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Haec dies quam fecit Dominus: exultemus et laetemur in ea – “Este é o dia que fez o Senhor; regozijemo-nos e alegremo-nos nele” (Sl 117, 24)

Façamos um ato de fé viva na ressurreição de Jesus Cristo; cheguemo-nos a Ele em espírito para Lhe beijar as chagas glorificadas, e regozijemo-nos com Ele por ter saído do sepulcro vencedor da morte e do inferno. Lembrando-nos em seguida que a ressurreição de Jesus é o penhor e a norma da nossa, avivemos nossa esperança, e ganhemos ânimo para suportar com paciência as tribulações da vida presente. Lembremo-nos, porém, que para ressuscitarmos gloriosamente com Jesus Cristo devemos primeiro morrer com Ele a todos os afetos terrestres.

I. O grande mistério que em todo o tempo pascal, e especialmente no dia de hoje, deve ocupar as almas amantes de Deus, e enchê-las de dulcíssima esperança, é a felicidade de Jesus ressuscitado. Já meditamos que Jesus, no tempo de sua Paixão, perdeu inteiramente as quatro espécies de bens que o homem pode possuir na terra. Perdeu os vestidos até a extrema nudez; perdeu a reputação pelos desprezos mais abomináveis; perdeu a florescente saúde pelos maus tratos; perdeu finalmente a vida preciosíssima pela morte mais horrível que se pode imaginar. Agora porém, saindo vivo do fundo do sepulcro, recebe com lucro abundantíssimo tudo quanto perdeu.

O que era pobre, ei-Lo feito riquíssimo e Senhor de toda a terra. O que a si próprio se chamava verme e opróbrio dos homens, ei-Lo coroado de glória, assentado à direita do Pai. O que pouco antes era o Homem das dores e provado nos sofrimentos, ei-Lo dotado de nova força e de uma vida imortal e impassível. Finalmente o que tinha sido morto do modo mais horrível, ei-Lo ressuscitado pela sua própria virtude, dotado de sutileza, de agilidade, de clareza, feito as primícias de todos os que dormem com a esperança de ressuscitarem também um dia à imitação de Cristo: Christus resurrexit a mortuis, primitiae dormientium (1)

Detenhamos-nos aqui para tributar a nosso Chefe divino as devidas homenagens. Façamos um ato de fé viva na sua ressurreição, e cheguemo-nos a Ele para beijarmos em espírito os sinais de suas cinco chagas glorificadas. Alegremo-nos com Ele, por ter saído do sepulcro, vencedor da morte e do inferno, e digamos com todos os santos: “O Cordeiro que foi imolado por nós, é digno de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a fortaleza, a honra, a glória e a bênção.” (2)

II. Regozijemo-nos com Jesus Cristo; mas regozijemo-nos também por nós mesmos, porquanto a sua ressurreição é o penhor e a norma da nossa, se ao menos, como diz São Paulo, morrermos primeiro interiormente ao afeto das coisas terrestres: Si commortui sumus, et convivemus (3) — “Se morrermos com Ele, com Ele também viveremos”. Ó doce esperança! “Virá a hora em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus” (4); e então pelo poder divino retomaremos o mesmo corpo que agora temos, mas formoso e resplandecente como o sol. Nós também ressuscitaremos!

A esperança da futura ressurreição é o que consolava o santo Jó no tempo de sua provação. “Eu sei”, disse ele, e nós, digamos o mesmo no meio das cruzes e tribulações da vida presente: “eu sei que o meu Redentor vive, e que no derradeiro dia surgirei da terra; e serei novamente revestido de minha pele, e na minha própria carne verei a meu Deus… esta minha esperança está depositada no meu peito.” (5)

Meu amabilíssimo Jesus, graças Vos dou que pela vossa morte adquiristes para mim o direito à posse de tão grande bem, e hoje pela vossa ressurreição avivais a minha esperança. Sim, espero ressurgir no último dia, glorioso como Vós, não tanto por meu próprio interesse, como para estar para sempre unido convosco, e louvar-Vos e amar-Vos eternamente. É verdade que pelo passado Vos ofendi com os meus pecados; mas agora arrependo-me de todo o coração e pela vossa ressurreição peço-Vos que me livrais do perigo de recair na vossa desgraça: Per sanctam resurrectionem tuam, libera me, Domine — “Pela vossa santa ressurreição, livrai-me, Senhor”.

E Vós, Eterno Pai, que no dia presente nos abristes a entrada da eternidade bem-aventurada, pelo triunfo que vosso Unigênito alcançou sobre a morte: aumentai com o Vosso auxílio os desejos que a vossa inspiração nos instila” (6). Fazei-o pelo amor do mesmo Jesus Cristo e de Maria Santíssima.

Referências:

(1) 1Cor 15, 20
(2) Ap 5, 12
(3) 2Tm 2, 11
(4) Jo 5, 28
(5) Jó 19, 25
(6) Or.festi curr.

Publicado em Episódios
Sábado, 08 Abril 2023 07:47

Páscoa não é passagem

É comum no tempo da Páscoa sermos lembrados de que o seu significado tem estreita relação com a palavra hebraica Pessach, "passagem", e sermos levados à reflexão através de belissimos textos que aprofundam e ampliam este significado.

São reflexões ricas em exemplos, que recordam-nos sermos passageiros nessa vida e que, como tal, devemos libertar-nos de nossos apegos para podermos passar de uma margem à outra do rio, de um pensamento a outro, de um estado de consciência a outro. Libertar-se.

São textos muito atraentes e que carregam um simbolismo muito poderoso. Nos ajudam a olhar para dentro de nós mesmos e a procurarmos tudo aquilo que nos aprisiona - pensamentos, crenças, vícios, etc - que nos aprisionam e nos impedem de evoluir.

Afinal, Páscoa também tem a ver com libertação. Devemos libertar-nos das amarras que nos impedem de crescer, de prosperar, de mudar a nossa vida e a do próximo, tirando-nos da condição de escravos e levando-nos à condição de "empoderados".

São reflexões próprias do nosso tempo. Tempo este bastante desafiador, de muitas mazelas, escravidão e com características próprias, reconhecido como pós-modernidade.

Mas não quero me deter às características do tempo da pós-modernidade, e sim nas do tempo da Páscoa. As verdadeiras características.

A começar pela desconstrução da etimologia da palavra hebraica "pessach" que não significa passagem.

Segundo notas da Bíblia Jerusalém, a etimologia da palavra pesach (com um "s" só) é desconhecida. O significado de passagem foi dado na Vulgata, cerca de 500 anos após a morte e Ressurreição de Jesus, por São Jerônimo, para explicar o termo hebraico, mas isso não coloca a palavra "passagem" no centro da celebração da Páscoa.

Páscoa envolve, principalmente, sacrifício (Ex 12, 1-12). Um sacrifício que deveria ser repetido como um rito religioso e para sempre (Ex 12, 14). Rito que, depois de consumado, garantiria ao povo eleito de Deus, não apenas a libertação da escravidão do faraó, mas a libertação da morte do Anjo Exterminador do Senhor, que feriria todos os primogênitos, entre homens e animais, de toda a terra do Egito (Ex 11, 4-8; 12, 29).

Portanto, Páscoa é:

1. o sacrifício de um Cordeiro macho, puro sem defeito (Ex 12, 5);
2. um rito prescrito por Deus e que deveria ser celebrado eternamente (Ex 12, 14), como um memorial, não uma representação simbólica, mas uma atualização (que significa, neste contexto, tornar novamente atual) que torna presente novamente aqueles acontecimentos;
3. libertação da morte (Ex 12, 13);
4. vitória do oprimido sobre o opressor, pela libertação que vem de Deus (Ex 3, 20).

Mais de 1.000 anos depois, na plenitude dos tempos (Gl 4, 4), o povo de Deus aguardava um novo êxodo, um novo Moisés, um novo maná descido do céu para os libertar da submissão do Império Romano.

Eis, então, que Jesus, o Verbo de Deus feito homem, o Rei dos reis, depois de ter realizado incontáveis sinais e prodígios, se reúne com 12 homens miseráveis, cheios de limitações, onde um o negaria, outro o entregaria aos algozes, e a maioria o deixaria só em sua morte brutal, que Ele os considera como amigos muito amados, celebra uma ceia de Páscoa, seguindo o preceito milenar estabelecido por Deus a Moisés. Jesus era judeu e, como tal, seguia as preceitos da Lei (Mt 5, 17).

Esta não seria uma ceia qualquer, mas uma especial, que Jesus aguardou ansiosamente por comer com os seus amigos (Lc 22, 15-16).

Naquela ceia em que se atualizava (lembre-se: tornada novamente atual, presente) a libertação do povo de Deus, não havia um cordeiro, como prescrito pela Páscoa hebraica; Jesus é o próprio Cordeiro macho e imaculado que se ofecere em sacrifício para a libertação da morte; não da morte física, mas da morte espiritual. Ele é o Cordeiro dado em alimento pelo seu povo, o novo maná descido do céu, que deve comer a sua carne e beber o seu sangue, não para evitar a morte do corpo, mas para alcançar a vida eterna (Jo 6, 54-56; 11, 25-26). Jesus deu-se em sacrifício pascal por amor, tendo nos amado até a morte, e morte de cruz, apesar de nossas misérias. "Prova de amor maior não há".

Assim como Deus estabeleceu com ritos próprios uma aliança perpétua com o povo de Deus da Antiga Aliança para se celebrar a Páscoa, assim também o Filho de Deus, que é um só com o Pai (Jo 10, 30) e, portanto, o único capaz de modificar esta aliança, estabelece uma nova (Hb 8-9) com o Novo Povo de Deus, que é a Igreja, com o rito que se inicia na Última Ceia, na 5ª feira Santa, passa pelo derramamento do sangue do Cordeiro na 6ª feira da Paixão e se conclui com a vitória da vida sobre a morte.

Esta é a Nova e Eterna Aliança (Lc 22, 20) que devemos celebrar em memoria (memorial / atualização) de Cristo (Lc 22, 19), assim pedido por Ele mesmo, do mesmo modo que os hebreus celebravam a primeira, tornando novamente presente/real (memorial ou atualização) o sacrifício feito por Cristo em favor de nós, até que Ele volte em sua Glória.

Isso é Páscoa.

Restringir-se a "passagem" é muito pouco para o seu significado real.

Não existe Páscoa sem sacrifício, o sacrifício do Cordeiro, o sacrifício da Cruz.

Não existe Páscoa sem a celebração do Mistério Pascal, atualizado (tornado atual, presente) na mesa do sacrifício.

Não existe Páscoa sem a libertação de tudo aquilo que nos leva a morte (o pecado), que nos afasta de Deus e da Vida Eterna.

Não existe Páscoa sem conversão, sem o firme propósito de tomar nossas cruzes sobre os ombros e as carregarmos como cordeiro manso e humilde, a exemplo de Cristo, com a certeza de que, pelo caminho do sacrifício da cruz, alcançaremos o êxodo, a verdadeira libertação das opressões, e chegaremos à terra prometida, à Jerusalém celeste, à vida eterna.

Isso é Páscoa. Todo o resto é pós-modernidade.

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Quando celebramos um aniversário ou um acontecimento histórico de uma sociedade, procuramos reviver aquele momento de maneira festiva, naquela mesma data, no mesmo mês e a cada ano que se segue. Eu nasci no dia 6 de dezembro, por exemplo, e todo ano celebramos essa data reunindo familiares e amigos. No dia da Independência do Brasil, por exemplo, todo o país para e realizam-se atos solenes em memória deste acontecimento histórico. Da mesma maneira, toda a humanidade, em qualquer lugar do mundo, tem seus atos festivos em memória de acontecimentos importantes, sejam privados ou públicos.

Infelizmente vivemos um tempo em que se parece querer romper com as tradições do passado, como se nada que viesse antes de nós não tivesse importância ou não tivesse valor. Ora, se hoje somos o que somos e vivemos o que vivemos, é por causa de nosso passado, de tudo aquilo que homens e mulheres fizeram antes de nós. Para o bem e para o mal. E toda a história é importante, seja para revivermos os acontecimentos importantes e positivos, seja para refletirmos sobre acontecimentos negativos que ocorreram para que não tornem a ocorrer.

Conhecer o nosso passado e as nossas raízes permite-nos compreender e melhor viver estes momentos festivos. E este é o propósito deste texto. Não trata-se de mergulhar profundamente sobre o mistério Pascal, mas investigar especificamente outros fatores que justificam a mobilidade da data e que muito têm a contribuir para nossas reflexões sobre este acontecimento central da vida cristã e de toda a sociedade ocidental.


Sumário do post


A contagem do tempo no mundo ocidental

Desde a antiguidade, não existe um padrão único para contagem do tempo através de um calendário. No Brasil, como em boa parte do mundo ocidental, o tempo é contado a partir das definições do calendário cristão. Os chineses, assim como os judeus, contam, até hoje, o tempo a partir de um calendário próprio, por exemplo. Para os chineses, o presente ano que contamos como 2022 é, na verdade, o ano de 4720. Para os judeus, estamos no ano 5782.

No capítulo 3 do Evangelho de São Lucas, o evangelista registra a contagem do tempo não a partir de uma referência cristã, mas dos anos de reinado do imperador de roma: 

No ano décimo quinto do reinado do imperador Tibério, sendo Pôncio Pilatos governador da Judeia, Herodes, tetrarca da Galileia, seu irmão Filipe, tetrarca da Itureia e da província de Traconites, e Lisânias, tetrarca da Abilina, sendo sumos sacerdotes Anás e Caifás, veio a palavra do Senhor no deserto a João, filho de Zacarias”1.

A partir da cristianização do império romano, especialmente acelerada por Constantino a partir de 313, o imperador deixa de ser o centro da cultura e cede lugar ao Cristo Ressuscitado e à sua Igreja. Pouco a pouco diversas atividades de toda a sociedade passaram a se ajustar tendo Cristo e as decisões da sua Igreja como centro.

A definição do ano “Um”

No ano de 527, ao preparar o calendário litúrgico para a Igreja de Roma, um monge de origem russa, chamado Dionísio - o Pequeno, calculou a data do nascimento de Jesus a partir da data de fundação da cidade de Roma. Seus cálculos e estudos levaram a concluir que nascimento de Jesus ocorrera no ano de 753 a.U.c. (ab urbe condita ou anno urbis conditae, a fundação de Roma).

Naquele momento, o calendário ainda não considerava a contagem do tempo a partir do nascimento de Jesus, mas da fundação da cidade de Roma. Ora, se o ano em que tal descoberta foi feita por Dionísio era o de 1280 a.U.c.2 e o ano de 753 a.U.c. era o ano do nascimento de Cristo, este passaria a ser considerado o ano 1 e, por consequência, o ano 1280 a.U.C. corresponderia ao ano 527 d.C.

Seus estudos foram tornando-se populares entre historiadores e cronistas e, pouco a pouco, sendo adotado como padrão para contagem do tempo entre os reinos cristãos. Assim surgiu o Anno Domini, o “Ano do Senhor” em latim, definido como ano 1 da Era Cristã ou Era Comum3.

Tempos depois, no entanto, verificou-se que o cálculo estava errado. Descobriu-se que o Rei Herodes morreu em 750 a.U.c., três anos depois da data definida por Dionísio para o nascimento de Jesus. Ora, sabia-se pelos evangelhos escritos na segunda metade do século I que Jesus nasceu durante o reinado de Herodes, portanto antes da morte.

Existem muitos estudos arqueológicos que procuram examinar as fontes históricas de tais acontecimentos. A precisão dos fatos é difícil de se garantir, mas há relativo consenso entre diversos pesquisadores que o provável ano de nascimento de Jesus foi entre 4 e 6 a.C, e que sua morte aconteceu entre 3 e 7 de abril do ano 30 (ou 28/29)4. Com o sistema amplamente difundido, o ano 1 foi mantido conforme a proposta de Dionísio, mas é aceito entre historiadores, arqueólogos e estudiosos que o provável ano do nascimento de Jesus se deu no ano 4 a.C.

O ano do nascimento de Jesus não é tão preciso, mas celebra-se o dia do seu nascimento em 25 de dezembro. Por que será, então, que, se há relativo consenso sobre a data da morte e, portanto, da sua ressurreição, por que não se definiu uma data específica para a celebração de sua Páscoa?

A data da Páscoa: astronomia e história

Como vimos acima, há relativa imprecisão cronológica dos fatos, decorrente de escassas fontes históricas primárias que os corroborem. Além da questão histórica, há também algumas questões científicas astronômicas relacionadas à contagem do tempo. A partir do desenvolvimento tecnológico, seja da astronomia ou da arqueologia, fatos e convenções do passado vão sendo melhor compreendidos e elaborados.

A Igreja Católica sempre prezou pela busca da Verdade, afinal, próprio Cristo é “o caminho, a verdade e a vida”5. Por isso, ela encontra na ciência uma importante amiga que contribui para a compreensão do mundo natural como manifestação da Criação, que alida à fé, auxilia-nos na compreensão das revelações divinas e do mundo sobrenatural.

É com base na razão (ciência e magistério da Igreja) e na (Revelação e tradição) que se estabelecem duas referências fundamentais para a definição da data da Páscoa: a ciência da astronomia e a história do povo de Israel.

Entre muitos católicos, costumeiramente se diz que não há Páscoa antes de São José (19 de março) nem depois de São Marcos (25 de abril). A Páscoa sempre cairá entre essas duas datas, nem antes, nem depois. As expressões “Páscoa baixa”, “Páscoa média” e “Páscoa alta” estão relacionadas a esta variação da principal celebração cristã que transita entre as últimas semanas de março e a última de abril6. Essa variação de datas tem explicação na astronomia.

O tempo pela astronomia

Aprendemos na escola que a passagem do tempo está relacionada ao movimento da Terra em torno de seu próprio eixo e ao redor do Sol. É a astronomia que nos permite saber que a passagem de um ano completo equivale a 365 dias. Na verdade, o “ano [...] não é um múltiplo exato da duração do dia ou da duração do mês7. Em horas, um ano tem cerca de 6 horas excedentes e há 2 modelos que atestam esse excedente: o ano sideral e o ano tropical.

O ano sideral considera o período de rotação da Terra em torno do Sol, tendo como referência o movimento dos astros. Neste modelo, o total de dias em um ano é de 365,2564 (365 dias, 6 horas, 9 minutos e 10 segundos).

O ano tropical também considera o período de revolução da Terra em torno do Sol, mas tem como referência equinócio vernal, isto é, o início da primavera no Hemisfério Norte e do Outono no Hemisfério Sul8. O ponto onde o Sol se encontra no equinócio vernal é a origem do sistema de coordenadas astronômicas, marcado pelo encontro dos planos do equador celeste e da eclíptica.

No modelo do ano tropical, um ano possui 365,2422 dias (365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos). A diferença entre o ano tropical e o ano sideral se deve ao movimento da Terra em torno de seu próprio eixo.

Os calendários

Durante séculos antes do nascimento de Jesus, o calendário do império romano era baseado em um modelo lunar, ou seja, considerava-se o período que a Lua leva para completar uma volta em torno da Terra. Esse período de rotação possui duração estimada de 29 dias, 12 horas, 44 minutos e 3 segundos, configurando assim um mês lunar com aproximadamente 29,5 dias9.

O calendário lunar

No calendário lunar, um mês tem 29 dias e o outro 30 dias, totalizando 354 dias no ano. Para corrigir essa defasagem de dias, era necessário inserir um décimo terceiro mês a cada três anos. Cabia ao imperador romano decidir quando se introduziria os meses intercalares no calendário lunar romano, toda vez que um décimo terceiro mês devesse ser inserido10

O calendário juliano

Foi no ano de 46 a.C que Sosígenes, um sábio astrônomo de Alexandria, propôs uma reforma no calendário romano, transformando-o em um calendário solar, alinhado pelas estações do ano, à semelhança do calendário egípcio, vigente desta maneira desde 2.800 a.C. O novo calendário romano foi batizado com o nome de calendário juliano, em homenagem ao imperador Júlio César.

No antigo calendário romano, o primeiro dia do mês se chamava calendas, e cada dia do mês anterior se contava retroativamente.

“Em 46 a.C., Júlio César mandou que o sexto dia antes das calendas de março deveria ser repetido uma vez em cada quatro anos, e era chamado ante diem bis sextum Kalendas Martias ou simplesmente bissextum. Daí o nome bissexto"7.

Em linhas gerais, esta defasagem de aproximadamente 6h deveria ser acumulada por quatro anos e corrigida em uma única vez: 4 x 6h = 24h, ou um dia a mais no mês de fevereiro, o dia 29 de fevereiro.

O calendário juliano é praticamente idêntico ao atual. O ano tem 365 dias, mas acrescenta-se um dia extra nos anos múltiplos de 4, formando o ano bissexto. 

O calendário judaico

Desde a época do Antigo Testamento, o povo judaico baseia-se no calendario lunar. Os meses judaicos começam no primeiro dia de Lua Nova. Estimando cada fase lunar em 7 dias e meio, a Lua Crescente entra no dia 7 ou 8 do mês. No dia 14 ou 15, chega a Lua Cheia. Enfim, nos dias 22 ou 23 inicia-se a Lua Minguante, fechando o mês9

O início de cada ano judaico começa próximo ao equinócio de setembro, início da primavera no hemisfério sul, mas nunca em um dia fixo do calendário gregoriano. Por exemplo, o ano judaico de 5.781 começou no dia 30/09/2020 e terminou em 06/09/2021, dando lugar ao ano de 5.782,  que iniciou em 07/09/20219.

O calendário gregoriano

Durante a última metade do século XVI, cerca de 1500 anos depois do estabelecimento do calendário juliano, dois astrônomos propuseram uma reforma no calendário vigente. Luigi Giglio, médico e astrônomo, e Cristóvão Clávio, padre e astrônomo, observaram que a duração média do ano no calendário juliano era muito longa pois tratava todos os anos como 365 dias e 6 horas de duração, enquanto os cálculos mostravam que a duração média real de um ano, levando-em consideração as estações do ano, era um pouco menor (365 dias, 5 horas e 49 minutos - ano tropical). Como resultado, a data do equinócio vernal caiu lentamente (ao longo de 13 séculos) para 10 de março, enquanto o cálculo da data da Páscoa ainda seguia a data tradicional de 21 de março.

Assim, no ano de 1582, o Papa Gregório XIII decretou a bula papal Inter gravíssimas11, que determinava que o dia seguinte à quinta-feira, 4 de outubro de 1582, não seria sexta-feira, 5 de outubro, mas sexta-feira, 15 de outubro de 1582, para corrigir a data da Páscoa a partir daquele ano.

O novo calendário substituiu o calendário juliano, vigente desde 45 a.C, e foi adotado rapidamente pelos estados católicos e em grande parte do mundo. À época, os reis católicos de Portugal e Espanha assinaram leis aprovando a mudança no calendário e que rapidamente foi implementado em suas colônias na Ásia, África e América.

Nos estados protestantes, a resistência persistiu por cerca de 200 anos, mas também adotaram o calendário gregoriano no início do século XVIII (1700-01).

Na cristandade oriental, o calendário gregoriano não foi aceito para celebrações litúrgicas, apenas como calendário civil, séculos mais tarde. Até hoje a Páscoa da Igreja Católica Romana é celebrada em data diferente da Igreja Ortodoxa Oriental.

A Páscoa judaica

Páscoa, do hebraico Pessach, significa passagem. Esta celebração judaica relembra a passagem do povo hebreu pelo Mar Vermelho, libertando-se da opressão do Egito, para rumar à terra prometida por Deus12.

A Páscoa judaica é celebrada no dia 14 do sétimo mês hebraico, chamado Nisan. Pelo nosso calendário, fica entre os meses de março e abril, próximo ao equinócio vernal de março, o início da primavera no hemisfério norte.

No dia 14 de cada mês judaico, a Lua é cheia. Assim, 14 de Nisan é um dia de lua cheia e de primavera, um dia ideal para a celebração de uma libertação.

"Observareis esse costume como uma instituição perpétua para vós e vossos filhos. Quando tiverdes penetrado na terra que o Senhor vos dará, como prometeu, observareis esse rito. E quando vossos filhos vos disserem: que significa esse rito? Respondereis: é o sacrifício da Páscoa, em honra do Senhor que, ferindo os egípcios, passou por cima das casas dos israelitas no Egito e preservou nossas casas.” O povo inclinou-se e prostrou-se13.

Esta libertação aconteceu na primeira lua cheia após o equinócio da primavera do hemisfério norte, que acontece entre os dias 19 a 21 de março.

A definição da celebração da data da Páscoa de Cristo

Como vimos anteriormente, a contagem do tempo sofreu mudanças ao longo da história, modificando o calendário por diversas vezes. A celebração da Páscoa está muito menos relacionada com um dia específico no calendário do que com o contexto histórico e espiritual deste grande acontecimento e com tudo o que ele representa e propõe para toda a humanidade.

Por definição, o Dia da Páscoa, dia da Ressurreição do Senhor, é celebrado no primeiro Domingo após a lua cheia, que ocorre após o equinócio vernal, dia em que os raios atingem de maneira perpendicular a linha do equador, cruzando do sul para o norte, e pode cair entre 22 de Março e 25 de Abril. A sequência dos dias de Páscoa se repete em ciclos de aproximadamente 5.700.000 anos. As fórmulas existentes calculam o que se convencionou chamar de "Cálculo Eclesiástico", quando em 325 o Concílio de Nicea assim definiu14.

Essa data é calculada a partir das observações astronômicas e da história do povo de Israel a partir da centralidade de Cristo, como aquele que tudo justifica. Toda a História da Salvação e toda a Criação apontam para este acontecimento, que a tudo dá sentido.

O significado da Páscoa de Cristo

A morte de Cristo se deu numa sexta-feira, antes da festa da Páscoa do povo hebreu, celebrada em 14 Nissan, uma noite de Lua Cheia e de primavera. Nessa noite, o povo hebreu deveria oferecer um cordeiro puro, sem manchas e sem defeitos, e usar de seu sangue para pintar a moldura das portas (Ex 12, 22). Essa marca impediria que o Anjo do Senhor enviado por Deus entrasse em suas casas para levar o seu primogênito.

Na Última Ceia, Jesus toma o cálice em suas mãos e diz aos seus discípulos: "isto é meu sangue, o sangue da Nova Aliança, derramado por muitos homens em remissão dos pecados" (Mateus 26, 28). Na Antiga Aliança, o sangue de um cordeiro era derramado para a remissão dos pecados. Na Páscoa judaica, o sangue do cordeiro impediu a morte dos primogênitos e libertou os hebreus do julgo do faraó. Na Paixão de Cristo, o primogênito de Deus, puro, sem mancha, defeito ou pecado, foi entregue em sacrifício e o seu preciosíssimo sangue derramado por toda a humanidade para a libertação dos grilhões do pecado e da morte eterna.

Tal como o povo hebreu repousa no sábado (Shabat), Cristo repousou na penumbra do sepulcro antes de ressuscitar na manhã clara do primeiro dia da semanaCristo venceu a morte, libertando o homem da escravidão do pecado para viver a liberdade dos filhos de Deus, assim como o povo hebreu foi liberto da escravidão do egito e pode viver em liberdade sob as bênçãos do Senhor, que os proveu com o maná do deserto, a sombra das codornizes e a água que brotou da pedra.

A noite da libertação do povo hebreu ocorreu no equinócio vernal, momento em que o "astro rei", responsável pela vida no planeta, emite seus raios de forma exatamente perpendicular à linha do equador, abrindo uma nova estação de florescimento e vida. De maneira análogo, Cristo, o Rei do Universo, aquele que nos dá a vida eterna e tudo ilumina, foi entregue em uma noite de Lua Cheia, repousou à sombra do sepulcro no último dia da semana e ressuscitou com toda a glória e esplendor no Dies Domini, O Dia do Senhor, no Domingo.

Portanto, na Páscoa celebramos mais que uma data festiva, como um aniversário ou um acontecimento histórico. Na Páscoa entramos em uma nova estação, não climática, mas de vida. Na Páscoa, morremos com Cristo para o pecado e ressuscitamos Nele para a vida eterna. Na Páscoa, "tudo se ilumina da forma mais exuberante possível, pois, segundo a fé dos judeus e a dos cristãos, assim é que se revela a grande misericórdia de Deus que não quer a morte do pecador, nem a escravidão da criatura humana nas trevas do erro e da ilusão, mas quer que ele viva, e seja feliz"6.

Referências

  1. Lc 3, 1-2. https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-lucas/3/
  2.  Cálculos meus, com base nas referências do texto.
  3. WIKIPÉDIA. Anno Dominihttps://pt.wikipedia.org/wiki/Anno_Domini
  4. MATOS, H. C. J. Introdução à História da Igreja. 5ª Edição. Belo Horizonte. Editora O Lutador, 1997.
    Henrique Cristiano José Matos é membro da Congregação dos Irmãos (Fráteres) de Nossa Senhora Mãe da Misericórdia, frater Henrique é pesquisador da história da Igreja, área na qual tem diversas publicações. Possui graduação em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1969), graduação em Curso Superior de Pedagogia - Pedagogische Akademie Sint Stanislaus (1964), mestrado em Teologia pela Pontifícia Facultas Theologica Teresianum (1984) e doutorado em Teologia pela Pontifícia Facultas Theologica Teresianum (1989).
  5. Jo 14, 6. https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-joao/14/.
  6. ALETEIA BRASIL. Por que a Páscoa não tem data fixa? Disponível em: https://pt.aleteia.org/2017/04/03/por-que-a-pascoa-nao-tem-data-fixa/
  7. KEPLER e SARAIVA (1993)
  8. PORTAL DO ASTRÔNOMO. Equinócio Vernal, ou, para qual lado é para cima? Disponível em: https://portaldoastronomo.org/2021/03/equinocio-vernal-ou-para-qual-lado-e-para-cima/
  9. LIGADO NA FÍSICA. A Páscoa e a Astronomia. Disponível em: http://www.sbfisica.org.br/v1/portalpion/index.php/artigos/292-a-pascoa-e-a-astronomia
  10. https://pt.wikipedia.org/wiki/Calend%C3%A1rio_juliano
  11. ALENCAR JUNIOR, M. P. LUNARIO NOVO de 1582: A reforma gregoriana do calendário. Disponível em: https://moaciralencarjunior.wordpress.com/tag/bula-inter-gravissimas/. Moacir Pereira Alencar Junior é cientista social com ênfase em sociologia (2009-2011), e mestre em  Ciência Política (2012-2014)  pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos)  – SP – Brasil, na área de Pensamento Político Brasileiro
  12. Livro de Êxodo, capítulos 3 a 15.
  13. Êxodo 12, 24-27.
  14. BORGES, R. C. M. Cálculo do Dia da Páscoa. Disponível em: https://www.inf.ufrgs.br/~cabral/Pascoa.htm
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