âmbito da Igreja e dos fiéis, a mensagem e o ministério da penitência são dirigidos a todos os homens, uma vez que todos têm necessidade de conversão e de reconciliação. (62)
Para exercitar adequadamente tal ministério penitencial, será também necessário avaliar, com os «olhos iluminados» (63) pela fé, as consequências do pecado, que são motivo de divisão e de ruptura, não só no interior de cada homem, mas também nos vários círculos em que ele vive: familiar, ambiencial, profissional e social, como tantas vezes se pode verificar pela experiência, em confirmação da página bíblica referente à cidade de Babel e à sua torre. (64) Tendo a intenção de construir aquilo que devia ser, a um tempo, símbolo e foco de unidade, aqueles homens encontraram-se mais dispersos do que antes, confundidos na linguagem, divididos entre si e incapazes de consenso e de convergência.
Porque falhou o ambicioso projecto? Porque «se afadigaram em vão os construtores»? (65) Porque os homens tinham colocado como sinal e garantia da desejada unidade unicamente uma obra das suas mãos, esquecidos da acção do Senhor. Calcularam apenas com a dimensão horizontal do trabalho e da vida social, descurando a dimensão vertical, pela qual se teriam encontrado radicados em Deus, seu Criador e Senhor, e voltados na direcção dele como fim último do seu caminho.
Ora, pode dizer-se que o drama do homem de hoje, como o do homem de todos os tempos, consiste precisamente no seu carácter babélico.
CAPÍTULO PRIMEIRO: O MISTÉRIO DO PECADO
14. Se lermos a página bíblica da cidade e da torre de Babel à luz da novidade evangélica e a confrontarmos com a outra página da queda dos primeiros pais, podemos tirar daí elementos preciosos para uma tomada de consciência do mistério do pecado. Esta expressão, na qual se repercute o que São Paulo escreve acerca do mistério da iniquidade (66) tem em vista fazer-nos perceber o que se esconde de obscuro e de inexplicável no pecado. Este, sem dúvida, é obra da liberdade do homem; mas por dentro da realidade desta experiência humana agem factores, pelos quais ela se situa para além do humano, na zona limite onde a consciência, a vontade e a sensibilidade do homem estão em contacto com forças obscuras que, segundo São Paulo, agem no mundo até ao ponto de quase o senhorearem. (67)
A desobediência a Deus
Da narração bíblica relativa à construção da torre de Babel emerge um primeiro elemento, que nos ajuda a compreender o pecado: os homens pretenderam edificar uma cidade, reunir-se numa estrutura social, ser fortes e poderosos sem Deus, se bem que, talvez, não contra Deus. (68) Neste sentido, a narração do primeiro pecado no éden e a narração de Babel, não obstante as diferenças notáveis, de conteúdo e de forma, têm um ponto de convergência: em ambas nos encontramos diante de uma exclusão de Deus, pela oposição frontal a um mandamento seu, por uma atitude de rivalidade em relação a Ele, pela ilusória pretensão de ser «como Ele». (69) Na narração de Babel a exclusão de Deus não aparece tanto num tom de contraste com Deus, mas como esquecimento e indiferença em relação a ele, como se e o mesmo Deus não merecesse nenhum interesse no âmbito dos desígnios empreendedores e associativos do homem. Mas em ambos os casos a relação com Deus é cortada com violência. No caso do éden aparece com toda a sua gravidade e dramaticidade aquilo que constitui a essência mais íntima e mais obscura do pecado: a desobediência a Deus, à sua lei, à norma moral que ele deu ao homem, gravando-lha no coração e confirmando-a e aperfeiçoando-a com a revelação.
Exclusão de Deus, ruptura com Deus, desobediência a Deus: é isto o que tem sido, ao longo de toda a história humana, e continua a ser, sob formas diversas, o pecado, que pode chegar até à negação de Deus e da sua existência: é o fenómeno chamado ateísmo.
Desobediência do homem, que — com um acto da sua liberdade — não reconhece o senhorio de Deus sobre a sua vida, pelo menos naquele momento determinado em que viola a sua lei.
A divisão entre os irmãos
15. Nas narrações bíblicas acima recordadas a ruptura com Deus desemboca dramaticamente na divisão entre os irmãos.
Na descrição do «primeiro pecado», a ruptura com Javé espedaçou, ao mesmo tempo, o fio da amizade que unia a família humana; tanto assim que as páginas do Génesis que se seguem nos mostram o homem e a mulher, como que a apontarem com o dedo acusador um contra o outro; (70) depois o irmão que, hostil ao irmão, acaba por tirar-lhe a vida. (71)
Segundo a narração dos factos de Babel, a consequência do pecado é a desagregação da família humana, que já começara com o primeiro pecado e agora chega ao extremo na sua forma social.
Quem quiser indagar sobre o mistério do pecado não pode deixar de considerar esta concatenação de causa e efeito. Como ruptura com Deus, o pecado é o acto de desobediência de uma criatura que, pelo menos implicitamente, enjeita Aquele do qual proveio e que a mantém em vida; é, portanto, um acto suicida.
E dado que com o pecado o homem se recusa a submeter-se a Deus, também se transtorna o seu equilíbrio interior; e, precisamente no seu íntimo, irrompem contradições e conflitos. Assim dilacerado, o homem produz, quase inevitavelmente, uma laceração no tecido das suas relações com os outros homens e com o mundo criado. É uma lei e um facto objectivo, que têm confirmação em muitos momentos da psicologia humana e da vida espiritual, como aliás na realidade da vida social, onde é fácil observar as repercussões e os sinais da desordem interior.
O mistério do pecado é formado por esta dupla ferida, que o pecador abre no seu próprio seio e na relação com o próximo. Por isso, pode falar-se de pecado pessoal e social: todo o pecado sob um aspecto é pessoal, e todo o pecado sob um outro aspecto é social, enquanto e porque tem também consequências sociais.
Pecado pessoal e pecado social
16. O pecado, no sentido próprio e verdadeiro, é sempre um acto da pessoa, porque é um acto de um homem, individualmente considerado, e não propriamente de um grupo ou de uma comunidade. Este homem pode ser condicionado, pressionado, impelido por numerosos e ponderosos factores externos, como também pode estar sujeito a tendências, taras e hábitos relacionados com a sua condição pessoal. Em não poucos casos, tais factores externos e internos podem atenuar, em maior ou menor grau, a sua liberdade e, consequentemente, a sua responsabilidade e culpabilidade. No entanto, é uma verdade de fé, também confirmada pela nossa experiência e pela nossa razão, que a pessoa humana é livre. E não se pode ignorar esta verdade, para descarregar em realidades externas — as estruturas, os sistemas, os outros - o pecado de cada um. Além do mais, isso seria obliterar a dignidade e a liberdade de pessoa, que se revelam — se bem que negativa e desastrosamente — também nessa responsabilidade do pecado cometido. Por isso, em todos e em cada um dos homens, não há nada tão pessoal e intransferível como o mérito da virtude ou a responsabilidade da culpa.
Como acto da pessoa, o pecado tem as suas primeiras e mais importantes consequências no próprio pecador; ou seja, na relação dele com Deus, que é o próprio fundamento da vida humana; e também no seu espírito, enfraquecendo-lhe a vontade e obscurecendo-lhe a inteligência.
Chegados a este ponto, devemos perguntar-nos: a que realidade se referiam os que, na preparação do Sínodo e no decorrer dos trabalhos sinodais, mencionaram não poucas vezes o pecado social? A realidade que está subjacente a tal expressão e conceito faz com estes tenham, na verdade, diversos significados.
Falar de pecado social quer dizer, primeiro que tudo, reconhecer que, em virtude de uma solidariedade humana tão misteriosa e imperceptível quanto real e concreta, o pecado de cada um se repercute, de algum modo, sobre os outros. Está nisto uma outra faceta daquela solidariedade que, a nível religioso, se desenvolve no profundo e magnífico mistério da Comunhão dos Santos, graças à qual se pode dizer que «cada alma que se eleva, eleva o mundo». (72) A esta lei da elevação corresponde, infelizmente, a lei da descida, de tal modo que se pode falar de uma comunhão no pecado, em razão da qual uma alma que se rebaixa pelo pecado arrasta consigo a Igreja, e, de certa maneira, o mundo inteiro. Por outras palavras não há nenhum pecado, mesmo o mais íntimo e secreto, o mais estritamente individual, que diga respeito exclusivamente àquele que o comete. Todo o pecado se repercute, com maior ou menor veemência, com maior ou menor dano, em toda a estrutura eclesial e em toda a família humana. Segundo esta primeira acepção, a cada pecado pode atribuir-se indiscutivelmente o carácter de pecado social.
Há certos pecados, no entanto, que constituem, pelo seu próprio objecto, uma agressão directa ao próximo e — mais exactamente, com base na linguagem evangélica — ao irmão. Estes são uma ofensa a Deus, porque ofendem o próximo. A tais pecados costuma dar-se a qualificação de sociais; e é esta a segunda acepção do termo. Neste sentido, é social o pecado contra o amor do próximo, que é tanto mais grave na Lei de Cristo, porquanto está em jogo o segundo mandamento, que é «semelhante ao primeiro». (73) é igualmente social todo o pecado cometido contra a justiça, quer nas relações de pessoa a pessoa, quer nas da pessoa com a comunidade, quer, ainda, nas da comunidade com a pessoa. É social todo o pecado contra os direitos da pessoa humana, a começar pelo direito à vida, incluindo a do nascituro, ou contra a integridade física de alguém; todo o pecado contra a liberdade de outrem, especialmente contra a suprema liberdade de crer em Deus e de o adorar; todo o pecado contra a dignidade e a honra do próximo. É social todo o pecado contra o bem comum e contra as suas exigências, em toda a ampla esfera dos direitos e dos deveres dos cidadãos. Pode ser social tanto o pecado de comissão como o de omissão: da parte dos dirigentes políticos, económicos e sindicais, por exemplo, que, embora podendo, não se empenhem com sabedoria no melhoramento ou na transformação da sociedade, segundo as exigências e as possibilidades do momento histórico; como também da parte dos trabalhadores, que faltem aos seus deveres de presença e de colaboração, para que as empresas possam continuar a proporcionar o bem-estar a eles próprios, as suas famílias e à inteira sociedade.
A terceira acepção de pecado social diz respeito as relações entre as várias comunidades humanas. Estas relações nem sempre estão em sintonia com a desígnio de Deus, que quer no mundo justiça, liberdade e paz entre os indivíduos, os grupos, os povos. Assim, a luta de classes, seja quem for o seu responsável ou, por vezes, o sistematizador, é um mal social. Assim, a contraposição obstinada dos blocos de Nações e duma Nação contra a outra e de grupos contra outros grupos no seio da mesma Nação, é igualmente um mal social. Em ambos os casos, pode fazer-se a pergunta, se é possível atribuir a alguém a responsabilidade moral de tais males e, por conseguinte, o pecado. Ora, deve admitir-se que realidades e situações como as que acabam de ser indicadas, ao generalizarem-se e até mesmo ao agigantarem-se como factos sociais, quase sempre se tornam anónimas, assim como são complexas e nem sempre identificáveis as suas causas. Por isso, ao falar-se aqui de pecado social, a expressão tem um significado claramente analógico. Em todo o caso, falar de pecados sociais, mesmo que seja em sentido analógico, não deve induzir ninguém a subestimar a responsabilidade individual das pessoas; mas tem em vista constituir um alerta para as consciências de todos, a fim de que cada um assuma as próprias responsabilidades, no sentido de serem séria e corajosamente modificadas essas realidades nefastas e essas situações intoleráveis.
Dito isto, de maneira clara e inequívoca, como premissa, é preciso acrescentar imediatamente que não é legítima nem aceitável uma acepção do pecado social, não obstante esteja muito em voga nos nossos dias nalguns ambientes, (74) a qual, ao opôr, não sem ambiguidade, pecado social a pecado pessoal, mais ou menos inconscientemente leva a diluir e quase a eliminar o pessoal, para admitir somente as culpas e responsabilidades sociais. Segundo esta concepção, que revela com facilidade a sua derivação de ideologias e sistemas não cristãos — hoje, talvez, já postos de parte por aqueles mesmos que a certa altura foram os seus fautores oficiais — praticamente todos os pecados seriam sociais, no sentido de serem imputáveis não tanto à consciência moral duma pessoa, quanto a uma entidade vaga e colectividade anónima, que poderia ser a situação, o sistema, a sociedade, as estruturas, a instituição etc.
Pois bem: a Igreja, quando fala de situações de pecado ou denuncia como pecados sociais certas situações ou certos comportamentos colectivos de grupos sociais, mais ou menos vastos, ou até mesmo de Nações inteiras e blocos de Nações, sabe e proclama que tais casos de pecado social são o fruto, a acumulação e a concentração de muitos pecados pessoais. Trata-se dos pecados pessoalíssimos de quem gera ou favorece a iniquidade ou a desfruta; de quem, podendo fazer alguma coisa para evitar, ou eliminar, ou pelo menos limitar certos males sociais, deixa de o fazer por preguiça, por medo e temerosa conivência, por cumplicidade disfarçada ou por indiferença; de quem procura escusas na pretensa impossibilidade de mudar o mundo; e, ainda, de quem pretende esquivar-se ao cansaço e ao sacrifício, aduzindo razões especiosas de ordem superior. As verdadeiras responsabilidades, portanto, são das pessoas.
Uma situação — e de igual modo uma instituição, uma estrutura, uma sociedade — não é, de per si, sujeito de actos morais; por isso, não pode ser, em si mesma, boa ou má.
No fundo de cada situação de pecado, porém, encontram-se sempre pessoas pecadoras. Isto é tão verdadeiro que, se tal situação vier a ser mudada nos seus aspectos estruturais e institucionais pela força da lei, ou — como acontece com mais frequência, infelizmente — pela lei da força, a mudança revela-se, na realidade, incompleta, de pouca duração e, no fim de contas, vã e ineficaz — para não dizer mesmo contraproducente — se não se converterem as pessoas directa ou indirectamente responsáveis por essa mesma situação.
Pecado mortal e pecado venial
17. Mas há no mistério do pecado uma outra dimensão, sobre a qual a inteligência do homem, nunca deixou de meditar: a da sua gravidade. É um problema inevitável, ao qual a consciência cristã nunca se esquivou de dar uma resposta: porquê e em que medida o pecado é grave na ofensa que faz a Deus e na sua repercussão sobre o homem? A Igreja tem uma doutrina própria a propósito disto e reafirma-a nos seus elementos essenciais, sabendo embora que nem sempre é fácil, no concreto das situações, fazer delimitações nítidas de fronteiras.
Já no Antigo Testamento e para numerosos pecados — os cometidos com deliberação, (76) as várias formas de impureza, (76) de idolatria, (77) de culto dos falsos deuses (78) — se declarava que o réu devia ser «eliminado do seu povo», o que podia significar mesmo ser condenado à morte. (79) A estes contrapunham-se outros pecados, sobretudo os cometidos por ignorância, que eram perdoados mediante um sacrifício. (80)
Com referência também a esses textos, a Igreja, já há séculos, fala constantemente em pecado mortal e pecado venial. Mas esta distinção e estes termos recebem luz sobretudo do Novo Testamento, no qual se encontram muitos textos que enumeram e reprovam, com expressões enérgicas, os pecados particularmente merecedores de condenação, (81) além e na continuidade da confirmação dos do Decálogo feita pelo próprio Jesus. (82) Quereria referir-me aqui, especialmente, a duas páginas significativas e impressionantes.
Numa passagem da sua primeira Carta, São João fala de um pecado que leva à morte (pròs thánaton) em contraposição a outro pecado que não leva à morte (mè pròs thánaton). (83) No conceito de morte, aqui, como é óbvio, subentende-se espiritual: trata-se da perda da verdadeira vida ou «vida eterna», que, para São João, é o conhecimento do Pai e do Filho (84) e a comunhão e a intimidade com eles. O pecado que leva à morte parece ser, nesta passagem, a negação do Filho, (85) ou o culto de falsas divindades. (86) Seja como for, com essa distinção de conceitos, São João parece querer acentuar a incomensurável gravidade daquilo que é a essência do pecado, a recusa de Deus, actuada sobretudo na apostasia e na idolatria; ou seja, no repúdio da fé na verdade revelada e na equiparação a Deus de certas realidades criadas, erigindo-as em ídolos ou falsos deuses. (87) Mas o Apóstolo, nessa mesma página, quer também pôr em evidência a certeza que provém para o cristão do facto de ser «nascido de Deus» pela vinda do Filho: há nele uma força que o preserva da queda no pecado; Deus guarda-o «e o Maligno não o toca». No caso de pecar por fraqueza ou ignorância, subsiste nele a esperança da remissão, também pelo apoio que lhe advém da oração feita em conjunto pelos irmãos.
Noutra página do Novo Testamento, no Evangelho de São Mateus, (88) o próprio Jesus fala duma «blasfémia contra o Espírito Santo», que é «irremissível», porque, nas suas manifestações, ela aparece como uma obstinada recusa de conversão ao amor do Pai das misericórdias.
Trata-se, é claro, de expressões extremas e radicais: rejeição de Deus, rejeição da sua graça e, portanto, oposição ao próprio princípio da salvação, (89) pela qual o homem parece fechar voluntariamente a si mesmo o caminho da remissão. Há que ter esperança, porém, que bem poucos queiram obstinar-se até ao fim nesta atitude de rebelião ou até de desafio a Deus, o qual, aliás, no seu amor misericordioso é maior do que o nosso coração, como nos ensina ainda São João. (90) Deus pode, de facto, vencer todas as nossas resistências psicológicas e espirituais, de tal modo que — como escreve Santo Tomás de Aquino — «não há que desesperar da salvação de ninguém nesta vida, consideradas a omnipotência e a misericórdia de Deus». (91)
Mas, diante do problema do embate de uma vontade rebelde com Deus infinitamente justo, não se pode deixar de nutrir sentimentos de salutar «temor e tremor», como sugere São Paulo; (92)e o aviso de Jesus sobre o pecado que não é «remissível» confirma a existência de culpas que podem trazer para o pecador, como pena, a «morte eterna».
À luz destes e de outros textos da Sagrada Escritura, os doutores e teólogos, os mestres espirituais e os pastores de almas distinguiram os pecados em mortais e veniais. Santo Agostinho, entre outros, fala de letalia ou mortifera crimina, opondo-os a venialia, levia ou quotidiana. (93) O significado que ele atribui a estes qualificativos influirá posteriormente no Magistério da Igreja. Depois dele seria Santo Tomás de Aquino a formular, nos termos mais claros que foi possível, a doutrina que se tornou constante na Igreja.
Na definição e distinção dos pecados mortais e veniais, não podia estar ausente para Santo Tomás e para a Teologia do pecado que nele se foi inspirar, a referência bíblica e, portanto, o conceito da morte espiritual. Segundo o Doutor Angélico, para viver espiritualmente, o homem deve permanecer em comunhão com o princípio supremo da vida, que é Deus, enquanto fim último de todo o seu ser e do seu agir. Ora o pecado é uma desordem perpetrada pelo homem contra este princípio vital. E quando, «por meio do pecado, a alma provoca uma desordem que vai até à separação do fim último — Deus — ao qual se encontra ligada pela caridade, então há pecado mortal; de outro modo, todas as vezes que a desordem fica aquém da separação de Deus, então o pecado é venial». (94) Por esta razão, o pecado venial não priva da graça santificante, da amizade com Deus, da caridade, nem, por conseguinte, da bem-aventurança eterna; ao passo que tal privação é exactamente consequência do pecado mortal.
Considerando o pecado, ademais, sob o aspecto da pena que implica, Santo Tomás com outros doutores, chama mortal ao pecado que, se não for remido, faz contrair uma pena eterna; venial, ao pecado que merece uma simples pena temporal (quer dizer, parcial e expiável na terra ou no Purgatório).
Se se atender, depois, à matéria do pecado, as ideias de morte, de ruptura radical com Deus, sumo bem, de desvio do caminho que leva a Deus ou de interrupção da caminhada em direcção a ele (tudo modos de definir o pecado mortal) conjugam-se com a ideia da gravidade do conteúdo objectivo; por isso, o pecado grave identifica-se praticamente, na doutrina e na acção pastoral da Igreja, com o pecado mortal.
Atingimos aqui o núcleo do ensino tradicional da Igreja, recordado muitas vezes e com vigor no decorrer do recente Sínodo. Este, de facto, não só reafirmou tudo aquilo que foi proclamado no Concílio de Trento sobre a existência e a natureza dos pecados mortais e veniais, (95) mas quis ainda lembrar que é pecado mortal aquele que tem por objecto uma matéria grave e que, conjuntamente, é cometido com plena advertência e consentimento deliberado. E impõe-se acrescentar — como se fez também no mesmo Sínodo — que alguns pecados, quanto à sua matéria, são intrinsecamente graves e mortais. Quer dizer, há determinados actos que, por si mesmos e em si mesmos, independentemente das circunstâncias, são sempre gravemente ilícitos, por motivo do seu objecto. Esses actos, se forem praticados com suficiente advertência e liberdade, são sempre culpa grave. (96)
Esta doutrina, fundamentada no Decálogo e na pregação do Antigo Testamento e retomada no kérigma dos Apóstolos, e que faz parte do mais antigo ensino que a Igreja tem vindo a repetir até hoje, tem uma comprovação cabal na experiência humana de todos os tempos. O homem sabe bem, por experiência, que na caminhada da fé e da justiça, que o leva ao conhecimento e ao amor de Deus nesta vida e à perfeita união com ele na eternidade, pode parar ou distrair-se, sem abandonar, no entanto, o rumo de Deus: neste caso há efectivamente pecado venial. Este, porém, não deverá ser atenuado, como se, automaticamente, se tratasse de algo que pudesse ser transcurado ou de um «pecado de pouca monta».
Sucede também que o homem igualmente sabe, por dolorosa experiência, que com um acto consciente e livre da sua vontade pode inverter a marcha, caminhar no sentido oposto à vontade de Deus e, desse modo, afastar-se dele (aversio a Deo), recusando a comunhão de amor com ele, afastando-se do princípio de vida que ele é, e escolhendo, por isso mesmo, a morte.
Com toda a tradição da Igreja, chamamos pecado mortal a este acto pelo qual um homem, com liberdade e advertência, rejeita Deus, a sua lei, a aliança de amor que Deus lhe propõe, preferindo voltar-se para si mesmo, para qualquer realidade criada e finita, para algo contrário ao querer divino (conversio ad creaturam). Isto pode acontecer de modo directo e formal, como nos pecados de idolatria, apostasia e ateísmo; ou de modo equivalente, como em todas as desobediências aos mandamentos de Deus em matéria grave. O homem sente que esta desobediência a Deus corta a ligação com o seu princípio vital: é um pecado mortal, ou seja, um acto que ofende gravemente a Deus e acaba por se voltar contra o próprio homem, com uma força obscura e potente de destruição.
Durante a Assembleia sinodal foi proposta por alguns Padres uma distinção tripartida entre os pecados, que haveriam de passar a ser classificados com veniais, graves e mortais. A tripartição poderia pôr em realce o facto de que entre os pecados graves existe uma gradação. Mas permanece sempre verdadeiro que a distinção essencial e decisiva é a que existe entre pecados que destroem a caridade e pecados que não matam a vida sobrenatural: entre a vida e a morte não há lugar para um meio termo.
De igual modo, há-de evitar-se reduzir o pecado mortal a um acto de «opção fundamental» contra Deus — como hoje em dia se costuma dizer — entendendo com isso um desprezo explícito e formal de Deus e do próximo. Dá-se, efectivamente, o pecado mortal também quando o homem, sabendo e querendo, por qualquer motivo escolhe alguma coisa gravemente desordenada. Com efeito, numa escolha assim já está incluído um desprezo do preceito divino, uma rejeição do amor de Deus para com a humanidade e para com toda a criação: o homem afasta-se a si próprio de Deus e perde a caridade. A orientação fundamental pode, pois, ser radicalmente modificada por actos particulares. Podem, sem dúvida, verificar-se situações muito complexas e obscuras sob o ponto de vista psicológico, que influem na imputabilidade subjectiva do pecador. Mas da consideração da esfera psicológica não se pode passar para a constituição de uma categoria teológica, como é precisamente a da «opção fundamental», entendendo-a de tal modo que, no plano objectivo, mudasse ou pusesse em dúvida a concepção tradicional do pecado mortal.
Se bem que sejam de apreciar todas as tentativas sinceras e prudentes de esclarecer o mistério psicológico e teológico do pecado, a Igreja tem no entanto o dever de recordar a todos os estudiosos desta matéria: a necessidade, por um lado, de serem fiéis à Palavra de Deus, que nos elucida também sobre o pecado; e, por outro, o risco que se corre de contribuir para atenuar ainda mais, no mundo contemporâneo, o sentido do pecado.
Perda do sentido do pecado
18. A partir do Evangelho lido na comunhão eclesial, a consciência cristã adquiriu, no decurso das gerações, uma fina sensibilidade e uma perspicaz percepção dos fermentos de morte que estão contidos no pecado; sensibilidade e capacidade de percepção, também para individuar tais fermentos nas mil formas assumidas pelo pecado, nos mil carizes com que ele se apresenta. É a isto que se costuma chamar o sentido do pecado.
Este sentido tem a sua raiz na consciência moral do homem e é como que o seu termómetro. Anda ligado ao sentido de Deus, uma vez que deriva da consciência da relação que o homem tem com o mesmo Deus, como seu Criador, Senhor e Pai. E assim como não se pode apagar completamente o sentido de Deus nem extinguir a consciência, também não se dissipa nunca inteiramente o sentido do pecado.
Entretanto, não raro no decurso da história, por períodos mais ou menos longos e sob o influxo de múltiplos factores, acontece ficar gravemente obscurecida a consciência moral em muitos homens. «Temos nós uma ideia justa da consciência?» - perguntava eu há dois anos num colóquio com os fiéis - «Não vive o homem contemporâneo sob a ameaça de um eclipse da consciência, de uma deformação da consciência e de um entorpecimento ou duma "anestesia" das consciências?». (97) Demasiados sinais indicam que no nosso tempo existe tal eclipse, tanto mais inquietante quanto esta consciência, definida pelo Concílio como «o núcleo mais secreto e o sacrário do homem», (98) anda «estreitamente ligada à liberdade do homem (...). Por isso, a consciência, com relevância principal, está na base da dignidade interior do homem e ao mesmo tempo, da sua relação com Deus». (99) é inevitável, portanto, que nesta situação fique obnubilado também o sentido do pecado, o qual está intimamente ligado à consciência moral, à procura da verdade e à vontade de fazer um uso responsável da liberdade. Conjuntamente com a consciência, fica também obscurecido o sentido de Deus, e então, perdido este decisivo ponto de referência interior, desaparece o sentido do pecado. Foi este o motivo por que o meu Predecessor Pio XII, com palavras que se tornaram quase proverbiais, pôde declarar um dia que «o pecado do século é a perda do sentido do pecado». (100)
Porquê este fenómeno no nosso tempo? Uma vista de olhos de algumas componentes da cultura contemporânea pode ajudar-nos a compreender a atenuação progressiva do sentido do pecado, exactamente por causa da crise da consciência e do sentido de Deus, acima realçada.
O «secularismo», que, pela sua própria natureza e definição, é um movimento de ideias e de costumes, o qual propugna um humanismo que abstrai de Deus totalmente, concentrado só no culto do empreender e do produzir e arrastado pela embriaguez do consumo e do prazer, sem preocupações com o perigo de «perder a própria alma», não pode deixar de minar o sentido do pecado. Reduzir-se-á este último, quando muito, àquilo que ofende o homem. Mas é precisamente aqui que se impõe a amarga experiência a que já aludia na minha primeira Encíclica; ou seja, que o homem pode construir um mundo sem Deus, mas esse mundo acabará por voltar-se contra o mesmo homem. (101) Na realidade, Deus é a origem e o fim supremo do homem e este leva consigo um gérmen divino. (102) Por isso, é a realidade de Deus, que desvenda e ilumina o mistério do homem. É inútil, pois, esperar que ganhe consistência um sentido do pecado, no que respeita ao homem e aos valores humanos, quando falta o sentido da ofensa cometida contra Deus, isto é, o verdadeiro sentido do pecado.
Desvanece-se este sentido do pecado na sociedade contemporânea também pelos equívocos em que se cai ao apreender certos resultados das ciências humanas. Com base nalgumas afirmações da psicologia, a preocupação de não tachar alguém como culpado nem pôr freio à liberdade leva a nunca reconhecer uma falta. Por indevida extrapolação dos critérios da ciência sociológica acaba-se — como já aludi — por descarregar sobre a sociedade todas as culpas, de que o indivíduo é declarado inocente. E uma certa antropologia cultural, por seu lado, à força de aumentar os condicionamentos e influxos ambientais e históricos, aliás inegáveis, que agem sobre o homem, limita-lhe tanto a responsabilidade que não lhe reconhece já a capacidade de fazer verdadeiros actos humanos e, por consequência, a possibilidade de pecar.
O sentido do pecado decai facilmente, ainda, sob a influência de uma ética que deriva dum certo relativismo historicista. Pode tratar-se da ética que relativiza a norma moral, negando o seu valor absoluto e incondicionado e negando, por consequência, que possam existir actos intrinsecamente ilícitos, independentemente das circunstâncias em que são realizados pelo sujeito. Trata-se de uma verdadeira «reviravolta e derrocada dos valores morais»; e «o problema não é tanto de ignorância da ética cristã», «mas sobretudo do sentido dos fundamentos e critérios das atitudes morais». (103) O efeito desta reviravolta ética é sempre também o de mitigar a tal ponto a noção de pecado, que se acaba quase por afirmar que o pecado existe, mas não se sabe quem o comete.
Esvai-se, por fim, o sentido do pecado quando — como pode acontecer no ensino aos jovens, nas comunicações de massa e na própria educação famíliar — esse sentido do pecado é erroneamente identificado com o sentimento morboso da culpa ou com a simples transgressão das normas e preceitos legais.
A perda do sentido do pecado, portanto, é uma forma ou um fruto da negação de Deus: não só da negação ateísta, mas também da negação secularista. Se o pecado é a interrupção da relação filial com Deus para levar a própria existência fora da obediência a ele devida, então pecar não é só negar Deus; pecar é também viver como se ele não existisse, bani-lo do próprio quotidiano. Um modelo de sociedade mutilado ou desequilibrado num ou noutro sentido, como é frequentemente veiculado pelos meios de comunicação, favorece bastante a progressiva perda do sentido do pecado. Em tal situação, o ofuscamento ou a debilitação do sentido do pecado resulta: seja da recusa de qualquer referência ao transcendente, em nome da aspiração à autonomia pessoal; seja da sujeição a modelos éticos impostos pelo consenso e costume generalizado, mesmo quando são condenados pela consciência individual; seja das dramáticas condições sócio-económicas, que oprimem grande parte da humanidade, causando a tendência para se verem erros e culpas apenas no âmbito do social; seja, por fim e sobretudo, do obscurecimento da ideia da paternidade de Deus e do seu domínio sobre a vida do homem.
Até mesmo no campo do pensamento e da vida eclesial, algumas tendências favorecem inevitavelmente o declínio do sentido do pecado. Alguns, por exemplo, tendem a substituir posições exageradas do passado por outros exageros; assim, da atitude de ver o pecado em toda a parte, passa-se a não o vislumbrar em lado nenhum; da demasiada acentuação do temor das penas eternas, à pregação dum amor de Deus, que excluiria toda e qualquer pena merecida pelo pecado; da severidade no esforço para corrigir as consciências erróneas, a um pretenso respeito pela consciência, até suprimir o dever de dizer a verdade. E por que não acrescentar que a confusão criada na consciência de muitos fiéis pelas divergências de opiniões e de ensinamentos na teologia, na pregação, na catequese e na direcção espiritual, acerca de questões graves e delicadas da moral cristã, acaba por fazer diminuir, quase até à sua extinção, o verdadeiro sentido do pecado? E não podem deixar-se em silêncio alguns defeitos na prática da Penitência sacramental: tal é a tendência a ofuscar o significado eclesial do pecado e da conversão, reduzindo-os a factos meramente individuais, ou vice-versa, a anular o valor pessoal do bem e do mal para considerar nestes exclusivamente a dimensão comunitária; tal é também o perigo, que nunca foi totalmente esconjurado, do ritualismo rotineiro, que tira ao Sacramento o seu significado pleno e a sua eficácia formativa.
Restabelecer o justo sentido do pecado é a primeira forma de combater a grave crise espiritual que impende sobre o homem do nosso tempo. Mas o sentido do pecado só se restabelecerá com uma chamada a atenção clara para os inderrogáveis princípios de razão e de fé, que a doutrina moral da Igreja sempre sustentou.
É lícito esperar que, sobretudo no mundo cristão eclesial, reaflore um salutar sentido do pecado. A isso levarão uma boa catequese, iluminada pela teologia bíblica da Aliança, a escuta atenta e o acolhimento confiante do Magistério da Igreja, que não cessa de proporcionar luz as consciências, e uma prática cada vez mais cuidada do Sacramento da Penitência.
CAPÍTULO SEGUNDO: «MYSTERIUM PIETATIS»
19. Para conhecer o pecado, era necessário fixarmos o olhar na sua natureza, tal como a revelação da economia da Salvação no-la deu a conhecer: ele é o mistério da iniquidade («mysterium iniquitatis»). Mas nesta economia o pecado não é protagonista nem, menos ainda, vencedor. Contrasta, antes, como antagonista, com um outro princípio operante, que — usando uma bela e sugestiva expressão de São Paulo — podemos chamar o mistério ou sacramento da piedade («mysterium», ou «sacramentum pietatis»). O pecado do homem seria vencedor e, por fim, destruidor, e o desígnio salvífico de Deus ficaria incompleto ou mesmo vencido, se este mistério da piedade não se tivesse inserido no dinamismo da história para vencer o pecado do homem.
Encontramos esta expressão numa das Cartas Pastorais de São Paulo, a primeira a Timóteo. Aparece aí, repentina, como por uma inspiração impetuosa! O Apóstolo, na verdade, consagrara em precedência longos parágrafos da sua mensagem ao discípulo predilecto, para explicar o significado da organização da comunidade (litúrgica e, ligada a esta, hierárquica); falara depois do papel dos chefes da comunidade, para se referir em seguida ao comportamento do próprio Timóteo na «Igreja do Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade». E depois, no final da passagem, evoca quase ex abrupto, mas com intuito profundo, aquilo que dá significado a tudo o que escrevera: «é grande, sem dúvida, o mistério da piedade...». (104)
Sem trair minimamente o sentido literal do texto, podemos alargar esta magnífica intuição teológica do Apóstolo a uma visão mais completa do papel que a verdade por ele anunciada tem na economia da Salvação. «é verdadeiramente grande — repitamos com o mesmo Apóstolo — o mistério da piedade», porque vence o pecado.
Mas o que é, na concepção paulina, esta «piedade»?
É o próprio Cristo
20. É profundamente significativo que, para apresentar este «mistério da piedade», São Paulo transcreva simplesmente, sem estabelecer uma ligação gramatical com o texto precedente, (105) três linhas de um Hino cristológico, que — segundo a opinião de autorizados estudiosos — era usado nas comunidades helénico-cristãs.
Com as palavras desse Hino, densas de conteúdo teológico e ricas de nobre beleza, esses cristãos do século primeiro professavam a sua fé no mistério de Cristo, pelo qual
- Ele se manifestou na realidade da carne humana e foi pelo Espírito Santo constituído como o Justo, que se oferece pelos injustos;
- Ele apareceu aos Anjos, tornado maior que eles, e foi pregado aos povos, como portador de salvação;
- Ele foi acreditado no mundo, como enviado do Pai, e pelo mesmo Pai assumido no céu, como Senhor. (106)
- O mistério ou sacramento da piedade, portanto, é o próprio mistério de Cristo, E, numa síntese bem densa, ele é o mistério da Encarnação e da Redenção, da plena Páscoa de Jesus, Filho de Deus e Filho de Maria: mistério da sua paixão e morte, da sua ressurreição e glorificação. O que São Paulo, ao referir as frases do Hino, quis recordar foi que este mistério é o recôndito princípio vital que faz da Igreja a casa de Deus, a coluna e o fundamento da verdade. E na peugada do ensino paulino, nós podemos afirmar que este mesmo mistério da infinita piedade de Deus para connosco é capaz de penetrar até as raízes escondidas da nossa iniquidade, para suscitar na alma um movimento de conversão, para redimi-la, e fazê-la de vela em direcção à reconciliação.
Referindo-se sem dúvida a este mistério, também São João, com a sua linguagem característica, que é diversa da de São Paulo, pôde escrever que «aquele que nasceu de Deus, não peca»: o Filho de Deus salva-o e «o Maligno não o toca». (107) Nesta afirmação joanina há uma indicação de esperança, fundada sobre as promessas divinas: o cristão recebeu a garantia e as forças necessárias para não pecar. Não se trata, pois, de uma impecabilidade adquirida por virtude própria e, menos ainda, ínsita no homem, como pensavam os Gnósticos. É um resultado da acção de Deus. Para não pecar, o cristão dispõe do conhecimento de Deus, recorda São João nesta passagem. Mas, pouco antes, já tinha escrito: «Todo o que nasceu de Deus não comete pecado, porque habita nele uma semente divina». (108) Se por esta «semente de Deus» entendermos — como propõem alguns comentadores — Jesus, o Filho de Deus, então podemos dizer que para não pecar — ou para libertar-se do pecado — o cristão dispõe da presença em si do próprio Cristo e do mistério de Cristo, que é mistério de piedade.
O esforço do cristão
21. Mas há no mistério da piedade um outro aspecto: à piedade de Deus para com o cristão há-de corresponder a piedade do cristão para com Deus. Nesta segunda acepção, a piedade (eusébeia) significa exactamente o comportamento do cristão, que à piedade paterna de Deus corresponde com a sua piedade filial.
Também neste sentido podemos afirmar com São Paulo que «é grande o mistério da piedade»; e ainda, que esta piedade, qual força de conversão e de reconciliação, combate a iniquidade e o pecado. Neste caso, ainda, os aspectos essenciais do mistério de Cristo são objecto da piedade, enquanto o cristão acolhe o mistério, o contempla e a ele vai buscar a força espiritual necessária para modelar a sua vida segundo o Evangelho. Também aqui se deve dizer que «quem nasceu de Deus não comete pecado»; mas a expressão tem sentido imperativo: sustentado pelo mistério — e pelos mistérios — de Cristo, como por uma nascente interior de energia espiritual, o cristão é avisado para não pecar e, mais ainda, recebe o mandamento de não pecar: há-de comportar-se dignamente «na casa de Deus, que é a Igreja do Deus vivo», (109) sendo como é um filho de Deus.
Para una vida reconciliada
22. Assim a Palavra da Escritura, ao revelar-nos o mistério da piedade, abre a inteligência humana para a conversão e para a reconciliação, entendidas não como abstracções, mas como valores cristãos concretos a conquistar no dia a dia.
Insidiados pela perda do sentido do pecado, tentados, algumas vezes, pela ilusão bem pouco cristã de impecabilidade, também os homens de hoje precisam de ouvir de novo, como dirigida a cada um deles, pessoalmente, a advertência de São João: «Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós»; (110) e mais ainda, que «todo o mundo jaz sob o jugo do Maligno». (111) Cada um, pois, é convidado pela voz da Verdade divina a ler realisticamente na própria consciência e a confessar que foi gerado na iniquidade, como dizemos no Salmo Miserere. (112)
Ameaçados pelo medo e pelo desespero, os homens de hoje podem, no entanto, sentir-se consolados pela promessa divina, que os abre à esperança da plena reconciliação.
O mistério da piedade, da parte de Deus, é a misericórdia de que o Senhor e nosso Pai — repito-o mais uma vez — é infinitamente rico. (113) Como disse na Encíclica dedicada ao tema da misericórdia divina, (114) esta é um amor mais poderoso do que o pecado, mais forte do que a morte. Quando nos damos conta de que o amor que Deus nos dispensa não se detém diante do nosso pecado, não retrocede diante das nossas ofensas, mas se torna ainda mais solícito e generoso; quando nos apercebemos de que este amor chegou a causar a paixão e a morte do Verbo feito carne, que aceitou remir-nos pagando com o seu Sangue, então prorrompemos em reconhecimento: «Sim, o Senhor é rico em misericórdia», e dizemos mesmo: «O Senhor é misericórdia».
O mistério da piedade é o caminho aberto pela misericórdia divina à vida reconciliada.
TERCEIRA PARTE
A PASTORAL DA PENITÊNCIA E DA RECONCILIAÇÃO
Promoção da penitência e da reconciliação
23. Suscitar no coração do homem a conversão e a penitência e proporcionar-lhe o dom da reconciliação é a missão conatural da Igreja, como continuadora da obra redentora do seu divino Fundador. Trata-se de uma missão que não será cumprida só com algumas afirmações teóricas e com a proposta de um ideal ético não acompanhado por energias operativas; mas está destinada a expressar-se em funções ministeriais bem precisas, em ordem à prática concreta da penitência e da reconciliação.
A este ministério, fundado e iluminado pelos princípios de fé acima ilustrados, orientado para objectivos precisos e apoiado em meios adequados, podemos dar o nome de pastoral da penitência e da reconciliação. O seu ponto de partida é a convicção da Igreja, de que o homem, a quem se destinam todas as formas de pastoral, mas principalmente a pastoral da penitência e da reconciliação, é o homem marcado pelo pecado, retratado no exemplo significativo do rei David. Repreendido pelo profeta Natan, David aceita olhar de frente as suas próprias torpezas, confessando: «Pequei contra o Senhor». (115) E proclama: «Reconheço os meus pecados, tenho sempre diante de mim as minhas culpas». (116) Mas também suplica: «Purificai-me, Senhor, e ficarei limpo; lavai-me e ficarei mais branco do que a neve»; (117) e recebe a resposta da misericórdia divina: «O Senhor perdoou o teu pecado, não morrerás». (118)
A Igreja encontra-se, pois, diante do homem — de todo um mundo humano — ferido pelo pecado e por ele atingido naquilo que tem de mais íntimo, na profundidade do seu ser; mas, ao mesmo tempo, movido interiormente por um incontível desejo de libertação do pecado e também, especialmente se for cristão, consciente de que o mistério da piedade, Cristo Senhor, já está a actuar nele e no mundo com a força da Redenção.
A função reconciliadora da Igreja deve desenvolver-se, pois, segundo aquele nexo íntimo que cônjunge estreitamente o perdão e a remissão dos pecados de cada homem com a reconciliação plena e fundamental da humanidade, que foi realizada pela Redenção. Este nexo leva-nos a compreender que, sendo o pecado o princípio activo da divisão — divisão entre o homem e o Criador, divisão no coração e no ser do homem, divisão entre os indivíduos e entre os grupos humanos, divisão entre o homem e a natureza criada por Deus — só a conversão do pecado é capaz de operar uma reconciliação profunda e duradoura onde quer que a divisão tenha penetrado.
Não é necessário repetir tudo o que já disse a respeito da importância deste ministério da reconciliação (119) e da correspondente pastoral que o põe em prática na consciência e na vida da Igreja. Esta, de facto, falharia num aspecto essencial do seu ser e deixaria por realizar uma sua função inabdicável, se não apregoasse, com clareza e firmeza, a tempo e fora de tempo, a «palavra da reconciliação» (120) e não proporcionasse ao mundo o dom da reconciliação. Mas, convém repeti-lo, a importância do serviço eclesial da reconciliação estende-se para além das fronteiras visíveis da Igreja, ao mundo inteiro.
Falar de pastoral da penitência e da reconciliação, portanto, equivale a referir-se ao conjunto das tarefas de que a Igreja está incumbida, a todos os níveis, para a promoção de uma e outra. Mais concretamente, falar desta pastoral significa recordar todas as actividades práticas, mediante as quais a Igreja, em todas e cada uma das suas componentes — Pastores e fiéis, a todos os níveis e em todos os campos — e com todos os meios à sua disposição — palavra e acção, ensino e oração — procura levar os homens, individualmente ou em grupo, à verdadeira penitência e introduzi-los assim no caminho da plena reconciliação.
Os Padres do Sínodo, como representantes dos seus Irmãos Bispos, guias do povo que lhes está confiado, debruçaram-se sobre esta pastoral nos seus elementos mais práticos e concretos. E é para mim motivo de alegria fazer-me eco deles, associando-me as suas inquietudes e esperanças, acolhendo os frutos dos seus esforços de procura e experiências e encorajando-os nos seus planos e realizações. Que eles possam encontrar nesta parte da Exortação Apostólica a contribuição que deram para o Sínodo, cuja utilidade desejaria tornar extensiva, mediante estas páginas, à Igreja inteira.
Desejaria, pois, pôr em evidência o essencial da pastoral da penitência e da reconciliação, salientando nela, com a Assembleia do Sínodo, os dois pontos seguintes:
- Os meios usados e as vias seguidas pela Igreja para promover a penitência e a reconciliação,
- O Sacramento por excelência da penitência e da reconciliação.
CAPÍTULO PRIMEIRO: MEIOS E VIAS PARA A PROMOÇÃO
DA PENITÊNCIA E DA RECONCILIAÇÃO
24. Para promover a penitência e a reconciliação, a Igreja tem ao seu dispor dois meios, principalmente, que lhe foram confiados pelo seu próprio Fundador: a catequese e os Sacramentos. A utilização destes meios, considerada sempre pela Igreja plenamente conforme as exigências da sua missão salvífica e igualmente susceptível de corresponder as exigências e necessidades espirituais dos homens de todos os tempos, pode ser levada a efeito seguindo formas e modos antigos e novos, entre os quais será bom recordar, especialmente, o que, em continuidade com o meu Predecessor Paulo VI, podemos designar por método do diálogo.
O Diálogo
25. O diálogo é para a Igreja, em certo sentido, um meio e sobretudo um modo de desenvolver a sua acção no mundo contemporâneo.
De facto, o Concílio Vaticano II, depois de ter proclamado que «a Igreja, em virtude da missão que tem de iluminar todo o mundo com a mensagem evangélica e reunir num só Espírito todos os homens (...), torna-se sinal daquela fraternidade que permite e robustece um diálogo sincero», acrescenta que a mesma Igreja deve ser capaz de «estabelecer um diálogo cada vez mais frutuoso entre todos os que constituem o único Povo de Deus», (121) assim como de «estabelecer um diálogo com a sociedade humana». (122)
O meu Predecessor Paulo VI dedicou ao diálogo uma parte notável da sua primeira Encíclica Ecclesiam Suam, na qual o descreve e caracteriza significativamente como diálogo da salvação. (123)
Na verdade, a Igreja usa o método do diálogo para melhor conduzir os homens — aqueles que pelo Baptismo e a profissão de fé se reconhecem membros da comunidade cristã e aqueles que lhe são estranhos — à conversão e à penitência, pelos caminhos de uma profunda renovação da própria consciência e da própria vida à luz do mistério da Redenção e da Salvação, realizadas por Cristo e confiadas ao ministério da sua Igreja. O diálogo autêntico, por conseguinte, tem em vista, antes de mais, a regeneração de cada um, mediante a conversão interior e a penitência, sempre com profundo respeito pelas consciências e com a paciência e o processo gradual requeridos pelas condições dos homens do nosso tempo.
O diálogo pastoral, em vista da reconciliação, continua a ser hoje uma solicitude fundamental da Igreja em diversos âmbitos e a vários níveis.
Antes de mais, a Igreja promove um diálogo ecuménico, ou seja, um diálogo entre Igrejas e Comunidades eclesiais que se atêm à fé em Cristo, Filho de Deus e único Salvador, e um diálogo com as outras comunidades de homens que buscam a Deus e desejam estabelecer uma relação de comunhão com Ele.
Como base desse diálogo com as outras Igrejas e Comunidades eclesiais e com as outras religiões, e como condição da sua credibilidade e eficácia, deve haver um sincero esforço de diálogo permanente e renovado no interior da própria Igreja católica. Esta tem a consciência de ser, por natureza, sacramento da comunhão universal de caridade; (124) mas também sabe que existem no seu seio tensões que correm o risco de se transformar em factores de divisão.
A exortação dorida e firme, feita a seu tempo pelo meu Predecessor, com vista ao Ano Santo de 1975, (125) continua válida ainda no momento actual. Para se obter a superação dos conflitos e fazer com que as normais tensões não resultem nocivas para a unidade da Igreja, é preciso que todos nos confrontemos com a Palavra de Deus e, postas de parte as próprias maneiras de ver subjectivas, procuremos a verdade onde ela se encontra, ou seja, na mesma Palavra divina e na interpretação autêntica que dela nos dá o Magistério da Igreja. Sob esta luz, a escuta recíproca, o respeito e a abstenção de todo o juízo apressado, a paciência, a capacidade de evitar que a fé, que une, seja subordinada as opiniões, as modas e as opções ideológicas, que dividem, são outras tantas qualidades de um diálogo que, no interior da Igreja, deve ser assíduo, cheio de boa vontade e sincero. E é claro que não o seria, nem se tornaria num factor de reconciliação, sem a atenção ao Magistério e a aceitação do mesmo.
Aplicada deste modo, efectivamente, na busca da sua própria comunhão interna, a Igreja católica pode dirigir o apelo à reconciliação - como de há tempos já vem fazendo - as outras Igrejas com as quais não se verifica plena comunhão, bem como as outras religiões e até mesmo a quem simplesmente procura Deus com coração sincero.
À luz do Concílio e do Magistério dos meus Predecessores, cuja preciosa herança recebi e me esforço por conservar e pôr em actuação, posso afirmar que a Igreja católica, com todas as suas componentes, se empenha com lealdade no diálogo ecuménico, sem optimismos fáceis, mas também sem desalento e sem hesitações ou perdas de tempo. As regras fundamentais que ela procura seguir nesse diálogo são: por um lado, a persuasão de que somente um ecumenismo espiritual — ou seja, fundado na oração comum e na comum docilidade ao único Senhor — permitirá corresponder sincera e seriamente as outras exigências da acção ecuménica; (126) e, por outro lado, a convicção de que um certo irenismo em matéria doutrinal e sobretudo dogmática, poderia talvez levar a um a forma de convivência superficial e não duradoura, mas nunca àquela comunhão profunda e estável que todos desejamos. Chegar-se-á a esta comunhão, no momento em que a divina Providência quiser; mas para se chegar lá, a Igreja católica, pelo que lhe diz respeito, sabe que deve estar aberta e sensível a todos «os valores verdadeiramente cristãos, que promanam do património comum e se encontram também entre os irmãos de nós separados»; (127) mas sabe igualmente que deve colocar na base de um diálogo leal e construtivo a clareza na posição dos problemas, a fidelidade e a coerência com a fé transmitida e definida na esteira da tradição perene pelo seu Magistério. Apesar da ameaça dum aparente derrotismo e malgrado a inevitável lentidão que a inconsideração não poderá nunca corrigir, a Igreja católica continua a procurar com todos os outros Irmãos cristãos as vias da unidade, e com os seguidores das outras religiões um diálogo sincero. Que este diálogo inter-religioso possa fazer chegar pelo menos à superação das atitudes de hostilidade, de desconfiança, de mútua condenação e quiçá de mútuas invectivas. Nisto está uma condição preliminar para que possamos encontrar-nos pelo menos na fé num Deus único e na certeza da vida eterna para a alma imortal. Que o Senhor faça, em particular, com que o diálogo ecuménico leve a uma sincera reconciliação centralizada em tudo aquilo que já possamos ter em comum com as outras Igrejas cristãs: a fé em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, Salvador e Senhor, a escuta da Palavra, o estudo da Revelação e o sacramento da Baptismo.
Na medida em que a Igreja for capaz de suscitar a concórdia activa — a unidade na variedade — no seu próprio interior e de se apresentar como testemunha e humilde artífice de reconciliação nas relações com as outras Igrejas e Comunidades eclesiais e com as outras religiões, ela tornar-se-á, segundo a expressiva definição de Santo Agostinho, «mundo reconciliado». (128) E então poderá ser sinal de reconciliação no mundo e para o mundo.
Com a consciência da imensa gravidade da situação criada pelas forças da divisão e da guerra, que constitui hoje uma séria ameaça, não só para o equilíbrio e a harmonia das Nações, mas também para a própria sobrevivência da humanidade, a Igreja sente-se no dever de oferecer e propor a sua colaboração específica para a superação dos conflitos e para o restabelecimento da concórdia.
Trata-se de um complexo e delicado diálogo de reconciliação, no qual a Igreja está empenhada, antes de mais, mediante a actividade da Santa Sé e dos seus diversos Organismos. A Santa Sé esforça-se quer por intervir junto dos governantes das Nações e dos responsáveis das várias Instituições internacionais, quer por associar-se a eles, dialogando com eles ou estimulando-os a um diálogo entre si, em favor da reconciliação no meio dos numerosos conflitos. E faz isto não com segundos fins ou interesses ocultos — dado que os não tem — mas «por uma preocupação humanitária», (129) pondo a sua estrutura institucional e a sua autoridade moral, absolutamente singulares, ao serviço da concórdia e da paz. Fá-lo na convicção de que, assim como «na guerra há duas facções que se levantam uma contra a outra», assim também «na questão da paz há sempre duas partes que necessariamente devem saber empenhar-se»; e nisto «se encontra o verdadeiro sentido do diálogo para a paz». (130)
No diálogo em favor da reconciliação, a Igreja também se empenha por intermédio dos Bispos, com a competência e a responsabilidade que lhes é própria, quer individualmente na orientação das respectivas Igrejas particulares, quer reunidos nas Conferências Episcopais, com a colaboração dos Presbíteros e de todas as componentes das Comunidades cristãs. Eles desempenham regularmente essas suas tarefas, quando promovem o diálogo que é indispensável e proclamam as exigências humanas e cristãs de reconciliação e de paz. Em comunhão com os seus Pastores, os leigos, que têm como «campo próprio da sua actividade evangelizadora o mundo vasto e complicado da politica, da realidade social e da economia (...), da vida internacional», (131) são chamados a empenhar-se directamente no diálogo ou em favor do diálogo para a reconciliação. Por intermédio deles, é ainda a Igreja que desenvolve a sua acção reconciliadora.
Na regeneração dos corações, mediante a conversão e a penitência, portanto, está o pressuposto fundamental e a base segura para toda e qualquer renovação social e para a paz entre as Nações.
Há que relembrar, por fim, que da parte da Igreja e dos seus membros, o diálogo, seja qual for a forma sob a qual ele se desenrole — e existem e podem existir formas muito diversas, pois o próprio conceito de diálogo tem valor analógico — não poderá nunca partir de uma atitude de indiferença em relação à verdade; mas tem de ser, sobretudo, uma apresentação da verdade, feita serenamente e com respeito pela inteligência e pela consciência dos outros. O diálogo da reconciliação não poderá nunca substituir ou atenuar o anúncio da verdade evangélica, que tem como objectivo preciso a conversão, abandonando o pecado, e a comunhão com Cristo e com a Igreja; mas deverá servir para a sua transmissão e realização, através dos meios deixados por Cristo à Igreja para a pastoral da reconciliação: a catequese e a Penitência.
A Catequese
26. Na vasta área em que a Igreja tem a missão de actuar com o instrumento do diálogo, a pastoral da penitência e da reconciliação dirige-se aos membros do corpo da Igreja, primeiro que tudo, por uma adequada catequese sobre as duas realidades distintas e complementares, as quais os Padres sinodais deram uma particular importância e que puseram em realce, em algumas das Propostas («Propositiones») conclusivas: a penitência e a reconciliação, precisamente. A catequese é, pois, o primeiro meio a utilizar.
Na base desta recomendação do Sínodo, tão oportuna, encontra-se um pressuposto fundamental: aquilo que é pastoral não se opõe ao doutrinal, e a acção pastoral não pode prescindir do conteúdo doutrinal; pelo contrário, a ele vai buscar a sua substância e a sua validade real. Ora, se a Igreja é «coluna e sustentáculo da verdade» (132) e está posta no mundo como Mãe e Mestra, como poderia ela descurar a tarefa de ensinar a verdade que constitui um caminho de vida?
Dos Pastores da Igreja espera-se, pois, antes de mais, uma catequese sobre a reconciliação. Esta não pode deixar de fundamentar-se no ensino bíblico, em especial no do Novo Testamento, sobre a necessidade de reconstituir a aliança com Deus em Cristo Redentor e Reconciliador; e, à luz desta nova comunhão e desta nova amizade e no seu prolongamento, sobre a necessidade de reconciliar-se com o irmão, mesmo à custa de ter de interromper a oferta do sacrifício. (133) Jesus insiste muito neste tema da reconciliação fraterna, quando, por exemplo, convida a oferecer a outra face a quem nos bateu, ou a deixar também a capa a quem já se apossou da túnica; (134) ou quando inculca a lei do perdão, que cada um recebe na medida em que sabe perdoar, (135) perdão a oferecer também aos inimigos, (136) perdão a conceder setenta vezes sete, (137) ou seja, na prática, sem limite algum. Com estas condições, que só são realizáveis num clima genuinamente evangélico, é possível uma verdadeira reconciliação, quer entre os indivíduos, quer entre as famílias, as comunidades, as Nações e os povos. Destes dados bíblicos sobre a reconciliação promanará, naturalmente, uma catequese teológica, que integrará também na sua síntese os dados da psicologia, da sociologia e das outras ciências humanas, os quais podem servir para esclarecer as situações, enquadrar bem os problemas e persuadir os ouvintes ou leitores a tomarem resoluções concretas.
Dos Pastores da Igreja espera-se, ainda, uma catequese sobre a penitência. Também aqui a riqueza da mensagem bíblica deve ser a fonte. Esta mensagem acentua na penitência, primeiro que tudo, o seu valor de conversão, termo com o qual se procura traduzir a palavra do texto grego metánoia, (138) que literalmente significa um reviramento do espírito para o fazer voltar-se para Deus. São estes, aliás, os dois elementos fundamentais que emergem da parábola do filho perdido e reencontrado: o «cair em si» (139) e a decisão de voltar para o pai. Não pode haver reconciliação sem estas atitudes primordiais de conversão, e a catequese deve explicá-las com conceitos e expressões adaptados as várias idades e as diversas condições culturais, morais e sociais.
Trata-se de um primeiro valor da penitência, que se prolonga no segundo: penitência significa também arrependimento. Os dois sentidos da metánoia aparecem na significativa norma dada por Jesus: «Se o teu irmão se arrepender ( = voltar a ti), perdoa-lhe. E se te ofender sete vezes ao dia e sete vezes voltar a ti, dizendo: "Estou arrependido", hás-de perdoar-lhe». (140) Uma boa catequese deverá mostrar que o arrependimento, assim como a conversão, bem longe de ser um sentimento superficial, é uma verdadeira reviravolta da alma.
Um terceiro valor está contido ainda na penitência; trata-se do movimento pelo qual as anteriores atitudes de conversão e arrependimento se manifestam externamente: é o fazer penitência. Este significado é bem perceptível no termo metánoia, como é usado pelo Precursor, segundo o texto dos Sinópticos. (141) Fazer penitência quer dizer, além do mais, restabelecer o equilíbrio e a harmonia alterados pelo pecado, mudar de direcção mesmo à custa de sacrifícios.
Em suma, uma catequese sobre a penitência, o mais completa e adequada possível, é impreterível, num tempo como o nosso, em que as atitudes dominantes na psicologia e nos comportamentos sociais contrastam abertamente com o tríplice valor que foi ilustrado: mais do que nunca, o homem contemporâneo parece encontrar dificuldade em reconhecer os seus próprios erros e em decidir voltar atrás para retomar o caminho exacto, fazendo uma rectificação de marcha; parece experimentar grande relutância em dizer: «arrependo-me» ou «tenho muita pena»; parece recusar instintivamente, e muitas vezes irresistivelmente, tudo aquilo que é penitência, no sentido do sacrifício aceito e praticado para se corrigir do pecado. A este respeito, desejo sublinhar que, embora mitigada de há algum tempo a esta parte, a disciplina penitencial da Igreja não pode ser abandonada sem grave prejuízo, quer para a vida interior dos cristãos e da comunidade eclesial, quer para a sua capacidade de irradiação missionária. Não é raro que alguns não-cristãos fiquem surpreendidos com o fraco testemunho de verdadeira penitência da parte dos discípulos de Cristo. É claro, de resto, que a penitência cristã será autêntica, se for inspirada pelo amor, e não pelo mero temor; se consistir num sério esforço para crucificar o «homem velho», a fim de que possa renascer o «novo», por obra de Cristo; se seguir como modelo o mesmo Cristo, que, embora fosse inocente, escolheu o caminho da pobreza, da paciência, da austeridade e, pode dizer-se, da vida penitente.
Dos Pastores da Igreja espera-se ainda — como recordou o Sínodo — uma catequese sobre a consciência e a sua formação. É um tema de viva actualidade, também este, visto que, no meio dos abalos a que está sujeita a cultura do nosso tempo, com muita frequência é agredido, posto à prova, perturbado e obscurecido esse santuário interior, ou seja, o eu mais íntimo do homem: a sua consciência. Para uma catequese sapiente sobre a consciência podem encontrar-se indicações preciosas, quer nos Doutores da Igreja, quer na teologia do Concílio Vaticano II e, especialmente, em dois dos seus Documentos: sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo (143) e sobre a Liberdade Religiosa. (143) Nesta mesma linha, o Sumo Pontífice Paulo VI pronunciou-se muitas vezes, para recordar a natureza e o papel da consciência na nossa vida. (144) Eu próprio, seguindo as suas pegadas, não deixo passar ocasião alguma para fazer luz sobre esta altíssima componente da grandeza e dignidade do homem, (145) sobre esta «espécie de sentido moral, que nos leva a distinguir o bem do mal (...), como que os olhos da alma, capacidade visual do espírito, em condições de guiar os nossos passos no caminho do bem; e insisto na necessidade de «formar cristãmente a própria consciência pessoal», a fim de esta não se tornar «numa força destruidora da humanidade verdadeira (da pessoa), mas ser sempre o lugar sagrado onde Deus lhe revela o seu verdadeiro bem». (146)
Também se espera que a catequese dos Pastores da Igreja incida sobre outros pontos, de não menor relevância para a reconciliação:
- Sobre o sentido do pecado, que — como disse — não pouco se tem vindo a atenuar no nosso mundo.
- Sobre a tentação e as tentações: o próprio Senhor Jesus, Filho de Deus, «provado em tudo, à nossa semelhança, excepto no pecado», (147) quis ser tentado pelo Maligno, (148) para indicar que, assim como ele, também os seus discípulos seriam submetidos à tentação; e, ainda, para mostrar como é necessário comportar-se na tentação. Para quem implora do Pai não ser tentado acima das próprias forças (149) e não sucumbir à tentação, (150) para quem não se expõe as ocasiões de pecado, o facto de ser submetido à tentação não significa ter pecado; mas é, prevalentemente, uma ocasião para crescer na fidelidade e na coerência, pela humildade e pela vigilância.
- Sobre o jejum: este pode praticar-se em formas antigas e novas, como sinal de conversão, de arrependimento e de mortificação pessoal; e, ao mesmo tempo, sinal de união com Cristo crucificado e de solidariedade com os que passam fome e que sofrem.
- Sobre a esmola: trata-se de um meio para tornar efectiva a caridade, partilhando aquilo que se possui com aqueles que sofrem as consequências da pobreza.
- Sobre o nexo íntimo que concatena a superação das divisões no mundo com a comunhão plena com Deus e entre os homens, finalidade escatológica da Igreja.
- Sobre as circunstâncias concretas em que a reconciliação (na família, na comunidade civil, nas estruturas sociais) se deve realizar; e, particularmente, sobre as quatro reconciliações que consertam as quatro fracturas fundamentais: reconciliação do homem com Deus, consigo mesmo, com os irmãos e com o mundo criado.
E a Igreja não pode omitir, ainda, sem grave mutilação da sua mensagem essencial, uma constante catequese sobre as realidades que a linguagem cristã tradicional designa como os quatro novíssimos do homem: morte, juízo (particular e universal), inferno e paraíso. Numa cultura que tende a encerrar o homem nas suas vicissitudes terrestres, mais ou menos bem sucedidas, aos Pastores da Igreja é solicitada uma catequese que abra e ilumine, com as certezas da fé, o além da vida presente: para lá das misteriosas portas da morte, delineia-se uma eternidade de alegria na comunhão com Deus, ou de pena no afastamento d'Ele. Somente nesta visão escatológica é possível ter a medida exacta do pecado e sentir-se resolutamente impelido para a penitência e a reconciliação.
Não faltarão nunca aos Pastores de almas zelosos e dotados de inventiva as ocasiões para ministrar esta catequese assim, ampla e variada, tendo em conta a diversidade de cultura e de formação religiosa daqueles a quem se dirigem. Com frequência, proporcionam essas ocasiões as próprias leituras bíblicas e os ritos da Santa Missa e dos outros Sacramentos, bem como as próprias circunstâncias em que estes são celebrados. Muitos outras iniciativas podem ser tomadas com o mesmo objectivo, tais como: pregações, palestras, debates, encontros e cursos de cultura religiosa, etc., o que já sucede em muitas partes. Desejo aqui assinalar, em especial, a importância e a eficácia, que revestem para uma tal catequese, as antigas missões populares. Se forem adaptadas as peculiares exigências do nosso tempo, elas podem ser, hoje como ontem, um válido instrumento de educação na fé, também pelo que diz respeito ao sector da penitência e da reconciliação.
Dada a grande importância que tem a reconciliação, fundada sobre a conversão, no campo delicado da relações humanas e da convivência social a todos os níveis, incluindo o internacional, não pode faltar à catequese o precioso contributo da doutrina social da Igreja. O atento e preciso ensino dos meus Predecessores, a partir do Papa Leão XIII, ao qual veio unir-se a contribuição substanciosa da Constituição pastoral Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II e juntar-se a dos vários Episcopados, solicitados por diversas circunstâncias dos respectivos países, constitui um vasto e sólido corpo de doutrina a respeito das múltiplas exigências inerentes à vida da comunidade humana, as relações entre os indivíduos, famílias e grupos nos seus diversos âmbitos, e à própria constitução de uma sociedade que queira ser coerente com a lei moral, que é fundamento da civilização.
Na base deste ensino social da Igreja encontra-se, obviamente, a luz que ela vai buscar à Palavra de Deus: a respeito dos direitos e deveres dos indivíduos, da família e da comunidade; a respeito do valor da liberdade e das dimensões da justiça; a respeito do primado da caridade; a respeito da dignidade da pessoa humana e das exigências do bem comum, que deve ser tido em vista pela política e pela própria economia. É sobre estes princípios fundamentais do magistério social, que confirmam e reapresentam os ditames universais da razão e da consciência dos povos que se apoia, em grande parte, a esperança duma solução pacífica de tantos conflitos sociais e, em definitivo, da reconciliação universal.
Os Sacramentos
27. O segundo meio de instituição divina, que é oferecido pela Igreja à pastoral da penitência e da reconciliação, é constituído pelos Sacramentos.
No misterioso dinamismo dos Sacramentos, tão rico de simbolismos e de conteúdos, é possível perceber um aspecto nem sempre posto em realce: cada um deles, além da sua graça própria, é também sinal de penitência e reconciliação; e, por isso, em cada um deles, é possível reviver estas dimensões espirituais.
O Baptismo é, certamente, uma ablução salvífica que — como diz São Pedro — tem valor «não (como) purificação das impurezas do corpo, mas pela que consiste em pedir a Deus uma boa consciência». (151) é morte, sepultura e ressurreição com Cristo, morto, sepultado e ressuscitado. (152) é dom do Espírito Santo por intermédio de Cristo. (153) Mas esta dimensão constitutiva essencial e original do Baptismo, longe de eliminar, enriquece o elemento penitencial já presente no baptismo que o próprio Jesus recebeu de João «para se cumprir toda a justiça»: (154) um facto, portanto, de conversão e reintegração na justa ordem das relações com Deus, de reconciliação com Deus, com o apagamento da mancha original e a consequente inserção na grande família dos reconciliados.
Paralelamente, o Crisma, também como confirmação do Baptismo e, juntamente com ele, como Sacramento de iniciação, ao conferir a plenitude do Espírito Santo e ao encaminhar a vida cristã à idade adulta, significa e realiza, por isso exactamente, uma maior conversão do coração e uma mais íntima e efectiva inserção na assembleia dos reconciliados, que é a Igreja de Cristo.
A definição que dá Santo Agostinho da Eucaristia, como sacramento de piedade, sinal de unidade e vínculo da caridade («sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis»), (155) põe em evidência os efeitos de santificação pessoal (piedade) e de reconciliação comunitária (unidade e caridade), que derivam da própria essência do Mistério eucarístico, como renovação incruenta do sacrifício da Cruz e fonte de salvação e de reconciliação para todos os homens. É necessário, todavia, recordar que a Igreja, guiada pela fé neste augusto Sacramento, ensina que nenhum fiel cristão, consciente de estar em pecado grave, pode receber a Eucaristia sem ter obtido antes o perdão de Deus. Assim se lê na Instrução Eucharisticum Mysterium, a qual, devidamente aprovada pelo Papa Paulo VI, confirma todo o ensino do Concílio de Trento: «a Eucaristia há-de ser proposta aos fiéis "como antídoto que nos liberta das culpas de cada dia e nos preserva dos pecados mortais", e seja-lhes indicada a maneira conveniente para se utilizarem das partes penitênciais da liturgia da Missa. "A quem quiser comungar, seja recordado... o preceito: examine-se cada qual a si mesmo (1 Cor 11, 28). E a prática da Igreja demonstra que esse exame é necessário, para que ninguém, consciente de estar em pecado mortal, por mais contrito que se julgue, se aproxime da Sagrada Eucaristia antes da Confissão sacramental". E se alguém vier a encontrar-se em caso de necessidade e não tiver a possibilidade de se confessar, faça antes (de comungar) um acto de contrição perfeita». (156)
O Sacramento da Ordem destina-se a dar à Igreja os Pastores, os quais, além de mestres e guias, são chamados a ser também testemunhas e operadores de unidade, construtores da família de Deus, defensores e preservadores da comunhão desta família contra os fermentos de divisão e de dispersão.
O Sacramento do Matrimónio, exaltação do amor humano sob a acção da graça, é sinal, sim, do amor de Cristo pela Igreja, mas também da vitória que Ele concede aos esposos obterem sobre as forças que deformam e destroem o amor, de tal forma que a família, nascida deste Sacramento, se torna sinal também da Igreja reconciliada e reconciliadora, para um mundo reconciliado em todas as suas estruturas e instituições.
Por fim, a Unção dos Enfermos, na provação da doença e da velhice, especialmente na hora derradeira do cristão, é sinal da definitiva conversão ao Senhor, bem como da total aceitação da dor e da morte como penitência pelos pecados. E nisto actua-se a suprema reconciliação com o Pai.
Entre os Sacramentos, porém, há um, que, muito embora frequentemente chamado confissão, por motivo da acusação dos pecados que nele se faz, mais propriamente pode considerar-se o Sacramento da Penitência por antonomásia, como de facto se chama; e, por isso, é o Sacramento da conversão e da reconciliação. Foi deste Sacramento que a recente Assembleia do Sínodo tratou, em particular, dada a importância que ele tem para a reconciliação.
CAPÍTULO SEGUNDO: O SACRAMENTO DA PENITÊNCIA
E DA RECONCILIAÇÃO
28. Em todas as fases e a todos os níveis do seu decurso, o Sínodo considerou com a máxima atenção aquele sinal sacramental que representa e ao mesmo tempo realiza a penitência e a reconciliação. Este Sacramento não esgota em si mesmo, certamente, os conceitos de conversão e reconciliação. A Igreja, de facto, desde as suas origens, conhece e valoriza numerosas e variadas formas de penitência: algumas litúrgicas ou paralitúrgicas, que vão do acto penitencial da Missa as funções propiciatórias e as peregrinações; outras, de carácter ascético, como o jejum. No entanto, de todos esses actos nenhum é mais significativo, mais divinamente eficaz e mais elevado e ao mesmo tempo acessível no seu rito, do que o Sacramento da Penitência.
Desde a sua preparação e, sucessivamente, nas numerosas intervenções que se sucederam no seu decorrer, nos trabalhos de grupo e nas Propostas («Propositiones») finais, o Sínodo teve em conta a afirmação pronunciada muitas vezes em tons diversos e com diverso conteúdo: o Sacramento da Penitência está em crise; e desta crise tomou a devida nota. Recomendou uma aprofundada catequese, mas também, uma não menos aprofundada análise de carácter teológico, histórico, psicológico, sociológico e jurídico acerca da penitência em geral e do Sacramento da Penitência em particular. Com tudo isso teve a intenção de esclarecer os motivos da crise e abrir caminhos no sentido de uma sua solução positiva, para benefício da humanidade. Entretanto, do próprio Sínodo a Igreja recebeu uma confirmação clara da sua fé no que respeita ao Sacramento, pelo qual é dada a cada cristão e a toda a comunidade dos fiéis a certeza do perdão graças ao poder do Sangue redentor de Cristo.
É bom renovar e reafirmar esta fé num momento em que poderia debilitar-se, perder algo da sua integridade ou entrar numa zona de penumbra e de silêncio, ameaçada como se encontra pela já mencionada crise, no que ela tem de negativo. Insidiam, de facto, o Sacramento da Confissão: por um lado, o obscurecimento da consciência moral e religiosa, a atenuação do sentido do pecado, a adulteração do conceito do arrependimento, a escassa propensão para uma vida autenticamente cristã; por outro lado, a mentalidade, as vezes difundida, de que se poderia obter o perdão directamente de Deus, mesmo de modo ordinário, sem receber o Sacramento da Reconciliação, bem como a rotina de uma prática sacramental algumas vezes destituída de verdadeiro fervor e sem espontaneidade espiritual, originada, talvez, por uma consideração errada e degenerada dos efeitos do Sacramento.
Convém, portanto, recordar os principais aspectos deste grande Sacramento.
«A quem perdoardes»
29. O primeiro dado fundamental é-nos proporcionado pelos Livros sagrados do Antigo e do Novo Testamento, no que diz respeito à misericórdia do Senhor e ao seu perdão. Nos Salmos e na pregação dos Profetas o nome de misericordioso é talvez o que mais frequentemente se atribui ao Senhor, em oposição ao persistente cliché, segundo o qual o Deus do Antigo Testamento é apresentado sobretudo como severo e punidor. Assim, nos Salmos, um longo discurso sapiencial, remontando à tradição do êxodo, reevoca a acção benigna de Deus no meio do seu povo. Tal acção, apesar da sua representação antropomórfica, é talvez uma das mais eloquentes proclamações vetero-testamentárias da misericórdia divina. Basta aqui recordar o versículo: «E Ele, misericordioso, perdoava-lhes a falta e não os exterminava; antes, muitas vezes conteve a sua cólera e não deixou acender-se o seu furor, recordando que eram simples carne, sopro que se esvai e não volta». (157)
Na plenitude dos tempos, o Filho de Deus, vindo como o Cordeiro que tira e carrega sobre si o pecado do mundo, (158) aparece como aquele que tem poder, quer de julgar, (159) quer de perdoar os pecados (160) e que veio não para condenar, mas para perdoar e salvar. (161)
Ora este poder de perdoar os pecados Jesus confere-o, mediante o Espírito Santo, a simples homens, sujeitos também eles próprios à insídia do pecado, isto é, aos seus Apóstolos: «Recebei o Espírito Santo: a quem perdoardes os pecados ficar-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes ficar-lhes-ão retidos».(162) Esta é uma das mais formidáveis novidades evangélicas! Jesus confere tal poder aos Apóstolos também como transmissível — assim o entendeu a Igreja desde o seu dealbar — aos seus sucessores, investidos pelos mesmos Apóstolos na missão e na responsabilidade de continuar a sua obra de anunciadores do Evangelho e de ministros da obra redentora de Cristo.
Aqui aparece em toda a sua grandeza a figura do ministro do Sacramento da Penitência, chamado, por antiquíssimo costume, o confessor.
Como no altar onde celebra a Eucaristia e como em cada um dos Sacramentos, o Sacerdote, ministro da Penitência, age «in persona Christi». O mesmo Cristo, por ele tornado presente e que por meio dele actua o mistério da remissão dos pecados, é Aquele que aparece como irmão do homem, (163) pontífice misericordioso, fiel e cheio de compaixão, (164) pastor decidido a procurar a ovelha perdida, (165) médico que cura e conforta, (166) mestre único que ensina a verdade e indica os caminhos de Deus, (167) juiz dos vivos e dos mortos, (168) que julga segundo a verdade e não segundo as aparências. (169)
Trata-se, sem dúvida, do ministério mais difícil e delicado, do mais cansativo e exigente; mas também de um dos mais belos e consoladores ministérios do Sacerdote; e, precisamente por isto, atendendo à vigorosa chamada do Sínodo, nunca me cansarei de pedir aos meus Irmãos, Bispos e Presbíteros, o seu fiel e diligente desempenho. (170)
Perante a consciência do fiel, que a ele se abre, com um misto de tremor e de confiança, o confessor é chamado a uma tarefa sublime que é serviço à causa da penitência e da reconciliação humana: conhecer as fraquezas e as quedas, de um determinado fiel, avaliar o seu desejo de recuperação e os esforços para a conseguir, discernir a acção do Espírito santificador no seu coração, comunicar-lhe o perdão que só Deus pode conceder, «celebrar» a sua reconciliação com o Pai representada na parábola do filho pródigo, reinserir esse pecador resgatado na comunhão eclesial com os irmãos e advertir paternalmente esse penitente com um firme, encorajador e amigável «doravante não tornes a pecar». (171)
Para o exercício eficaz de tal ministério, o confessor tem de possuir necessariamente qualidades humanas de prudência, discreção, discernimento e firmeza temperada pela mansidão e bondade. Deve ter, ainda, séria e cuidada preparação, não fragmentária mas integral e harmónica, nos diversos ramos da teologia, na pedagogia e na psicologia, na didáctica catequética, na metodologia do diálogo e, sobretudo, no conhecimento vivo e comunicativo da Palavra de Deus. Mas é mais necessário ainda que ele viva uma vida espiritual intensa e genuína. Para guiar os outros pelos caminhos da perfeição cristã, o ministro da Penitência deve percorrer, ele próprio, primeiro, este caminho; e mais com obras do que com palavras exuberantes, dar mostras de real experiência da oração vivida, de prática das virtudes evangélicas teologais e morais, de fiel obediência à vontade de Deus, de amor à Igreja e de docilidade ao seu Magistério.
Todo este aparato de dotes humanos, de virtudes cristãs e de capacidades pastorais não se improvisa nem se adquire sem esforço. Para o ministério da Penitência sacramental cada Sacerdote deve ser preparado desde os anos do Seminário: juntamente com o estudo da teologia dogmática, moral, espiritual e pastoral (que são sempre uma só teologia), com as ciências do homem e com a metodologia do diálogo e, especialmente, do colóquio pastoral. Há-de, ainda, ser iniciado e amparado nas primeiras experiências. Deverá cuidar sempre do próprio aperfeiçoamento e actualização, com o estudo permanente. Que tesouros de graça, de verdadeira vida e de irradiação espiritual não adviriam à Igreja, se cada Sacerdote se mostrasse cuidadoso em nunca faltar, por negligência ou desculpas várias, ao encontro com os fiéis no confessionário e tivesse ainda maior cuidado de nunca aí se sentar sem preparação, ou sem as indispensáveis qualidades humanas e condições espirituais e pastorais!
A este propósito não posso deixar de evocar, com devota admiração, as figuras de extraordinários apóstolos do confessionário, como São João Nepomuceno, São João Maria Vianney, São José Cafasso e São Leopoldo de Castelnuovo, para falar só de alguns mais conhecidos, que a Igreja inscreveu no album dos seus Santos. Mas desejo igualmente prestar homenagem à inumerável pléiade de confessores santos e quase sempre anónimos, aos quais se ficou a dever a salvação de tantas almas, por eles ajudadas na conversão, na luta contra o pecado e as tentações, no progresso espiritual e, em definitivo, na santificação. Não hesito em afirmar que os grandes Santos canonizados sairam geralmente desses confessionários e, com os Santos, o património espiritual da Igreja e o próprio florescimento de uma civilização impregnada de espírito cristão! Honra seja, portanto, a este silencioso exército de irmãos nossos, que bem serviram e servem cada dia a causa da reconciliação, mediante o ministério da Penitência sacramental!
O Sacramento do Perdão
30. Pela revelação do valor deste ministério e do poder de perdoar os pecados, conferido por Cristo aos Apóstolos e aos seus sucessores, desenvolveu-se na Igreja a consciência do sinal do perdão, concedido mediante o Sacramento da Penitência; ou seja, a certeza, de que o próprio Senhor Jesus instituíu e confiou à Igreja — qual dom da sua benignidade e da sua «filantropía», (172) a proporcionar a todos os homens — um especial Sacramento para a remissão dos pecados cometidos depois do Baptismo.
A prática deste Sacramento, pelo que se refere à sua celebração e à sua forma, conheceu um longo processo de desenvolvimento, como atestam os mais antigos sacramentários, as actas dos Concílios e dos Sínodos episcopais, a pregação dos Padres e o ensino dos Doutores da Igreja Mas quanto à substância do Sacramento, permaneceu sempre sólida e imutável, na consciência da Igreja, a certeza de que, por vontade de Cristo, o perdão é oferecido a cada um por meio da absolvição sacramental, dada pelos ministros da Penitência; esta certeza é reafirmada com particular vigor, quer pelo Concílio de Trento, (173) quer pelo Concílio Vaticano II: «Aqueles que se aproximam do Sacramento da Penitência recebem da misericórdia de Deus o perdão das ofensas que lhe fizeram e, ao mesmo tempo, reconciliam-se com a Igreja, à qual infligiram uma ferida com o pecado: a Igreja que coopera na sua conversão com a caridade, com o exemplo e a oração». (174) E como dado essencial da fé sobre o valor e a finalidade da Penitência deve reafirmar-se que «o nosso Salvador Jesus Cristo instituiu na sua Igreja o Sacramento da Penitência, para que os fiéis caidos no pecado depois do Baptismo recebessem a graça e se reconciliassem com Deus». (175)
A fé da Igreja neste Sacramento comporta algumas outras verdades fundamentais, que são ineludíveis. O rito sacramental da Penitência, na sua evolução e variação de formas práticas, sempre conservou e realçou claramente essas verdades. O Concílio Vaticano II, ao prescrever a reforma deste rito, tinha em vista fazer com que ele exprimisse ainda com mais clareza tais verdades, (176) o que se verificou com o novo Ritual da Penitência. (177) Este, de facto, assumiu na sua integridade a doutrina da tradição coligida pelo Concílio de Trento, transferindo-a do seu particular contexto histórico (o de um esforço corajoso de esclarecimento doutrinal, defronte aos graves desvios em relação ao genuino ensino da Igreja) para a traduzir fielmente em termos mais adequados ao contexto do nosso tempo.
Algumas convicções fundamentais
31. As menciondas verdades, reafirmadas com energia e clareza pelo Sínodo e presentes nas Propostas («Propositiones»), podem resumir-se nas convicções de fé, que a seguir enuncio e à volta das quais se reúnem todas as outras afirmações da doutrina católica sobre o Sacramento da Penitência.
I. A primeira convicção é que, para um cristão, o Sacramento da Penitência é a via ordinária para obter o perdão e a remissão dos seus pecados graves cometidos depois do Baptismo. O divino Salvador e a sua acção salvífica, certamente, não estão ligados a um sinal sacramental, de maneira a não poderem em qualquer tempo e circunstância da história da salvação agir fora e acima dos Sacramentos. Mas na escola da fé aprendemos que o mesmo Salvador quis e dispôs que os humildes e preciosos Sacramentos da fé sejam ordinariamente os meios eficazes, pelos quais passa e opera o seu poder redentor. Seria portanto insensato, além de presunçoso, querer prescindir arbitrariamente dos instrumentos de graça e de salvação que o Senhor dispôs e, no caso específico, pretender receber o perdão, pondo de lado o Sacramento, instituído por Cristo exactamente para o perdão. A renovação dos ritos, levada a efeito depois do Concílio, não deixa margem para qualquer confusão ou alteração neste sentido. A mesma renovação devia e deve servir, segundo a intenção da Igreja, para suscitar em cada um de nós um novo impulso para a renovação da nossa atitude interior, ou seja, para a compreensão mais profunda da natureza do Sacramento da Penitência; para um seu acolhimento mais repassado de fé, não ansioso mas confiante; para uma maior frequência do Sacramento, que se apresenta totalmente impregnado pelo amor misericordioso do Senhor.
II. A segunda convicção diz respeito à função do Sacramento da Penitência para aqueles que a ele recorrem. Segundo a mais antiga concepção da Tradição trata-se de uma espécie de acto judicial; mas este acto decorre junto de um tribunal mais de misericórdia, do que de estrita e rigorosa justiça, pelo que não é comparável aos tribunais humanos, (178) senão por analogia; ou seja, na medida em que o pecador aí descobre os seus pecados e a sua própria condição de criatura sujeita ao pecado; se compromete a renunciar e a combater o pecado; aceita a pena (penitência sacramental) que o confessor lhe impõe e dele recebe a absolvição.
Ao reflectir, porém, sobre a função deste Sacramento, a consciência da Igreja vislumbra nele, além do carácter judicial, no sentido acima aludido, um carácter terapêutico ou medicinal. E isto relaciona-se com o facto, frequente no Evangelho, da apresentação de Cristo como médico, (179) enquanto a sua obra redentora é muitas vezes chamada, desde a antiguidade cristã, «remédio da salvação» («medicina salutis»). «Eu quero curar, não acusar», dizia Santo Agostinho, referindo-se ao exercício da pastoral penitêncial, (180) e é graças ao remédio da confissão que a experiência do pecado não degenera em desespero. (181) O Ritual da Penitência alude a este aspecto medicinal do Sacramento, (182) ao qual o homem contemporâneo é talvez mais sensível, vendo no pecado o que ele comporta de erro, obviamente, e mais ainda aquilo que ele indica relacionado com a fraqueza e enfermidade humanas.
Tribunal de misericórdia ou lugar de cura espiritual, sob ambos os aspectos o Sacramento exige um conhecimento do íntimo do pecador, para o poder julgar e absolver, para tratar dele e o curar. E precisamente por isto, implica, da parte do penitente, a acusação sincera e completa dos pecados, que tem assim uma razão de ser, não só inspirada em fins ascéticos (como exercício de humildade e de mortificação), mas inerente à própria natureza do Sacramento.
III. A terceira convicção que desejo aqui salientar, diz respeito as realidades ou partes que compõem o sinal sacramental do perdão e da reconciliação. Algumas destas realidades são actos do penitente, de importância diversa, mas cada um deles indispensável ou para a validade ou para a integridade ou para o fruto do sinal.
Uma condição indispensável, primeiro que tudo, é a rectidão e a limpidez da consciência do penitente. Um homem não se põe a caminho para uma verdadeira e genuína penitência, enquanto não perceber que o pecado contrasta com a norma ética, inscrita no íntimo do próprio ser; (183) enquanto não reconhecer ter feito a experiência pessoal e responsável de uma tal oposição; enquanto não disser não apenas «o pecado existe», mas «eu pequei»; enquanto não admitir que o pecado introduziu na sua consciência uma divisão, que avassala todo o seu ser e o separa de Deus e dos irmãos. O sinal sacramental desta limpidez da consciência é o acto tradicionalmente chamado exame de consciência, acto que deveria ser sempre, não tanto uma introspecção psicológica ansiosa, mas o confronto sincero e sereno com a lei moral interior, com as normas evangélicas propostas pela Igreja, com o próprio Jesus Cristo, que é para nós mestre e modelo de vida e com o Pai celeste que nos chama ao bem e à perfeição. (184)
Mas o acto essencial da Penitência, da parte do penitente, é a contrição, ou seja, um claro e decidido repúdio do pecado cometido, juntamente com o propósito de não o tornar a cometer, (185) pelo amor que se tem a Deus e que renasce com o arrependimento. Entendida deste modo a contrição é, pois, o princípio e a alma da conversão, daquela metánoia evangélica que reconduz o homem a Deus, como o filho pródigo que volta ao pai, e que tem no Sacramento da Penitência o seu sinal visível e aperfeiçoador da própria atrição. Por isso, «desta contrição do coração depende a verdade da penitência». (186)
Supondo e chamando a atenção para tudo aquilo que a Igreja, inspirada pela palavra de Deus, ensina acerca da contrição, está-me particularmente a peito, neste ponto, salientar um aspecto de tal doutrina, para que seja melhor conhecido e mais tido presente. Não raro se considera a conversão e a contrição sob o aspecto das inegáveis exigências que elas comportam e da mortificação que impõem em ordem a uma radical mudança de vida. Mas é bom recordar e acentuar que contrição e conversão são, sobretudo, uma aproximação da santidade de Deus, um reencontro da própria verdade interior, obscurecida e transtornada pelo pecado , um libertar-se no mais profundo de si próprio e, por isso, um reconquistar a alegria perdida, a alegria de ser salvado, (187) que a maioria dos homens do nosso tempo já não sabe saborear.
Compreende-se, assim, que desde os primeiros tempos cristãos, em ligação com os Apóstolos e com Cristo, a Igreja tenha incluído no sinal sacramental da Penitência a acusação dos pecados. Esta aparece como tão relevante que, desde há séculos, o nome usual do Sacramento foi e é ainda agora o de confissão. Acusar os próprios pecados é exigido, antes de mais, pela necessidade do pecador ser conhecido por aquele que no Sacramento exerce o papel de juiz, o qual deve avaliar, quer a gravidade dos pecados, quer o arrependimento do penitente; e, simultaneamente, o papel de médico, que deve conhecer o estado do enfermo para tratar dele e o curar. Mas a confissão individual tem também o valor de sinal: sinal do encontro do pecador com a mediação eclesial na pessoa do ministro; sinal do seu pôr-se a descoberto diante de Deus e da Igreja como pecador, do esclarecer-se a si mesmo sob o olhar de Deus. A acusação dos pecados, portanto, não pode ser reduzida a qualquer tentativa de autolibertação psicológica, ainda que esta corresponda a uma necessidade legítima e natural de abrir-se com alguém, o que é algo ínsito no coração do homem. Trata-se de um gesto litúrgico, solene na sua dramaticidade, humilde e sóbrio na grandeza do seu significado. É o gesto do filho pródigo que volta para junto do pai e por ele é acolhido com o beijo da paz; gesto de lealdade e de coragem; gesto de entrega de si mesmo, passando além do pecado, à misericórdia que perdoa. (188)
Compreende-se, então, por que é que a acusação dos pecados deve ser ordinariamente individual e não colectiva, tal como o pecado é um facto profundamente pessoal. Ao mesmo tempo, porém, esta acusação arranca, de certo modo, o pecado do segredo do coração e, por conseguinte, do âmbito da pura individualidade, pondo em relevo o seu carácter social, uma vez que, mediante o ministro da Penitência, é a Comunidade eclesial, lesada pelo pecado, que acolhe de novo o pecador arrependido e perdoado.
O outro momento essencial do Sacramento da Penitência, compete, por sua vez, ao confessor juiz e médico, imagem de Deus Pai que acolhe aquele que regressa e lhe perdoa: é a absolvição. As palavras que a exprimem e os gestos que a acompanham no antigo e no novo Ritual da Penitência, revestem-se de uma significativa simplicidade na sua grandeza. A fórmula sacramental: «Eu te absolvo...», a imposição das mãos e o sinal da cruz traçado sobre o penitente manifestam que naquele momento o pecador contrito e convertido entra em contacto com o poder e a misericórdia de Deus. É em tal momento que, em resposta ao penitente, a Santíssima Trindade se torna presente para apagar o seu pecado e restituir-lhe a inocência; e a força salvífica da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus é comunicada ao mesmo penitente, como «misericórdia mais forte do que a culpa e a ofensa», como a designei na Encíclica Dives in Misericordia. Deus é sempre o principal ofendido pelo pecado — «Pequei só contra Vós!» («tibi soli peccavi!») — e só Deus pode perdoar. Por isso, a absolvição que o Sacerdote, ministro do perdão, embora também ele pecador, concede ao penitente, é o sinal eficaz da intervenção do Pai em cada absolvição e da «ressurreição» da «morte espiritual» que se renova todas as vezes que é actuado o Sacramento da Penitência. Só a fé pode assegurar que naquele momento todos e cada um dos pecados são perdoados e apagados pela misteriosa intervenção do Salvador.
A satisfação é o acto final que coroa o sinal sacramental da Penitência. Em alguns países, o que o penitente perdoado e absolvido aceita cumprir depois de ter recebido a absolvição, chama-se precisamente penitência. Qual é o significado desta satisfação que se dá ou desta penitência que se faz? Não é certamente o preço que se paga pelo pecado absolvido e pelo perdão alcançado: nenhum preço humano pode equivaler ao que se obteve, fruto do preciosíssimo Sangue de Cristo. As obras de satisfação — que, embora conservando um carácter de simplicidade e de humildade, deveriam tornar-se mais expressivas de tudo aquilo que significam — querem dizer algo de precioso: são o sinal docompromisso pessoal que o cristão assumiu com Deus, no Sacramento, de começar uma existência nova (e por isso não deveriam reduzir-se somente a algumas fórmulas a recitar, mas consistir em obras de culto, de caridade, de misericórdia e de reparação); incluem a ideia de que o pecador perdoado é capaz de unir a sua própria mortificação física e espiritual, procurada ou ao menos aceite, à Paixão de Jesus que lhe alcançou o perdão; recordam que, mesmo depois da absolvição, permanece no cristão uma zona de sombra devida as feridas do pecado, à imperfeição do amor no arrependimento, ao enfranquecimento das faculdades espirituais em que continua ainda activo um foco infeccioso de pecado, que é preciso combater sempre com a mortificação e a penitência. Tal é o significado da humilde mas sincera satisfação. (189)
IV. Resta-me fazer uma breve referência a outras importantes convicções relativas ao Sacramento da Penitência.
Antes de mais, é preciso insistir em que não há nada mais pessoal e íntimo do que este Sacramento, no qual o pecador se encontra na presença de Deus, só, com a sua culpa, o seu arrependimento e a sua confiança. Ninguém pode arrepender-se em seu lugar ou pode pedir perdão em seu nome. Há uma certa solidão do pecador na sua culpa, que se pode ver dramaticamente representada em Caim com o pecado «à espreita à sua porta», como diz tão eficazmente o livro do Génesis, e marcado com o sinal particular na sua fronte; (190) em David, repreendido pelo profeta Natan; (191) ou no filho pródigo, quando toma consciência da condição à qual se reduziu pelo afastamento do pai e decide voltar para junto dele: (192) tudo se passa só entre o homem e Deus. Mas, ao mesmo tempo, é inegável a dimensão social deste Sacramento, no qual é toda a Igreja — a militante, a purgante e a triunfante no Céu — que intervém em auxílio do penitente e o acolhe de novo no seu seio, tanto mais que toda a Igreja fora ofendida e ferida pelo seu pecado. O Sacerdote, ministro da Penitência, em virtude da sua função sagrada, aparece como testemunha e representante de tal eclesialidade. São dois aspectos complementares do Sacramento, a individualidade e a eclesialidade, que a progressiva reforma do rito da Penitência, especialmente a do Ordo Paenitentiae (novo Ritual) promulgado pelo Papa Paulo VI, procurou realçar e tornar mais significativos na sua celebração.
V. É de salientar, ainda, que o fruto mais precioso do perdão, obtido pela Penitência, consiste na reconciliação com Deus, a qual se verifica no segredo do coração do filho pródigo, e reencontrado, que é cada penitente. Mas é preciso acrescentar que tal reconciliação com Deus tem como consequência, por assim dizer, outras reconciliações, que vão remediar outras tantas rupturas, causadas pelo pecado: o penitente perdoado reconcilia-se consigo próprio no íntimo mais profundo do próprio ser, onde recupera a própria verdade interior; reconcilia-se com os irmãos, por ele de alguma maneira agredidos e lesados; reconcilia-se com a Igreja; e reconcilia-se com toda a criação. A tomada de consciência de tudo isto faz nascer no penitente, no final da celebração, um sentimento de gratidão para com Deus pelo dom da misericórdia que recebeu; e a Igreja convida-o à acção de graças.
Todos os confessionários são um espaço privilegiado e abençoado, do qual, uma vez eliminadas as divisões, surge, novo e incontaminado, um homem reconciliado — um mundo reconciliado!
VI. E por fim, está-me particularmente a peito fazer uma última consideração que nos diz respeito a todos nós Sacerdotes, que somos os ministros do Sacramento da Penitência, mas que somos também — e devemos sê-lo sempre — os beneficiários. A vida espiritual e pastoral do Sacerdote, como a dos seus irmãos leigos e religiosos, depende, na sua qualidade e no seu fervor, da prática pessoal assídua e conscienciosa do Sacramento da Penitência. (193)
A celebração da Eucaristia e o ministério dos outros Sacramentos, o zelo pastoral, a relação com os fiéis, a comunhão com os irmãos Sacerdotes, a colaboração com o Bispo, a vida de oração, numa palavra, toda a existência sacerdotal sofre inexorável decadência, se lhe falta por negligência ou por qualquer outro motivo o recurso, periódico e inspirado por fé autêntica e devoção, ao Sacramento da Penitência. Num sacerdote que deixasse de se confessar ou se confessasse mal, o seu ser padre e o exercício do seu Sacerdócio bem depressa se ressentiriam e disso se daria conta a própria Comunidade de que ele é pastor.
Mas acrescento também que, até para ser bom e eficaz ministro da Penitência, o Sacerdote precisa de recorrer à fonte da graça e santidade presente neste Sacramento. Nós Sacerdotes, com base na nossa experiência pessoal, bem podemos dizer que, na medida em que procuramos recorrer ao Sacramento da Penitência e nos aproximamos dele com frequência e com boas disposições, desempenhamos melhor o nosso próprio ministério de confessores e melhor asseguramos aos penitentes o seu benefício. De outro modo, este ministério perderia muito da sua eficácia, se de alguma maneira deixássemos de ser bons penitentes. Tal é a lógica interna deste grande Sacramento. Ele convida-nos, a todos nós Sacerdotes de Cristo, a uma renovada atenção à nossa confissão pessoal.
A experiência pessoal, por sua vez, torna-se e deve tornar-se hoje um estímulo para o exercício diligente, pontual, paciente e fervoroso do ministério sagrado da Penitência, a que estamos comprometidos por força do nosso Sacerdócio e da nossa vocação para ser pastores e servidores dos nossos irmãos. Assim, com a presente Exortação, quero dirigir um instante apelo a todos os Sacerdotes do mundo, especialmente aos meus Irmãos no Episcopado e aos Párocos, para que favoreçam com todas as veras a frequência dos fiéis a este Sacramento, ponham em prática todos os meios possíveis e convenientes e tentem todas as vias para fazer chegar ao maior número de irmãos nossos a «graça que nos foi dada» mediante a Penitência, para a reconciliação de cada alma e de todo o mundo com Deus, em Cristo.
As formas da celebração
32. Seguindo as indicações do Concílio Vaticano II, o Ordo Paenitentiae predispôs três ritos que, ressalvados sempre os elementos essenciais, permitem adaptar a celebração do Sacramento da Penitência a determinadas circunstancias pastorais.
A primeira forma — reconciliação individual dos penitentes — constitui o único modo normal e ordinário da celebração sacramental, e não pode nem deve deixar-se cair em desuso ou ser descurada. A segunda — reconciliação de vários penitentes com confissão e absolvição individual— ainda que permita, nos actos preparatórios, realçar mais os aspectos comunitários do Sacramento, vai confluir na primeira forma no acto sacramental culminante, que é o da confissão e a absolvição individuais dos pecados; e, por isso, pode ser equiparada à primeira forma no que toca à normalidade do rito. A terceira, ao contrário — reconciliação de vários penitentes com a confissão e a absolvição geral — reveste-se de carácter excepcional e não é, por isso, deixada à livre escolha, mas é regulada por uma disciplina especial.
A primeira forma permite a valorização dos aspectos mais pessoais — e essenciais — que estão compreendidos no itinerário penitencial. O diálogo entre o penitente e o confessor, o próprio conjunto dos subsídios utilizados (os textos bíblicos, a escolha das formas de «satisfação», etc.) são elementos que tornam a celebração sacramental mais correspondente à situação concreta do penitente. Descobre-se o valor de tais elementos, quando se pensa nas diversas razões que levam um cristão à penitência sacramental: necessidade de reconciliação pessoal e readmissão na amizade com Deus, recuperando a graça perdida por causa do pecado; necessidade de verificação do caminho espiritual e, por vezes, de um mais preciso discernimento vocacional; e, tantas outras vezes, uma necessidade e um desejo de sair de um estado de apatia espiritual e de crise religiosa. Graças, ainda, à sua índole individual, a primeira forma de celebração permite associar o Sacramento da Penitência a algo de diferente, mas perfeitamente conciliável com ele: refiro-me à direcção espiritual. Por conseguinte, é óbvio que a decisão e o empenho pessoais estão claramente significados e solicitados nessa primeira forma.
A segunda forma de celebração, precisamente pelo seu carácter comunitário e pela modalidade celebrativa que a caracteriza, faz ressaltar alguns aspectos de grande importância: a Palavra de Deus, escutada em comum, tem um efeito singular, em relação à sua leitura individual, e evidencia melhor o carácter eclesial da conversão e da reconciliação. Essa celebração resulta particularmente significativa nos diversos tempos do ano litúrgico e em conexão com acontecimentos de especial relevância pastoral. Basta acenar aqui, apenas, que para tal celebração importa haver a presença de um número suficiente de confessores.
É natural, portanto, que os critérios para estabelecer a qual das duas formas de celebração se deva recorrer sejam ditados, não por motivações conjunturais e subjectivas, mas pelo desejo de obter o verdadeiro bem espiritual dos fiéis, em obediência à disciplina penitencial da Igreja.
Será bom recordar também que, para uma equilibrada orientação espiritual e pastoral neste campo, é necessário continuar a atribuir grande valor ao Sacramento da Penitência e educar os fiéis a recorrerem a ele, mesmo só para os pecados veniais, como atestam uma tradição doutrinal e uma prática já seculares.
Mesmo sabendo e ensinando que os pecados veniais são perdoados também de outros modos — pense-se nos actos de contrição, na obras de caridade, na oração e nos ritos penitenciais — a Igreja não cessa de recordar a todos a singular riqueza do momento sacramental também pelo que se refere a tais pecados. O recurso frequente ao Sacramento — a que estão obrigadas algumas categorias de fiéis — reforça a consciência de que também os pecados menores ofendem a Deus e ferem a Igreja, corpo de Cristo; e a celebração do mesmo Sacramento torna-se para todos os cristãos «ocasião e estímulo a conformarem-se mais intimamente com Cristo e a tornarem-se mais dóceis à voz do Espírito». (194) Sobretudo deve frisar-se bem o facto de a graça própria da celebração sacramental ter grande eficácia terapêutica e contribuir para arrancar as próprias raízes do pecado.
O cuidado dispensado ao aspecto celebrativo, (195) com particular referência à importância da Palavra de Deus, lida, evocada e explicada, quando for possível e oportuno, aos fiéis e com os fiéis, contribuirá para vivificar a prática do Sacramento e para impedir que decaia para algo de formal e rotineiro. O penitente há-de ser ajudado sobretudo a descobrir que está a viver um acontecimento de salvação, capaz de infundir nele um novo impulso de vida e uma verdadeira paz no seu coração. Este cuidado pela celebração há-de levar, ainda, entre outras coisas, a fixar em cada Igreja tempos destinados à celebração do Sacramento e a educar os fiéis, especialmente as crianças e os jovens, a aterem-se a eles, ordinariamente, salvo a casos de necessidade, em relação aos quais o pastor de almas deverá mostrar-se sempre pronto a acolher de boa vontade quem a ele recorrer.
A celebração do Sacramento com absolvição geral
33. Na nova ordenação litúrgica e, mais recentemente, no novo Código de Direito Canónico, (196) estão determinadas as condições que legitimam o recurso ao «rito da reconciliação de vários penitentes, com a confissão e a absolvição geral». As normas e as directrizes dadas quanto a este ponto, fruto de madura e equilibrada consideração, devem ser acolhidas e aplicadas evitando toda a espécie de interpretação arbitrária.
É oportuna uma ulterior reflexão, mais aprofundada, sobre as motivações, que impõem a celebração da Penitência numa das duas primeiras formas e que permitem o recurso à terceira forma. Há, antes de mais, uma motivação de fidelidade à vontade do Senhor Jesus, transmitida pela doutrina da Igreja e, além disso, de obediência as leis da mesma Igreja: o Sínodo reafirmou numa das suas Propostas («Propositiones») o inalterado ensino que a Igreja foi haurir na mais antiga Tradição e recordou a lei com que codificou a antiga prática penitencial: a confissão individual e íntegra dos pecados, com a absolvição igualmente individual, constitui o único modo ordinário, pelo qual o fiel, culpado de pecado grave, é reconciliado com Deus e com a Igreja. Desta confirmação do ensino da Igreja, resulta claramente que todos os pecados devem ser sempre declarados, com as suas circunstâncias determinantes, numa confissão individual.
Existe, ainda, uma motivação de ordem pastoral. Se é verdade que, verificando-se as condições requeridas pela disciplina canónica, se pode fazer uso da terceira forma de celebração da Penitência, não se deve esquecer, no entanto, que esta não pode tornar-se uma forma ordinária, e que não pode nem deve ser adoptada — repetiu-o o Sínodo — senão «em casos de grave necessidade», permanecendo firme a obrigação de confessar individualmente os pecados graves antes de recorrer novamente à absolvição geral. O Bispo, portanto, o único a quem compete, no âmbito da sua Diocese, ajuizar se existem em concreto as condições que a lei canónica estabelece para o uso dessa terceira forma, dará tal juízo, onerando gravemente a sua consciência, com respeito pleno da lei e da prática da Igreja; e, além disso, tendo em conta critérios e orientações que hajam sido dados — com base nas considerações doutrinais e pastorais acima apresentadas — de comum acordo, pelos demais membros da Conferência Episcopal. Terá de haver, igualmente, uma autêntica preocupação pastoral em procurar e garantir as condições que tornem o recurso à terceira forma susceptível de dar aqueles frutos espirituais, para os quais ela está prevista.
Assim, o uso excepcional da terceira forma de celebração do Sacramento da Penitência não deverá nunca levar a uma menor consideração e, menos ainda, ao abandono das formas ordinárias, ou então a considerar essa forma como uma alternativa das outras duas. Não é, efectivamente, deixado à liberdade dos Pastores e dos fiéis escolher entre as mencionadas formas de celebração aquela que retiverem mais oportuna. Para os Pastores permanece a obrigação de facilitarem aos fiéis a prática da confissão íntegra e individual dos pecados, que constitui para eles não só um dever, mas também um direito inviolável e inalienável, além de uma necessidade espiritual.
Para os fiéis o uso da terceira forma de celebração comporta a obrigação de se aterem a todas as normas que regulam a sua prática, incluindo a de não recorrerem de novo à absolvição geral antes de uma confissão regular, integral e individual dos pecados, que deverão fazer logo que seja possível. Os mesmos fiéis devem ser advertidos e instruídos pelo Sacerdote, acerca desta norma e da obrigação de a observar, antes da absolvição.
Ao recordar assim a doutrina e a lei da Igreja, é minha intenção inculcar em todos o vivo sentido de responsabilidade, que sempre nos deve guiar ao tratar das coisas sagradas; estas não são propriedade nossa, como é o caso dos Sacramentos; ou então têm direito a não serem deixadas na incerteza e na confusão, como são as consciências. Coisas sagradas — repito — são uns e outras: os Sacramentos e as consciências; e exigem da nossa parte serem servidas com verdade.
Esta é a razão da lei da Igreja!
Alguns casos mais delicados
34. Sinto-me no dever, chegado a este ponto, de fazer uma alusão, ainda que brevíssima, a um caso pastoral que o Sínodo quis tratar — na medida que lhe era possível fazê-lo — contemplando-o também numa das Propostas («Propositiones»). Refiro-me a certas situações, hoje não infrequentes, em que, vêm a encontrar-se cristãos desejosos de continuarem a prática religiosa sacramental, mas que disso estão impedidos pela própria condição pessoal, em contraste com os compromissos assumidos livremente diante de Deus e da Igreja. São situações que se apresentam particularmente delicadas e quase inextricáveis.
Não poucas intervenções, no decorrer do Sínodo, exprimindo o pensamento geral dos Padres, puseram bem a claro a coexistência e a influência mútua de dois princípios, igualmente importantes, no que respeita a estes casos. O primeiro é o princípio da compaixão e da misericórdia, segundo o qual a Igreja, continuadora na história da presença e da obra de Cristo, não querendo a morte do pecador, mas que se converta e viva, (197) atenta a não partir a cana já fendida e a não apagar a chama que ainda fumega, (198) procura sempre facultar, na medida em que lhe é possível, o caminho do retorno a Deus e da reconciliação com ele. O outro é o princípio da verdade e da coerência, pelo qual a Igreja não aceita chamar bem ao mal e mal ao bem. Baseando-se nestes dois princípios complementares, a Igreja mais não pode do que convidar os seus filhos, que se encontram nessas situações dolorosas, a aproximarem-se da misericórdia divina por outras vias, mas não pela via dos Sacramentos, especialmente da Penitência e da Eucaristia, até que não tenham podido alcançar as condições requeridas.
Acerca desta matéria, que angustia profundamente também o nosso coração de pastores, pareceu-me ser meu preciso dever, já na Exortação Apostólica Familiaris Consortio, dizer palavras claras pelo que se refere ao caso dos divorciados novamente casados (199) ou de cristãos que, de qualquer maneira, convivem conjugalmente de modo irregular.
Ao mesmo tempo, sinto vivamente o dever de exortar, juntamente com o Sínodo, as comunidades eclesiais e, sobretudo os Bispos, a darem toda a ajuda possível aos Sacerdotes, que, tendo faltado aos graves compromissos assumidos na Ordenação, se encontram em situações irregulares. Nenhum destes irmãos há-de sentir-se abandonado pela Igreja.
Para todos aqueles que não se encontrem actualmente nas condições objectivas requeridas pelo Sacramento da Penitência, as demonstrações de maternal bondade por parte da Igreja, o apoio de actos de piedade diversos dos actos sacramentais, o esforço sincero por se manter em contacto com o Senhor, a participação na Santa Missa, a repetição frequente de actos de fé, de esperança, de caridade e de contrição quanto for possível perfeitos, poderão preparar o caminho para uma plena reconciliação no momento que só a Providência conhece.
VOTOS CONCLUSIVOS
35. No final deste Documento, sinto ressoar em mim e desejo repetir a todos vós a exortação que o primeiro Bispo de Roma, numa hora crítica dos primórdios da Igreja, quis endereçar «aos peregrinos da Dispersão (...), eleitos segundo a presciência de Deus Pai»: «sede todos concordes, sede compassivos, em amor de irmãos, misericordiosos, humildes». (200) O Apóstolo recomendava: «sede todos concordes...»; mas imediatamente a seguir apontava os pecados contra a concórdia e a paz, que é preciso evitar: «Não retribuais o mal com o mal, nem a injúria com a injúria; ao contrário, respondei bendizendo, pois para isto fostes chamados, para conseguirdes a bênção». E concluía com uma palavra de encorajamento e de esperança: «quem vos poderá fazer mal, se fordes zelosos pelo bem?». (201)
Ouso ligar esta minha Exortação, numa hora não menos crítica da história, à do Príncipe dos Apóstolos, que foi o primeiro a sentar-se nesta Cátedra romana, como testemunha de Cristo e pastor da Igreja, e aqui «presidiu à caridade» diante do mundo inteiro. Também eu, em comunhão com os Bispos sucessores dos Apóstolos e confortado pela reflexão colegial que muitos deles, reunidos no Sínodo, dedicaram aos temas e problemas da reconciliação, desejei comunicar-vos, com o mesmo espírito do pescador da Galileia, o que ele dizia aos nossos irmãos na fé, longe de nós no tempo, mas bem unidos no coração: «sede todos concordes (...), não retribuais o mal com o mal (...), sede zelosos pelo bem». (202) E acrescentava: «é melhor padecer, praticando o bem, se assim agrada à vontade de Deus, do que fazendo o mal». (203)
Esta palavra de ordem está repleta de expressões que Pedro ouvira ao próprio Jesus e de conceitos, que faziam parte da sua «Boa Nova»: o mandamento novo do amor mútuo; o anelo e o empenho pela unidade; as bem-aventuranças da misericórdia e da paciência na perseguição pela justiça; o retribuir o mal com o bem; o perdão das ofensas; o amor dos inimigos. Em tais palavras e conceitos está a síntese original e transcendente da ética cristã ou, melhor e mais profundamente, da espiritualidade da Nova Aliança em Jesus Cristo.
Confio ao Pai, rico de misericórdia, confio ao Filho de Deus, feito homem como nosso Redentor e Reconciliador, confio ao Espírito Santo, fonte de unidade e de paz, este meu apelo de pai e de pastor à penitência e à reconciliação. Queira a Trindade Santíssima e adorável fazer germinar na Igreja e no mundo a pequenina semente que neste momento entrego à terra generosa de tantos corações humanos.
Para que daí provenham, num dia não muito longínquo, frutos abundantes, convido-vos a todos a dirigir-vos comigo ao Coração de Cristo, sinal eloquente da misericórdia divina, «propiciação pelos nossos pecados», «nossa paz e reconciliação», (204) para aí haurirmos a energia interior para a detestação do pecado e para a conversão a Deus, e aí encontrarmos a benignidade divina que amorosamente responde ao arrependimento humano.
Convido-vos também a dirigir-vos comigo ao Coração Imaculado de Maria, Mãe de Jesus, na qual «se operou a reconciliação de Deus com a humanidade (...), se realizou a obra da reconciliação, porque ela recebeu de Deus a plenitude da graça, em virtude do sacrifício redentor de Cristo». (205) Na verdade, Maria, em virtude da sua maternidade divina, tornou-se «a aliada de Deus» na obra da reconciliação. (206)
Nas mãos desta Mãe, cujo «fiat», na expressão de muitos autores, assinalou o início daquela «plenitude dos tempos» que viu ser realizada por Cristo a reconciliação do homem com Deus e ao seu Coração Imaculado — ao qual tenho repetidamente entregado e confiado toda a humanidade, turbada pelo pecado e dilacerada por tantas tensões e conflitos — confio agora de modo especial esta intenção: que, por sua intercessão, a mesma humanidade descubra e percorra o caminho da penitência, o único que a poderá conduzir à plena reconciliação!
A todos vós, que, com espírito de comunhão eclesial na obediência e na fé, (207) quiserdes acolher as indicações, as sugestões e as directrizes contidas neste Documento, esforçando-vos por traduzi-las em prática pastoral viva, concedo de todo o coração a minha Bênção Apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro, a 2 de Dezembro, I Domingo do Advento, do ano de 1984, sétimo do meu Pontificado.
JOÃO PAULO II
Notas
(2) Cf. João Paulo II, Discurso na abertura da 3a Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, III, 1-7: AAS 71 (1979), pp. 198-204.
(3) A visão de um mundo «despedaçado» transparece na obra de não poucos escritores contemporâneos, cristãos e não cristãos, testemunhas da condição do homem nesta nossa atormentada época.
(4) Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Const. past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 43-44; Decreto sobre o Ministério e Vida dos Sacerdotes Presbyterorum Ordinis, 12; Paulo VI, Encíclica Ecclesiam suam: AAS 56 (1964), 609-659.
(5) Sobre as divisões no corpo da Igreja, escrevia com palavras ardentes, nos albores da Igreja, o Apóstolo São Paulo na famosa página da 1 Cor 1, 10-16. Aos mesmos Coríntios dirigir-se-á, alguns anos mais tarde, São Clemente de Roma, para denunciar as dilacerações no seio daquela comunidade: cf. Carta aos Coríntios, III-IV; LVII: Patres Apostolici ed. Funk, I, 103; 171-173. Sabemos, pelos mais antigos Padres da Igreja, que a túnica inconsútil de Cristo, que não foi lacerada pelos soldados, se tornou imagem da unidade da Igreja: cf. S. Cipriano, De Ecclesiae catholicae unitate, 7: CCL 3/1, 254 s.; S. Agostinho, In Ioannis Evangelium tractatus, 118, 4: CCL 36, 656 s.; S. Beda Venerável, In Marci Evangeliurn expositio, IV, 15: CCL 120, 630; In Lucae Evangelium expositio, VI, 23: CCL 120, 403; In S. Ioannis Evangelium expositio, 19: PL 92, 911 s.
(6) A Encíclica Pacem in Terris, testamento espiritual do Papa João XXIII, (cf. ASS 55 [1963], 257-304), é frequentemente considerada um «documento social» e até mesmo uma «mensagem política»; e é-o, na verdade, se se tomarem estas expressões em toda a sua amplitude. Mais do que uma estratégia em vista da convivência dos povos e Nações, o texto pontifício é de facto — conforme se verifica, passados mais de vinte anos da sua publicação — uma veemente chamada à atenção para os valores supremos, sem os quais a paz na terra se torna uma quimera. Um destes valores é precisamente a reconciliação entre os homens, tema a que se referiu muitas vezes o mesmo Papa João XXIII. De Paulo VI bastará recordar que, ao convocar a Igreja e o Mundo inteiro para celebrar o Ano Santo de 1975, ele quis que «renovação e reconciliação» fossem a ideia central desse importante acontecimento. E não se devem esquecer as catequeses que o mesmo Sumo Pontífice dedicou a essa ideia-mestra, também para ilustrar o mesmo Jubileu.
(7) «Este tempo forte, durante o qual todos e cada um dos cristãos são chamados a realizar mais profundamente a sua vocação para "a reconciliação com o Pai, no Filho" - tive ocasião de escrever na Bula de proclamação do Ano Santo extraordinário da Redenção - só alcançará plenamente os seus objectivos, se levar a um empenhamento novo de cada um e de todos ao serviço da reconciliação, não apenas entre os discípulos de Cristo, mas também entre todos os homens». Bula Aperite portas Redemptori, n. 3: AAS 75 (1983), 93.
(8) O tema do Sínodo, mais precisamente, era: Reconciliação e Penitência na Missão da Igreja.
(11) Cf. Mt 16, 24-26; Mc 8, 34-36; Lc 9, 23-25.
(15) «Nós vo-lo suplicamos em nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus»: 2 Cor 5, 20.
(16) «Nós gloriamo-nos em Deus por nosso Senhor Jesus Cristo, pelo Qual obtivemos agora a reconciliação»: Rom 5, 11; cf. Col 1, 20.
(17) O Concílio Vaticano II, a este propósito, salienta: «Na verdade, os desequilíbrios de que sofre o mundo actual, estão ligados a um desequilíbrio mais fundamental que se enraíza no coração do homem. É precisamente no íntimo do homem que muitos elementos se combatem. Enquanto por um lado, como criatura, faz a experiência das suas múltiplas limitações, por outro, sente-se ilimitado nas suas aspirações e chamado a uma vida superior. Atraído por muitas solicitações, vê-se a todo o momento obrigado a escolher entre elas e a renunciar a algumas. Mais ainda, fraco e pecador, não raro faz o que não quer e não faz o que desejaria (cf. Rom 7, 14 ss.). Por isso, sofre em si mesmo a divisão, da qual promanam também tantas e tão graves discórdias para a sociedade»: Const. past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 10.
(19) Cf. João Paulo II, Encíclica Dives in Misericordia, IV: 5-6 AAS 72 (1980), 1193-1199
(21) O Livro de Jonas, no Antigo Testamento, é uma admirável antecipação e figura deste aspecto da parábola. O pecado de Jonas consistiu em ele ter experimentado «profundo desagrado e ter ficado irritado», por Deus ser «misericordioso e clemente, longanime e cheio de bondade, que desiste facilmente do mal ameaçado»; é o pecado de «sentir pena de um rícino (. .) que nasceu numa noite e numa noite feneceu», e de não entender que o Senhor «se compadeça de Nínive»: cf. Jon 4.
(22) Rom 5, 10 s.; cf. Col 1, 20-22.
(28) Cf. Prece Eucarística III.
(30) Mt 27, 46; Mc 15, 34; Sl 22 [21], 2.
(32) S. Leão Magno, Tractatus 63 (De passione Domini 12), 6: CCL 138/A, 386.
(34) Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, 1.
(35) «Por sua própria natureza, a Igreja é sempre reconciliadora porque transmite aos outros o dom que ela mesma recebeu, o dom de ser perdoada e tornada algo unido com Deus»: João Paulo II, Discurso em Liverpool (30 de Maio de 1982), 3: Insegnamenti V, 2 (1982) 1992.
(37) Cf. Exort. Apostólica Evangelii Nuntiandi, n. 13: AAS 67 (1976), p. 12 s.
(38) Cf. João Paulo II, Exort. Apostólica Catechesi Tradendae, n. 24: AAS 71 (1979), p. 1297.
(39)Cf. Paulo VI, Encíclica Ecclesiam suam: AAS 56 (1964), 609-659.
(42) Cf Sab 11, 24-26; Gén 1, 27; Sl 8, 4-8.
(44) Cf. Gén 3, 12 S., 4, 1-16.
(48) Cf. Conc. Ecum. Vati. II, Const. past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 38.
(52) Cf. S. Agostinho, De Civitate Dei, XXII, 17: CCL 48, 835 s.; S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, pars III, q. 64, a. 2 ad tertium.
(53) Cf. Paulo VI, Alocução no encerramento da Terceira Sessão do Concílio Ecumenico Vaticano II (21 de Novembro de 1964): AAS 56 (1964), 1015-1018.
(54) Conc. Ecum. Vaticano II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, 39.
(55) Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Decr. sobre o Ecumenismo Unitatis Redintegratio, 4.
(57) 1 Jo 3, 20; cf. a referência por mim feita a este texto, no discurso na Audiência Geral de 14 de Março de 1984; Insegnamenti VII, 1 (1984), p. 683.
(61) Lettere, Firenze, 1970, I, pp. 3 s.; Il Dialogo della Divina Provvidenza, Roma, 1980, passim.
(67) Cf. Rom 7, 7-25; Ef 2, 2; 6, 12.
(68) É significativa a terminologia usada na tradução grega dos LXX e no Novo Testamento acerca do pecado. A designação mais comum é a de hamartía, a que há que juntar outras palavras da mesma raiz. Esta exprime o conceito de faltar mais ou menos gravemente, quer contra uma norma ou uma lei, quer contra uma pessoa ou mesmo até contra uma divindade. Mas o pecado é também designado adikía, cujo significado é o de praticar a injustica. Falar-se-á também de parábasis ou transgressão; de asébeia, impiedade, e outros conceitos; todos em conjunto dão-nos a imagem do pecado.
(69) Gén 3, 5: «Tornar-vos-eis como Deus, conhecendo o bem e o mal»; cf. também o v. 22.
(72) A expressão é da autoria da escritora francesa Elisabeth Leseur: Journal et pensées de chaque jour, Paris 1918, p. 31.
(73) Cf. Mt 22, 39; Mc 12, 31; Lc 10, 27 s.
(74) Cf. Congragação para a Doutrina da Fé, Instrução sobre alguns aspectos da «Teologia da Libertação» Libertatis Nuntius: (6 de Agosto de 1984), IV, 14-15: AAS 76 (1984), 885 s.
(80) Cf. Lev 4, 2 ss.; 5, 1 ss.; Núm 15, 22-29.
(81) Cf. Mt 5, 28; 6, 23; 12, 31 s.; 15, 19; Mc 3, 28-30; Rom 1, 29-31; 13, 13; Tg 4.
(82) Cf. Mt 5,17; 15,1-10; Mc 10, 19; Lc 18, 20.
(89) Cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, Ia-IIae, q. 14, aa. 1-3.
(91) S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, IIa-IIae, q. 14, a. 3 ad primum.
(93) Cf. S. Agostinho, De spiritu et littera, XXVIII: CSEL 60, 202 s.; Enarrat. in ps. 39, 22: CCL 38, 441; Enchiridion ad Laurentium de fide et spe et caritate, XIX, 71: CCL 46, 88; In Ioannis Evangelium tractatus, 12, 3, 14: CCL 36, 129.
(94) S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae, Ia-IIae, q. 72, a. 5.
(95) Cf. Conc. Ecum. Tridentino, Sessio VI, De iustificatione, cap. II, e Câns. 23, 25, 27: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, Bologna 19733, 671. 680 s. (DS 1573, 1575, 1577).
(96) Cf. Conc. Ecum. Tridentino, Sessio VI, De iustificiatione, cap. XV: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, ed. cit., 677 (DS 1544).
(97) João Paulo II, Angelus de 14 de Março de 1982: Insegnamenti V, 1 (1982), 861.
(98) Const. past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo, Gaudium et Spes, 16.
(99) João Paulo II, Angelus de 14 de Março de 1982: Insegnamenti V, 1 (1982), 860.
(100) Pio XII, Radiomensagem ao Congresso Catequístico Nacional dos Estados Unidos em Bostom (26 de Outubro de 1946): Discorsi e Radiomessaggi, VIII (1946), 288.
(101) Cf. João Paulo II, Encíclica Redemptor Hominis, 15: AAS 71 (1979), 286-289.
(102) Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Const. past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 3; cf. 1 Jo 3, 9.
(103) João Paulo II, Discurso aos Bispos da Região Leste da França (1° de Abril de 1982), 2: Insegnamenti V, 1 (1982), 1081.
(105) O texto oferece, por isso, uma certa dificuldade de leitura, uma vez que o pronome relativo, que abre a citação literal, não concorda com o neutro «mysterion». Alguns manuscritos tardios retocaram o texto para o corrigir gramaticalmente; mas São Paulo pretendeu somente justapor ao seu um outro texto venerável, que lhe parecia plenamente esclarecedor.
(106) A comunidade cristã primitiva exprime a sua fé no Crucificado, que foi glorificado, que os anjos adoram e que é Senhor. Mas o elemento impressionante desta mensagem continua a ser o «manifestado na carne»: o «grande mistério» é que o eterno Filho de Deus se tenha feito homem.
(114) Cf. João Paulo II, Encíclica Dives in Misericordia, VIII, 15: AAS 72 (1980), 1203-1207; 1231.
(115) 2 Sam 12, 13.
(121) Const past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 92.
(122) Cf. Decr. sobre o Múnus Pastoral dos Bispos Christus Dominus, 13; cf. Decl. sobre a Educação Cristã Gravissimum Educationis, 8; Decr. sobre a Actividade Missionária da Igreja Ad Gentes, 11. 12.
(123) Cf. Paulo VI, Encíclica Ecclesiam suam, III: AAS 56 (1964), 639-659.
(124) Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, 1. 9. 13.
(125) Paulo VI, Exort. Apostólica Paterna cum Benevolentia: AAS 67 (1975), 5-23.
(126) Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Decr. sobre o Ecumenismo Unitatis Redintegratio, 7-8.
(128) S. Agostinho, Sermo 96, 7: PL 38, 588.
(129) João Paulo II, Discurso aos Membros do Corpo Diplomático acreditado junto da Santa Sé (15 de Janeiro de 1983), 4. 6. 11: AAS 75 (1983), 376. 378 s.; 381.
(130) João Paulo II, Homilia da Missa do XVI Dia Mundial da Paz (1 de Janeiro de 1983), 6: Insegnamenti, VI, 1 (1983), 7.
(131) Paulo VI, Exort. Apostólica Evangelii Nuntiandi, 70: AAS 68 (1976), 59 s.
(138) Cf. Mc 1, 4. 14; Mt 3, 2; 4, 17; Lc 3, 8.
(141) Cf. Mt 3, 2; Mc 1, 2b; Lc 3, 1-6.
(142) Cf. Const. past. sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, 8. 16. 19. 26. 41. 48.
(143) Cf. Declaração sobre a Liberdade Religiosa Dignitatis Humanae, 2. 3. 4.
(144) Cf. entre muitos outros, os discursos nas Audiências Gerais de 28 de Março de 1973: Insegnamenti, XI (1973), 294 ss.; 8 de Agosto de 1973: Ibidem, 772 ss.; 7 de Novembro de 1973: Ibidem, 1054 ss.; 13 de Março de 1974: Insegnamenti, XVI (1974), 230 ss.; 8 de Maio de 1974: Ibidem, 402 ss., 12 de Fevereiro de 1975: Insegnamenti, XIII (1975), 154 ss., 9 de Abril de 1975: Ibidem, 290 ss.; 13 de Julho de 1977: Insegnamenti, XV (1977), 710 ss.
(145) Cf. João Paulo II, Angelus de 14 de Março de 1982: Insegnamenti, V, 1 (1982), 860 s.
(146) Cf. João Paulo II, Discurso na Audiência Geral de 17 de Agosto de 1983, 1-3: Insegnamenti, VI, 2 (1983), 256 s.
(148) Cf. Mt 4, 1-11; Mc 1, 12 s.; Lc 4, 1-13.
(152) Cf. Rom 6, 3 s.; Col 2, 12.
(153) Cf. Mt 3, 11; Lc 3, 16; Jo 1, 33; Act 1, 5; 11, 16.
(155) S. Agostinho, In Iohannis Evangelium tractatus, 26, 13: CCL 36, 266.
(156) S. Congregação dos Ritos, Instr. sobre o Culto do Mistério Eucarístico Eucharisticum Mysterium (25 de Maio de 1967), 35:AAS 59 (1967), 560 s.
(158) Cf. Jo 1, 29; Is 53, 7. 12.
(160) Cf. Mt 9, 2-7; Lc 5, 18-25; 7, 47-49, Mc 2, 3-12.
(16) Jo 20, 22; Mt 18, 18; cf. também, pelo que diz respeito a Pedro, Mt 16, 19. O Beato Isac della Stella, num seu discurso sobre a plena comunhão de Cristo com a Igreja no que se refere à remissão dos pecados, acentua: «A Igreja nada pode perdoar sem Cristo e Cristo nada quer perdoar sem a Igreja. A Igreja não pode perdoar senão a quem é penitente, isto é, a quem Cristo tocou com a sua graça; e Cristo nada quer considerar como perdoado a quem despreza a sua Igreja»: Sermo 11 (In dominica III post Epiphaniam, I): PL 194, 1729.
(163) Cf. Mt 12, 49 s.; Mc 3, 33 s.; Lc 8, 20 s.;Rom 8, 29: «primogénito entre muitos irmãos».
(165) Cf. Mt 18, 12 s.; Lc 15, 4-6.
(170) Cf. Discurso aos Penitenciários das Basílicas Patriarcais de Roma e aos Sacerdotes confessores, ao terminar o Jubileu da Redenção (9 de Julho de 1984): L'Osservatore Romano, 9-10 de Julho de 1984.
(173) Cf. Conc. Ecum. Tridentino, Sessio XIV, De sacramento Poenitentiae, cap. I e cân. 1: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, ed. cit., 703 s., 711 (DS 1668-1670. 1701).
(174) Cf. Const. dogm. sobre a Igreja Lumen Gentium, 11.
(175) Cf. Conc. Ecum. Tridentino, Sessio XIV, De sacramento Poenitentiae, cap. I e cân. 1: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, ed. cit., 703 s., 711 (DS 1668-1670. 1701).
(176) Cf. Const. sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 72.
(177) Cf. Rituale Romanum ex Decreto Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani II instauratum, auctoritate Pauli VI promulgatum. Ordo Paenitentiae, Typis Polyglottis Vaticanis, 1974.
(178) O Concílio de Trento usa a expressão atenuada «ad instar actus iudicialis» (Sessio XIV, De sacramento Poenitentiae, cap. 6: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, ed. cit., 707 [DS 1685]), para frisar a diferença relativamente aos tribunais humanos. O novo Ritual da Penitência alude a esta função, nn. 6 b e 10 a.
(179) Cf. Lc 5, 31 s.: Não são os que gozam de saúde que precisam de médico, mas sim os que estão doentes», com a conclusão: «Eu (...) vim para chamar (...) os pecadores para que se arrependam; Lc 9, 2: «enviou-os a pregar o Reino de Deus e a curar os enfermos». A imagem de Cristo-médico adquire novas e impressionantes tonalidades, se a pusermos em confronto com a figura daquele «Servo de Javé» do qual o Livro de Isaías profetizava que «ele tomou sobre si as nossas enfermidades carregou-se com as nossas dores» e que «pelas suas chagas nós fomos curados» (Is 53, 4 s.).
(180) S. Agostinho, Sermo 82 8: PL 38, 511.
(181) Cf. S. Agostinho, Sermo 352, 3, 8-9- PL 39, 1558 s.
(182) Cf. Ordo Paenitentiae 6 c.
(183) Já os pagãos — como Sófocles (Antígona vv. 450-460) e Aristóteles (Rhetor., lib. I, cap. 15, 1375 a-b) reconheciam a existência de normas morais «divinas», que existiram «desde sempre» profundamente gravadas no coração do homem.
(184) Sobre este papel de consciência, cf. aquilo que tive ocasião de dizer no decorrer da Audiência Geral de 14 de Março de 1984, 3: Insegnamenti, VII, 1 (1984), 683.
(185) Cf. Conc. Ecum. Tridentino, Sessio XIV, De sacramento Poenitentiae, cap. IV De contritione: Conciliorum Oecumenicorum Decreta, ed. cit., 705 (DS 1676-1677). Como é conhecido, para se aproximar do sacramento da Penitência é suficiente a atrição, ou seja, um arrependimento imperfeito, devido mais ao temor do que ao amor; mas, no âmbito do Sacramento, sob a acção da graça que recebe, o penitente «ex attrito fit contritus»; de tal modo que a Penitência, de facto, produz como efeito em quem se aproximar dela bem disposto a conversão no amor: cf. Conc. Ecum. Tridentino, ibidem, ed. cit., 705 (DS 1678).
(186) Cf. Ordo Paenitentiae, 6 c.
(188) Sobre estes aspectos da Penitência, todos eles fundamentais, tive ocasião de falar nas Audiência Gerais de: 19 de Maio de 1982: Insegnamenti V, 2 (1982), 1758 ss.; 28 de Fevereiro de 1979: Insegnamenti, II (1979), 475-478; de 21 de Março de 1984: Insegnamenti, VII, 1 (1984), 720-722. Chama-se também a atenção para as normas do Código de Direito Canónico, que dizem respeito ao lugar para a administração do Sacramento e aos confessionários (cân. 964, 2-3).
(189) Tratei resumidamente do tema no decorrer da Audiência Geral de 7 de Março de 1984: Insegnamenti, VII, 1 (1984), 63 1-633.
(193) Cf. Conc. Ecum. Vaticano II, Decr. sobre o Ministério e Vida dos Sacerdotes Presbyterorum Ordinis, 18.
(195) Cf. Ordo Paenitentiae, 17.
(198) Cf. Is 42, 3; Mt 12, 20.
(199) Cf. Exort. Apostólica Familiaris Consortio, 84: AAS 74 (1982), 184-186.
(204) Ladainha do Sagrado Coração de Jesus; cf. 1 Jo 2, 2; Ef 2, 14; Rom 3, 25; 5, 11.
(205) João Paulo II, Discurso na Audiência Geral de 7 de Dezembro de 1983, n. 2: Insegnamenti, VI, 2 (1983), 1264.
(206) João Paulo II, Discurso da Audiência Geral de 4 de Janeiro de 1984: Insegnamenti, VII, 1 (1984), 16-18.